Programa Conte Sua História
Depoimento de Luis Fernando Guggenberger
Entrevistada por Rosana Miziara
São Paulo, 05/10/2017
Realização Museu da Pessoa
PCSH_HV641_Luis Fernando Guggenberger
Transcrito por Mariana Wolff - MW Transcrições
P/1 – Luis, boa tarde, obrigada por você ter aceitad...Continuar leitura
Programa Conte Sua História
Depoimento de Luis Fernando Guggenberger
Entrevistada por Rosana Miziara
São Paulo, 05/10/2017
Realização Museu da Pessoa
PCSH_HV641_Luis Fernando Guggenberger
Transcrito por Mariana Wolff - MW Transcrições
P/1 – Luis, boa tarde, obrigada por você ter aceitado o nosso convite. Vamos começar perguntando seu nome, local e data de nascimento.
R – Tá bom, boa tarde, Luis Fernando Guggenberger. Eu nasci no dia 20 de novembro de 1978 na cidade de São Paulo, Estado de São Paulo.
P/1 – Seus pais são de São Paulo?
R – O meu pai era da cidade de Ponta Grossa, no Paraná e a minha mãe veio de Santo Antônio da Platina, também do Paraná.
P/1 – E seus avós maternos e paternos, vamos falar primeiro dos maternos. Eles eram de onde?
R – Meus avós maternos, a minha avó era do interior de São Paulo, não me recordo, agora, o nome da cidade dela. O meu avô era também de Santo Antônio da Platina no norte do Paraná. Os meus avós paternos ambos eram de Ponta Grossa, no Paraná.
P/1 – E esse sobrenome vem da onde?
R – É origem alemã, vem do meu bisavô do lado paterno, era o pai do meu avô, fugido da Primeira Guerra Mundial, veio pro Brasil, chegou aqui no porto de Santos e por algum motivo, foi parar lá no Paraná.
P/1 – Você sabe o quê que ele fazia?
R – Eu sei que a última profissão dele era fazedor de frios. Ele produzia linguiça e outros tipos de embutidos de frios. Diz a família que ele foi cofundador de um grande frigorifico aqui em São Paulo, mas nunca fui atrás dessa história, na verdade.
P/1 – E o seu pai, ele conta da criação que ele teve com o seu bisavô?
R – Meu pai já é falecido. Hoje é até uma data especial, porque hoje se completam 13 anos que ele faleceu. Ele contava algumas histórias, sim, da convivência com o meu bisavô, como por exemplo, ele ter retornado para Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial para lutar pela Alemanha, ele foi até um fanático fervoroso pela ideologia do Hitler, isso fez largar a família aqui no Brasil e voltar para a Alemanha nazista para lutar, mas ele não morreu na Guerra, ele retornou e aí, com todas as mazelas da Guerra, e aí, uma série de mazelas que isso trouxe para a própria família que achava que ele tinha falecido por lá, então quando ele chegou…
P/1 – Por que ele chegou, ficou um tempo, foi embora…
R – Ele ficou um tempo…
P/1 – Ele perdeu o contato?
R – Ele ficou um tempo, pelo o que meu pai me dizia e depois os meus tios confirmaram um pouco isso, ele chegou a lutar na África, ficou um tempo em treinamento inclusive por lá e foi baleado, e ficou em coma por um tempo e depois quando ele acordou, ele tava justamente na África e voltou para o Brasil, o que foi muito curioso, ele quando chegou na casa dele, ao bater, viu o melhor amigo atendendo, ele: “O que você tá fazendo aqui?” “Casei com a tua esposa, porque todo mundo achou que você tinha morrido”, mas todo mês, ele escrevia cartas e mandava dinheiro e o irmão da minha bisavó interceptava essas cartas. Então toda família achou que ele tinha morrido. O meu avô não deixava muito de tocar nas coisas do pai, pra ele foi uma ferida muito grande, porque para o meu avô era inconcebível como é que o meu bisavô larga a família, os filhos todos pequenos ainda e vai lutar na Segunda Guerra Mundial, não tinha pé nem cabeça pra ele. Mas ainda assim, o meu bisavô depois que voltou para o Brasil…
P/1 – Mas e aí? Quando ele chegou na casa…
R – Olha, até quando eu ouvi um pouco dessas histórias, eu fui entendendo também um pouco de como eu sou hoje, em termos de personalidade, o meu bisavô, assim, quando ele chegou e o cara contou essa história para ele, ele falou: “Tá bom, então, vamos pro bar beber”. Não tinha o que fazer nesse caso. E aí foram, até tiveram uma boa convivência, mas ele daí passou a ter casa separada, etc., depois quando o meu avô mudou para São Paulo junto com o irmão mais velho dele, os dois acabaram dividindo um tempo que ele morou com cada um deles e antes de falecer, ele tava morando já com o meu avô.
P/1 – E como que foi a criação do seu pai com o seu avô? Como que era a relação deles? Seu pai contava?
R – Meu pai contava e parte da forma como meu avô criou o meu pai, ele reproduziu conosco. Comigo e com mais dois irmãos que eu tenho. Era uma educação muito rígida, acho que é típica do alemão isso, o alemão mais antigo, principalmente, ano que os alemães não continuem rígidos, mas acho que hoje estão um pouquinho mais abertos, mas era tudo muito rígido. meu avô, como foi migrante para arriscar a vida em São Paulo, ele já tinha três filhos, veio com a família aqui pra ou tudo ou nada, porque sabia que ficar em Ponta Grossa não ia ter futuro, as coisas eram muito difíceis lá e São Paulo era onde a coisa tava pulando, isso eu tô te falando mais ou menos na década de 60, princípio da década de 60 que eles vieram pra cá, acho que 65 ou 64, por aí. Então, sempre foi tudo muito difícil, não tinha vida esbanjando riqueza na família, morando de aluguel, minha vó teve que cuidar dos filhos dos outros, meu avô trabalhando das sete da manhã às oito, nove horas da noite e aí, o meu avô também reproduziu a forma como a minha bisavó, principalmente, o criou, mal teve calçado, por exemplo. Então, para o meu avô dar as coisas era sempre muito difícil, sempre muito custoso. O meu pai, como ele é o filho do meio, ele tinha uma personalidade muito forte, então ele com o meu avô se batiam muito, batiam muito de frente, personalidade dos dois muito semelhante, então isso ampliava ainda mais essa forma de criação do meu avô, meu pai não era um cara de gostar de estudar, por exemplo, mas acabou seguindo a profissão do próprio pai, foi o único dos três filhos que seguiu a profissão do próprio pai que era metalúrgico. Meu vô era metalúrgico, anos depois, com o irmão, ele abriu uma metalúrgica em Santana e um tempo depois, os dois brigaram ao ponto do meu avô não se falar com o irmão até o leito de morte. O meu avô tinha isso, tinha uma personalidade muito dura e se você ferisse a confiança dele, esquece pro resto da sua vida, é muito difícil ele perdoar.
P/1 – E a sua avó?
R – A minha vó tinha muito parecido, esse jeito duro também de criar e era aquela coisa dos mais antigos, de bater com colher de pau, cinta, entre outras coisas. E aí, tanto minha vó, até mesmo o meu avô, era muito difícil você ter demonstrações muito abertas de afetividade deles, era difícil ele falar para os filhos ou até para nós, netos um “Eu te amo”, ou coisa parecida. Era sempre ali, muito… era o jeito deles, eles acabavam reproduzindo o como eles foram criados e também a época. Eu acredito muito nisso. E aí, a história do meu pai, ele acabou se formando em metalurgia, mas nunca conseguiu trabalhar com o meu avô por exemplo. Depois o meu avô tocou a metalúrgica por muitos anos, o meu pai, volta e meia, acabava indo trabalhar com o meu avô quando ele ficava desempregado, mas ele não suportava ficar três meses com o meu avô, os dois brigavam muito, entravam em dilemas, então o meu pai sempre… e aí, anos depois, quando o meu pai e os meus tios botaram o meu avô na parede para ele vender a metalúrgica e poder curtir o restante de vida dele com a minha vó viajando ou outras coisas, ninguém quis ficar com a metalúrgica. Ninguém quis seguir… achava até que o meu pai pudesse querer seguir, porque daí também tinha uma questão de orgulho muito do meu avô. E isso retrata daí o restante. A gente sempre foi muito orgulhoso, é difícil pedir ajuda, porque acha que é autossuficiente, que é capaz de conseguir as próprias coisas, né?
P/1 – E a sua mãe? A história dos seus avós maternos?
R – Dos meus avós maternos, eu tenho pouca lembrança. O meu avô, as poucas lembranças que eu tenho dele, ele também tiveram… minha mãe teve uma criação muito difícil no norte do Paraná com colheita de café, morando em barraco de madeira e aí, é um contrassenso, porque a família era proprietária de muitas terras, lá, mas o núcleo do meu avô não tinha nada e aí, também, veio embora pra São Paulo…
P/1 – Como é que a família tinha e ele não?
R – meu avô gastou muito com bebida as coisas. Mas acho que é muito, os avós dele que detinham posses e aí, aquela coisa, só passa pro filho depois que você morre, né? E aí, na hora que ia ter algum tipo inventário, vendiam, antes mesmo de chegar a ter o inventário, vendiam e torravam o dinheiro, esse tipo de coisa. Mas aí, os meus avós vieram pra São Paulo, minha mãe veio junto já naquela época, eles estavam em seis ou sete filhos, eu não me recordo, preciso contra aqui um pouco. E aí essa coisa de vida dura, alugar uma casa…
P/1 – A sua mãe trabalhava lá?
R – Minha mãe teve que trabalhar desde criança, a cuidar de filhos de vizinhos, domestica por muito tempo. Depois aqui em São Paulo, ela já foi trabalhar em comércio. Me recordo que um dos primeiros empregos dela foi com antiga manipuladora de Xerox. Assim, do meu avô materno, o que eu tenho muita recordação mais pra minha infância, final de vida dele, ele era aqueles afiadores de facas e tesouras que viviam circulando pelas ruas de São Paulo com carrinho, amolava ali na hora pra você. Lembro de um apitinho que ele usava na rua. Meu pai brigou muito com o meu avô, porque o meu pai via o meu avô maltratando a minha vó e até mesmo a minha mãe e aí, o meu pai mal deixava a minha mãe vê-lo. Então, o meu avô, mesmo, não ia lá em casa e chegou um tempo, por causa da bebida, inclusive, ele ficava até afastado da minha vó. Os meus tios… quando você vai tentar conversar com eles, você vê que eles têm um rancor. Minhas tias principalmente sobre ele. A minha vó, eu consegui conviver um pouco mais, minha vó sempre foi dona de casa, então como os filhos acabaram indo trabalhar muito cedo, ela acabava ficando dentro de casa porque tinham os filhos mais novinhos, minhas duas tias. Nossa, minha vó com os netos, eram o xodó dela. E também passando tempos muito difíceis, do tipo, quando a gente era pequenininho, eu ia para a casa dela, ela queria dar uma coisa pra gente comer à tarde, não tinha, era um ovo para fazer bolinho de chuva. E aquilo pra gente era o máximo! Até hoje, essa é umas das lembranças mais bacanas que a gente tem da nossa avó. Com o que ela tinha na mão, ela fazia acontecer, arrumava um trocadinho de algum jeito pra sempre estar agradando os netos. E a minha avó, você… eu nunca soube de uma história dela ter algum tipo de inimigo, todo mundo gostava muito da minha avó. Ela quietinha, mansa…
P/1 – Quando eles vieram morar aqui, para que bairro eles foram?
R – Eles vieram… a parte da minha mãe veio para o bairro do Chora Menino, se estabeleceram muito ali em volta da Rua Nova dos Portugueses, atrás do cemitério do Chora Menino. O meu pai veio também ali para a Nova dos Portugueses, mas depois eles mudaram ali pro Imirim, vizinho, mas a vida inteira eu sempre fiquei na zona norte de São Paulo com todo esse núcleo familiar.
P/1 – Como é que o seu pai… você sabe como é que o seu pai e a sua mãe se conheceram? Como é que as histórias se casaram?
R – Eu sei mais ou menos como era a história. Acho que a minha mãe frequentava um centro espirita, que o meu avio começou a
frequentar…
P/1 – O pai dela?
R – O pai dele.
P/1 – O pai dele e a sua mãe frequentavam?
R – Isso, exato. E aí, tinha um tempo até que o meu avô chegava a dar carona para a minha mãe em algum ponto em Santana e tal e o meu pai, nessa época, ele tava na Aeronáutica e ele sofreu um acidente com arma e chegou a ficar em coma, a bala atravessou a cabeça dele…
P/1 – Como que aconteceu?
R – A história que me contam sempre é que ele tava limpando a arma, uma espingarda que ele tinha, ela tava carregada e ela entrou por essa área aqui da cabeça e foi sair aqui, mais ou menos, no miolo. Não teve nenhuma sequela, obra divina isso e aí, minha mãe acabou visitando ele no hospital, para retribuir a gentileza sempre do meu avô e acabaram se apaixonando. Acho que quando ele acordou, talvez a minha mãe tenha sido a mulher da vida dele e ali, começaram a sair e resolveram casar. Também casaram muito rápido e muito cedo, minha mãe com 18 anos casou. Eu nasci, ela tinha 20 anos ainda.
P/1 – Você é o mais velho?
R – Eu sou o mais velho.
P/1 – Quantos irmãos?
R – Eu tenho mais dois irmãos, a gente tem uma diferença de dois anos entre cada um.
P/1 – Como que é o nome deles?
R – O meu irmão do meio é Cleber e a minha irmã Caterin.
P/1 – Ah, você tem uma irmã. E aí, eles casaram e foram morar onde?
R – Eles foram morar lá no Imirim, numa casa alugada, então daí o meu pai metalúrgico. Eles resolveram ir para uma casinha bem pequena nos fundos de uma outra casa, alugada. Essa casa eu tenho uma lembrança vaga por ter isso umas duas vezes, mas sempre que eu passava na rua, ali no Imirim, eu passava por essa casa e sempre me recordava: aqui que eu nasci.
P/1 – Mas quanto tempo você ficou lá?
R – Eu devo ter ficado ali uns dois anos, mais ou menos.
P/1 – Ah, foi pouco tempo!
R – Foi pouco tempo, de recém-nascido a dois anos. Logo…
P/1 – Aí, o seu pai era metalúrgico e a sua mãe trabalhava fora?
R – Minha mãe já nessa época, parou de trabalhar, aí ela passou a ser dona de casa por um bom tempo. Depois em 80, o meu irmão nasceu no mesmo dia do aniversario do meu pai e os dois também são iguaizinhos, então eu brinco que…
P/1 – De fisionomia ou de jeito dos dois?
R – O meu irmão, de fisionomia e de jeito. As fotos de bebê do meu irmão com as do meu pai são “cuspido e escarrado”, um e o outro. A gente até brinca que espiritualmente,. os três devem ter alguma ligação muito forte, porque não dá para você compreender nesse plano que a gente vive essa ligação toda e as farpas que sempre tiveram, mas ao mesmo tempo, essas similaridades dos três, né? Não sei do meu bisavô, porque eu não o conheci, ele morreu em 70, talvez possa ser alguém na linhagem também.
P/1 – Oito anos antes de você nascer, né?
R – Exato. A minha bisavó morreu no ano em que eu nasci, em agosto, não chegou a me conhecer. Já os meus bisavós maternos, os avós da minha avó eu cheguei a conhecer, mas muito pequenininho também, meu bisavô e minha bisavó, eu ainda consegui lembrar de um pouco mais de tempo com ela. Já da parte do meu avô, não porque mal tive contato, porque eles ficaram em Santo Antônio da Platina, lá no paraná, então não tive contato nenhum. Os pais da minha vó paterna, eu não tive contato nenhum. Desses eu não tenho lembrança nenhuma.
P/1 – Foi a história que você escutou.
R – Não, esses da minha vó materna eu não tive contato, do meu avô paterno, esses são essas histórias todas, que é de onde vem a forca da família, que eu acho.
P/1 – E depois dessa casa do Imirim, eles mudaram pra onde? Vocês mudaram pra onde?
R – Nós mudamos aqui pras Perdizes, ali pra Rua Aimberê, num prédio que a minha tia alugou o apartamento para o meu pai, na época. Me recordo que ele trabalhava na Bardella, uma metalúrgica forte e importante, nisso nasceu o meu irmão.
P/1 – O quê que ele fazia na metalúrgica?
R – Ele era torneiro mecânico. Depois ele foi tornar torneiro CNC, coisa que ha poucos dias atrás, eu vi de novo um torno, eu nem imaginava um pouco disso. Mas ele, em geral, fabricava muita peça pra caminhão, ou pra automóvel, basicamente, o que eu vi, quando eu visitei fábrica com ele era você colocar barra de metal e depois
ir lapidando toda a peça pra entrar em algum tipo de engrenagem. O meu pai chegou a fabricar em algumas metalúrgicas, bomba pra água, esse tipo de peça metálica sob medida.
P/1 – Quanto tempo vocês moraram na Aimberê?
R – Nossa, a gente morou de uns três a quatro anos, mais ou menos.
P/1 – Você tem lembrança de como era o bairro?
R – A lembrança que eu tive… eu tenho algumas lembranças ali porque foi a primeira escola infantil que eu estive, a Santos Dumont. Eu tenho algumas recordações com alguns vizinhos a chegar e ir para um clube ali próximo. Eu me lembro que volta e meio, no mesmo quarteirão tinha uma padaria e por diversas vezes,
com os meus pais por ali, era um prediozinho que não tinha muita área de lazer, então a gente brincava muito nas escadas do prédio ou num vão de entrada ali…
P/1 – Você brincava com quem?
R – Ou eu brincava com o meu irmão que já tava pequeno, então ali, o meu irmão… deixa eu ver, eu morei ali dois, três nãos, exato, porque o meu irmão nasceu em 80, minha irmã em 82, a minha irmã nasceu quando a gente ainda morava em Perdizes, então eu acabava brincando ou com o meu irmão, ou com algumas das crianças vizinhas, ali. Eu me lembro que naquela época foi uma febre de Star Wars, por exemplo e eu via esses vizinhos com bonecos, com figurinha e aí, a gente não tinha… como era tudo muito difícil, era quase que objeto de desejo poder ter alguma coisa ali de Star Wars ou dos brinquedos que aquelas crianças tinham e que a gente acabava não tendo.
P/1 – E na escola, como é que você ia? Ia a pé, alguém te levava?
R – Minha mãe sempre me levava a pé, não me recordo muito a distância, mas a gente andava bastante.
P/1 – Quais eram os caminhos, você lembra as ruas?
R – Nossa! A Santos Dumont fica ali próximo do Palmeiras, então eu acho… se eu não tiver errado nos meus cálculos, a gente andava umas cinco quadras, de cinco a seis quadras ali pela própria Aimberê ou alguma travessa ali dela pra chegar na Santos Dumont.
P/1 – E como é que era Perdizes nessa época?
R – Nossa! Eu não tenho muita lembrança ali do bairro como era, não. Porque eu pouco andava pelo bairro. Eu lembro uma vaga memória sobre ali onde hoje é o Shopping West Plaza, que era uma Sears e eu me lembro muito do meu pai ir lá na Sears. Antigamente, vendia-se muito bala, chiclete e até mesmo amendoim soltos, eu lembro do meu pai volta e meia comprava saquinho de amendoim e levar pra casa. Esse tipo de coisa. lembro que para ir para a casa do meu avô, pegava ônibus ali mesmo, demorava um baita tempo, a gente nunca teve carro, então demorava um bom tempo pra chegar na casa do meu avô no Imirim. Depois teve um vizinho nosso que acabou se tornando um padrinho meu de Crisma, que ele mudou-se para o parque São Domingos, eu me lembro de chegar a pegar ônibus ali onde hoje é o metrô Barra Funda pra ir até Lapa e da Lapa ir para o Parque São Domingos. Então… eu me lembro muito disso, de ônibus era sempre para distancias longas. Uma das coisas que eu me lembro ali era de ter… existia um ônibus que saía das Perdizes, ali da Cauibi e ia até o aeroporto, minha mãe para ter algo a fazer, de pegar o ônibus e levar a gente para o aeroporto pra ver os aviões partirem. Antigamente, tinha muito esse programa aqui em São Paulo, né? Eu me lembro de um programa infantil de uns palhaços que existia na TV Record, que ficava ali na Rua Miruna, próximo do aeroporto. Eu lembro disso, da gente pegar o ônibus e ir… atravessar duas vezes, uma que era para marcar pra gente poder participar do programa na plateia e o segundo era para ir.
P/1 – E você lembra de algum programa?
R – Nossa, por essa coisa de prédio e minha mãe sempre teve muito medo da rua…
P/1 – Não, desse programa que vocês iam.
R – Nossa, não, desse programa, eu não lembro muita coisa, não. Ficava um grupo de crianças atrás, ali, no palco, essa era a única lembrança que eu tinha e muito dos desenhos que eu gostava de assistir desse programa. Quem eram os palhaços, eu não me recordo, eu não faço a mínima ideia… eu precisava dar um Google pra achar quem eram. mas eu já nessa época, ficava muito ligado em desenho animado, então eu sempre fui muito caseiro, fiquei sempre muito em casa vendo televisão. Talvez por isso, por essa primeira… os primeiros movimentos da minha primeira infância terem sido muito em casa. Acabei sempre gostando muito disso, da TV, de mídia e por isso, da minha formação em Comunicação muito pelo fascínio com a televisão.
P/1 – Como é que era na sua casa, quem que exercia a autoridade, seu pai ou a sua mãe?
R – Meu pai. meu pai sempre foi a autoridade em casa, minha mãe, tadinha, tem um coração enorme, a gente pintava e bordava, mas quando fugia da conta e ela não controlava, ela: “Vou falar para o seu pai”, e aí a gente: “Opa…”. E eu tive uma infância muito dura nessa relação com o meu pai, mas diferente dele e o meu avô, até a morte dele, meu pai sempre foi o meu ídolo. Então, claro, eu sempre fui o mais castigado por ser o mais velho, aquela carga de “Você tem que ser o exemplo pros seus irmãos. Com você eu não posso errar”, porque o meu avô sempre estigmatizou o meu pai, também, né? Por ele não gostar de estudar e acabou tendo que fazer Senai, esse tipo de coisa enquanto que os meus outros tio, uma foi nutricionista da Estrela, tinha uma carreira bem sucedida. Meu tio mais novo também, algum tipo de carreira não com formação universitária, porque naquela época, universidade era (corte no áudio) e pra entrar na pública então, nem se fala, mais difícil ainda. Então o meu pai sempre foi aquele filho que não deu certo. Então o meu pai não admitia isso com a gente. Ele queria que a gente tivesse, dentro dos limites dele, a melhor educação possível, o orgulho dele, ele preferia alugar uma casa do que a gente ter que morar num barraco, numa favela, ele preferia ter que se matar de trabalhar pra dar conforto para a família. Mas aí, muitas das coisas que ele vivia do trabalho, ele carregava sempre pros filhos, essa carga emocional. Então, por diversas vezes, ele tinha muita repressão com a gente, batia muitas vezes, pouco diálogo. E tinha uma coisa também, que do meu pai pouco falar, ele era muito caladão, muito mais quieto, a não ser depois que ele tomava uma cerveja e estava numa roda social, aí era o momento que ele se soltava um pouco mais. Mas ali em casa, mesmo depois de eu adolescente, jovem, de eu poder sentar na mesa e dialogar com o meu pai sobre politica, sobre esportes, eram raros esses momentos. Eu sentar com o meu pai para falar da minha própria adolescência, descobrir o meu próprio corpo não tive esse tipo de conversa com ele.
P/1 – E sua mãe cozinhava, você lembra de pratos que você comia?
R – Minha mãe cozinhava. A minha vó paterna também sempre foi uma baita cozinheira de mão cheia, então a minha mãe, ela conta que muita coisa ela aprendeu com a minha avó. Domingos na casa da minha avó eram sempre domingos quase como as famílias italianas, de muita bebida, muita comida, muita conversa…
P/1 – Quem que ia nesses almoços?
R – Meus avós estavam lá, era sempre na casa do meu avô, então a gente… nós cinco íamos, minha tia com o meu primo, o meu tio mais novo, o tempo que ele morou lá com o meu avô também estava por lá e a namorada. Era sempre esse núcleo mesmo da família. E aí, eu lembro muito de chegar domingo de manhã, que o meu pai queria ir com o meu avio assistir Formula 1 na fase Ayrton Senna e aí, lembro muito do meu avô por seguir o espiritismo em muitos domingos, para ele sair para colocar doces no jardim, essa é uma das coisas que eu me lembro muito.
P/1 – Pra quê que colocava doce no jardim? Qual que era o significado?
R – Tem uma entidade que são crianças, meu pai daí foi médium. Então também tinha essa coisa do meu pai muito seguir esses rituais fora do próprio centro espirita. Esse centro que eles iam, ele era uma mistura de mesa branca com umbanda, vamos chamar assim. Então, eles tinham muito essa tradição de ir no jardim colocar oferendas para as crianças, tinham alguns rituais que eu me recordo de fim do ano sempre ir para a Praia Grande, algumas vezes, pra alguma mata, alguma cachoeira, mas a gente sempre ficava em casa, a gente não ia, exceto nesse centro, a gente sempre ia,
acompanhava os meus pais. Me recordo muito da gente… o culto ia até altas horas, assim, pra criança, dez, 11 horas da noite, a gente já tava acabado de sono, de deitar no banquinho, dormir enquanto estava acontecendo todos os rituais.
P/1 – E fim de ano, vocês passavam as festas, a passagem de ano na praia?
R – Não, sempre era na casa dos meus avós, não tinha casa de praia…
P/1 – Não, esse da Praia Grande?
R – Era um bate e volta que o centro fazia pra fazer algum trabalho, fazer as oferendas pra Iemanjá…
P/1 – Você lembra de alguma…?
R – Não, porque eu era muito pequeno e não ia. Isso eu não tenho lembrança nenhuma, era isso, do meu pai ir e no dia seguinte, a gente acordar e ele tá lá em casa, u às vezes, ele chegar cedo e ele ir dormir para descansar o resto do dia.
P/1 – Então, você acabou tendo essa formação?
R – Acabei tendo, mas a minha mãe sempre muito católica, também, por causa da minha vó. Apesar da minha mãe ter conhecido o meu avô por causa do cetro espirita. Então na minha casa, eu sempre convivi muito com essas duas religiões. Isso em alguns momentos, até na minha adolescência, na Crisma, por exemplo, me botou muito em conflito, o catolicismo pregando que não existia reencarnação e do outro lado, eu: “Mas eu acredito nisso, como assim?”, em alguns momentos, eu vivi esses conflitos, esses embates muito com a religião. Então assim, respeitar muito diversidade religiosa é algo que eu consigo lidar muito bem por ter tido esse exemplo dentro de casa.
P/1 – E com os seus irmãos, você brincava? Como é que era?
R – Brincava muito. O meu irmão muito, por ter uma idade muito próxima da minha, mas o meu irmão também era da pá virada, então a gente brigava pra caramba, muito pelo gênio dele, como eu falei…
P/1 – Seu pai…
R – “Cuspido e escarrado” meu pai, então teimoso, era do jeito dele e nem todas as brincadeiras que eu queria fazer ele gostava. Meu irmão era muito de rua, eu não, eu era de ficar em casa com carrinho, jogando botão. Meu irmão, não, meu irmão era aquele da pipa, do peão, da bolinha de gude. O que me fez vim mais pra rua eram os esportes, então jogar bola na rua, vôlei, andar de bicicleta era algo que me envolvia mais na rua. Mas naquele tempo que a gente morava aqui nas perdizes, nem tinha muito isso, era mais em casa, brinquedos mais clássicos.
P/1 – Quanto tempo você ficou no Santos Dumont? Você tinha quantos anos?
R – Eu tinha cerca de quatro a cinco anos, estava no jardim, ainda.
P/1 – Você tem lembranças desse período?
R – Não, não tenho nenhuma.
P/1 – E depois, vocês mudaram de Perdizes pra onde?
R – Ai, a gente foi pra uma casa em Santo Amaro, uma travessa da Avenida Santo Amaro, onde hoje…
P/1 – mas por que essa mudança de bairro?
R – Porque o meu pai conseguiu um emprego numa metalúrgica por lá. Esse sempre foi um problema da carreira do meu pai. Metalúrgico no Brasil nunca teve estabilidade, né, exceto no ABC, quem conseguia ter a sorte de trabalhar numa grande montadora. E também algumas divisões de fábrica, não era todo mundo que conseguia perdurar por muito tempo. Então, tinha esse aspecto e tinha o aspecto do próprio meu pai que não lidava muito cem com o comando, com a liderança impositiva, então ora era porque a fábrica tava fechando por causa das crises que a gente via no Brasil, da época da inflação superalta, isso eu me lembro ser um dos motivos, outra porque ele tinha pavio curto e mandava o chefe pastar. Mas aí, eu me lembro dessa transição, ele saiu da Bardella e foi conseguir em prego nessa metalúrgica que era do lado da casa que ele alugou pra gente morar lá em Santo Amaro. Essa rua, ela fica onde hoje tem a sede da Igreja Universal, uma das primeiras grandes da Igreja Universal aqui em São Paulo. Ali, eu tenho pouca lembrança também. Como era uma rua muito movimentada, a gente não podia nem brincar na rua e a fábrica metalúrgica era bem do lado de casa. Então, o que eu tenho muito de lembrança é de noite muito barulho da fábrica, porque ela tinha turno noturno, então atrapalhava muito o sono, mas me lembrava muito do meu pai durante o dia, hora do almoço, ele vinha almoçar sempre em casa e acabava fazendo a sesta dele, assistia o jornal dele, voltava pra fábrica. Então ali, eu não tenho muita lembrança de brincadeiras ou de convivência ali…
P/1 – Você ficou quanto tempo lá?
R – Ali, a gente ficou um ano, porque aí, numa chuva – essa é uma lembrança que eu tenho dali – o teto era de estuque, gesso e essa chuva infiltrou de um problema que tava acontecendo no telhado, meu pai já havia avisado o dono da casa que não fez nada, e aí num belo dia de uma baita chuva aqui em São Paulo, desmoronou esse estuque e acabou com o jogo de quarto dos meus pais. Eu me lembro da imagem de ver essas casas antigas que caía o gesso e ficava todos aqueles aramezinhos na casa e o jogo de quarto do meu pai inteirinho… cama, só o guarda-roupa que se salvou, o restante, tudo embora, porque caiu tudo em cima e
água, água, água. E aí, quando aconteceu isso, eu lembro do meu pai no batente da porta, desesperado, inconsolado, minha mãe juntando a gente, foi até o orelhão, na chuva mesmo pra ligar para algum tio que veio, pegou a gente, levou pra casa da minha vó, minha vó materna pra gente ficar uns dias enquanto tentava ali restabelecer. Ali, o meu pai pediu demissão, cancelou contrato de locação e foi embora. Essa casa, eu me lembro ser em cima de um bar, até. Então, essa é a única lembrança que eu tenho ali de Santo Amaro. E essa coisa de ser muito longe, tudo era a base de ônibus e eram horas, horas e horas de ônibus. E aí, eu me recordo que a minha vó materna morava nessa época em Itaquera e o metrô chegava só até o Belém, então você tinha que pegar… quando você conseguia pegar o metro era até o Belém e de lá, ainda você pegava ônibus que levava horas pra chegar em Itaquera, então era sempre… era isso, saía cedinho de manhã pra ir visitar a minha vó, dormia lá pra voltar no dia seguinte. Acabava o almoço, vinha embora.
P/1 – Passava o fim de semana?
R – Passava o fim de semana quando a gente tinha que ir para lá.
P/1 – E você tem lembranças de Itaquera?
R – Eu tenho lembranças porque era na época das Olimpíadas de 84, Los Angeles e eu me lembro de um campo de futebol, o terrão que a gente ficava brincando. Uma das coisas que me chocou naquela época foi ter visto um velório de um menino dentro de casa, porque até então, pra mim, velório era no próprio cemitério, né? E aí, algum vizinho morreu assassinado lá e eu me lembro de ter ido ver esse velório e aquilo me chocou de: “Como assim? Em casa, tudo lotado”. Outra que eu lembro é muito dos meus tios, porque daí, minha vó, nessa época morava com o filho, o segundo filho dela e o terceiro filho dela e mais uma das minhas duas tias, com a mais nova, porque a segunda mais nova morava nessa época com o meu tio mais velho em Curitiba, no Paraná. E ai, eu me lembro de 84, a minha vó começar a fazer um rodizio entre os netos, cada viagem que ela fazia de férias, ela sempre levava um dos netos. Então, a gente rodiziava entre a gente. Eu lembro de ter sido o primeiro com ela de ir para Curitiba e eu ficava… eu via pela televisão naquela época, não era nem granizo, já era um pouquinho de não neve, porque não chegava a ter, mas via coberto de gelo os carros, eu falava: “Nossa, tô indo para Curitiba, eu vou ver a neve”, pra mim, ir pra Curitiba era para ver a neve, aí chegando lá…
P/1 – Por quê que ela escolheu Curitiba?
R – Meu tio trabalhou em banco, eu não lembro agora em que banco que ele tava trabalhando na época, então daí, aminha vó foi visita-lo e ele levou a minha tia pra ela poder estudar lá e ter alguma educação melhor, né, uma tentativa. os meus tios por parte da minha mãe sempre foram muito unidos, então sempre teve muito isso, de um ajudar o outro, sempre. Então, morando juntos até a hora que casassem, se um mudava pra alguma cidade, como é o caso do meu tio mais velho, ele sempre arrastava algum pra ser protetor, até para dar um alivio para a minha avó. Então, sempre teve muito isso entre os meus tios.
P/1 – E aí depois de Santo Amaro, seu pai foi pra onde?
R – Aí, a gente mudou pro Imirim, aí a gente tava umas duas ruas para baixo da casa da minha vó paterna. Essa eu já lembro um pouco mais dessa casa, porque aí já era numa rua supertranquila, eu lembro de brincar muito na rua, foi ali que eu aprendi a andar de bicicleta. Me lembro muito do meu pai me ensinando, tirando uma rodinha para depois tirar outra e sempre encostado no muro. Em alguns momentos, o meu avó paterno chegava pra visitar a gente, ali, em momentos que o meu pai tava trabalhando, ele conseguia passar lá. isso me lembro muito do meu avô, passando na rua com o carrinho dele, apitando pra amolar faca e etc. Era uma casa alugada que do lado tinha um bar, era o dono dessa casa.
P/1 – Quanto tempo vocês ficaram lá?
R – Ali a gente ficou dois anos. A gente ficou em 85 e 86. me lembro muito da Copa do Mundo em 86, de decorar rua, não tinha… 82 eu era bem pequeno, então eu não tenho lembrança nenhuma dessa Copa, né? Só depois, maior ter visto o VT. Agora, de 86, eu tenho uma lembrança muito forte, porque daí, tinha esse negócio de decorar a rua, eu fui lá na rua ajudar a pintar com os mais velhos, eu tinha oito anos. lembro de bandeira de plástico, com a bandeira do Brasil, de no meio do jogo, na sala, eu lá hastear a bandeira e ficar balançando, de chorar com a eliminação contra a França. Foram anos muito gostosos nessa casa e foi ali que eu comecei a estudar no ensino fundamental, eu fui pra uma escola chamada Orlando Horácio Vita. A lembrança que eu tinha dessa escola é que eu tinha que… da minha casa pra chegar nela, eu tinha que subir um baita laderão pra chegar na Avenida Imirim, eu ia a pé, minha mãe me levava até um ponto que a minha mãe… no começo, minha mãe ia me levar, depois eu ia sozinho, isso com sete anos de idade. Naquela época, os pais confiavam muito nos filhos fazerem isso, né? Então, ia até a Avenida Imirim, atravessava a Imirim, depois descia uma outra rua, onde fica o Colégio Consolata
e depois subia um baita laderão de novo, que era onde ficava a escola.
P/1 – Escola pública ou particular?
R – Escola pública, escola estadual. Eu me recordo de ter entrado para o primeiro ano, eu tava com sete, naquela época você já entrava… nem fazia pré, já entrava no primeiro ano, mas tinha uma coisa lega, que o meu pai sempre fazia, a gente… ele sempre deu papel, lápis, se a gente quisesse aprender a escrever, etc., ele largava a gente e vai embora… eu me lembro de não ter feito primeira série. Eu sentei na primeira série uma semana, a professora chamou a minha mãe e falou: “Pode passar ele pra segunda, ele já tá apto pra escrever”, e aí comecei direto na segunda série, então fui muito precoce. Nos meus tempos escolares, eu fui sempre muito precoce, por isso, por ter pulado a primeira série e como eu fazia aniversário em novembro, tinha essas coisas, né, conforme for a data de aniversário, determinava um pouco a série que você estava. Então, eu me lembro de ter queimado essa etapa do primeiro ano. E aí, o meu irmão fazia o pré nesse colégio. A gente ficou um ano e meio nessa casa mais ou menos.
P/1 – Tem alguma professora que você lembra dessa época? Ou não?
R – Professora Irene, foi minha professora. Eu devo ter foto em casa, até, de uma festa na escola que eu devo ter tirado com ela. Me ajudou muito, porque daí, eu não era… não tinha a mesma idade das demais crianças, sentava na primeira fileira, então eu só tinha um colega que sentava atrás de mim, que também era um menino super caçoado pelos demais colegas, a gente sofreu muito bullying na escola, então era o tempo inteiro só nós dois.
P/1 – Você sofria bullying?
R – Ixi, a minha vida de escola eu sofri.
P/1 – Por quê?
R – Acho que principalmente pela minha imaturidade, de eu sempre estar numa faixa etária um pouco atrás e acho que tem um lado que os meus pais procuraram preservar muito que foi a minha infância, essa doçura da infância de você deixar a criança brincar o máximo que ela pode. meus pais nunca me forcaram ser adulto rápido.
E isso eu via que os outros eram muito mais malandros com a vida, se é que eu posso classificar assim, então eu sempre era o meio bobão da sala, meio tímido da sala. Então, acabou sempre acontecendo, não só nessa escola, mas nas outras.
P/1 – Como que você sofria esse bullying? O quê que faziam?
R – Nossa, vinha desde a minha genitália, sobre algum comentário meu em sala, mas sempre me viam como CDF, que eu sempre daí fui muito aplicado em estudar. Eu sempre gostei de estudar e acho também que tinha essa coisa só meu pai, essa cobrança do meu pai de que não pode dar errado. “Não quero que o meu filho seja bandido, não quero que você tenha a vida sofrida que eu tive”, e um pouco acho que tinha esse sentimento do meu pai de “eu vou mostrar para o meu pai que eu fui um bom pai, que eu consegui, mesmo com toda diversidade que eu tive, ter condições de criar bem o meu filho, os meus filhos”. Então, ele transferia muito essa força ali pra gente, então por isso na escola, eu sempre fui muito aplicado, eu era daquelas crianças de chegar em casa, já fazer a minha lição pra me livrar logo, de prestar atenção em sala de aula, eu não me recordo muito de ter pego caderno e livro pra ficar estudando pra provas.
P/1 – Mas você tinha amigos na escola?
R – Tinha. Nessa escola, no Vita ali no Imirim, eu me lembro só desse amigo, os demais eu não tenho lembrança nenhuma. E era muito sempre a gente aí na aula, o recreio e a gente ficava ali conversando, etc. e voltava. E aí nessa fase também foi uma fase difícil pra gente no nosso núcleo familiar porque em virtude desse centro espirita que o meu pai e o meu avô frequentavam, o meu pai teve uma briga violenta com o meu avô, deles não se falarem por anos. Não me recordo quantos anos eles deixaram de se conversar, meu pai não queria nem que a gente fosse visitar o meu avô.
P/1 – Vocês perderam o contato?
R – Não, minha mãe fazia questão, isso minha mãe bateu de frente com o meu pai e um ponto de que nesse período, ali meados, inicio de 86, acho que mais ou menos entre abril, maio eles quase se separaram. Então, a lembrança que eu tive é o meu pai não queria ir mais nesse centro, a minha mãe foi com o meu avô e nos levou, na hora que a gente chegou em casa, a porta estava trancada, meu pai não queria falar com ninguém e a gente não ia entrar. A minha mãe: “Tá bom, tô indo embora”, a gente ficou morando na casa da minha tia, irmã dele por um ou dois meses, se eu não tô enganado e aí, da minha mãe, eu me lembro dela conseguir chegar em casa por ameaçar ir na policia ou coisa parecida pra gente poder, pelo menos, pegar as nossas roupas e me recordo muito da minha mãe ir no colégio conversar com a direção de que eu só podia sair da escola com ela ou com alguns dos meus tios ou meus avós. Então isso pra mim sempre foi muito duro, sempre ficou muito marcado ao um ponto de nesse período que eles estavam meio separados, depois de ter passado aquela fase de tensão entre os dois, e eu ir para a casa de uma tia que era próxima ali do colégio, sempre ir para lá, eu sozinho e ficar lá esperando a minha mãe chegar.
P/1 – Mas vocês… não entendi esse período, vocês saíram de casa?
R – Saímos de casa.
P/1 – Vocês foram morar nessa tia?
R – Nessa tia.
P/1 – Vocês e seus irmãos, seu irmão e sua irmã e sua mãe?
R – E minha mãe. Nós quatro…
P/1 – E quanto tempo?
R – ficamos entre um, dois meses.
P/1 – E o seu pai?
R – Não tinha santo que fazia ele demover da ideia.
P/1 – Você ficou sem ver esse período, ele?
R – Fiquei sem vê-lo um bom, tempo sem vê-lo. Ele chegou até a fazer uma promessa, que ele deixou barba crescer e só ia tirar a barba se um dia ele voltasse a falar com o meu avô. Então daí, essa fase da minha vida, eu lembro muito do meu pai, a barba era o símbolo dele de revolta com o meu avô.
P/1 – Que tamanho ficou a barba?
R – Não chegou a ficar muito grande, ele fazia sempre a barba, ele deixava ela curta, não é hoje como aquelas que parece um bode (risos). E aí, eu me recordo dessa tensão toda, não sei como minha mãe voltou a falar com o meu pai, deles sentarem e reatarem, porém, o meu pai com o meu avô, ele não reatou, ele continuou dessa maneira. A gente só ia com o meu pai aos finais de semana, quando tava em casa, ia pra casa da minha vó materna que morava lá próximo, ela já tinha mudado de Itaquera, ali pra Santa Terezinha em Santana, perto de Santana. O meu tio mais novo também chegou a brigar com o meu avô, junto com o meu pai. Então, o meu pai tinha contato só com esse meu tio, e aí era briga não sei porque cargas d’água, coma filosofia do centro, o meu avô se dedicou muito a ajudar esse centro espirita. Então me recordo muito na casa do meu avô, ele tinha um baita de um terreno, dele, ali ele recolher muito reciclado. E me lembro muito ao longo de muitas partes da minha infância deles fazerem mutirões ali do centro pra amassar o papelão e ajeitar ele para depois na Kombi do meu avô ou de um caminhão, vender. E isso arrecadar fundos para construir essa sede do centro espirita. Então até muitas vezes, quando eu ia pra casa da minha vó durante a semana, ou fim de semana, eu brincava no meio do lixo reciclável, era o maior barato a gente subir na montanha de lixo, surfar na caixa de papelão. Então, o meu avô sempre ajudou muito esse centro e o meu pai chegou um ponto que ele não concordava muito com a maneira como o centro estava tratando o meu avô e pro meu avô, pouco importava. Chegava até a beira de acusações de charlatanismo ou coisas parecidas. Eu nunca entendi bem a razão dessa briga e também nunca quis ficar me aprofundando nela. Mas eu me recordo que em 86, no meio do ano, porque o meu pai aí arrumou outro emprego, aliás… é, nesse período, ele arrumou um novo emprego em Alphaville e aí, a gente mudou para o Jardim Tremembé. Foi Alphaville essa época? Espera aí, agora eu me confundi um pouco na linha do tempo. Eu acho que foi…
P/1 – Não tem problema.
R – Agora eu não lembro se era Alphaville ou se foi aqui no bairro do Limão, porque ele trabalhou nesses dois lugares nesse período. Mas enfim, eu acho que foi Alphaville mesmo. Ele arrumou em Alphaville, a gente foi morar no Jardim Tremembé e eu me lembro muito muito…
P/1 – Então, vocês trocavam de casa, escola, mudava toda a dinâmica?
R – Mudava toda a dinâmica de dois em dois anos, praticamente. Por isso, tem esses altos e baixos da profissão do meu pai, ora também pelos valores de aluguel, então essa primeira infância minha sempre foi muito nômade.
P/1 – Se separava dos amigos?
R – Não consegui criar vínculos com amigos, até os meus oito anos de idade, eu não tinha amigos.
P/1 – E nessas escolas diferentes, você sofria bullying em todas? Ou não, teve uma que tinha?
R – Essa que eu passei dos oito anos até o colegial, eu sofri muito ali.
P/1 – E você contava pros seus pais?
R – Contava algumas vezes e outras, não, porque também tinha coisa que era… eu lembro dos meus pais, por exemplo, irem na escola me defender de briga, e aí, era uma forma também que eu tentava reagir ao bullying. Eu era da pá virada e tentava sair na mão com algum garoto no colégio. E aí, me recordo de que em alguns momentos, eu tava em paz, estava tranquilo e de outros que vinham me provocar. E aí, os meus pais virem em minha defesa. Em 86, eu lembro muito claro que foi um ano difícil pra caramba, porque aí os meus pais… meu pai resolveu mudar para o jardim Tremembé, quando a gente visitou a casa, uma das coisas que horrorizou a minha mãe porque era uma ladeira de paralelepípedo e no final dessa ladeira, a gente morava quase no topo da ladeira, no final dela era uma favela. Minha mãe ficou de cabelo em pé: “Como assim, a gente vai morar em frente da favela? Como é que você vai criar as crianças? Que segurança nós vamos ter?”. E ainda eu me recordo que no final do ano de 86, eu passei uma semana alternando a casa das minhas avós para não perder o ano letivo, não dava pra eu mudar pra uma escola ali do bairro do Jardim Tremembé, então eu continuei nessa escola do Imirim, no Vita durante ainda mais seis meses. O meu irmão, não, minha mãe tirou ele do pré… tirou ele do pré? não, não tirou, não. Meu irmão aconteceu a mesma coisa, a gente ficou alternando, então uma semana eu passava na casa da minha avó paterna, ele passava na minha vó materna e no final de semana, a gente ia para a casa dos meus pais e quando voltava na segunda-feira, cada um tava na casa de uma avó. mesmo o meu pai brigado com o meu avô, a minha mãe foi lá pedir para ele pra gente poder fazer isso e o meu avio não se opôs, até porque era o neto. Então foi muito difícil esse ano, essa adaptação, tudo isso acontecendo, desde os meus pais quase se separarem, a gente mudar… aí, eles mudarem de casa, de bairro, a gente ficar quase não convivendo com os dois, alternando entre casa dos avós, então foi uma miscelânea tremenda na nossa cabeça.
P/1 – Tem alguma história marcante desse período, assim, na escola?
R – Da escola em si, eu não tenho lembrança. Eu tenho lembrança em casa, na casa do meu avio paterno disso, desse meu gosto em estudar, de ver o meu avio orgulhoso disso, porque eu chegava da escola, eu deixava… ia pro quarto que eu tava, botava
aminha bolsa, a minha avó não precisava falar, eu pegava
o meu caderno, ia lá fazer a lição e fazia logo, fazia caprichado, tudo, minha vó quando vinha: “Você já terminou?” “Terminei vó”, ela olhava: “Tá bom”, ia lá, tomava o meu banho, jantava, dia seguinte, porque o meu primo mais velho, como a mãe dele era separada, ele ficava de manhã no colégio e à tarde, ia para a casa da minha avó, minha avó que criou, praticamente, o meu primo. Eu lembro de várias vezes o meu avô falar: “Tá vendo, Rodrigo, segue o teu primo”, porque ele não gostava muito de estudar, era uma dureza ele fazer a lição de casa, ele não queria fazer logo que voltava do colégio, meus avós me usavam como exemplo: “Faz que nem ele, faz logo a lição e se livra, olha como ele faz caprichos”, aquilo me motivava, eu me sentia ali, valorizado pelos meus avós, meu esforço estava sendo reconhecido ali, mas fora isso, eu não tenho muita lembrança de algum fato que tenha ocorrido na escola. Eu lembro muito da escola, que ela era muito precária, uma parte baixa dela tinha uma quadra que tava largada, vivia à noite, eu sabia que tinha traficante, maloqueiro que usava ela e eu na segunda série achava: “Eu vou ter aula de Educação Física”, que eu via os outros garotos das outras series indo pra lá e eu não ia, eu tava já nessa fase de começar a gostar de futebol e tudo mais e era uma frustração, eu nunca podia ir para a quadra, nunca usei a quadra da escola, nunca tive Educação Física na segunda série. E aí que eu acho que é muito louco, né, como é que uma criança com sete, oito anos de idade não tem espaço na escola pra brincar? Era o tempo inteiro, lição. Lição, lição, lição.
P/1 – E aí, do Tremembé, vocês foram pra Alphaville… Alphaville aconteceu isso…
R – Meu pai foi trabalhar em Alphaville, me recordo muito dele sair cinco horas da manhã de casa, ir até a Armênia, de lá, pegar ônibus fretado até Alphaville. lembro que Alphaville nem era o que é hoje. Algumas empresas estavam se estabelecendo por lá, ainda. E voltar super à noite pra casa e aí, em 87, eu me mudei para um colégio lá, no Jardim Tremembé chamado Esmeralda Sales, escola da prefeitura, onde eu fiquei da terceira até a oitava série. Foram cinco anos muito bacana, apesar de ter essas histórias de bullying, que eu sofri, mas foi uma das melhores escolas que eu estudei. Aprendi muito por lá, essa convivência de altos e baixos da desigualdade, mesmo, entre classe C menos com classe B era o tempo inteiro, porque eu tava ali junto com alunos que vinham do Morro do Piolho, ali pelo cemitério do horto, que sempre teve uma fama de violência muito forte, a minha rua, mesmo, mas ali também foi o lugar em que eu conquistei muita autonomia de muita coisa, então eu me recordo que a terceira série, quando eu cheguei também já foi um conflito um pouco, porque eu me lembro que uma das aulas que era Educação Física, no começo, era aula de educação Física em sala de aula, eu falava: “Educação Física, eu não vou pra quadra?”, porque é isso, não tinha o brincar e aí, eu me recordo que o professor era novo na escola, a minha sala já de saco cheio de ter que ficar escrevendo no caderno as regras do futebol, as regras do voleibol, como é que se joga cada um dos esportes, puta, era um pé no saco aquela aula e aí…
P/1 – Isso tudo dentro da sala?
R – isso tudo dentro da sala, aí ele insultou os alunos. Aí eu lembro do meu pai depois ir lá e tirar satisfação dele, porque eu lembro que ele chamou a gente: “Vocês ficam tudo parecendo mosca de orelha de boi, fica ali em volta”, e aí o meu pai ficou bravo quando eu cheguei em casa e contei essa história e foi lá tirar satisfação do professor: “Escuta, o meu filho não é mosca de orelha de boi. Como assim você vai chamando ele disso? Inclusive, tá tendo dificuldade coma
sua matéria, porque você sai ditando rápido e não espera o tempo das crianças”. Esse foi um dos primeiros choques que eu vi do meu pai ali próximo da minha educação. E aí, nessa época, meu irmão tava no primeiro ano, eu pouco via daí o meu irmão, porque a gente começou a estudar em horário alternado, eu estudava das três da tarde às sete da noite, o meu irmão entrava às 11 e saía às três, que a escola tinha esses turnos, né? Não, na verdade, quando eu cheguei na terceira série, eu fui estudar das sete às 11 e o meu irmão era das 11 às três. Depois, pro colegial, na quinta série eu mudei pra três as sete da noite.
P/1 – Como foi essa passagem do ginásio para o segundo grau? Chamava colegial ainda.
R – É, mas agora eu tô até me confundindo, foi do primário para o ginásio.
P/1 – Do primário para o ginásio, ainda.
R – É, primário para o ginásio. Eu acho que eu consegui lidar bem com essa coisa de fluxo de professores, de troca de professores especialistas em cada disciplina, porque eu lembro que na quarta série já existia isso. Da terceira pra quarta é que tinha esse vácuo um pouco, porque a terceira série foi inteirinha com uma única professora. Na quarta eles já jogaram
gente nisso, a quinta, sexta série, etc., foi mais a mudança de turno e aí, essa fase de amadurecimento de virar pré-adolescente, né? Essa fase de pré-adolescência, nossa, por esses medos que os meus pais tinham da rua e da favela, eu não saía à noite de casa, então escureceu, tem que estar dentro de casa e se tivesse na rua, não podia nem ficar na porta da minha casa, nem dentro de casa. Se eu ficasse no portão conversando com os meus amigos, eu não podia. meus pais eram cheios de medo, não queriam que acontecesse nada de ruim ali com a gente. Então, parte dessa malandragem da rua eu não tive, eu já via muitos dos meus amigos indo pra danceteria, eu nunca fui nessa fase. E aí, as poucas vezes que teve baile na escola, por exemplo, eu era da turma dos que ficavam encostado na parede e via os outros dançarem, tá valendo.
P/1 – Que matéria coce gostava mais?
R – Eu gostei muito de Ciências, Artes eu gostava muito, bom, Educação Física nem se fala, porque eu sempre fui muito esportista, meu pai foi muito exemplo dentro de casa sobre esporte, ele sempre foi muito apaixonado por esportes. Eu tive algumas passagens, então eu me lembro de Geografia, por exemplo, quando eu estava estudando as configurações politicas e configurações dos países, eu gostava muito de aprender isso, que aí a coisa das Olimpíadas, eu sempre gostei de ver as bandeiras dos países e olhar para o mapa onde que fica e etc. Inglês, quando eu comecei a ter contato, eu adorei, era das aulas que eu mais me aplicava, apesar de ser daquele jeito, né, um professor para 40 alunos, você nunca tinha aula de conversação, era o verto to be na lousa o tempo inteiro, mas aí naquela época, eu comecei a gostar muito de música, era época de Guns N’ Roses e dessas bandas de rock, ali eu me identifiquei por influência de um tio irmão da minha mãe que sempre gostou muito de rock. Então, daí eu comecei a pegar gosto pelo inglês por causa das letras de música. Lembro muito de História, de gostar muito de História do Brasil, especialmente, de muitas passagens da História do Brasil. matemática, eu gostei muito de uma época que a gente tinha um professor que era meio professor de cursinho, então acabei gostando um pouco ali de Matemática. Língua Portuguesa pra mim era um parto do elefante, gramatica, predicados e etc., nossa, como eu odiei isso. Mais ali na sexta série.
P/1 – Você lia livros ou na escola ou em casa? Tinha esse costume?
R – Eu lia na escola, pegava, quando tinha oportunidade de pegar da biblioteca, eu pegava, mas ao longo do tempo, eu fui muito desestimulado à leitura. Nunca tive. Apesar de ter exemplos dentro de casa, a minha mãe gostava de ler, o meu pai também… o meu pai sempre gostou de estudar também. O meu pai sempre me dizia: “A vida inteira estudem, façam cursos”, eu lembro do meu pai fazendo curso… ele metalúrgico fazendo curso de conserto de televisão, pra você ter uma ideia. Então, ele sempre ia procurar coisa pra fazer. para o meu pai investir em conhecimento era algo fundamental. Então, eu vivi muito com isso dentro de casa, ele tentando dar o exemplo. Eu lembro do meu pai comprar Enciclopédia e achava o máximo aquilo, eu mesmo gostava de pegar e ficar vendo, essa coisa da geografia, olhar os países. não era a Barsa, era uma outra paralela, acho que Sibrac era o nome daquela enciclopédia, uma azulzinha. Então, tinha esse estimulo, mas se você me perguntar se eu li, muitas coisas da literatura brasileira, Dom Casmurro, eu detestei, eu não curti. Então, dali, meados da sétima, oitava série foi onde eu comecei a perder gosto pela leitura, não tinha essa vontade. Mas eu tenho uma lembrança muito legal da sétima série, em especial, uma era aula de Ciências, eu falo disso muito até hoje, você sempre vai se recordar das lembranças… das melhores experiências que você teve com algum dos seus professores. E ali, eu sempre me lembrei da gente fazer uma feira de Ciências que era sobre o corpo humano e a gente tinha que reproduzir alguns dos aparelhos do corpo humano. Então, de eu ir para a casa de um colega, várias vezes, a gente desenhar todo o aparelho urinário. A gente fazer uma maquete mesmo, testar, errar, usar o que a gente tinha na mão com bexiga, com garrafa plástica, com madeira, a gente pregar as coisas e depois ter que demonstrar como é que funcionava. Essa é uma das coisas que mais me marcou. A gente tá vivendo agora o mundo maker, então hoje eu associo um pouco do prazer que eu tenho de acompanhar o mundo maker a essa referência que eu tive da escola, me faz eu sempre ter lembrança com essa experiência. Na sétima, eu me recordo também, como eu era o cara mais quieto da sala, mas sempre estudioso e etc., eu me recordo dos campeonatos interescolares entre salas do time das meninas de handebol me chamar para ser técnico do time, aquilo pra mim foi um presente. Sempre me orgulhou isso, porque eu achava: eu não sou popular aqui na sala, sempre tem os…
P/1 – Você tinha quantos anos?
R – Sétima série, eu devia estar com… 89… não, 91…
P/1 – É, 13 anos.
R – Treze anos. Doze pra 13 anos, 13 anos.
P/1 – Aí você foi técnico com 13 anos?
R – Não, 12 anos. Tinha 12 anos nessa época.
P/1 – Você foi técnico com 12 anos?
R – Me chamaram pra ser técnico do time de handebol da sala. E aí, eu me lembro: putz, que legal, então tá bom, eu topo. peguei as meninas, a gente era sócio de um clube, levei elas num fim de semana pra gente treinar. Me meti a besta de ser treinador do handebol. E usava a coisa do futebol pra treinar as meninas. Mas ali, muito mais do que treinar, foi montar o time, juntar o time que era muito bom. No final, o time foi campeão. Eu lembro da final contra o time da oitava série. A oitava série com aquele ar de impedância, de ser a oitava série, e a hora que a gente ganhou, meio que desmoralizou a oitava série, foi aquele fato na escola e aquilo me encheu de um puta orgulho: fiz um trabalho legal com as meninas, né? Então aquilo pro meu ego foi muito lega. Porque eu via muitos dos meus colegas na sétima já namorando e eu não, eu era sempre o renegado, pelo menos, né… alguma coisa eu fiz aqui pelo time das meninas. E essa época, eu me lembro muito, eu comecei a treinar futebol, eu passei num teste do Centro Olímpico do Ibirapuera, que mal existe hoje. Onde tem a obra do metrô hoje era um campo de futebol onde eu treinava e tive o prazer de treinar com o Bellini que foi o capitão da Copa de 58, o primeiro capitão a levantar a taça, que antes não se tinha essa tradição, né? E eu adorava escutar o Bellini, as histórias dele, de seleção brasileira e isso eu sempre gostei de ouvir os mais velhos. E eu fazia com a maior paixão
treinar no Ibirapuera, porque eu acordava às cinco e meia da manhã, logo depois que o meu pai saía para o trabalho, eu seis horas da manhã ia pegar o ônibus, ali no Tremembé, que era o ônibus Jardim Tremembé–Jabaquara e eu descia sempre ali onde hoje é a AACD, caminhava ali pela Pedro de Toledo e ia lá no Centro Olímpico, meu treino era das oito da manhã, até às nove e meia, ia lá, treinava, tomava o meu banho, pegava o lanche, chegava em casa, almoçava e ia pra escola. Duas vezes por semana eu fazia isso sozinho, li com 11, 12 anos de idade. Pra mim já foi uma vitória ter passado no Centro Olímpico e ter treinado dois anos, porque eu participei de uma peneira ali. Eu jogava no gol há um ano no clube que eu era sócio, que era o Clube do Banco Frances que a gente só ia aos finais de semana e acabei indo para o gol porque não tinha habilidade nenhuma no campo, como jogador de linha e porque o meu pai era goleiro, porque ele também não tinha habilidade. E aí, eu tomei gosto pela coisa e fiquei treinando lá, fui jogar no Estádio do Pacaembu, aquilo pra mim foi um sonho. Lembro de quando o Zico era Ministro dos Esportes, de ter conhecido ele porque ele foi lá fazer uma visita uma vez e ter pego autografo com ele no estacionamento quando ele tava chegando. Então daí, misturou muito esse ciclo coma
escola, de eu estar no Centro Olímpico, de estar treinando e aí, nos campeonatos da escola, os outros meninos passando a me valorizar ali, porque eu era um bom goleiro, não era o melhor goleiro, mas era um bom goleiro ali, daí as meninas, aí talvez até esse convite para ser técnico do handebol foi por causa disso. Me lembro da sétima série por outro lado, por causa do bullying, o time da minha sala não me… aliás, o time da minha sala não inscreveu o time, porque os meninos não queriam jogar, eles foram para outros times mais fortes, falei: “Tá bom, vamos montar um catado aqui”, montamos um catado, montamos um time lá com alunos de outras salas, no primeiro jogo ter ganho da oitava série que era a favorita que foi campeã e ali, todo mundo passou a respeitar o meu time, me respeitar em quadra. Então pra mim, a sétima série foi um ponto de virada muito forte na escola.
P/1 – E você lembra de alguma história que o Bellini contava?
R – Nossa, a história clássica da taça, dele ter levantado porque ele olhou para os lados e os repórteres pediam para ele levantar um pouco para tirar foto. Eu me lembro dele falar às vezes um pouco do Pelé, comecinho da carreira do Pelé, né, de como é que eles aconselhavam muito, davam muito conselho pro Pelé de indicar como é que faz, etc..… as histórias clássicas do Garrincha, ele sempre contou também de como sacaneavam o Garrincha, a famosa história dele ter comprado não sei se foi um rádio ou se foi uma televisão lá na Suécia e os caras: “Você vai levar para o Brasil? Você tá maluco, vai falar sueco”, ele: “Nossa, é verdade! Posso devolver?”, e os caras foram lá, sacanearam ele, comparam a televisão baratinho dele. Então, ele contava muito desse ambiente da seleção, mas ele também trazia muito dessa disciplina que ele viveu na seleção brasileira de treino, dedicação, etc. Ele trazia muito esse espirito pra gente, ali nos treinos. Aí, nos campeonatos internos dele jogar com a gente… esse é um negócio que eu tinha gosto, porque às vezes, tinha rachão entre a gente lá e ele e outro técnico, cada um tava num time e eu posso dizer que eu joguei bola com o Bellini, capitão da seleção brasileira de 58. Então, esse é o tipo de coisa que eu me lembro muito dele, mas das histórias especificamente para te contar algum caso aqui dele, eu não tenho algo tão forte.
P/1 – Ai como que foi essa passagem aí do ginásio pro segundo grau?
R – Essa foi…
P/1 – Ensino médio, hoje, né?
R – É, ensino médio hoje. Foi difícil, foi bem difícil. Porque depois da oitava série você tinha toda aquela coisa da emoção, porque ali você criou vínculo muito entre a sala, entre a turma do colégio e de repente, você fala: “Puxa, cada um vai para um canto, eu vou deixar de conviver com essas pessoas”, por mais que a gente tivesse as nossas diferenças, mas também tinha a nossa união, ali, acabou, nós não vamos conviver mais diariamente. Ali, eu tinha convivência com alguns alunos há cinco anos. Mas ali também é uma fase de transição, digamos que pra vida adulta, porque ali com 14 anos de idade, você já podia trabalhar com carteira assinada e eu vi muito isso, eu ia para o ensino médio, né, pro colegial…
P/1 – Você já queria trabalhar ou estudar?
R – Eu já queria trabalhar. Meu pai nunca obrigou a gente a trabalhar, mas a gente sempre quis porque a gente queria comprar as nossas coisas, ter as nossas coisas, então eu me recordo até um pouquinho antes, ali, com 12 anos, com 11, de chegar para fazer alguns bicos na época. Me lembro de ter trabalhado dois dias numa fábrica de clips, de pegar o punhado de clips que saía da produção e colocar na caixinha que depois ia para a papelaria ser vendido. Um vizinho, que ele tinha uma loja de consertos de geladeira e máquinas de lavar roupas, eu com o sobrinho dele, sair pra rua e entregar folhetos de casa em casa em vários bairros ali da região, porque eu queria ter uns trocados. me lembro de uma vez, que
o cemitério do Horto estava em reforma o estacionamento e era Finados e ter ficado cuidando dos carros ali perto da minha rua e eu lembro que o dinheiro que eu arrecadei era muito dinheiro, nunca tinha visto tanto dinheiro ali, que as pessoas me deram, a ponto de eu comprar figurinha, que eu adorava colecionar figurinha de time de futebol, na época, a lata de leite Moça que lançaram aqueles de brigadeiro, de comprar a lata pra me acabar de comer aquilo. Era esse tipo de prazer que eu queria ter. Então, daí de 13 pra 14, eu sabia que ir para o ensino médio, eu queria então começar a trabalhar, então ia demarcar isso pra mim. E aí, das passagens que eu me lembro muito dessa transição foi de ter feito Vestibulinho, naquela época existia, né, de ter feito no Derville Allegretti que e ali em Santana, era um colégio que eu queria muito ter entrado, porque lá tinha o curso técnico de Prótese Dentária, não queria ser dentista, mas escolhi que era uma profissão, eu tinha que ter alguma profissão, não ia fazer Contabilidade, porque eu não gostava tanto de matemática, me simpatizei com a Prótese Dentária , apesar de detestar dentista.
P/1 – Mas seus pais queriam que você fizesse ensino médio ou técnico?
R – Nunca me obrigavam.
P/1 – Você que escolheu o técnico?
R – Eu que escolhi o técnico, mas aí não passei por cinco pontos na prova, fiquei bravo pra caramba, na época e aí tinha um colégio, aliás, dois ali no Tucuruvi, um é o Albino Cesar que sempre foi um colégio muito renomado ali na região e tinha o Amenaide de Queiroz, o Amenaide era técnico e daí, eu cheguei a prestar o Vestibulinho, agora não me recordo se era para Administração ou se era para Contabilidade, acho que era Administração. Mas eu tinha isso na cabeça: preciso fazer um… eu quero fazer um técnico, porque é uma chance a mais de eu entrar no mercado e poder trabalhar.
P/1 – Mas aí, você já tinha alguma coisa: quando eu crescer quero ser…?
R – Eu queria ser jornalista, jornalista esportivo, porque daí, achava: putz, ou eu vou ser jogador de futebol, na verdade, ou eu quero estar ali no meio da muvuca do futebol.
P/1 – E você assistia programas de esporte, de comentarista?
R – Todos.
P/1 – Quais que você assistia?
R – O “Globo Esporte”, “Cartão Verde”, “Mesa Redonda”…
P/1 – Tinha algum jornalista que te marcava?
R – Juca Kfouri é um cara que sempre me marcou, eu sempre gostei muito das opiniões dele e ele até chegou a ser comentarista dos jogos da “Rede Globo”. Bom, o Osmar de Oliveira, eu me lembro muito de pegar o radinho da minha mãe e escutar ali na minha cama, botar e era um rádio bacana, porque era do meu avio que deu pra ela, ele pegava estacoes de rádio até de Curitiba, então por causa de um tio meu que era torcedor do Coritiba eu até escutava jogos do Coritiba, às vezes, campeonato paranaense, mas então todos esses caras de rádio, eu também escutei muito. Mas o Osmar, pra mim, sempre foi um cara que me marcou…
P/1 – E aí, você acabou passando em qual…
R – E aí, nessa época da minha transição, o Governo Covas extinguiu os vestibulinhos e foi uma guerra na justiça, inclusive, porque aí eu me inscrevi para o vetibuinho do Albino Cesar que era o colégio que eu queria ir, mas na véspera da prova, ele acabou com o Vestibulinho e aí, eu me recordo de umas seis horas da noite, um burburinho ali entre os meus amigos na rua: “Tal amigo foi lá para o Albino César, tá dormindo lá na fila”, porque aí, no dia seguinte era a matricula. Já era matricula direto. Não ia ter essa… e aí, dali um pouco, uma hora depois: “A fila já tá dobrando quarteirão”, falei: “Nossa, preciso ir para lá agora”, e aí, conversando com os amigos: “E aí? vamos arriscar no Albino, não vamos?” “Não, vamos num colégio mais próximo aqui – que era o Alberto Cardoso – que eu ouvi que a fila tá menor, vamos pra lá que lá é mais garantido. Até a gente chegar no Albino, se tá dobrando o quarteirão, não tem vaga, mais”. Fomos para o Albino Cesar, eu e mais dois amigos e chamamos outros da rua, eu lembro até de um virar e falar: “Olha os trouxas, vão lá dormir na porta da escola par conseguir vaga, se liga que eu vou fazer isso”, no entanto, esse colega ficou um ano sem estudar. E aí, eu lembro de passar à noite inteira eu com esses dois amigos na fila para conseguir uma vaga e aí, ficava: “Putz, eu vou me matricular de manhã ou à noite? Vou pra noite, porque aí eu vou tentar arrumar um emprego", eu já tinha aí tirado a carteira de trabalho. E aí, me recordo da minha mãe no dia seguinte ter ido me render na fila, mas aí precisava de um atestado do emprego para garantir a minha vaga no noturno. Minha mãe ligou pra minha tia que conseguiu uma carta do serviço dela com a chefe dela que eu era registrado como office-boy, daí minha mãe largou… foi lá, fez minha matrícula e falou: “Tá lá no serviço do meu filho, ele foi lá pegar, à tarde eu trago”. E aí, minha mãe saiu de lá do colégio, porque daí eu fui pra casa dormir, ela foi até o trabalho da minha tia, pegou a cartam, voltou no colégio, entregou e me matriculou e aí, eu levei uns seis, sete meses pra conseguir emprego e foi justamente com essa minha tia, como office-boy, meu primeiro emprego.
P/1 – Ah, você acabou indo pra lá, mesmo?
R – Acabei indo trabalhar com essa minha tia, mesmo, como office-boy, mas também foi muito difícil esse período ainda do colégio, porque daí, eu só estudava à noite e esse período da escola, eu tava um pouco nessa dúvida: vou ser jogador de futebol ou não? porque no ano anterior, eu joguei futebol de salão pelo grêmio da empresa do meu pai, daí o meu pai já tava trabalhando numa metalúrgica ali da Vila Albertina, que é onde ele ficou até falecer, tinha um grêmio dos funcionários, a gente jogou um campeonato de Guarulhos lá e
foi o único período em que eu treinei de fato como goleiro. Eu tinha um treinador de goleiro e eu tava indo muito bem, até no jogo da final, um dos torcedores: “Vai fazer um teste, tal” e aí, fui fazer na portuguesa, não passei, fui fazer no Hebraica para futebol de salão, cheguei a
passar no teste, mas aí o meu pai me chamou de canto: “Você tem que escolher. Estudo eu não abro mão, ou você vai jogar bola ou você vai trabalhar para ter o seu dinheiro”, e aí, eu optei por querer trabalhar. Eu abandonei a ideia de ser jogador de futebol, até porque futebol de salão não dava dinheiro ainda, não pagava, nem jogador profissional naquele época, direito. E aí, nessa escola, o primeiro choque que eu tive do noturno ver uma zona super desorganizada, os professores até com boa vontade de ensinar, mas essa coisa, eu conviver com os colegas que trabalhavam durante o dia, e chegavam à noite para estudar, estavam acabados, era aquele jeito mambembe aqui no Brasil, né, de você ter que conciliar trabalho com estudo e o professor até ficar com dó do aluno que trabalhou o dia inteiro, aguentou chefe e etc., botar muitas vezes o pé no freio. Mas eu me lembro da primeira vez que a gente teve aula vaga e era no meio, não dava pra dispensar, eu sentava ali no fundo, de três caras cheirarem cocaína na minha frente e os caras me oferecerem. Aquilo pra mim foi um baque. Eu: “Não, tô de boa, segue ai”, mas eu não tinha tido contato com drogas ainda tão próximas comigo. Aquilo falou… me chamou a atenção de: opa, fica esperto aqui, você vai ter que sobreviver, seus próximos três anos são anos de sobrevivência. Fica ligado e não entra no meio desses caras.
P/1 – Você tinha essa consciência?
R – Tinha. Então, eu fiquei um pouco mais ali no meu canto com os colegas ali em volta, procurei seguir minha vidinha ali, até que eu consegui… quando eu consegui o emprego, então, foi ótimo porque me tirou uma pressão que eu mesmo me coloquei e também fez com que eu ocupasse minha cabeça e não ficasse entrando para uma tentação desses caras. Eu fiquei nessa empresa… era uma empresa de avaliação de patrimônio, ali na Pacaembu. Eu fiquei de agosto até novembro…
P/1 – O quê que faz avaliação de patrimônio? O quê que você fazia?
R – Eu era office-boy, então eu fazia basicamente pagamentos em banco, nossa, aquela época era super terrível, que você ia com um bolo de coisa pra banco fazer pagamento desde os pagamentos da empresa a dos diretores e gerentes. não tinha nem internet, né, então… ia comprar vale-transporte no metrô Barra Funda e ter que voltar com aquele bolo de vale-transporte no bolso com um super risco de ser assaltado. A avaliação de patrimônio, o que a empresas acabava fazendo muito era ir nos imóveis empresariais, não era qualquer tipo de imóvel que eles avaliavam, faziam fotos pra depois fazer um laudo de mais ou menos quanto custaria, qual seria o valor deste imóvel para a venda. Então, eu tinha muito esse serviço de ir até o shopping West Plaza levar os rolos de filme para revelar e eu tinha que ficar uma hora lá esperando na no shopping, para quando terminasse a revelação, levasse de volta porque a equipe lá tava esperando lá para seguir. E aí, uma vez por mês a gente tinha um informativo para o setor imobiliário que a gente tinha que entregar nas imobiliárias, incorporadoras, então eu lembro de sair com a mochila lotada de informativos e ir entregar nessas empresas todas. E aí, foi um período até duro pra mim porque essa malandragem, essa inocência que eu tinha ali na fase dos 14 anos me levou a ser assaltado muitas vezes e aí, era muito traumático isso pra mim e eu ficava: “Não quero ficar nisso muito tempo, não, não tô muito a fim”, até que essa empresa me mandou embora, fiquei uns dois meses desempregado e consegui daí, um trabalho no ano seguinte, logo em janeiro numa construtora, a Schahin Cury Engenharia, como office-boy também e aí foi a primeira grande empresa que eu trabalhei, e lá basicamente o que eu fazia muito era serviço de fóruns, ou de secretarias da habitação para dar entrada e retirada de certidões que a construtora precisava para poder entrar em processos de licitação. E aí, eu ia muito em fórum pra pegar essas certidões negativas, eu pouco fazia banco. Eu era muito mais esse tipo de serviço de cartórios, de fóruns. E fiquei uns seis meses como office-boy, logo depois eu fui para o almoxarifado, fui promovido, fiquei ali uns três anos e meio no almoxarifado.
P/1 – Aí você já tinha entrado na faculdade?
R – E aí nesse período foi quando eu entrei na faculdade. Eu entrei na UNIBAN, na extinta UNIBAN, no curso de Jornalismo.
P/1 – Que era o que você queria.
R – Era o que eu queria e os dois primeiros anos eram de Comunicação Social, o terceiro e quarto ano, você entrava, então, para a cadeira que você tinha escolhido, então dois anos generalistas. Também foi muito dura a entrada na faculdade, porque eu entrei com 17 anos, eu não tinha maturidade suficiente para entrar na faculdade, eu era o mais novo da turma.
P/1 – mas você foi contratado antes de entrar na faculdade, já?
R – Tinha sido contratado antes da faculdade.
P/1 – Você que pagava a sua faculdade?
R – Eu que pagava. nessa época, meu pai me ajudou um pouco a matricula, por exemplo, e aquilo foi um objeto de orgulho pro meu pai tremendo, porque eu era o primeiro da família a entrar numa faculdade. Ali dos netos e para o meu pai aquilo serviu como uma vitória para mostrar para o meu avô: tá vendo, eu consegui. Ele tá numa faculdade. Então, para o meu pai, mesmo, pagar a minha matricula era questão de honra pra ele, então ele fez o diabo a quatro com as economias dele para poder me ajudar a pagar. Em alguns momentos, ele me ajudou a pagar a mensalidade ou algum material, às vezes, ele me levava pro colégio, chegava em casa do trabalho, jantava e ele me levava. E era ali na Avenida Rudge, a UNIBAN. Mas também foi muito difícil esse período também de sair do colegial e ir para a faculdade, porque com 17 anos, não tava num nível de maturidade ainda suficiente, não tava nem no mercado e aí, logo de cara, eu pegando matérias como Filosofia, lendo Platão e eu não tinha hábito de leitura, Filosofia tive um ano no colegial e assim, mal e mal. No colegial, teve um ano que eu não tive aula de Química porque não tinha professor, no segundo ano. Então, foi bem difícil o meu colegial. Eu tinha, na época, prestado vestibular para três faculdades, era São Judas, a Cásper Líbero, que era o meu sonho de consumo e a UNIBAN, acabei passando na UNIBAN, as outras duas por cinco pontos… o número cinco virou cabalístico pra mim, porque sempre por cinco pontos eu não passava. Mas aí encarei o Jornalismo e aí, tava trabalhando no almoxarifado da Schahin nesse tempo e na empresa já começou a me despertar: eu não quero ficar aqui no almoxarifado o resto da vida, que eu tinha que ficar controlando estoque, dando entrada em sistema, tanto que eu peguei uma tendinite braba porque eu ficava o tempo inteiro ali no computador ou tirando xerox e aí, fazendo Jornalismo e não estar trabalhando na área, eu queria exercer a profissão, né? E aí, nessa época, um amigo me apresentou para o editor de um jornaleco que tinha no Jaçanã e ali, eu comecei a escrever umas primeiras matérias pra esportes e pra mim, foi o máximo ver a minha primeira matéria publicada num jornal, aquilo pra mim foi fantástico, né? E aí, eu me lembro que no primeiro ano da faculdade com um amigo, a gente ia muito para o “Estadão”, porque ele trabalhava no “Estadão”, na área de diagramação do jornal e a gente acabava indo
na faculdade, que a gente tinha que voltar pra lá para fechar às vezes a edição do dia seguinte e a gente ia umas oito horas da noite conversar com alguns jornalistas, o cara já tinha entregue a matéria, ele tava ali esperando a hora passar. E muitos dizendo pra gente: “Esquece a faculdade de Jornalismo, não vai ter muito futuro, não, até porque tá vindo um negócio aí chamado internet que vai derrubar muito a gente”, e isso ficou muito na minha cabeça e aí, a UNIBAN depois teve aquele… foi quando começou o canal universitário na TV a cabo, eu lembro que a UNIBAN tinha um horário na grade desse Canal Universitário, tinha um pool de oito faculdades que tinham esse horário. E aí, pra minha surpresa, o programa sempre era produzido por uma produtora externa e nunca pelos alunos, a
gente nem chegava perto do estúdio. Eu falava: “gente, o que eu tô fazendo aqui? O jornalista do Estadão me falando que a internet vai derrubar, eu tô aqui…”, ali começou um dilema, só que aí, nessa mesma época, eu já tava no segundo ano da faculdade, eu tomei uma decisão na Schahin, eu falei… porque daí, eu tava brigando um pouco com o meu chefe: “Me arruma uma vaga no marketing”, e tal, até que ele conversou com a assessora de imprensa que ficava lá e ela falou: “Aqui não tem vaga, mas eu topo dar uma assessoria para ele, fala pra ele passar umas manhãs comigo”. Então, eu ia e ela começou a me ensinar um pouco da assessoria, me botava pra ler as matérias e identificar aquele ___01:35:22___. O meu auge com a Schahin foi que eles estavam dando preferência para o diretor de marketing na época a contratar um estagiário de fora do que me dar uma oportunidade. Eu dizia: “Me manda embora, quer que eu peça as contas?, mas daí me contrata como estagiário, eu topo, mas eu quero estar na área”, e aí o auge foi ver um belo dia vindo pedir para tirar xerox, a
estagiária do marketing. Daqui pra mim deu, decidi, pedi as contas, sai da Schahin, fiquei ali uns dois, três meses desempregado até que um amigo me ajudou a conseguir um estágio no Clube Espéria, ali em Santana, que o clube tava começando a montar a área de marketing esportivo e aí, me brilhou os olhos: nossa, vou trabalhar num clube, vou trabalhar com marketing, vou estar próximo do Jornalismo, putz, tem tudo a ver comigo. Ótimo. Fiquei até insistindo com esse meu migo durante o processo, que a mãe dele era diretora no clube, me ajudou muito nessa época, até que eu consegui o estágio. Mas aí, seis meses que eu tava no estágio, eu me desencantei de vez com a UNIBAN e decidi parar com a faculdade, tranquei a matricula, tentei dar um respiro, fui fazer Escola Panamericana de Artes, tentei falar: “Vou fazer o técnico em Publicidade, vai”, pelo menos para ter a formação, para pelo menos manter o estágio, mas eu não tinha habilidade nenhuma pra desenho, que era um ano puro de desenho, falei: “Nossa, não é a minha cara”. Até que dali um pouco, a minha chefe me registrou como assistente…
P/1 – No Espéria?
R – Lá no Espéria, mas aí tava trancada a matricula, tranquei na Panamericana e falei: “Vou fazer musica”, nessa época, eu já tocava violão, fui fazer guitarra…
P/1 – Você tocava? Desde quando?
R – Desde os 14. Um dos meus primeiros salários foi comprar um violão. Minha mãe achava lindo violão, eu sempre gostei de rock e de música, falei: “Ah, então vou comprar e vou aprender a tocar violão”, e aí, um amigo da igreja começou a me ensinar na casa dele e comecei… aí eu ia pra missa tocar na igreja católica como forma de eu aprender a tocar, melhorar o que eu tava tocando. Aí, na hora que eu acordei, eu já tava tocando em quatro missas com ele, porque ele sozinho tocava na missa, eu falei: “Eu vou te ajudar então, vamos juntos”. E aí, dali, de muita gente vindo pra casa dele aprender, eu falei: “Cara, por que a gente não pega a escola que eu estudei, o Esmeralda…”, que fica ao lado da igreja, tinha o trabalho de abrir as portas aos finais de semana para a comunidade desde a época da gestão Erundina, falei: “Vamos conversar com a diretora e ver se ela libera pra gente usar de domingo, uma sala de aula pra gente dar aula de violão. Eu te ajudo a dar aula.”, e ali a gente montou uma ONG, que existe até hoje esse projeto, eu já tô afastado dele há muitos anos e fico feliz que eu não esteja mais, porque era um pouco disso que eu também pensei logo depois, que ela tivesse que andar com as próprias pernas. E aí, eu sempre tive um pouco dessa coisa: eu vou estudar guitarra, violão fora no conservatório, porque eu vou trazer para cá, para melhorar as aulas pra turma. Eu lembro que a gente chegou a atender mais de 500 alunos.
P/1 – Como era o nome da ONG? Ela é, né?
R – É, eu acho que hoje tá como EMAN – Escola de Música Alfredo do Nascimento, é esse meu amigo, eu resolvi homenagear ele na época, falei pra turma: “Vamos colocar o nome do Alfredo aqui na escola”. E ele tá lá até hoje, firme e forte. Hoje já tem aulas de teclado, de outros instrumentos e continua sendo nessa escola pública que abre pra comunidade.
P/1 – E consegue financiamentos?
R – Tem conseguido, daí, alguns financiamentos, mas muito também com ajuda voluntária. A gente chegou a fazer, daí, um festival de violão uma vez por ano para arrecadar fundos com os ingressos e aí, eu fui conhecendo alguns músicos importantes, professores de música, levava os caras para serem jurados. Aí, eu comecei a ser até captador de recursos, o que eu aprendia de marketing no Espéria como captação, fui trazendo isso para dentro dessa ONG, então mandava oficio pra editora e conseguia lotes de revista de guitarra para distribuir para os alunos, conseguia CD com artistas. O Arnaldo Antunes, uma vez, mandou CDs pra lá. Levava alguns desses professores meus, esses músicos para dar workshop de graça, muitas vezes, para os alunos. Então foi um período muito forte de eu de alguma maneira colocar em prática aquilo que eu aprendi um pouco na faculdade, mas principalmente o que eu tava aprendendo ali no Espéria e colocando em prática para um bem mais comum.
P/1 – E aí, você queria fazer música?
R – Fiz dois anos de Música no Sousa Lima, no conservatório, tava com a ideia: vou virar músico. A minha vida sempre foi assim, cada hora eu… é muito momento, cada hora eu tô numa coisa diferente, acho que por influência do meu pai, de estude sempre, qualquer coisa. Sigo esse conselho dele até hoje. Eu me apaixono por muitos hobbies, eu sou muito sazonal pra hobbies. Mas isso, eu encarei… tocar violão, guitarra por dez, 12 anos da minha vida, ao ponto até de eu largar muitas vezes a minha família e ficar enfurnado na igreja. Eu vivi muito o bastidor da igreja católica e isso foi o que me afastou muito da religião em si, do dia a dia da religião, os bastidores das religiões me tiraram muito. Hoje, eu não me julgo nem católico praticante, nem espirita praticante porque eu vi esse outro lado negro, que pra mim sempre foi contraditório, a Bíblia pregando uma coisa e as pessoas praticando outra. No grupo, ali, isso me pegou no estomago. Foi ali que eu comecei a me afastar, mas eu tinha muito esse sentimento de: eu vou lá, vou aprender música e vou trazer aqui para os meninos, para os alunos. Tive vontade de montar banda, daí surgiu um cantor sertanejo na época: puta, vou tentar montar banda para o cara, tocar com o cara, queria viver disso. Mas aí, fui me desiludindo um pouco da música e acho que tem o lado da maturidade que a gente vai adquirindo ao longo da vida, né, e resolvi voltar a fazer faculdade, porque daí eu falei: “Pô, música… essa carreira de músico, eu não sei se eu vou conseguir, tem que estudar muito e eu não tenho esse tempo pra estudar, mas eu preciso entrar num eixo”, e eu ainda estava no Espéria e resolvi fazer o vestibular na Universidade de Guarulhos, porque um amigo estudava lá, que trabalhava comigo no Espéria, ele falou: “Cara, vamos lá, eu te dou carona todo dia, você vai junto comigo, assim, a gente dá força um pro outro, vão bora” “Tá bom”, fui lá fazer o vestibular, daí encorajei os meus irmãos também a fazerem o vestibular, passei daí em Publicidade e Propaganda, falei: “Não vou fazer Jornalismo, não, quero fazer Publicidade”, porque nessa época no Espéria foi quando eu comecei a ter contato com o Design Gráfico, eu fazia muito material gráfico do clube e o site, eu comecei a fazer site para internet na unha…
P/1 – Aí entrou a internet.
R – Entrou internet. Isso eu tô falando em 97, 98. Eu fazia site no bloco de notas, eu tinha que decorar os códigos da cor que eu tinha que usar para um texto, era uma coisa maluca, de pegar ícones na internet, nos sites, copiar e colar e usar no seu site. Enfim, uma série de coisas que fui aprendendo ali na raça e fui gostando desse momento da internet. E aí, por causa disso, eu falei: “Agora acho que tá na hora, vou fazer Publicidade, então, porque daí eu continuo seguindo isso, eu já tô no mercado, então eu já tô com uma outra cabeça pra fazer faculdade”. Daí, eu passei no vestibular, o meu avô me chamou de canto, porque ele já há muitos anos tinha construído na casa dele um grande galpão, que ele sempre disse: “Olha, isso aqui vai pagar a faculdade dos meus netos”, e aí, ele me chamou e falou: “Luis, eu quero te ajudar”, porque ele já tava alugando ali, “Não posso te ajudar com muito, mas acho que pelo menos metade da tua faculdade dá para pagar” “Vô, então eu topo”, até porque eu não ganhava lá muitas coisas, aceitei, mas tão logo eu tive algum aumento, eu ia parar de usar o dinheiro dele, que ele tava me dando. E aí, passei na faculdade, falei: “Agora assim…”, e tinha essa opção de cortar matérias, eu falei: “Não, não vou cortar matéria nenhuma, eu vou fazer os quatro anos direitinho, todas as matérias, porque eu tô num outro estágio de maturidade. Hoje eu entendo melhor os textos que eu for ler”. E eu tinha uma trava muito grande no Jornalismo, que isso pra mim é muito louco muitas vezes, eu tinha uma vergonha danada de ir na frente a presentar seminários. E eu não ia estar na frente das câmeras, meu barato ia ser rádio, texto. Mas aí, em publicidade, eu falei: “Quer saber, meta, esses quatro anos, eu vou apresentar todos os seminários que eu puder e eu vou quebrar isso, até porque eu vou mostrar o quanto que eu conheço desse assunto. E de fato, eu rompi esse ciclo que eu tinha de trava, todos os seminários eu apresentava, fiz os quatro anos, eu me orgulho de ter feito quatro anos de faculdade, de debater com o professor e dizer: “Isso aqui não tá certo que você tá falando, não, tá desatualizado”, e aí, comecei a questionar muito os trabalhos que a gente fazia em publicidade porque a gente tinha que fazer por exemplo, campanha para fralda geriátrica. Eu: “gente, mas o quê que isso aqui vai agregar para o mundo?”, porque eu tava com o trabalho voluntário com a ONG com o meu amigo, na no Espéria eu olhava: “não tem fit nisso”. E aí nesse momento da minha vida, eu tive contato com a fundação Gol de Letra que o Raí e o Leonardo criaram ali na Vila Albertina, que é o meu bairro…
P/1 – Como que foi esse contato?
R – Quando (corte no áudio) Gol de Letra, eu falava pra esse meu amigo da escola de violão: “A gente precisa ir lá fazer alguma ação voluntária, levar os alunos para tocar, porque eles são daqui, vamos tentar alguma coisa?”, até que eu consegui o contato com a coordenadora social na época, Celia Hara e fomos lá apresentar a escola, ela adorou a nossa proposta e tinha um evento chamado Dia de Fazer Diferença, que uma organização internacional fazia aqui no Brasil, a Gol de Letra foi uma das primeiras a fazer aqui no Brasil e aí, ela convidou a gente: “Vocês não querem vir tocar aqui, então, para animar o dia?”, puta, topamos na hora! E ali foi o meu primeiro contato e aí, eu gostei daquilo e do ambiente da Gol de Letra, depois eu marquei com a Célia: “Célia, vamos estreitar relacionamento do nosso projeto social aqui com a Gol de Letra?”, e aí, na reunião que eu tive com ela, eu falei: “Célia, você tá precisando de voluntários aqui? Eu posso rever o meu horário no clube”, que segunda-feira, como o clube é fechado pra manutenção, “De repente, eu trabalhão aos sábados lá, eu inverto, posso trabalhar sábados no clube e as segundas-feiras venho pra cá ser seu voluntario”. Ela topou na hora e fui lá ajudar a organizar o programa de voluntariado da Gol de Letra. Acho que uns dois meses depois, ela então me fez um convite para ser contratado para a Gol de Letra. Aquilo pra mim foi uma explosão! Foi o ápice, porque eu falei: “Agora eu vou ver sentido no meu trabalho. Eu vou trabalhar 24 horas com transformação social, pra além do que eu faço já aos finais de semana”. Não tive dúvidas, aceitei o convite na hora, cheguei lá no Espéria, falei: “Tô indo para a Gol de Letra”, e aí eu lembro que na própria faculdade… até porque a Gol tava já… começou a puxar muito o movimento do terceiro setor, né, dar mais visibilidade para o terceiro setor aqui em São Paulo e aí, eu me lembro de muitos professores quando eu falava: “Trabalho na Gol de Letra”, de muitos até respeitarem: “espera aí, deixa eu entender…”. E aí, na Gol de Letra, a proposta era de ser… mas depois, eu fui um braço direito da Célia na criação de toda área de coordenação social que fazia um trabalho não só de empoderamento das famílias das crianças atendidas, como também construção de uma rede de articulação local. Então ali, eu comecei a dar os primeiros passos em aprender sobre desenvolvimento local comunitário. E aí, usava também um pouco dessa habilidade de captação de recursos para todos os eventos que a gente tinha para fazer com a comunidade, de abordar o comerciante local, escrever cartas para captação, porque a Gol ainda não tinha um departamento profissional de captação, um tempinho depois foi ter. Então, nesse âmbito de captação local, eu fui muito… ajudava a sistematizar os relatórios que a gente pudesse entregar para o financiador do programa social. E aí, pra mim foi pleno de estar trabalhando profissionalmente no terceiro setor, ainda com o meu trabalho voluntário lá mesma comunidade e aí, tinha isso, esse vínculo grande meu com a Vila Albertina, de ter sido criado ali, praticamente e muitas das crianças ali eram filhos de pessoas que passaram pelo mesmo colégio que eu e as pessoas… as mulheres, as mães do grupo de mães que a gente fez um trabalho muito bacana me reconhecerem, ser filho de quem eu sou e eu passar a ter uma legitimidade no bairro de poder transitar… eu tinha medo da favela. De repente, eu pude andar tranquilamente ali pela favela, porque as pessoas sabiam quem eu era, me reconheciam. Então, eu comecei, nas caminhadas que eu tinha na comunidade, ter muita tranquilidade para andar. Nunca tive um problema com violência ali na Gol. Um episodiozinho muito isolado, mas que não afrontou, não colocou a minha vida em risco, nem reputação, nem nada. E ali, então, foi o inicio da minha trajetória profissional na área social, alinhando com o meu conhecimento que eu ia adquirindo na universidade e na Gol de Letra eu tive, daí, um estalo de palestra. Eu adorava ver as pessoas darem palestra, até um dia a própria Célia me encorajou: “Vai você me representar”, num evento eu acho que na Cásper Líbero, até. Achei aquilo o máximo! Ajudou muito também a quebrar essa barreira que eu tinha, que com a faculdade eu fui quebrando de ir pra frente do palco falar e gostei dessa história de palco e de apresentar. Até que depois, eu ainda tava em Guarulhos, fui convidado pela própria Célia que tinha saído da Gol de Letra a ir para um projeto no Real Parque chamado Projeto Casulo que foi criado por um grupo de empresários do ICE –Instituto do Cidadão Empresarial, era um primeiro projeto de intervenção comunitária desse grupo de empresários, a Célia me convidou para ir para lá, para trabalhar com ela, pela afinidade que a gente criou, tamanha, de saber o estilo de trabalhar de um do outro, ela tinha me feito uma proposta para ser um educador de Informática, porque ela via que eu tinha essa experiência com tecnologia, tanto é que eu era help desk dela muitas vezes. Eu falei: “Célia, cursinho de Word e Excel eu não topo. Topa a gente construir uma proposta de multimídia, que a gente pudesse ter rádio comunitária, que a gente pudesse ter oficina de vídeo com os jovens, diagramação de site para internet?” “Lindo, vão bora”, então eu transformei esse conceito de informática para multimídia e o legal desse projeto foi que eu peguei startup mesmo de projeto, desde a obra, acompanhei a obra de construção do edifício onde ficava o projeto. A fazer o evento de inauguração do projeto, enfim, também foi uma escola bárbara que aí eu fiquei dois anos, na Gol também tinha ficado dois anos, aí fiquei dois anos e meio no Casulo e que num determinado momento, pra viabilizar um projeto de multimídia, isso 2003, software era muito caro e quem era o todo poderoso dos softwares? A Microsoft. Eu tomei conhecimento do mundo do software livre e virei um ativista…
P/1 – Pioneiro nesse momento…
R – Super! Aqui em São Paulo, começando a experiência de telecentros. Gostei disso e até passei a assumir essa bandeira do software livre, me envolvi muito em fóruns e trouxe esse mundo do software livre pra lá para poder viabilizar os projetos. E isso começou a
fazer com que eu captasse os recursos para viabilizar os projetos de multimídia ali dentro do Casulo ao ponto que depois que a Célia saiu, a gestora…
P/1 – Fazer o quê? CD-ROM?
R – CD-ROM, o primeiro Macintosh, consegui captar pra gente ter oficina de edição de vídeo com uma high-8, era uma camerazinha da época que a gente tinha. Software, ou a gente usava software livre ou você ia para o piratão, não tinha jeito, era a única maneira de você fazer algum trabalho gráfico, decente. Mas aí, levei curso de instalador de redes e administrador de redes com Linux pra lá e aí, o quê que eu tinha de inspiração? Do outro lado da Marginal do Pinheiros você tinha lá Microsoft, HP, essas grandes empresas. E um dos meninos, inclusive, me dizia: “O meu sonho é um dia trabalhar aqui na HP”, porque tinha aquele letreiro gigante ali nas torres do WTC, Nações Unidas. “Então, vão bora, vamos trabalhar pra você um dia chegar até lá”. E aí, veio essa história do software livre, eu vi muito ali como pulsante isso para os meninos. Mas a gestora que entrou no lugar da Célia me pediu pra eu então assumir um novo papel dentro do Casulo de comunicação e captação de recursos.
E aí, de novo, tentei ser um pouco ousado e sair da caixa e falar: “Eu acho que não tem que ser comunicação e nem captação de recursos, mas sim, desenvolvimento institucional”, que fosse além, que eu pudesse olhar a gestão do Casulo por gestão de marca, então como é que a gente constrói o branding da instituição, ajude no planejamento estratégico…
P/1 – Você já tinha se formado aí?
R – Eu tava já na fase de me formar, lá pela Universidade de Guarulhos e esse foi um período trash pra mim em termos de deslocamento na cidade, porque eu saía dali do Jardim Tremembé, pegando ônibus fretado seis horas da manhã e ia até o Morumbi, ali pra Berrini, atravessava a ponte do Morumbi pra ir até o Casulo a pé. As 15 pras seis eu saia correndo de lá, atravessava a ponte de volta pra pegar o fretado de novo ali no Morumbi, descia na Armênia pra pegar um ônibus até Guarulhos. Estudava dai na ONG, saída de Guarulhos, pegava um ônibus até o Tucuruvi pra pegar ônibus até a minha casa, chegava sempre meia-noite em casa, mais ou menos, quase, 11 e meia. Então, ali foi muito hard, me exigiu muito. isso, por outro lado, no ônibus por exemplo que eu escrevi todo o meu TCC. Eu comprei um palm e um tecladinho e ficava ali escrevendo todo o TCC. Então, eu transformei esse tempo maluco que eu tinha do trânsito de São Paulo num tempo útil pra mim. E ali, sim, nesses anos de faculdade que eu comecei a tomar o prazer pela leitura, mas muito uma leitura técnica, da linguagem de marketing, de comunicação em si. Daí, esse período do Casulo, eu fui chamado pela própria Célia que daí tava dando uma consultoria para o projeto Arrastão, lá no bairro do Campo Limpo, me chamou para dar uma consultoria lá também e eu também fiz uma jogada de trabalhar aos sábados no Casulo, porque era um centro cultural para o jovem, então tinha muito evento com o jovem, então eu ficava de sábado, livrara a minha segunda-feira e ia com a Célia prestar consultoria para o Arrastão, até que o Arrastão me convidou para implantar a área de desenvolvimento institucional. Então aí, acabei saindo do Casulo, depois de dois anos e meios e fui pro Arrastão, aí fui para mais longe ainda. Põe um período, ali, eu ainda ia de transporte público, eu pegava uma carona com a Celia, mesmo para ir para lá, ate que comprei o meu primeiro carro, falei: “Não, vai ficar insustentável, deixa eu tirar carta”, já tava daí formado e aí, consegui trabalhar. Mas uma passagem que me marcou muito da minha formatura em 2004 foi um senso de realização gigante nesse dia que eu tive a colação de grau. A sala pediu para eu ser o paraninfo, minha sala tinha seis pessoas, somente. Falei: “Tá bom, eu vou lá”, na verdade, nem paraninfo eu fui, eu só fiz o juramento do publicitário, né? Mas me senti super prestigiado por ter sido escolhido pela turma, porque eu tive vários problemas durante a faculdade, a desorganização da faculdade, por isso que a gente teve seis formandos, mas me recordo sempre dessa imagem de eu estar no palco com a música do Roberto Carlos e olhar parta o meu pai. A emoção dele, ele chorar como uma criança e ver o sonho dele realizado ali por mim, de eu estar formado, de ser o primeiro da família, dos netos formado. Minha mãe, meus irmãos, meus tios estavam ali, próximos, aquilo pra mim foi a colação de toda a minha vida acadêmica, de ter feito algo para ele. A formatura foi em julho e dia cinco de outubro ele veio a falecer, desse mesmo ano. Aquilo pra mim foi um baque, tentava dar uma forca gigante para a minha mãe…
P/1 – Mas ele tava doente?
R – Não. Eu prefiro não tornar muito público como foi que aconteceu, mas aquilo foi um trauma muito grande pra gente, porque até então, foi um trauma, mas acho que talvez um trauma necessário na minha família, porque até então, eu e os meus irmãos estávamos morando na casa com os meus pais, ainda assim, digamos que nem todos os custos da casa a gente participava de rateio, assim, com os custos da casa. meu pai nunca exigiu que eu botasse dinheiro em casa. Pra ele, o dinheiro que eu ganho tem que ser pras minhas coisas. De repente, a gente não só… a gente não chegou a se ver nessa situação, porque daí, a pensão dele, etc., conseguiu segurar muito a onda da minha mãe, mas muito de dar o estalo de: “Escuta, é hora de você começar a cortar o cordão umbilical, de ter a sua vida própria”. Mas por um bom tempo, a gente viveu um luto muito forte dentro de casa porque foi muito de surpresa, foi pós uma briga dentro de casa, em decorrência de bebida numa festa, que aí, os ânimos se exaltaram, foi um pouco traumático porque dia três de outubro é aniversario da minha mãe, então para minha mãe não foi simples lidar com isso. E eu tinha recentemente feito a minha formatura e ter visto aquela cena dele… (choro/emoção) mas no dia do velório dele, eu tava com ao mesmo tempo, sentimento de missão cumprida e eu falava isso pra ele, mesmo ele no caixão.
PAUSA
P/1 – Você tava no caixão, falando com ele essa sensação de missão cumprida.
R – De missão cumprida, de ter realizado o sonho que ele tinha projetado para os filhos. Então, ali um tempo, a gente ficou muito sem saber para onde ir. Eu, meus irmãos, a minha mãe, principalmente. Foi uma fase em que a gente se trancou entre a gente ali pra dar muita força pra minha mãe. Eu cheguei até em alguns momentos despirocar um pouco com a minha própria vida, eu namorava naquela época, tava em crise com o meu namoro e aí, veio essa mudança de trabalho que pra mim foi ótimo para dar um outro fôlego…
P/1 – Esse do Arrastão?
R – Esse do Arrastão. Eu fui pro Arrastão uns sete, oito meses depois que o meu pai tinha falecido, porque daí eu canalizei também parte da minha energia ainda lá no casulo em trabalhar. Trabalhar, trabalhar, trabalhar. Ainda no Casulo, o meu pai faleceu em outubro de 2004, eu falei: “Eu preciso continuar essa toada, preciso fazer alguma coisa porque senão, só também ficar trabalhando não vai ser legal”, e aí, eu fui fazer pós-graduação: “Em 2005, eu vou fazer uma pós, vou me especializar”, e entrei na Cásper, que foi um sonho de consumo no vestibular lá atrás, acabei indo para a Cásper para pós-graduação em Relações Publicas, gostei até mais da pós-graduação do que da própria graduação em termos acadêmicos, não em termos de convivência com os colegas. Na Cásper, eu tive… na UNG eu tive um vínculo muito maior com a minha turma, uma intensidade maior com a turma. Na Cásper, como era muito modular as disciplinas das linhas que a gente trabalhava, acabou me puxando muito pra lá, eu gostei muito dessa grade. E uma coisa que me brilhou muito os olhos, de ter passado essa experiência na faculdade, de ter vencido o medo de ir pra frente da sala e ter falado e por ter sido daí, professor de multimídia lá no Casulo, na Cásper, tinha um modulo que te gabaritava para ser professor acadêmico pela pós, eu tive didática para o ensino superior. Falei: “Eu quero ser professor de faculdade, meu próximo passo conjunto de carreira”, então daí fiz também Cásper olhando para isso, para ir me preparando para dar aula em faculdade. Então, daí comecei lá no Arrastão depois de uns seis meses já da Cásper, mais ou menos, a grade era muito mais flexível, ia duas vezes por semana, então dava pra administrar super bem com aulas aos sábados também, então eu consegui conciliar muito bem isso e então, eu canalizei a minha energia no trabalho, no estudo e um pouco cuidar dessa coisa da minha mãe com os meus irmãos num momento até daí de ruptura do meu namoro que fatalmente iria ser endereçado para noivado, casamento, mas ali eu não tava num bom momento emocional, mentalmente para isso. E aí, fui lá, comprei meu primeiro carro pra poder me deslocar para o trabalho, eu queria ter um momento ali mais comigo, estar comigo e desfrutar de momentos que eu não pude ter comigo mesmo, ao ponto de eu ir às vezes no cinema sozinho pra você ter ideia. Eu com eu. E aí, fiz dois anos de Cásper, já no segundo ano, aí as coisas já tinham se acalmado, a gente daí, com
um dinheiro que teve de indenização do meu pai comprou uma casa pra minha mãe…
P/1 – Na zona norte?
R – Na zona norte ainda, muito próximo de onde a gente tava morando. E aí, eu tive… nesse ponto de vista, as coisas estavam se ajeitando, o tempo estava se encaixando para ajeitar as coisas e aí, na Cásper Líbero, eu conheci a Patrícia que hoje é a minha esposa. A gente… já no… o meu segundo semestre era o primeiro semestre dela, a gente era colega de sala e aí, conversando: “Moro ali no Tucuruvi” “Tô de carro, te dou carona”, então por um ano, a gente foi colega, eu dava carona pra ela, deixava ela próximo de casa, seguia para a minha casa, tal e aí, em um ponto, deu um estalo, a gente acabou decidindo namorar. Diz ela que sempre ficou me enamorando ali na sala de aula, mas eu não tava preparado, não tava querendo embarcar em nenhuma aventura amorosa naquele momento. E aí, a gente concluiu juntos a faculdade e eu ainda estrava no Arrastão, fiquei ali por três anos, mais ou menos e 2007, a gente começou a
procurar casa…
P/1 – Ela trabalhava?
R – Ela trabalhava, era assessora de imprensa. A gente ficou nessa: “Puta, vamos casar?”, já tava namorando ali um, mais ou menos, se eu não tô enganado. A gente começou a namorar em 2006, isso. Já estava namorando há um ano, a gente aí decidiu noivar, daí também foi tudo explosivo, decidimos noivar, vamos casar, “Mas a gente só vai marcar a data no dia que a gente comprar a nossa casa, beleza?”
“Beleza”. E aí então, era finalzinho de 2007, eu já nessa coisa de putz, casar com o que eu tô ganhando aqui não é suficiente, consegui dar aula. Primeiro, eu fui dar aula para um curso de jovem aprendiz no Senac, na sequência, eu consegui ser professor da FMU para o curso tecnólogo de marketing que tava começando o curso, eu peguei primeira e segunda turma, ainda, então de uma certa maneira, junto com outros colegas, a gente ajudou muito a faculdade a estruturar o currículo do curso e todo conteúdo programático do curso. E foi uma fase maravilhosa também da minha vida profissional, porque eu pus em prática um sonho que tava ali de ser professor, me retroalimentava a sala de aula de conhecimento, de energia com os alunos e tudo mais, de colocar em sala algumas coisas que eu penso sobre Educação, do tipo, as minhas provas sempre eram provas em dupla e com consulta. E eu fazia umas perguntas justamente para que a dupla sempre debatesse. Porque eu não acreditava muito nessa história do cara ter que se preparar para a prova, decorar e da porta pra fora, ele esquecer. Ao menos, promover o debate ali, eu tinha muito feedback de muitos alunos de gostar da prova, porque instigava eles a refletir bastante. Nossa, a gente criou muito durante esse tempo toso ali na faculdade. Então, eu ficava trabalhando no Arrastão e trabalhando na faculdade para complementar a minha renda para poder a hora que a gente fosse casar ter como viabilizar, né, o casamento. Mas aí, finzinho de 2007, eu tava já desgostoso não tanto coma
organização só, mas principalmente, com o terceiro setor, porque eu tava vendo algumas coisas acontecendo ali no Arrastão e em outras organizações, conversando com outros colegas de coisas que acontecem no mundo empresarial e que todo mundo tanto crítica e o próprio… pra mim era inconcebível de como é que o terceiro setor fala tão mal das empresas e tá fazendo a mesma coisa? Então, espera aí, deixa eu mudar de setor, deixa eu experimentar o quê que é a iniciativa privada, voltar, né?
P/1 – Mas foi alguma coisa que você presenciou no Arrastão?
R – Foi. Eu tive gestores tendo atitudes horrorosas.
P/1 – Aí você decidiu sair?
R – Decidi sair e eu com 26 anos, mais ou menos, 26 pra 27, fui gerente, coordenador de área. Gerir a equipe, eu tive que aprender na raça, eu era muito novo, não tinha nem coaching, não tinha nada dessas ferramentas que tem hoje para gestores em empresas. Então isso também ficava me incomodando, espera aí, não tem nenhum investimento para me apoiar para eu entregar melhor para a minha equipe aqui, eu vou ter que ficar o tempo inteiro correndo atrás sozinho disso, de algo que é importante para a organização, que não é só importante pra mim? E aí, tava procurando trabalhar no terceiro setor mas dentro da iniciativa privada e um pouco com uma cabeça de deixa eu entender como é que o investidor tá pensando em aportar recursos no terceiro setor, deixa eu ver se a minha experiência na área social pode trazer alguma reflexão importante para a tomada de decisão. E aí, nessa época, veio um processo seletivo da Vivo, para o Instituto Vivo pra um cargo de analista sênior, para coordenar o programa de voluntariado. Falei: “Bom, voluntariado, eu coordenei na Gol de Letra, no próprio casulo também, vão bora, vou me escrever para esse processo”, uma amiga que me indicou, a Sabrina Campos. E aí, participei do processo das entrevistas, etc., e aí, num determinado momento do processo seletivo, eu sofri uma fratura no punho esquerdo, no escafoide que me afastou dois meses do trabalho e eu entrei na Caixa e tudo, era bem sesse fim de ano, outubro pra dezembro e aí, a gestora na época que foi… a entrevista que eu tinha coma
gestora lá do Instituto Vico, me chamaram pra entrevista eu falei para a menina do RH: “Eu tô com o braço quebrado, tem algum problema para vocês?” ‘não, pode vir”, fui pra entrevista, a Karina: “Teve um erro aqui de comunicação, a sua vaga não é de analista sênior, é pleno. Como é pra você dar esse downgrade de carreira?”. Mas as condições salariais eram as mesmas que eu tinha no Arrastão, mas as oportunidades de crescimento que ela tava me oferecendo eram muito maiores, naquele momento. E eu tinha, daí consciência de que eu não tinha o tamanho da cadeira de um gerente do Instituto Vivo versus o que eu tinha num projeto Arrastão, u no Projeto Casulo, não desmerecendo essas organizações, mas é muito diferente a dinâmica deste cargo. Falei: “Não, vão bora, pra mim não tem problema nenhum fazer esse downgrade, você tá me oferecendo uma oportunidade de desenvolvimento, eu tô mais buscando isso nesse momento de vida profissional. Eu topo”. E aí, dias depois, eu recebi a noticia que eu tinha sido aprovado no processo e aí, eu dei uma estimativa de quando que eu poderia começar baseado no que o médico achava que eu fosse me curar. E aí, começou uma angustia de a cada 15 dias ir para o médico, tirar radiografia e o osso não estava colado. nas segunda ida que eu fui, eu escrevi para a Karina e para o RH, falei: “Olha gente, vai demorar mais um mês para colar isso daqui, se vocês tiverem outro candidato, por favor, eu vou declinar”, mas aí a Karina foi super compreensiva, falou: “Novembro, dezembro, tá acabando o ano, recupera e vem aqui em janeiro, a vaga é tua ainda”. Aquilo me deu mais gás então para começar. Aí então sete de janeiro eu comecei na Vivo, no Instituto, eu tinha tirado o gesso fazia uma semana, pedi minha demissão lá no Arrastão, tudo, vão bora e aí as coisas aceleraram e aí, eu acho que eu tomei a decisão certa, na hora certa, porque eu fui trabalhar com as pessoas certas e no lugar certo. Foi o lugar que assim como na Gol de Letra, o lugar onde eu mais me realizei profissionalmente, porque já tava concluída a pós-graduação, eu já tinha uma experiência de sala de aula, porque eu ainda estava dando aula na FMU, mas logo depois eu tive que abandonar porque aí, eu não consegui conciliar, porque comecei entrar num ritmo de viagens dentro da Vivo que não ia me permitir continuar dar aula.
P/1 – O quê que você fazia lá?
R – No Instituto, eu fui então para coordenar o programa de voluntariado.
P/1 – Ah é! Você entrou nessa vaga!
R – Isso. Mas aí tão logo eu comecei,
a própria Vivo passou por um processo de mudança da cultura da empresa, superintenso com o Ricardo Guimaraes, o Roberto Lima que era o CEO na época, o Marcelo Alonso que era o meu diretor de comunicação, junto com a Karina e junto com os meus colegas, Bianca, Juliana, Eduardo Valente foram caras fantásticos, pessoas fantásticas que eu trabalhei. A gente veio aí nesse atoada de putz, essa Vivo que tá nascendo é uma baita Vivo, a gente sempre admirou naquela época, Banco Real como uma grande empresa e a Vivo tava tentando trilhar o mesmo caminho de maturidade empresarial, eu falei: “Uau, quero estar nisso”. E aí, então, a Karina me chamou e pediu: “Luís, a gente viu agora a visão, missão e valores da Vivo, não tá batendo aqui com o Instituto”, que na época, trabalhávamos com deficiência visual. Não tem nenhum demérito para a causa, mas para a empresa que tava colocando lá que acreditava em sociedade em rede em 2008, tangibilizar isso pra uma turma da área comercial é muito difícil. O Instituto pode ser esse caminho, me ajuda aqui a desenhar um Instituto Vivo, pela tua experiência na área social, na área acadêmica e etc.”. E foi aí, então que eu comecei a ajudar muito nesse processo e aí, de fazer coisas super destrutivas pro próprio setor de investimento social, eu tava num auge já de discussões com caras fantásticos como a Thymus, o Ricardo Guimaraes, o Augusto Di Franco, Reinaldo Pamponé da cooperativa, na época, Claudio Prado, eu cheguei a ter reunião com ele, Marcelo Tas. Só que aí, eu fui olhando que esses caras, a cabeça desses caras e o que esses caras liam, eu olhava pra aquilo e falava: “Hum, os meus chefes não vão entender o que esses caras estão dizendo, eu preciso traduzir isso, porque não é do business”, e aí, fui atrás muito por influência do próprio Augusto e do pessoal da escola de redes e do próprio Ricardo Guimaraes. E quando eu ia no escritório da Thymus e via a biblioteca dele, eu ficava babando por aquilo: “Preciso ler essas coisas”. E comecei a ler muitos livros, uma coisa até maluca que aconteceu comigo durante esse ano, porque eu levava uma hora e meia pra ir de carro dali do Jardim Tremembé até ali o Morumbi, eu comecei a ler no trânsito livro, enquanto eu parava no farol, o farol tava parado, eu pegava o livro do lado, lia um pouquinho, fechava, a hora que o farol abrisse, ia. Entre aeroporto, viagem… eu cheguei a ler naquele ano 50 livros. E aquilo me ajudou muito a traduzir para a empresa o que esses caras estavam dizendo e até no que eu tava propondo de projetos, pegar dessa essência toda. E aí, uma das coisas que mais me marcaram nessa vida profissional foi um projeto que eu comecei em 2009 na Vivo, mas em 2008 foi o ano em que eu me casei.
P/1 – Comprou a casa?
R – Comprei a casa em maio, assinei o contrato em maio, marcamos a data…
P/1 – Lá no Jardim Tremembé?
R – A gente comprou uma casa no Lauzane, a gente ficou um ano procurando casa: Tucuruvi, Tremembé, tudo ali em volta. Minha esposa não queria sair ali da região e eu também não, queria estar próximo da minha família e tal. E aí, eu falei: “Tá difícil, vamos ali para o lado do Imirim, que é onde a minha vó mora? Eu conheço bem o bairro, tem umas casas legais”, primeira casa que a gente foi visitar no Lauzane paulista, a que a gente gostou dentro do condomínio, fechamos negócio. Assinamos contrato, daí marcamos a data, nisso a minha esposa sempre foi muito bacana, entrava nas minhas maluquices. Eu faço aniversario dia 20 de novembro, é feriado em São Paulo, a gente marcou para o dia 19 de novembro, porque a gente só queria casar no cartório, porque daí a gente falou: “Porque a gente vai gastar uma puta grana para fazer festa, pra fazer casamento na igreja…”, primeiro que eu não tenho mais frequentado a igreja, ela também não era, não é católica. Bobagem a gente gastar um baita de um dinheiro com isso, vamos aplicar na nossa casa, então. Vamos fazer uma viagem legal de lua-de-mel. E aí, a gente casou no dia 19 de novembro de 2008. Então, novembro é sempre um mês cabalístico pra gente, 19 comemora casamento, dia 20 é o meu aniversario. E aí pra mim foi bom, porque foi esse respiro, porque daí, 2009, eu entrei com forca total nessa reviravolta com a Vivo. E aí, um dos projetos que mais me marcaram foi um que a gente acabou fazendo na região de Belterra, no oeste do Pará, eu sempre falo com um baita orgulho desse projeto, porque ali me deu um senso de propósito muito grande no mundo profissional, não que os outros lugares eu não tivesse tido, mas ali, eu pude construir um projeto de ponta a ponta e que trouxe um impacto que até hoje, eu posso deitar a cabeça no travesseiro e me orgulhar do que eu fiz. A gente conheceu através de um evento que a gente fez para poder discutir Educação com tecnologia, a gente fez uma sessão com um parceiro que era o Luiz Algarra, uma oficina de como seria levar a tecnologia para melhorar a Educação na região amazônica. Visto que os custos para levar a Educação pra lá são muito altos, por detalhes básicos, logística, levar um livro para uma comunidade ribeirinha é muito caro e com tecnologia, a gente pode encurtar esses custos, essas distancias, esse gap todo e na época, a gente conheceu um cenário de uma escola sazonal lá na Amazônia, que a gente falou: “Putz, como seria fazer um investimento neste tipo de cenário?”, e o legal foi que eu não contratei na época um consultor pra desenhar o projeto pra mim, este evento, a gente convidou a sociedade a ajudar a gente a pensar como fazer, o que hoje se fala muito de mundo colaborativo, de co-criação, a gente tava fazendo isso em 2009, comecinho de 2009. E aí, nessa sessão de co-criação, eu conheci o Eugenio Scannavino que é o fundador da ONG Projeto Saúde e Alegria, que fica lá em Santarém, na margem do Pará. Quando ele viu aquela co-criação, ele falou: “Olha, eu tenho o cenário perfeito par você levar o projeto que é lá em Santarém”, dali, a gente ficou numas conversas e o Eugenio tava muito preocupado em conectar um barco hospital que eles tinham que atendia as comunidades ribeirinhas e a gente olhando para a Educação. E eu me lembro, a Karina não tinha essa experiência de pisar no barro do projeto social, mas tinha essa visão empresarial que eu não tinha, a gente se complementava muito bem nessa dobradinha de construir o projeto. E aí, nas idas e vindas de áudios com
o Saúde e Alegria, as propostas que a gente recebia não estavam legais, até que eu falei: “Karina, vou te propor uma coisa maluca, você topa a gente enterrar aqui o nosso feriadão…”, tinha um feriadão acho que em junho, “… vamos passar quatro dias na Amazônia, conhecendo a comunidade, ouvindo as pessoas, conhecendo inclusive a ONG para ver o quanto ela tem de credibilidade na comunidade”. Na hora ela topou. Eu até achei estranho: nossa, ela topou. Porque odo mundo sempre me falava de uma Karina que não era a Karina que eu conheci, que eu trabalhei. Vão bora. Ficamos quatro dias na Amazônia, dormindo em rede no barco, conhecemos o Paulo Lima lá que foi um cara fantástico, que a gente tinha muita coisa em comum dos meus tempos de ativista em software livre porque ele foi presidente da Ritz e foi um dos caras que implantou o primeiro telecentro na Amazônia, no Brasil, e se mudou para lá. E aí, a gente conversou com muita gente, tal, Karina e eu voltamos: “É aqui que a gente vai botar o projeto”, e aí, conseguimos convencer a empresa e uma série de parceiros a financiar a construção de uma torre de telecomunicações 3G nessa cidadezinha de Belterra. Belterra foi uma cidade construída pelo Henry Ford, então tem um simbolismo também super forte ali. E a gente então concebeu pelo Instituto Vivo um projeto que não só ajudasse a conectar o barco-hospital, mas também distribuísse celulares comunitários e o Saúde e Alegria passando e dando oficinas para os jovens a produzirem vídeos com os celulares, que esse era um gap que o Saúde e Alegria tinha, eles tinham oficina já de vídeos, mas o educador ia lá, passava 15 dias na comunidade, dava a oficina, depois ele levava embora a câmera. A gente: “Vamos com o celular, ensinar os meninos e eles próprios produzirem os vídeos e eles botarem na internet e construírem blogs e uma série de ferramentas”. E aí, o auge pra mim desse projeto foi no fim do ano, a gente ter levado Roberto Lima e uma série de autoridades para inaugurar uma antena de celular 3G na cidade de Belterra, a gente fez um evento para inaugurar a antena, era aquelas coisas meio Odorico Paraguaçu que você ficava, nossa, que maluquice, a gente de São Paulo inaugurar uma antena! Mas a comunidade tava num fervor e você olhava pra trás e via algumas carinhas e o olhar brilhando das pessoas, não sabiam o quê que tava acontecendo, mas era um olhar de esperança, de que aquilo fosse a mudar a vida delas. Eu lembro de nesse dia, olhar para o céu, lembrar do meu pai e falar: “Se eu tinha alguma coisa pra fazer…”, eu me lembro uma passagem do filme do Wellington Nogueira, dos Doutores, que ele fala que se ele merecia algum crédito, não era ele, era o pai dele pelo o que ele estava fazendo nos hospitais. Eu fiz a mesma coisa de se tem algum crédito aqui, é para o meu pai, não é pra mim. Já fiz o que eu tinha que fazer aqui na terra, agora, porque vi que aquilo ia mudar a vida das pessoas radicalmente. E fato! Seis meses depois, o que se pensava de investimentos se pagou, então do ponto de vista pra negócios, era bom, mas você saber daí de histórias de mulheres gravidas salvando bebes, porque conseguiam rapidamente ligar para o barco-hospital e a lancha ir busca-la para fazer o parto é algo incrível. Você saber que a qualidade da Educação melhorou, da segurança pública, das condições de vida das pessoas, que a primeira empresa pós 3G em Belterra foi uma lan house, aquilo é de se orgulhar e a gente conseguiu daí, trazer todos os elementos para o Roberto Lima na época levar para o conselho da administração da empresa e aprovar a implementação de 2.239 municípios com rede 3G no Brasil. Eu costumo brincar para muita gente que eu acho que hoje, eu tenho 0,000001% de responsabilidade das antenas da rede 3G no Brasil, da internet no Brasil por causa desse projeto. Então aquilo me deu m senso muito grande de entrega e de olhar que uma empresa pode, sim, fazer diferença na sociedade. Ela pode, sim, ganhar dinheiro, mas também pode transformar a comunidade de uma outra maneira através do seu negócio, desde que ela também tenha esse olhar. E a Vivo, naquele momento, foi todo esse olhar. Logo depois, 2011, aconteceu a fusão Telefônica e Vivo que também pra mim foi um processo de amadurecimento, de crescimento profissional monstruoso, não tinha vivido uma fusão de empresas, tinha tido logo em 2008, que foi uma fusão com a Telmig, teve ali uma fusão Instituto Telemig com o Instituto Vivo, mas que foi uma transição muito tranquila, uma fusão que a gente pegou o melhor dos mundos dos dois e juntou, apesar das divergências entre as pessoas, um respeito muito grande, então cada um entendeu o papel um do outro, foi tudo maravilhoso essa fusão. Em 2011, resquícios do que existia de tensão entre Telefônica e Fundação Telefônica e aí, a fusão com Vivo, coma
telefônica que também era tenso, porque você tem briga de poder nessa hora, você tem um querendo mostrar que é melhor do que o outro, as fogueiras de vaidades, de fato, um querendo conservar o seu canto, ali. E aí, tive a sorte de chegar na Fundação Telefônica, ali eu fui promovido pra ser gerente nesse momento e aí, trabalhei com a Françoise Trapenard que tinha sido vice-presidente de Recursos Humanos da Telefônica e que foi uma pessoa fantástica que me ajudou muito nessa minha trajetória profissional, porque me ajudou muito a sentar nessa cadeira de gerente, o que é liderar uma equipe…
P/1 – Você tinha essa vontade de ir crescendo?
PAUSA
P/1 – Você tava falando exatamente da fusão.
R – Foi da fusão. Eu devo ter falado da Françoise que foi…
P/1 – É, da Françoise que foi muito importante pra você naquele momento.
R – Foi importante pra mim que me ajudou muito a sentar nessa cadeira de gestão… você me perguntava se eu queria isto. Quando eu cheguei na Vivo lá em 2008, eu até dizia para os colegas que eu achava que ali era um rito de passagem e que talvez a minha passagem não fosse tão longa, muito porque os meus ciclos nas empresas passadas não tinham sido maiores do que quatro anos ou dois, eu vinha nas organizações do terceiro setor de ciclos muito curtos, de dois anos, dois anos e meio. Então, achava que ali, a Vivo também fosse um ciclo muito curto, mas a medida que eu fui sendo chamado pra desafios cada vez mais prazerosos, vendo esse mundo de oportunidades, eu fui tendo essa ambição, sim, de crescer na minha carreira, de que por que não chegar a um posto maior de um cargo diretivo, executivo dentro da organização? E também os meus chefes, a própria Karina e um pouquinho antes dela sair da Vivo, que ela saiu finalzinho de 2009, ela sempre me falava disso e o próprio Marcelo Alonso foi um cara que sempre gostou muito do meu trabalho, sempre me afinei também, sempre gostei também muito do jeito que ele lidava com as minhas questões, era um cara que sempre apostou em mim, sempre também me ajudou muito nesse meu desenvolvimento de carreira. Então, isso também foi me motivando a; “Pô, eu quero dar um salto maior, sim, por que não?”, porque daí eu fui construindo uma ideia de que… até porque eu li o livro de um cara chamado Adam Kahane, “Amor e Poder”, e ele fala muito dessa história do poder, não do poder sobre, mas o poder para. Aí, eu passei a encarar um pouco de que eu subir de cargo e eu ter um cargo de executivo dentro da organização era uma chance de eu ter o poder para fazer mais coisas, para promover mais transformações do que o poder sobre que é esse destrutivo, onde você é melhor do que todo mundo, você passa por cima de quem quer que seja. Eu não gosto desse tipo de poder. Acho que essa coisa do cargo hierárquico tem que servir mais pra isso, para você abrir portas para outras possibilidades ali dentro da organização. Então, eu sempre quis, comecei a almejar essa subida de carreira muito mais para ter isso, para ter o poder decisório de poder fazer boas escolhas de projetos, poder direcionar então melhor os investimentos da organização para promover um maior impacto social, para promover transformações mais destrutivas ao modelo que a gente tá vivendo. E aí tem um pouco desse traço, um pouco da minha família dessa história toda que eu relatei desde o meu bisavô, de ser disruptivo, de toda hora querer mexer um pouco no status quo. Isso, então eu fui me dando conta que isso foi me movendo. E aí, nesse processo com a Françoise, a
gente viveu ali no corpo gestor da Fundação Telefônica muitos processos não só de coaching, mas de desenvolvimento da liderança que fizeram com que o tempo inteiro eu tivesse jornadas de autoconhecimento. Jornadas de reflexão do que eu quero, para onde eu vou, que ferramentas eu preciso… se eu pratiquei todas elas ou não, são outros 500, mas isso foi me moldando um pouco melhor não só para as ambições, mas também de como guiar as pessoas e como tomar as decisões mais corretas e acho que também esse tempo de Vivo pré Telefônica, eu fui aguçando muito o meu feeling para que tipo de projeto a gente possa apostar e quais aqueles que não têm demérito nenhum, mas vamos entregar mais do mesmo. Porque as apostas que eu fui fazendo ao longo do tempo com a Vivo, hoje, estão cada vez mais… já são fortalecidas, já me mostram que foram boas escolhas feitas lá atrás, porque eu tive esse nível de autonomia, então, até a chegada da Françoise, eu falava: “Deste nível de autonomia para trabalhar com inovação, eu preciso dessa aposta dela também, de blindar um pouco o tema da inovação e apostar, de se jogar também no abismo, porque a gente não vai ter as respostas”. E a Françoise foi uma pessoa que me validou muito, que apostou muito nas minhas ideias. Tive lá, sim, meus embates nesse momento da fusão, por uma série de questões emocionais, profissionais, filosóficas, essa coisa do estranhamento entre os meus pares: “Quem é o Luis? O que ele tá fazendo aqui? Não gosto das ideias dele, não tô a fim de ouvir”, eu também tinha os meus preconceitos sobre as pessoas, mas ali, a gente foi construindo um movimento de time que era um movimento continuo. A Françoise ficou cerca de dois anos e meio, a gente trabalhou juntos, até que quem assumiu o lugar dela foi a Gabriela Biguetti com quem eu aprendi muito a trabalhar e respeitar e a gente se relacionou super bem, tanto é que um pouco antes da Françoise, um ano antes dela sair, eu tive um estranhamento coma
própria Françoise pelo estilo dela de trabalho, eu não tava suportando aquele ritmo, nem aquela maneira de trabalhar , não que isso tenha sido ruim, muito pelo contrário, eu olho cada vez mais pra trás e vejo que aquilo foi importante pra mim, mas com a Gabi, daí veio uma proposta dentro da Fundação… quando eu cheguei na Fundação, era para criar área de debate de conhecimento e deixar ali uma sombra de inovação e novos projetos. Mas aí, no momento da Fundação, eu tive esse estranhamento com a Françoise e aí, a Gabriela me fez uma proposta de vir trabalhar diretamente com ela, então, eu passar de deixar de me reportar direto para a diretora presidente e passar para a diretora de programas. Eu não tinha problema nenhum, ali a gente se afinou e aí, a Gabi me pediu pra criar uma nova área para a fundação que era de invocação social e
que eu assumisse o voluntariado para dar uma nova cara apara o programa de voluntariado com a equipe que lá estava. E foram dois anos de trabalho direto com ela, de muito aprendizado e de muito companheirismo, porque daí, nesse intervalo de tempo, no ano de… deixa eu fazer umas continhas aqui, espera aí… 2013, 2012 na verdade… eu e a minha esposa, a gente sempre quis ter filhos e a gente, desde os tempos que a gente namorava, a gente sempre falava de adotar uma criança. E a minha esposa sempre quis, por alguma forca espiritual dela, ter uma criança negra e maior. E aí, a gente já vinha há um bom tempo com essa ideia de querer sermos pais, ela tentando engravidar e não conseguia, muito mais pela ansiedade, porque aí juntou a paranoia de fazer todos os exames e viu que não tinha nada de anormal conosco, não engravidava porque não era para engravidar e porque tava nessa ansiedade até o momento que a gente entrou no consenso de: “Vai lá ver como que é o processo de adoção, porque a gente… quem vier primeiro, veio e se vierem os dois, também, vão bora”. E aí, a gente passou dali um ano entre entrar no fórum com toda documentação, assistir palestra introdutória para entender o tema, a gente também sempre teve essa consciência de que eu não vou procurar criança no abrigo de uma maneira independente, tão pouco se alguém me oferecer para adotar uma criança, eu não vou topar, porque se você quer transmitir valores para uma criança, ou você começa direito ou você já não vai criar direito essa criança. Então, a
gente fez todo o ritual coretinho, então fomos até o fórum, fizemos a palestra introdutória, entregamos os documentos, daí a gente teve agendamento para duas entrevistas, uma com a assistente social, e uma com a psicóloga. E a Gabi foi importante porque ela viveu muito de perto esse processo comigo, até como minha chefe, minha gestora me apoiou bastante quando eu precisei. Uma das coisas que mais me chocaram, então, porque daí em novembro, a gente adotou dois filhos, dois meninos, o João Pedro e o Leonardo.
P/1 – Com quantos anos?
R – O João veio pra casa com cinco anos e o Leonardo tinha um ano e 11 meses.
P/1 – Algum é negro?
R – O João é negro e o Leo é pardo. Mas quando a gente ainda tava no processo de entrar com o cadastro nacional, para se credenciar para o cadastro nacional, uma das coisas que mais me chocaram foi quando a gente recebeu, depois da palestra introdutória, uma ficha de digamos especificação técnica da criança, uma ficha para você declarar qual é o perfil de filho que você quer ter, então você coloca ali raça, gênero, se a criança tem alguma deficiência, se ela foi abusada, se ela tem HIV, se os pais tiveram HIV, se os pais eram alcoólatras, se ela foi abusada sexualmente, tudo! É, de fato, uma especificação técnica. Desde aquele dia que eu vi aquele formulário, que eu digo para qualquer pessoa: “Eu duvido que as pessoas não tenham um preconceito. E aquele que me disser que não é preconceituoso, eu dou essa ficha para preencher”, porque ela tá faz repensar uma série de valores. Eu naquele momento falei pra minha esposa: “Olha, uma criança com deficiência ou com HIV, eu não tenho estrutura emocional para lidar. Segundo, eu não tenho nem estrutura de carreira, se eu tô nesse salto de crescimento de carreira, eu não vou ter aí condições financeiras de conseguir dar o suporte para uma criança como essa que vai precisar”, até porque eu tive um pouco de convívio com deficientes visuais, no tem demérito, você tem todo um aspecto de criação do deficiente, mas a gente sabe que você precisa adaptar toda a tua vida, você tem uma rotina de médicos que você vai precisar ter um cuidado especial. Eu não sei se eu teria esse tempo para dedicar tão intensamente como uma criança fosse precisar. Então ali estavam os meus limites. E aí, a gente foi para uma entrevista com a assistente social que a gente tinha que levar, inclusive, fotos da casa, foi muito bacana a conversa com ela porque ela não quis depois marcar uma visita in loco para vera
casa, porque às vezes, eles marcam isso. E o fato de ter trabalhado em organizações sociais com crianças e adolescentes, o fato de eu estar na Fundação Telefônica que tinha até então, um baita histórico de combate a trabalho infantil, de direitos da criança, eu acho que aquilo deu uma certeza pra assistente social e até mesmo a minha esposa, dessa clareza que a gente tinha do que a gente queria. Na sequência, a gente foi encaminhado para a psicóloga, a psicóloga bateu o olho no formulário como a gente tinha preenchido, etc., e ela quis testar a gente, marcou para ali dois meses depois, voltar para uma nova entrevista. A gente saiu muito puto daquela entrevista. E aí, já tava batendo a ansiedade também, na gente, porque com a própria assistente social, a minha esposa perguntou: “E aí? Quais as nossas chances? Vem rápido?” “Calma, não dá para determinar um tempo que vocês vão adotar, mas o perfil que vocês estão escolhendo é mais favorável”. E quando a gente foi preencher o formulário, uma das coisas que pegou pra nós dois, pelo vínculo que cada um de nos temos com os nossos irmãos, no formulário tem uma pergunta que fala se você aceita adotar irmão também, naquela hora, a gente olhou um pro outro e falou: “Putz, não dá para separar”, ela me olhava: “E aí, vamos?”, eu: “Putz, dois?”, falei: “Tá bom, vai, vão bora”, porque depois eu pensei: e se o mais velho, algum dia que ele queira entender quem é ele, vá atrás da mãe e descobre que tem um irmão? Qual o suporte emocional que ele vai precisar? Aí, você vai começando a criar um monte de fantasias, eu tinha essa fantasia, então adotar um irmão seria também uma tábua de um dar força pro outro, caso isto aconteça. Ou se a mãe tiver outro filho e esse filho quiser conhecer os irmãos, vir atrás dos irmãos e de repente, bate na minha porta o irmão dos dois, p[elo menos, um fortalece o outro e a gente então topou, botamos aí um limite de o mais velho, a gente queria até cinco anos negro, o mais novo até três anos. Daí, na segunda entrevista com a psicóloga, na véspera, a gente se olhou: “E aí, vamos mexer no formulário ou não vamos? Pra mim não precisa. E você?” ‘não precisa” “Então tá bom, vamos lá”, chegamos na psicóloga: ‘E aí, o quê que mudou?”, a gente olhou um para a cara do outro: “Nada. Estamos com a mesma opinião” “Então tá bom, era isso que eu precisava ouvir”, dali dois meses, a gente entrou para o cadastro nacional, em 20 dias, a psicóloga do fórum de Itaquera, a gente deu entrada no fórum da Casa Verde, Santana, a
psicóloga do fórum de Itaquera liga pra minha esposa e diz: “Olha…”, isso era dia nove de novembro, “… eu tenho duas crianças no perfil de vocês, querem vir conhecer?”, eu tava numa reunião, ela me liga desesperada: ”Você tá sentado?” “Tô” “Então, tô gravida” (risos) “Como assim?” “Acabou de ligar o fórum, duas crianças pra gente conhecer” “Vão bora, marca aí, quando pode? Sugestão…”, olhei minha agenda: “Marca dia 13 de novembro” “Tá bom”, e aí a gente foi no fórum à tarde, lá de Itaquera, aí conversei com a Gabriela, ela super me autorizou, nesse lado, a Gabriela é uma gestora super humana, tem uma preocupação muito genuína com família, super me apoiou: “Vai lá, se precisar de alguma coisa, me avisa”, e aí, a gente foi na expectativa para o fórum, vamos conhecer já as crianças e tal, que a gente tinha visto no fórum da casa verde, uma salinha cheia de brinquedos e a gente imaginou: “Aqui deve ser onde os pais vêm conhecer as crianças, que legal”, vamos viver a mesma coisa. Aí chegou lá: “Não, não vieram conhecer as crianças, deixa eu contar a história delas pra vocês, se você topam”. Ela contou a história tanto do João, quanto do Leo, a gente topou, queria seguir com a história em conhecer os meninos e ela ligou pro abrigo e marcou para o dia seguinte, a gente fazer uma visita, a gente ia visita-los na parte da tarde. Como era véspera do feriado do dia 15, a gente achou ótimo, porque aí visitava as crianças e de lá, ia pra praia e vamos refrescar a nossa cabeça, porque depois, sabe-se lá o que vem. E até no momento, a psicóloga tinha dito: “O Leo tá com um ano e onze meses, se vocês quiserem já leva-lo, vocês podem inclusive leva-lo, porque ele não criou vínculo com o abrigo”, o João estava há três anos no abrigo, o Leo ficou três meses apenas lá abrigado, “Então, ele não tem esse vínculo, vocês podem levar”, mas a gente tomou a decisão: “Não, vamos levar os dois juntos”,
porque o João com esses três anos de abrigo tentou-se a reinserção familiar e a mãe, das poucas vezes que foi com o Leo ainda na barriga, pro João era inconcebível: como assim, o meu irmão tá voltando para a casa com a minha mãe e ei tô aqui? E aí, teve um misto do João… o Leo quando chegou no abrigo, do irmão protetor, de cuidar muito do irmão ali dentro e proteger do restante do ambiente, mas ao mesmo tempo, altos e baixos de ciúmes, de só fazem as coisas para o meu irmão e eu sempre fico deixado de lado. Então, dia 14, a gente foi lá conhecer os meninos no abrigo, a gente se apaixonou pelos dois, o João teve uma afinidade rápida comigo, ali naquele momento, o Leo mais com a minha esposa. Hoje, já é ao contrário e dali, a gente ligou pra psicóloga e falou: “estamos dentro, vamos seguir com o processo”, mas no dia anterior, eu tava esquecendo dessa passagem, logo que eu sai do fórum, a psicóloga me ligou no celular e falou: “Olha, Luís, estamos com um problema”. O Leo, acabei de ver no sistema, como eles são filhos de pais diferentes, biológicos, o pai do João, segundo os relatos, ele era falecido, o do Leo não e não queria assumir a paternidade. Existia uma tendência da mãe querer a guarda só do Leo para tentar a pensão do pai. E o promotor público, o juiz viram isso além de todo caso que ela negligenciou do Leonardo e decidiu destituir as duas crianças e aí, a defensoria publica entrou com um pedido de recurso aos 45 minutos do segundo tempo. E isso, a psicóloga tinha acabado de me informar: “Acabou de entrar no sistema, eu não tinha visto antes da nossa conversa. E aí?” “Que risco tem?” “Pode demorar um pouco mais a adoção definitiva”, falei: “Tá bom, vão bora, se você tá me dando essa segurança, vão bora”. Então, no dia seguinte, a gente foi conhecer, a gente teve a certeza dos meninos, eu liguei para a psicóloga de volta e falei: “Vamos seguir com o processo” ‘Então, eu vou ligar para o abrigo, vamos combinar…” duas vezes por semana, a gente ia visita-los sempre as manhãs, que à tarde, o João tinha escola. E aí, eu combinei com a Gabriela, isso a Gabi foi super parceira minha final de ano que o bicho pega na empresa, na organização social, que é hora de você ver resultado dos projetos, esta ainda em fase de planejamento do ano seguinte, falou: “Luis, vai nessa, conta comigo aqui”. E aí, eu tive 30 dias para montar um quarto para duas crianças, já tava pre-mobiliado, porque já era um quarto de visitas, então as camas estavam resolvidas, mas era jogo de quarto, era roupa, era brinquedo e durante 30 dias, a gente ficou visitando os meninos, mas a afinidade foi tão grande, que na segunda visita, a gente conseguiu uma autorização já do abrigo pra passar o domingo com as crianças, então a gente passava as nove horas no abrigo, ali na Anália Franco, pegava os dois, saía pra um parque, pra algum shopping, saía com eles e as seis da tarde, a gente devolvia. E a gente tinha entre a gente ali: “Só vamos levar eles pra nossa casa o dia que for definitivo”. Então daí, num parque, eles conheceram os meus cunhados, que a gente combinou, no shopping de Guarulhos, ali no parque de diversões, eles conheceram meu sogro e minha sogra, no parque da Juventude, conheceram a minha mãe e os meus irmãos e ali, foi rolando afinidade, até que no final… aí tava surgindo dezembro, a gente ficou naquela expectativa: e aí, será que as crianças vão passar o Natal com a gente? Não vão? E férias, agora, como é que vai ser? Até essa altura do campeonato, a gente já havia destravado a possibilidade da gente viajar para o exterior, ou para qualquer outro Estado. Mas o meu sogro tem casa na praia, a gente ficou naquelas: “Putz, e aí? vamos levar as crianças pra praia? Não vamos, como é que vai ser?”, e aí, muito ruído de comunicação entre o próprio abrigo com a gente e com o próprio fórum. O fórum, nesse fim de ano fica nessa loucura de querer “desovar” as crianças logo para pais definitivos, ou têm programas onde as famílias podem passar as férias com as crianças e depois, devolvem para o abrigo, enfim, a gente ficou nesse misto todo maluco. Até que o abrigo nos disse: “Olha, tem a festa do Papai Noel aqui que é dia 14 de dezembro, nesse dia, vocês podem levar as crianças embora” “Como assim?” “Já podem ficar com vocês” “Uau!”, a gente pensou: um mês de adaptação. Aí, eu liguei para a psicóloga: “Não, eles já vão ficar com vocês, já é a guarda” “E aí? Como é que a gente faz agora? A gente ia pra praia, mas a carta que o abrigo mandou o documento, que eles tinham entregue pra gente tava dizendo nas férias, não tava dizendo isso que você tá me dizendo e a gente quer levar eles pra praia, eu preciso pelo menos de um documento, tal” “Passa aqui tal dia e tenta retirar uma nova declaração, vou correr aqui para tentar que o juiz assine” E aí, era o último dia de funcionamento do fórum esse dia, eu perdi a hora, cheguei uma hora depois por causa do trânsito também, fórum fechado, povo já fazendo churrasco de confraternização: “Não dá pra gente pegar a carta?” “Não dá mais”, eu entrei em desespero, putz e agora? Os meninos não vão viajar com a gente, vamos passar aqui em São Paulo, a gente já: “Vai estragar réveillon da família”,
da minha esposa… não tive dúvida, saquei o Facebook: “Gente, alguém conhece algum advogado que cuide de infância que possa ajudar a gente nesse processo? Que certidão que eu preciso? Será que eu consigo lá no Forum da Casa Verde?”
P/1 – Você lançou no face?
R – Lancei no face. E aí, o Marcelo Estraviz, um amigo me conectou com o Rodrigo Pereira que é um advogado, o cara na hora se prontificou, me ligou e falou: “Luis, com o que você tem na sua mão, cara, pode ir viajar tranquilo, você não pode sair do Estado de São Paulo, esse documento que você tem em mãos, pode ir pra praia tranquilo com as crianças, vão passar o réveillon lá, eles vão adorar, se der algum BO na estrada, tá aqui o meu telefone, você faz os caras me ligarem na hora”. E eu senti tamanha confiança ali nele que logo depois, eu o contratei para acompanhar o processo do Leo. Pra gente foi super legal, porque ele acompanhou o tempo inteiro e ia dando noticias pra gente de como estava indo, baixava a nossa ansiedade, etc. Mas aí, os meninos passaram o natal com a gente… no dia 14, eles chegaram em casa, a carinha do João ao ver o quarto dele, aquilo foi fantástico! E aí, a gente passou um mês, um mês e meio, dois meses hard, né, porque esse estranhamento, a criança chegando, você não sabe a rotina que a criança tem no abrigo, a gente ouviu do abrigo algumas rotinas das crianças, tentamos adaptar a nossa vida um pouco e ao mesmo tempo: “Nós precisamos que as crianças se adaptem a nossa vida também, não dá pra gente mudar e fazer a mesma coisa que o abrigo, e es também precisam entrar na nossa dinâmica aqui”, então foi ali um momento de tentar mesclar um pouco essas duas coisas e traçar uma transição. Mas aí, foi o primeiro Natal deles com a família. A festa do dia 14 foi super forte pra gente, eu me lembro de uma passagem com o meu sogro, porque a gente conheceu quatro irmãos lá que estavam abrigados, uma irmãzinha já estava num processo de apadrinhamento, mas os outros três já são adolescentes, e aí, entra naquela fase de… e a gente tava tanto com aquele espirito de: “Puta, vocês cuidaram tão bem dos nossos filhos, já, né, a gente quer fazer mais aqui, o quê que a gente pode fazer?” “Tem três crianças que precisam de um apadrinhamento no Natal” “Dá aqui o que eles precisam”, aí compramos tênis de futebol para os meninos, roupa, brinquedo e fomos levar lá, aí a coordenadora social chamou os meninos para uma sala reservada comigo, com o meu sogro, aí a gente deu os presentes para os meninos, eles: “Putz, vocês são os padrinhos dos…”, porque eles chamam de padrinhos, ainda, né? “Padrinhos do João e do Leo, puta, que legal!”, a carinha deles de felicidade só com isso, esse simples gesto que a gente fez, o meu sogro saiu arrebentado daquele momento. Ele conta até hoje disso, o quanto aquilo mexeu com ele, de ter visto essa cena, mesmo o pouco que ele fez, mas as crianças terem ficado ali e saber que é muito difícil a adoção dessa idade de criança. Mas enfim, daí a gente foi pra casa e aí, foi toda essa alegria toda e leva pra tudo quanto é lado, para apresentar para a família inteira, primeiro natal, a gente comprou presentes para eles, distribuindo na casa da minha mãe, que a gente sempre alterna, então Natal na casa da minha mãe geralmente ou com a minha mãe e com a minha sogra o Ano Novo, até porque minha sogra faz aniversario dia primeiro de janeiro, então é de lei, o Ano Novo é com a minha sogra, mas às vezes, a gente consegue conciliar as duas famílias juntas no Natal, também, a gente acaba fazendo isso. Mas sempre, acabou o Natal, a gente já vai pra praia e aí, também foi a primeira vez dos meninos na praia. Também foi magico, porque o João, olhando aquele mar todo, com medo até da água, da areia, o pisar na areia pra ele foi muito magico e muito maluco também na cabeça dele. O medo que eles tinham dos fogos de artificio, de agarrar na gente e chorar, talvez algum trauma que eles tivessem da primeira infância, de onde eles tiveram alguma coisa com tiro, não sei. A gente pouco sabe do convívio deles com a mãe, de como foi, no bairro onde eles moraram e etc. E aí, essas crianças pra gente foi muito mágico chegarem porque reprogramou uma série de coisas que a gente acredita que a gente faz, por causa do Facebook e aí, a gente viu uma rede de solidariedade muito grande, de pessoas dando dicas. Eu tive uma pessoa iluminada que a Gabi me indicou pra falar e que já tinha feito projetos comigo na Fundação que é a Pada, uma grande educadora que também tem filho adotivo e uma vez, ela me deu uma dica que eu usei três vezes com o João e foi fatal, assim, foi fantástico, de as crianças convivem muito no abrigo com idas e vindas de crianças devolvidas. Para muitos, pode parecer um horror, como se devolve uma criança? E depois, conhecendo uma série de histórias, eu fui compreendendo e não generalizo e eu procuro ter um olhar de compaixão da pessoa que devolve, porque são “n” casos. Às vezes, a família não tá preparada, mas você tem casos de alguma tragédia que acontece na família, você acaba tendo que devolver a criança. A criança que não se adapta com a família e que não quer ficar com aquela família, que prefere voltar e aí, aquilo tudo vai ficando no subconsciente da criança. Então, eles às vezes, fazem coisas em casa para te testar e isso a Pada me falou que ela sacou no filho dela, olhou no olho e falou: “Cara, você pode derrubar a minha casa, mas eu não vou te devolver nunca”, e aquilo trouxe uma segurança para ele. E o João, ainda na praia, eu tive que fazer isso com ele, porque ele tava impossível em casa, não respeitava ninguém na casa ao ponto de eu trancar ele num quarto e falar: “Cara, o que tá acontecendo? Vamos estabelecer uma coisa daqui pra frente, você não volta, você pertence a essa família aqui, agora”, e aí, eu percebi que aquilo deu uma segurança para ele. Mas aí, obvio, a gente foi atrás depois de acompanhamento psicológico, ele faz desde sempre, a gente fez todos os exames médicos, clínicos, neurológicos, recentemente, a gente detectou TDA, ele tem déficit de atenção, então para ele, a escola tem sido muito difícil a fixação, e ele passa a não gostar muito da escola, tá sendo um desafio pra gente
como casal, como pais, embate muitas vezes com as escolas, eles já passaram por três escolas em função da nossa mudança de casa também, porque depois, a casa tava pequena onde a gente morava e no ano passado, a gente mudou de casa, ficamos aí numa casa agora que tá a duas quadras da minha sogra e a cinco minutos da minha mãe, porque daí, me dá mais tranquilidade de trabalhar e enquanto isso, se precisa de um socorro, a minha sogra ajuda, como faz muito ou a minha mãe também e tem esses convívios com as avós. Pros meninos, por exemplo, o avô fala que não vai ver o vô no fim de semana, eles ficam bravos e o avô idem. Então, pra gente é muito intensa essa coisa da família hoje. Tem sido muito forte isso. E aí, nessa época do começo da adoção, por causa do facebook, por conhecer essas histórias e tudo mais e para desprender de algumas fantasias que eu mesmo criei, não só fantasias que eu criei, mas outras coisas são verdade, eu passei a escrever algumas pílulas no meu facebook chamado Diário de Adoção, em que eu relato alguns momentos de coisas que acontecem na nossa convivência. E na minha ideia, muito mais para tentar desmitificar uma coisa que eu acho que é o medo dos homens adotarem filhos, junto com os casais, porque geralmente tem muito isso, né, a mulher que é infértil, é sempre culpa da mulher, a sociedade que a gente vive machista transfere muito para mulher essa responsabilidade, quando muitas vezes, é do homem. A mulher muitas vezes também quer adotar e é o homem que não deixa, o homem tem na rodinha de amigos ou na rodinha do futebol ainda essa coisa do macho alfa, né, não posso falhar, adotar um filho é sinônimo de que eu falhei. Pura bobagem, pura idiotice. E ouvindo algumas pessoas que me escrevem, as vezes, ex-alunos me escrevem: “Você não pode falar com o meu marido?” “Eu mostro para o meu marido os seus relatos para tentar encorajar ele”, e eu tô sempre me colocando à disposição para conversar mesmo com os homens, talvez isso vire um livro, esse é um dos sonhos pro futuro. Tá planejado, eu espero que no próximo dia 13 de novembro que é quando marca esse aniversario nosso, por isso que novembro pra mim é cabalístico, é o dia da nossa família, a gente comemora isso com os meninos, eu talvez, escreva a primeiras linhas do livro esse ano. Eu falei pra minha esposa: “Nesse dia, me esquece um pouquinho, por uma hora, deixa eu escrever a primeira página”, porque eu quero dividir um pouco disso pra tentar ajudar o homem, principalmente e até mesmo algumas famílias, algumas mulheres entenderem como é a adoção, não é tão simples, assim, que você pega um filho numa prateleira, você tem, sim, que ter alguns cuidados, mas também você não pode tratar essa criança diferente de uma criança que você pariu. É filho do mesmo jeito, é claro que as situações de preparação são muito distintas, eu em 30 dias, eu tive que montar um quarto para dois meninos, eu não tive os nove meses para curtir a gestação da minha esposa, então esse preparo emocional, eu não pude ter tempo para tentar me preparar com a chegada e lidar com a ansiedade, minha ansiedade foi explosiva, então essa e uma ideia um pouco de futuro, de tentar escrever sobre esses meninos.
P/1 – Esse é um plano para o futuro?
R – Esse é um plano de futuro.
P/1 – Vamos voltar agora um pouco? A gente vai voltar para esse futuro. Aí, como é que foi conciliar o trabalho com essa vida de pai, essa nova realidade? Com todas essas questões de adaptação…
R – Graças a Deus, eu tive um ambiente muito propício, que foi a Fundação Telefônica. Uma instituição muito humana e com pessoas muito humanas, então por um lado, sempre que eu precisei, a Fundação nunca torceu o nariz pra minha presença, tem um lado econômico, é fato isso que pode dar mais segurança pra “n” questões de retaguarda para a s crianças, então desde o meu plano de saúde de poder levar em bons profissionais, de ter até o reembolso psicológico, para você ter uma ideia. A minha esposa, o sonho dela de ser mãe e pela profissão dela como assessora de imprensa sempre trabalhou em home office, então, ela mesmo diz que ela se preparou para ser mãe, então por uns dois anos, ela abandou até a profissão, fez muito poucos trabalhos para se dedicar à maternidade das crianças, leva-los pra escola, busca-los, eu também sempre levei eles pro colégio, sexta-feira, quando eu conseguia sair mais cedo ou às vezes, eu saía de uma reunião, conseguia chegar a tempo em casa, ia buscar as crianças, o meu fim de semana é deles, então eu evito o máximo trabalhar no fim de semana, sabendo que às vezes, eu tenho que entregar, às vezes, eu até acordo muito mais cedo na segunda-feira para poder preparar algum relatório que eu precise, alguma apresentação que eu precise, ou ficar até mais tarde alguns dias no escritório, acabo fazendo isso, a gente se tornou sócio do Clube dos Oficiais da Policia Militar no Barro Branco por uma questão dos meninos também, porque eu sempre gostei de esportes, como eu pude falar aqui hoje, então eu acho que o esporte ajuda muito a integrar as crianças e a minha esposa também sempre conviveu muito em clube, então a gente quis trazer muito esse espaço para as crianças brincarem, gastarem energia no fim de semana e pra mim, é uma válvula de escape também, então hoje, eu vou lá jogar o meu futebol no domingo, eles vão comigo, é obrigatório, eles irem comigo, porque se eles não vão, eles brigam comigo. Eu vou para o meu campo jogar e eles vão brincar lá na deles, daqui a pouco, chega os coleguinhas, eles se juntam, é fantástico ver isso. Hoje, eles já fazem judô duas vezes por semana, porque eu acho que o judô é uma arte que ajuda muito a disciplinar, trabalhar valores que a gente tá perdendo também na sociedade, a coisa da convivência na escola, a gente sempre procurou ser muito presente nas atividades da escola, em conversar com a coordenação da escola, com os professores, faze-los entender o contexto das crianças e não fazer com que eles tenham piedade das crianças, mas saberem que existe esse contexto, existe esse histórico e como é que eles têm que tentar trabalhar, exemplo pro João, tocar tema sobre a primeira infância ou tocar no tema de família neste período da primeira infância são super doloridos pra ele. Às vezes, ele não demonstra, mas algumas atitudes que ele tem são muito difíceis. Então, eu me lembro de uma passagem no ano passado que ele tava uma semana impossível em casa, desrespeitando todo mundo, a
gente dava bronca nele, conversava, não tava resolvendo, fomos pra sessão da psicóloga no sábado, ali também acabou a sessão: “Luis, o que aconteceu com o João? Ele regrediu quilômetros, o quê que tá acontecendo com esse menino? Não consegui extrair dele, hoje”, falei: “Não sei, vamos investigar?”, na sequência, tinha reunião de pais na escola, segundo bimestre e aí, a professora falou: “Então, feira cultural, a gente tá fazendo um trabalho agora de família”, eu falei: “Humm, já sei, já entendi”, porque no outro colégio, ele tinha tido um problema similar, só que nessa escola foi mais hard o negócio, porque daí, eles queriam roupas de quando ele era bebê, fotos de quando ele era bebê, a gente não tem isso! E o livro tratando dessas questões, até que a gente falou com a psicóloga que conhece a escola, então foi lá, conversou com a escola, conversamos com a professora e falou: “Escuta, você vai ter que lidar com esse tema, como é que você vai se virar?”, porque eles estavam lendo um livro em sala de aula, e aí, a professora teve que parar a aula e: “Vamos falar sobre adoção”, e fez o João dar a aula. O João deu um baile, falou um monte de coisa, e aí, no imaginário das crianças, isso que é muito maluco da minha crítica um pouco a Educação que eu tenho tendo já há alguns anos, pra algumas crianças: “Mas espera aí, você não saiu da barriga da sua mãe? mas eu vejo ela todo dia aqui vindo te buscar! Como assim?”, pra outros, a concepção de uma criança adotiva: “Mas espera aí, mas você não é um cachorro”, então para eles, adoção estava interligada a cachorro, animal e não a uma pessoa. E aí, a professora teve que trabalhar tudo isso, ou seja, isso pra mim, leva a uma conclusão muito fora da Educação, que por exemplo, vamos parar com grade curricular, disciplina técnica como ele tinha aula de Filosofia, em que ele tinha que fazer prova para ter espaço de diálogo, de convivência, de brincar, para que ali também o professor observe alguns comportamentos que a criança tenha para isso, então acaba puxando muito pra mim e pra minha esposa esse aspecto de ser educador, também, além de pai. Volta e meia, a gente tá lendo coisas sobre Pedagogia, Psicologia, “n”
coisas para tentar ali entender e tentar ajudar. Então, a gente sempre fez muita questão de estar presente na vida das crianças o tempo inteiro, seja na escola, nessa dimensão familiar… e isso me levou também a uma decisão recente na minha vida profissional, que daí, eu tive um convite pra ir para a Vedacit…
P/1 – Mas você saiu da Telefônica pra ir para a Vedacit?
R – Para ir para a Vedacit.
P/1 – Mas você saiu…
PAUSA
P/1 – Nesse meio tempo, você recebeu um convite da Vedacit?
R – Exato, daí, eu conheci a Karin Baumgart que me convidou para participar de um processo seletivo da Vedacit, que é uma empresa que fica na zona norte, muito próximo da minha casa e aquilo me brilhou os olhos, primeiro por isso, por eu estar mais próximo da minha casa, porque eu morando ali no Tremembé até a Berrini tava levando uma hora e 15 a uma hora e meia pra ir e uma hora e meia a duas para voltar, seja de carro ou transporte público. Por um lado, eu transformava esse tempo num tempo de estudos, porque eu lia muito, via seriados, tentava distrair a cabeça, mas por outro, me desgastava muito fisicamente e aí, eram três horas que eu perdia de convivência com os meus filhos. Aquilo foi me incomodando, foi me enchendo um pouco também. Quando eu conheci a Karin e fui participando do processo seletivo da Vedacit, aquilo me brilhou os olhos de uma maneira absurda que era uma chance de eu estar muito mais próximo dos meus filhos, conviver muito mais com eles e foi uma aposta que eu resolvi fazer, então, pra estar lá ainda mais presente com eles, porque também a Telefônica tinha um ritmo de viagem também muito grande, seja pra fora, seja aqui mesmo no Brasil para visitar os escritórios regionais ou para visitar projetos que a gente tinham, então isso também para os meninos era um pouco doloroso, eu sabia que isso sobrecarregava a minha esposa, mas eu também tinha uma responsabilidade com o meu cargo e com a empresa que eu tava. Eu não podia ficar delegando para a equipe toda hora me representar ou para os meus pares, eu também tinha que ser corresponsável também ali. Às vezes, até o meu chefe, o Américo que também foi um cara que me ajudou muito nos últimos tempos, ele até perguntava: “Como é que tá a família?” “Américo, relaxa, tá tranquilo, se algum dia gritar, eu aviso”, mas isso foi também me cansando, essa rotina de viagens e etc., e eu já tava numa fase que eu não tava produzindo aquilo que a Fundação precisava para uma nova fase que a Fundação tava vivendo. Então, daí tem um outro lado também profissional, eu não tava rendendo aquilo que a Fundação precisava, eu não tava conseguindo mais ter a mão com a minha equipe e até mesmo com os meus pares e aí, a Vedacit, no processo, me apresentou uma proposta super desafiadora de trabalho, mesmo, que era montar uma área de sustentabilidade, voltar a ter o espirito de startup de uma área e do Instituto Vedacit, como um instrumento de investimento social, mas que ao mesmo tempo, ajudasse a companhia a construir o seu senso de propósito. E aí, eu revi muito ali um chamado de o ano dourado que eu vivi muito na Vivo, com o Instituto, tá aqui, olha, quer reviver isso? E a experiência pra mim foi tão intensa e tão forte que eu falei: “Cara, isso aqui é o que me brilha os olhos, eu gosto de mudança da cultura das organizações”, pra mim, acho que é essa a minha causa, o que me move, ajudar uma empresa, uma instituição qualquer que seja a se reinventar, a repensar coisas que criem, de fato, valores para a sociedade. E esse foi o chamado para a Vedacit, me deram uma pagina em branco, eu falei: “Nossa, profissionalmente, tem um desafio aqui muito legal que é o que eu tô hoje procurando”, segundo, é uma empresa brasileira, eu não tinha tido essa experiência de viver mesmo numa empresa brasileira com essa coisa da mudança, sempre Vivo, Telefônica, grupo grande, grupo internacional, eu quero viver um pouco essa experiência de estar amis aqui no Brasil, em si, numa discussão mais local numa outra indústria, que vinha de nove amos de telecom e tecnologia, tava na hora de eu mudar e talvez, também trazer essa experiência de tecnologia para esse setor de construção civil que tá muito atrasado no Brasil e no mundo. Então, tem isso e tem um outro aspecto da escolha, que é trabalhar numa empresa da zona norte, cuja minha história sempre foi com a zoina norte, por mais que Vedacit esteja tão espalhada no Brasil, e pelo Grupo Baumgart estar ali muito presente na zona norte, com Center Norte e os outros negócios, eu me sinto também…
P/1 – Pertencendo…
R – Pertencendo a zona norte, então, voltar a trabalhar na zona norte tá sendo um baita de um presente pra mim nesse momento, porque olhando também para futuro, eu quero muito poder prover um novo desenvolvimento para aquela região da cidade de São Paulo, porque ali eu sei que vai ser a região dos meus filhos, então também tô plantado aqui, sei lá, futuro de trabalho dos meus filhos, seja ele qualquer que seja, não precisa necessariamente ser na Vedacit, muito pelo contrário, eu quero mais é que eles empreendam ali na região se for o caso. Mas eu tô tentando trabalhar justamente para isso, o que eu vou deixar para os meus filhos e até estava esquecendo de mencionar, onde me deu o start para adoção dos meninos foi quando eu tava num evento no Banco Santander sobre voluntariado, e vi um vídeo do Fábio Barbosa em que ele mesmo já tinha mudado de mindset e ele tava dizendo que a gente não tem que trabalhar hoje para deixar um mundo melhor para os nossos filhos, a gente tem que deixar filhos melhores para o mundo. isso me mexeu muito nesse espirito da adoção, então é isso que eu imagino um pouco, tô trabalhando na zona norte ali, desenvolvendo a zona norte pra ao mesmo tempo criar esse ambiente onde eu tenha filhos melhoras para esse mundo, pra essa zona norte do futuro, que eles estejam melhores preparados pra isso que vai ser a zona norte, ou a cidade de São Paulo, ou também, se eles ganharem o mundo, por que não? Então hoje, essa decisão que eu tive profissional foi muito calcada no meu desafio profissional, nesse meu olhar de desenvolvimento pra região onde eu moro e também, fortemente para o lado da minha família.
P/1 – Olhando a sua trajetória, você mudaria alguma coisa na sua trajetória de vida? Tem alguma coisa que você faria diferente?
R – Volta e meia, eu fico com esse debate comigo mesmo. Porque horas, eu penso: Putz, será que eu faria diferente? Não, não posso me arrepender, porque eu fiz, e se eu não tivesse feito, eu não chegaria até aqui onde eu tô hoje. Outras horas eu fico me debatendo: Puxa vida, se eu tivesse feito escolhas mais maduras naquele momento, hoje eu poderia estar de uma outra maneira, coisa que já chegaram a passar na minha cabeça. Eu gostaria de ter viajado mais, independente da empresa. Só que aí, você fica nessa balança: os dez, 12 anos que eu fiquei trabalhando na igreja. me dedicando ao projeto social lá com o meu amigo, montando a escola de violão foram super positivos, mas será que eu não deveria ter viajado muito mais tempo? E aí, eu fico nesses conflitos comigo mesmo. Por isso que eu prefiro mais acreditar que eu fiz, tá feito, daqui pra frente é que eu tenho que me mover para outras coisas e aí, volta e meia, eu tenho esse tipo:
se eu tivesse viajado mais, se eu tivesse ao invés de música, ter investido em idiomas ou outras coisas para
aminha carreira profissional, sempre me deu… volta e meia me dá essas pirações, essas vontades de ter feito coisas lá no passado. Mas tá feito.
P/1 – Luis, o que você achou da experiência de contar a tua história de vida para o Museu da Pessoa?
R – Uau, pra mim, é mais uma etapa de autoconhecimento, porque você me fez tentar relembrar coisas lá da minha primeira infância, dos primeiros lugares que eu morei que eu não tava pensando, cotidianamente, isso me ajuda a relembrar de onde eu vim ou quem eu sou. Essa relação com o meu pai hoje, nesse dia é emblemático pra mim, falar no dia cinco de outubro, no dia em que ele nos deixou e relembrar de coisas muito bacanas que ele deixou e me marcou. Eu, volta e meia, eu paro e penso sobre o passado, eu sinto falta dele aqui comigo nesses moimentos com os meus filhos. Eu tenho certeza que ele ia curtir os meninos pra caramba, ia me dar… eu sinto falta de poder ter conselhos com ele, sentar e: “E aí, pai? Como eu faço? O quê que você acha?”, de dividir essas alegrias que eu tenho tido com os meninos, mas onde quer que ele esteja, eu sei que ele tá olhando pra gente. Então, essa experiência me fez lembrar, pensar e deixar isso pulsante hoje pra mim nesse dia. Eu acredito muito, Rosana, numa coisa, como eu gosto muito de inovação e de futurismo, eu lembro de uma passagem do George Orwell pra você entender o futuro, você primeiro precisa compreender o passado e os sinais do presente. O que vocês me proporcionaram hoje foi eu entender mais ainda do meu passado, olhar para o… eu vou sair daqui, certamente, olhando o que tá acontecendo hoje na minha vida pra pensar um pouquinho melhor nas coisas que eu vou fazer ou nas coisas que eu quero fazer, ou coisas que forem acontecer na minha vida, na hora que acontecerem: opa, isso tava lá atrás.
P/1 – Que bonito! Quero agradecer, linda entrevista.
R – Obrigado, você, pelo convite.
FINAL DA ENTREVISTA
Dúvidas:
Então, eu ia e ela começou a me ensinar um pouco da assessoria, me botava pra ler as matérias e identificar aquele ___01:35:22___. – Página 22.Recolher