P/1 - Cláudia Leonor
P/2 - Tatiana Alves Dias
R - Rui Santiago
P/1 – A gente vai começar nossa entrevista [e] eu vou pedir para o senhor falar de novo o nome completo, o local e a data de nascimento.
R – Meu nome é Rui Santiago, eu nasci em Belo Horizonte em 26 de julho de 1945.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – Meu pai é Geraldo Santiago e minha mãe é Aparecida Santiago.
P/1 – Que que o sr. Geraldo trabalhava, o que ele fazia?
R – Meu pai fez várias coisas na vida, mas a profissão dele era bancário. Acabou aposentando, fez carreira no Banco do Brasil. Ele era uma pessoa muito orgulhosa do que ele fez, mas ele teve uma infância onde que ele procurou passar por várias atividades. Ele era de uma família humilde, mas com muita dedicação, compromisso [e] responsabilidade, ele acabou se ingressando no Banco do Brasil, onde que fez a carreira. Começou no Banco do Brasil pros idos de 1951 e acabou aposentado, [também], no Banco do Brasil. Ele tinha orgulho de ter servido o exército, então, era uma pessoa muito disciplinada e disciplinadora. Ele tinha uma formação religiosa muito forte, ele serviu o exército em Santos Dumont. Aquela época era terrível, porque morou em Belo Horizonte e serviu exército em Santos Dumont e, naquela época, de 45, 50, na época da guerra, ele chegou até ser convocado, estar pronto, e acabou não indo. Lá ele teve a felicidade de conhecer minha mãe e aí ele casou. Casou em 1943 pra 44, teve o primeiro filho em Santos Dumont, e eu sou o segundo filho dele. Num número de [total] quatro [filhos]. Eu tenho três irmãos e uma irmã.
P/1 – Como que eles chamam?
R – Luís Carlos Santiago, que é meu irmão mais velho, Alda Maria Santiago, a terceira, e o Ciro Santiago é o caçula. Isso, todos dos idos de 50 pra baixo. Tem o Ciro que ainda é solteiro, mas ele é tranquilo, cabeça feita, e tenho mais dois irmãos que residem em Belo Horizonte. A minha família...
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P/2 - Tatiana Alves Dias
R - Rui Santiago
P/1 – A gente vai começar nossa entrevista [e] eu vou pedir para o senhor falar de novo o nome completo, o local e a data de nascimento.
R – Meu nome é Rui Santiago, eu nasci em Belo Horizonte em 26 de julho de 1945.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – Meu pai é Geraldo Santiago e minha mãe é Aparecida Santiago.
P/1 – Que que o sr. Geraldo trabalhava, o que ele fazia?
R – Meu pai fez várias coisas na vida, mas a profissão dele era bancário. Acabou aposentando, fez carreira no Banco do Brasil. Ele era uma pessoa muito orgulhosa do que ele fez, mas ele teve uma infância onde que ele procurou passar por várias atividades. Ele era de uma família humilde, mas com muita dedicação, compromisso [e] responsabilidade, ele acabou se ingressando no Banco do Brasil, onde que fez a carreira. Começou no Banco do Brasil pros idos de 1951 e acabou aposentado, [também], no Banco do Brasil. Ele tinha orgulho de ter servido o exército, então, era uma pessoa muito disciplinada e disciplinadora. Ele tinha uma formação religiosa muito forte, ele serviu o exército em Santos Dumont. Aquela época era terrível, porque morou em Belo Horizonte e serviu exército em Santos Dumont e, naquela época, de 45, 50, na época da guerra, ele chegou até ser convocado, estar pronto, e acabou não indo. Lá ele teve a felicidade de conhecer minha mãe e aí ele casou. Casou em 1943 pra 44, teve o primeiro filho em Santos Dumont, e eu sou o segundo filho dele. Num número de [total] quatro [filhos]. Eu tenho três irmãos e uma irmã.
P/1 – Como que eles chamam?
R – Luís Carlos Santiago, que é meu irmão mais velho, Alda Maria Santiago, a terceira, e o Ciro Santiago é o caçula. Isso, todos dos idos de 50 pra baixo. Tem o Ciro que ainda é solteiro, mas ele é tranquilo, cabeça feita, e tenho mais dois irmãos que residem em Belo Horizonte. A minha família se resume em Belo Horizonte: tem tios, parentes, primos, a maioria em Belo Horizonte [e] alguns sobrinhos nos Estados Unidos. Aí vem uma geração bem sucedida. Eu acho que meu pai com os irmãos dele, que são mais três, conseguiram fazer disso uma educação, uma escola, que a mãe dele saiu de Ponte Nova vindo para Belo Horizonte e ali ela fez com que os filhos, meu pai e os irmãos, conseguissem fazer com que a família permanecesse sempre unida, uma formação... A prioridade dele sempre foi educação...
P/1 – É?
R – Fazer com que as pessoas... O maior investimento que ele deu na minha vida foi - eu me emociono assim - educação, conhecimento. A partir dali as coisas ficam fácil... E saúde, ele sempre preservou com todas as obediências, com todas [as] artes, e tudo aquilo que eu passei ao longo da minha vida. Eu sempre tinha consciência que ele sempre olhou a gente com carinho, tinha o rigor dele, a disciplina, horário pra tudo e coisa e ele nos ensinou a realmente pescar. Ele não tinha isso de fazer com que as coisas viessem muito fáceis, ele procurava mostrar como alcançar os objetivos e metas na vida, e isso, através do trabalho. Isso acabou fortalecendo e acabou fazendo que nós, irmãos, tivéssemos uma disciplina. Acho isso que acaba trazendo pra nós, filhos e sobrinhos, uma escola, e eu vejo que isso é muito bom. Eu agradeço por ele ter feito esse caminho.
P/1 – E a convivência dos irmãos? Vocês cresceram em Belo Horizonte?
R – Eu falo que nós, inicialmente, até os cinco anos, nós morávamos em Santa Efigênia, por aí, cinco, seis anos e era um (Bom Será?) porque morava todos os irmãos lá em Santa Efigênia, tinha uma série de casas e era um corredor. E ali morava a avó, bisavó, os tios, os filhos. Ali nós fomos crescendo. Depois, nós mudamos pro bairro de Lourdes, aí o irmão mais velho dele foi junto, a minha avó foi pra perto, então o relacionamento era o melhor possível, tanto que nós temos algumas fotos históricas que mostra sempre a família unida. Sempre tinha as datas pra comemorar, mas a família sempre foi uma família que se interagia muito, mesmo depois que eu vim pra Timóteo, nós tivemos a oportunidade de fazer isso acontecer. Eu vejo que os tempos hoje mudaram um pouco, mas sinto saudade disso. Eu acho que isso faz com que eu tenha uma relação com os irmãos, até hoje, muito boa, com os primos, primas, porque isso é uma coisa que vem de berço. Esse amor, essa coisa, isso é muito importante, isso fazia com que a gente crescesse. E nós somos ainda de uma geração que foi uma benção, até hoje, mãe e pai, e a gente passa isso para os filhos. Isso é uma coisa que começa por aí. Eu tenho minha madrinha e meu padrinho, que é o irmão dele mais velho, que está com 92 anos, graças a Deus, muito bem! Minha mãe está com 82 anos, meu pai faleceu tem dez anos, mas ele deixou um marco muito importante. A gente fala dele com saudade sempre, e os próprios irmãos... Hoje, ela ainda tem dois irmãos vivos, mas a gente mantém essa relação.
P/1 – Nossa, que bárbaro!
R – É muito bom! Por parte da minha mãe já é um pouco diferente porque ela saiu do interior, veio pra cá e a família dela não veio, mas tinha também uma relação muito boa.
P/1 – Pra cá, você fala Belo Horizonte?
R – É, para Belo Horizonte. De Santos Dumont pra Belo Horizonte... (risos) Eu vou querer água... (risos) De Santos Dumont para Belo Horizonte, e isso aí foi logo após que ela casou. Ela veio, porque aí ele [pai] foi firmando compromisso em Belo Horizonte, perto da mãe. E realmente, o pai dele faleceu muito cedo, então a minha avó que assumiu, junto com a minha bisavó, toda a condição da família.
P/1 – Rui, você falou essa questão da educação, onde você estudou lá em Belo Horizonte?
R – Eu estudei, e é fácil, porque eu estudei perto de casa e esse grupo escolar até hoje ele está lá. Estudei no Grupo Escolar Pandiá Calógeras, é um grupo que fica no bairro de Lourdes e morei ali perto. Quando eu entrei na escola, ali perto da Assembleia Legislativa, perto da praça da Igreja de Fátima, era um grupo muito bom, tinha uma formação, umas professoras muito boas, muito amigas. Eu lembro delas e acompanho algumas, até hoje. Com uma saudade porque é importante isso. Às vezes eu tenho notícias e eu tenho uma irmã que gosta disso e, às vezes, ela que me dá notícias tipo: “A Dona Rosinha... Vi a Dona. Veleda...”. Elas já estão numa idade, tal, mas algumas... É interessante que elas moravam todas ali, próximas, era uma história, elas não tinham de deslocar igual hoje, então elas moravam ali, próximas da escola. Era realmente fácil... Ia a pé, voltava a pé pra escola. De vez em quando, andava de bonde - era época que ainda tinha bonde -, passava ali debaixo de Lourdes. Depois veio a era [do] ônibus elétrico. Mas a escola é muito próxima, ainda tem a casa que eu morei e tem a escola que eu frequentei.
P/1 – Você estudou sempre nessa escola?
R – Sempre no Grupo Escolar Pandiá Calógeras, eu me formei lá. Depois que eu formei a parte de grupo escolar, aí eu fiz o Colégio Anchieta, foi outro colégio, ele ficava na Rua Tamoios, hoje ele demoliu e acabou virando faculdade. Foi, ali, da família Newton Paiva e da futura vice Maria Elvira, mas quem conduzia lá era o pai dela, que também era o disciplinador. Àquela época que você entrava na escola, você tinha um bedel, que era o Batatinha, e você fazia fila, cantava o Hino Nacional, tinha música e canto, tinha trabalhos escolares e tudo, mas sempre dentro de uma disciplina. Aquilo é fruto da história, então as escolas... Meu pai sempre sonhou, ele tinha um sonho que não realizou, que era entrar no Colégio Militar.
P/1 – Ele queria isso?
R – Meu pai tinha dois sonhos pra mim: ser padre ou então entrar na... Ele queria um filho padre (risos) e queria um filho no Colégio Militar. Aí eu fiz, realmente, uma vez o teste, mas ali tinha algumas coisas que falavam que aquilo pra mim era muito forte, eu acho que ainda tem alguma coisa em mim que puxa pra esse lado assim do rigor, do rigor da disciplina, mas é muito mais herdado por ele, pela condição dele, e da minha mãe também, que ela não fica atrás, porque minha mãe sempre estava ali fazendo o outro lado, que ela permitia mais um pouco. Mas acabei indo pro Colégio Anchieta influenciado pelo, um vizinho que tinha os filhos lá e tinha amizade, e acabei indo pra lá, e fiz toda a minha formação no Colégio Anchieta. E tem várias pessoas hoje que eu convivo, que nós encontramos e que eu vejo que acabou progredindo na vida. E têm outros que eu ainda encontro, isso é raro encontrar, mas, às vezes, eu vejo e falo: “Gozado, mas esse rapaz, ele era carroceiro e continua carroceiro”. É interessante, ele ia pra escola... Eu lembro direitinho que a gente ia pra escola e [se] encontrava na escola. Tinha um pátio muito agradável, a gente sentava, e tinha um muro alto assim e, às vezes, no meio do recreio, a gente subia no muro, porque ele punha o cavalo dele pra comer capim, pra pastar ali, mas ele tinha que sair dali já pegando serviço. E ele continua com isso, entregava leite, fazia aquelas coisas, e aquilo era um modo como ele ganhava a vida. E essa região que eu morava, era uma região que tinha córrego, tinha campo de futebol, tudo em frente, então era uma realidade, umas oito casas que pertenciam... Naquela época, era I.A.P.I., I.A.P.C., Instituto das Aposentadorias das Pensões dos Bancários, que eles tinham a política do governo e as políticas que tinham faziam uma série de casas, e nós acabamos morando, aí foi o irmão dele pra lá, foi a gente pra lá, e ali moravam muitas pessoas, de vários bancos, e era uma região que moravam bancários. Uma série de prédios, e acabava fazendo com que ali funcionasse quase como um clube nos fins de semana, sabe, porque tinha jogo de futebol, tinha vôlei, as moças jogavam, a gente frequentava. E ali, chegava à tarde, a gente sabia que o pessoal ia pôr a cadeira na beira da rua e ia conversar. Eu passo lá e vejo que mudou 100%, hoje é em frente ao Tribunal Regional Eleitoral, na Prudente de Moraes. Vocês moram em Belo Horizonte ou São Paulo?
P/2 – Eu moro aqui.
R – Ali, na Avenida Prudente de Morais. Aquilo mudou de uns quinze anos pra cá, acabou aquilo tudo, mas eu lembro, tenho fotos, tenho algumas fotos que mostra aquela região ali, e a gente vai acompanhando. Essa semana mesmo eu entrei num restaurante e falei: “Gozado. Olha, eu não tinha uma visão antiga da Serra”. E nesse restaurante tinha algumas fotografias, que eu falei: “Olha como era [a] Serra”. Realmente mudou e transforma, é o progresso, é a vida, e tem que mudar mesmo, cada vez melhor - espero. Então eu estudei no Colégio Anchieta e quando formei, aí eu fui até o científico. Era ginasial e científico, hoje é, eles chamam primeiro grau e segundo grau, mudou a terminologia, mas os fundamentos, eles continuam. Mudou a metodologia, do ensino, entendeu? E esse período era interessante que meu pai trabalhava a semana inteira e chegava sábado eu tinha de fazer a feira, mas depois da feira a gente tinha que estudar, então ele tinha mania de a gente... Tinha os exercícios normais durante a semana, minha mãe acompanhava, mas fim de semana era com ele, então até meio-dia, praticamente, a gente tinha que fazer as tabuadas, fazer os exercícios, estudar. A partir de sábado da tarde era livre, mas eu sempre tinha um jeito de dar uma fugidinha. Sempre gostei de praticar esportes, jogar futebol, entendeu? Participava ativamente.
P/1 – Aonde você jogava?
R – Tinha um campo lá em frente de casa, mas tinha o campo do Colégio Loyola - era muito próximo, ali na Avenida do Contorno. Então eu já sabia todos os macetes, tinha minha turma, uma turma boa mesmo, eu tinha uma facilidade muito grande, não era o dono da bola, mas era quase, então a gente ia, assim, praticamente, no sábado a gente ia lá. A gente jogava bola à tarde inteirinha, às vezes, os padres deixavam. Às vezes não deixavam, mas a gente jogava.
P/1 – Quem que era o padre? Você lembra?
R – Tinha o Padre Roseiro, o Padre Aguinaldo, mas eles acabaram gostando da gente porque a gente ia lá pra jogar futebol, a gente não ia lá pra fazer, às vezes, que eu vejo debelar a escola, nem nada, então eles até começaram a sentir bem porque eles viam que estava sendo bem usado o campo. Essa meninada é uma meninada ordeira, a gente “punha” regras pra turma e acabava passando a tarde toda ali. Não tinha interferência, não tinha risco de nada, então acabou crescendo ali. Aí se criava time, o próprio colégio tinha time, acabaram alguns colegas meus entrando para aquele colégio depois, então nós crescemos muito. Eu frequentei o Minas Tênis. Eu frequento o Minas Tênis há mais de 40 anos... Então eu, na época, frequentei o Minas Tênis, eu tive a felicidade... Meu pai não tinha condição naquela época... Eu fui sócio popular, eles tinham uma carteirinha de papelão. Você chegava no clube e aí criava uma carteira popular que te dava direito a frequentar aquele clube. Aquilo era dado pra algumas pessoas, eu fui lá e conversei com o Senhor Macedo, que era professor de ginástica, e com a professora de natação, aí ela falou: “Não, eu vou te fazer isso”. Acabei conseguindo e depois meu pai conseguiu uma condição, comprou uma cota e a partir dali eu me tornei sócio, porque passava pro pai, gerava famílias, entendeu? E à medida que eu fui crescendo, quando eu completei 18 anos, passei a ter direito, aí criou o filho, e ficou uma cota pra mim igual foi com meu irmão. Então, minha formação em termos de clube e ambiente foi sempre um ambiente muito bom, meu pai tinha algum rigor, mas eu tive a liberdade de escolher meus amigos através da orientação dele. Fato que eu já frequentei ambiente de tudo quanto é tipo, eu tive a oportunidade, mas eu acho que a formação que ele me deu, me deu condição de escolha, porque a gente sabe que isso vem. Às vezes, eu vejo coisas acontecendo hoje que pra mim é a coisa mais natural, eu acho que isso sempre existiu, não é uma coisa que está em moda hoje, droga, tudo o que acontece na vida, isso é história, você entendeu? E isso, na minha época, já existia quando eu era criança, só que eu tinha um pai que acompanhava e me orientava. Então ele me ensinou o caminho, o melhor caminho pra mim, pros meus irmãos, pro meu sobrinho, e acabou fazendo com que eu tivesse... Não significa que isso não poderia ter acontecido comigo, mas eu acho que isso foi forte pra mim, aprender. Depois, aí quando eu cheguei de 18 para 19 anos, eu resolvi trabalhar. Acabei fazendo o científico, fui com dificuldade. A parte científica eu já fiz à noite. Eu comecei a trabalhar e eu trabalhava numa empresa que chamava Incomex, o primeiro emprego meu, eu tinha que sair de casa cedo, eu saía seis e meia porque eu ia a pé lá na Rua Curitiba, aí eu saía cedinho, cedo mesmo, e voltava bem tarde, que eu estudava no Anchieta e o Anchieta era no centro - meu escritório era perto do Anchieta. Então eu já saía, já almoçava ali, e o dinheiro era a continha. Era só pra falar que estava trabalhando, (risos) comprar uma camisa, uma roupa. Foi a hora que eu refleti muito e falei: “Gozado, minha vida não pode ficar só nisso não, eu tenho que dar um jeito. O que o meu pai fez por mim já é muito, eu vou ter que me desdobrar”. Foi quando eu resolvi: “Vou fazer o vestibular e escolher uma carreira, uma profissão”, e essa escolha foi interessante que ele queria que eu fosse padre ou militar e, um dia, eu tinha mania de sair, acampar, passear, eu fui pra região de José Brandão, em Caeté, que fica aqui perto, no caminho pra cá, e lá tinha uma usina francesa que fazia tubos e fundição, eu fui acampar no meio do mato, nós fomos de trem, _____________ e José Brandão, aquilo tinha uns trens, uns vagões, nós resolvemos acampar numa região que estava muito escuro, montamos as barracas, estávamos acampados e daí deu uma chuva forte, sumiu fósforos, sumiu tudo, e apagou tudo, e aí nós vimos um clarão, eu vi aquilo e falei: “Nós vamos pra onde tem luz, pelo menos ali vai ter alguém!”. Eu bati realmente numa usina siderúrgica e foi no Alto-Forno, do lado do Alto-Forno, no mesmo tempo que tinha um pessoal trabalhando no Alto-Forno. Como tinha uma vaca pastando... (alguém entra na sala) Eu não vou desculpar não, (risos) é... Entendeu? E aí eu gostei daquilo, me interessei. Minas já tinha uma história de mineração, meu pai além de umas coisas, ele gostava muito, a gente saía muito pro mato, pra passear, os piqueniques eram maravilhosos com a família... (alguém entra na sala) Próxima vez eu vou trancar a porta... Achou, né? Você era baixinho, menino! (risos) Você entendeu? Aquilo tudo foi me levando, aí eu resolvi. Então, a partir de um determinado momento, eu já sabia o que eu queria. Aí eu já comecei a procurar um destino dentro da siderurgia.
P/1 – Deixa eu te perguntar uma coisa: aquela cena, vocês lá acampando e tudo, lá, atrás da luz e dá de cara com o Alto-Forno, o que que você viu ali que te encantou? Teve algum encantamento?
R – O que eu vi, sabe, é que eu cheguei na hora que estava tendo uma corrida, e tinha algumas pessoas. Naquela época, você chegar numa área, num Alto-Forno, você não falava em segurança, você não tinha preocupação com o meio ambiente. As pessoas trabalhavam com a roupa que eles chegavam do serviço, chapéu de palha, algumas ferramentas muito obsoletas. Mas aquilo ali, quando você chega no Alto-Forno, aquilo te encanta porque uma imagem do Alto-Forno é uma coisa que só vendo que você sente aquela luminosidade, da forma que acontece aquela, não sei se vocês já tiveram a oportunidade de visitar à noite, e à noite é que aparece, então você vê umas fotos, que o pessoal coloca no quadro ali, aquilo dá uma iluminação. Aquilo ali pra mim é uma coisa divina. Eu achei fantástico. Aí eu fui, conversei com as pessoas, eles me tiraram dali, porque ali era um lugar inadequado e tudo, aí tinha uns vagões... Essa história é interessante: que tinha uns vagões, assim, encostados, chovendo, a gente já estava encharcado, numa condição que não tinha mais barraca, que tinha perdido tudo, não tinha fósforo, não tinha nada. Não tinha comida, nem nada. Eles nos ajeitaram, mostraram os vagões, nós demos sorte que dentro desses vagões tinha um monte de colchão, e nós ajeitamos o colchão. Demos sorte, dormimos, a única novidade [é] que, no outro dia, nós amanhecemos mais ou menos [há] uns 40 quilômetros [de onde estávamos antes], que eles fecharam o vagão e levaram o vagão. (risos) Aí começou esse negócio, e isso me marcou assim, mas aí me mostrou que ali eu estava no caminho. Mas aí comecei a ler na própria escola, aí eu fiz vestibular - perdi o primeiro. Meu pai sempre, esse meu tio que hoje mora em Brasília, ele morou até mil 1900, vamos dizer, 55, por aí, 60 no máximo, ele morou em Belo Horizonte. Depois, com a nova capital, ele teve uma grande mudança porque ele já estava pensando em Brasília, ele acabou assumindo um posto de destaque no Banco do Brasil e ele foi morar no Rio de Janeiro, então eu tive minha infância e minhas férias, nas oportunidades, era lá na casa dele - ele era meu padrinho -, era no Rio de Janeiro. Então quando eu fiz o vestibular, lembro direitinho que eu fiz o meu vestibular em 66, primeiro vestibular, 66, 67, por aí. Aí eu fiz o vestibular, tinha estudado muito. Porque eu tinha que trabalhar, eu sabia da consciência, meu patrão era um patrão, o Elke Monteiro, incrível, ele era [de] um rigor danado, e eu mexia com máquina de, eu era o contínuo, era cobrador, era datilógrafo, era tudo, era eu e ele. Ele mexia com importação. E as guias de importação, se você fazia uma importação, você tinha que preencher uma guia pra você importar material alemão, importava muito material oftalmológico. As guias de importação eram mais ou menos assim, umas dezesseis cópias que você tinha, que “punha” aquele carbono. Era uma loucura, não é essa facilidade hoje. Mas você não podia ter um rebate, então a guia exigia primeiro a datilografia - era em alemão, muito difícil -, aí você não podia errar. Quando você errava, às vezes, estava lá no fim, acabou. Você tinha que bolar aquilo e começar, então eu tinha, às vezes, que fazer cinco, seis guias de importação por dia. Depois processava, ele lia, corrigia. Eu ia no Banco do Brasil, na Cacex, aí já tinha um canal, graças ao meu pai, ele criou um canal, e eu tinha alguns privilégios de chegar lá e o pessoal liberar dentro da legalidade, mas o canal é que eu entrava no prédio numa velocidade maior, às vezes, que as outras pessoas. Isso me ajudou. E aí eu trabalhava, ia até às 18 horas. E, [depois], eu ia pro cursinho, saía do cursinho 10 horas, ia embora pra casa. Quando tinha um dinheirinho de condução, quando não tinha, onze horas. E era aquele circo! Bom, aí eu falei: “Eu vou sair disso”. Na hora do almoço, eu “punha” o livro na mesa, estudava no intervalo de almoço, e ia estudando. Aí fiz o vestibular, aquele vestibular diferente, não era muita escolha, não era esse vestibular que as pessoas têm opção de escolher e, às vezes, dá sorte de acertar. Você tinha que fazer uma prova de português, uma prova de matemática, [a] primeira, que era eliminatória, pra depois passar para a segunda fase. Eu passei a primeira fase e fui pra segunda fase, mas eu estava tão consciente de que eu tinha passado no vestibular que eu fui para o Rio de Janeiro. Aí eu estava no Rio - meu pai foi [junto], a família [também] - esperando o resultado, mas por dentro eu estava muito tranquilo. Aí eu lembro que estava no mar, assim, olhando na praia - ali, no Posto 6, era uma região muito boa, tinha turma que eu já tinha amizade ali, que a gente foi crescendo ali, muitas férias. Aí meu pai chega com o Diário da Tarde e não estava meu nome. Eu olhei pro mar, deu uma vontade de entrar ali pra dentro, sabe? Depois eu respirei, aí veio minha prima, que era madrinha de crisma, ela pegou e me deu forte e disse: “Nós vamos começar tudo de novo”. Aí eu comecei, eu tenho até, eu lembro [como] que era mais ou menos: vestibular não definia no primeiro, segundo ano, a carreira que você ia falar. Na escola de engenharia, você entrava no processo de seleção, era mais ou menos 550 vagas - eu passei mais ou menos em 61º. Naquela época, eu me considerei bem, com mais ou menos, naquela época já tinha uns 4.000 candidatos.
P/1 – Nossa!
R – Aí eu passei, considerei que passei muito bem e tudo. Aí eu fiz, comecei a trabalhar e fazer escola, mas eu vi que a barra ia apertar, aí eu fui já na Escola de Engenharia na Universidade Federal de [Minas Gerais (UFMG), em] Belo Horizonte - eu já sabia mais ou menos o que eu queria. Eu fui na Fundação Mendes Pimentel e me inscrevi lá - porque existe até hoje na Avenida Esquina quase com a Afonso Pena, perto do escritório da Belgo Mineira. Aí eu consegui fazer minha inscrição e a primeira oportunidade que teve, eu já tinha falado que eu queria fazer estágio e tudo, eles me encaixaram no estágio. A partir dali eu comecei a ter uma renda, que era meio salário mínimo, mas eu já estava caminhando dentro do que eu queria. Eu fui, fiz o estágio. O primeiro estágio foi na Belgo Mineira, na destilaria, depois fiz estágio em Monlevade. E depois, eu consegui uma bolsa na Fump, essa bolsa foi que me salvou e aí a partir dali foi. Agora, foi árduo, época de revolução é uma época com muito rigor. Se você pensar naquela época, você falar que estava dentro de uma universidade, os DAs e a escolas [eram] muito vigiadas. Pra você ter uma ideia, eu fui calouro, fui lá às nove horas, me deram um trote, eles me fizeram entrar dentro de um tanque de óleo, me tiraram a roupa toda, era nove horas da noite. Eu não tinha dinheiro, não tinha nada, e eu falei: “E agora, como é que eu vou chegar em casa?”, mas eu estava muito sujo. Consegui um fusquinha táxi, o cara forrou, eu cheguei em casa de um jeito, até que minha mãe ficou apavorada: “Se eu soubesse que você estudou pra isso...”. (risos) Mas aí, na escola, passei no primeiro e segundo ano. A partir do terceiro ano foi uma coisa fantástica, que nós éramos cinco, fazendo engenharia e metalúrgica, cinco alunos, era quase aula particular, mas nós criamos um elo muito forte com a turma de Química e com a turma de Engenharia de Minas. Nós fizemos o terceiro ano, mais ou menos, algumas cadeiras. Ali surgiu casamento, namoro, e nós ainda continuamos a [se] encontrar, essa turma. Nós fizemos trinta anos o ano passado, nós nos encontramos em Tiradentes. Eu que, às vezes, sou arredio [para] sair de Timóteo e ter que conectar com a minha família... Eu morei aqui, pra você ter uma ideia, vinte e dois anos... Eu vou chegar aqui em Timóteo. Então, da escola, nós criamos essa amizade e tudo, crescemos e estudava juntos. Eu arrumei um colega de química, porque era muito difícil os livros. Quando você queria estudar um livro de inglês - eu era um cara que cheguei a entender bem o inglês, hoje eu não entendo bem, mas, na época, a necessidade fez com que eu ia pra Biblioteca Pública ou a própria biblioteca da escola e ali eu passava, eu vivia ali. Eu sabia que eu tinha que estudar e meu pai não ia... Os livros mais importantes, ________________, cálculo numérico, alguns livros eu tenho até hoje, aquele básico ali ,ele comprava, mas tinham uns livros que agregavam mais no conhecimento, aí eu tinha de usar as bibliotecas, tanto a Biblioteca Pública como a biblioteca da escola. Aí a gente começava no processo criando um grupo muito bom, Carlos Alberto, Maria Luísa, uma turma, Vania, Celso, que era uma turma fácil, nós passamos a estudar pra sair do lado de lá e isso foi muito bom. Os professores nossos, excelentes professores. Quando eu fiz 25 anos, fui dar um retorno à escola, nós fomos a turma homenageada - que eles fazem todo ano homenagem pra turma -, aí eu dei um retorno, que realmente o que meu pai fez em casa, em termos de formação, a Universidade completou, em termos de ética, de respeito, bem, entendeu? Foram os verdadeiros, não foi só a técnica. As matérias ali não, eles tinham um carinho, uma turma pequena, então isso foi muito bom.
P/2 – As turmas de metalurgia eram pequenas mesmo ou foi a sua uma exceção?
R – Isso foi interessante, que é cíclico. Eu sempre acompanho isso, depende muito de investimento na siderurgia. Eu vejo também que as universidades cresceram hoje, mas era cíclico. Tinha a Universidade de Ouro Preto e tem uma formação muito boa, e tinha a Universidade Federal de Minas Gerais, [em] Belo Horizonte. A Universidade Federal de Ouro Preto. Em Ouro Preto, sempre tinha mais alunos, mas a Federal de Belo Horizonte era cíclica. Eu falo que como os investimentos na siderurgia não estavam crescentes naquela época, quando eu entrei na escola, não tinha um projeto pro país claro em relação à siderurgia. Eu dei sorte que quando eu entrei foi um dos “booms”, tinha entrado a Usiminas, já estava funcionando. Tinha a Acesita, mas a Acesita estava passando por uma transformação, ela fez um Masterplan que começou em 72 - eu me formei em 73 -, então o mercado abriu. Já tinha um projeto de criar uma Açominas, tinha um projeto de criar no futuro uma C.S.T., então os alunos vão pra aquilo ali. Então, hoje chegou a ter turmas de 25 alunos, mas sempre foi uma coisa que é muito especializada e que exigia, é diferente de quando você olhar a engenharia civil e a engenharia mecânica, você provava em aula com 50, 40 alunos e eram várias turmas. Metalurgia era uma turma privilegiada, eu considero, e acabou gerando frutos, mas é cíclico, depende. Eu acredito que se o país começar a ter um desenvolvimento, a metalurgia volta. Acho que até que as pessoas olham até umas, engenharia e metalurgia, eu conheço várias profissões, eu admiro, por exemplo, profissão de enfermagem, profissão de medicina, e tem algumas profissões que exigem muito do profissional, mas uma pessoa que dedica a uma siderurgia é um negócio que é fantástico. Você tem que criar, além do compromisso profissional, tem que ter amor àquilo, porque exige muito, é muita dedicação, é muita responsabilidade, que você tem compromissos e as suas decisões são muito rápidas, entendeu? E é uma área que quer queira, quer não queira, o fato de trabalhar na siderurgia, você já está numa área de risco, então você tem que ter consciência que você está lidando com o ser humano, que você está lidando com as pessoas. Então, esse lado aí, eu fui aprendendo na vida, mas eu fui enxergar isso um pouco mais longe, porque, no início, tudo é rosa, tudo é flores. A mãe imagina que você vem pra cá, vai com o terno que se formou, mas é um pouco diferente. Aqui não trabalhava com uniforme. As pessoas, quando eu cheguei aqui, em 74, em 73 pra 74, cada um trazia sua marmita, e você sabia a crise ou não pelo o que eles traziam na marmita, você tinha uma condição mais favorável. Você lidava com pessoas que um dia você olhava só tinha macarrão na marmita, quando você via uma carne era algo especial. Então a gente compartilhava aquilo, eu participei assim do crescimento dessa fase de 73 pra cá e tenho consciência do que é que essa empresa oferece para as pessoas, eles não têm ideia. Tem algumas pessoas aqui que sabem disso, mas, às vezes, esquecem. Essa empresa tinha pocilga, ela dominava a região, então ela tinha todas as casas, tanto que as vilas aqui eram dos funcionários dos, ela tirou isso. Então eu cheguei, os técnicos moravam em frente à Companhia, o escritório era de madeira, você entendeu? Era um negócio assim que a cidade foi crescendo com a Companhia, então criou um estilo que é difícil e ainda tem saudade alguns, pelo paternalismo, por uma série de coisas, porque ela tinha que cativar as pessoas. Quando eu cheguei aqui, estava passando por uma revolução, tanto que esse ano, se você olhar, eu assustei, eu não sabia que era tantos, é um ano que tem 39 pessoas fazendo 30 anos, é porque realmente foi um “boom”.
P/1 – 73?
R – 73 pra 79 foi um “boom”. Foi um marco onde que a Acesita, na gestão do Dr. Amaro, ela resolveu renovar. Ela tinha poucos engenheiros, poucos profissionais, resolveu investir no potencial humano, então ela recrutou muita gente. Aquela casa de hóspedes ali era uma festa! Eu cheguei aqui e ela estava selecionando pessoas, “trainees”, começando buscar pessoas que iam tornar-se pesquisadores e que [se] tornaram pesquisadores. Ela estava precisando de pessoas que iam conduzir o projeto de expansão dela, então aquilo ali era uma maravilha! Lá dentro era uma guerra, (risos) mas ali era bom demais.
P/2 – Qual foi a primeira área que o senhor começou?
R – Eu comecei aqui. É interessante, eu cheguei aqui, a pessoa que me entrevistou, o Frederico Meyer, ele era o Superintendente de Produção. Aí eu cheguei aqui - é interessante porque eu comemorei tanto a minha formatura que, quando eu estava na fase final de provas, eu já não bebo não mais, mas, naquela época, eu bebia um pouco. Nós saímos pra comemorar numa festa, e nessa comemoração, mês de junho, julho, eu peguei uma hepatite, na hora, na época da prova, formação e tudo. Aí eu achei interessante que, quando eu cheguei na Acesita, o médico me olhou, eles me entrevistaram, aí ele falou assim: “Você está com uma saúde de ferro!” Eu falei: “Poxa, eu saí de uma cama. Fiquei com quatro dias de hepatite, e ele não sabe, que eu não falei com ele”. E aí eu fiz a entrevista, ele falou “Rui, você está chegando aqui...”. Eu já estava vindo da Mannesmann, era “trainee” da Mannesmann. Eu tinha uma bolsa da Mannesmann, eu já tinha um pouco de conhecimento e estava mexendo na área que eu gostava, que era o Alto-Forno. Cheguei aqui, ele disse: “Você vai mexer na Área de Engenharia Inicial”. Eu cheguei na Área de Engenharia Inicial, um prédio grande que fica na central técnica, cheguei lá, conheci o Marcos Antonio, o Marcos Bastos, o William Maluf - o William Maluf não, o Rachid, irmão do Maluf -, conheci uma turma, eu olhei e falei: “Gozado, o que essa turma faz?”. Aí eles tinham uma prancheta, um cronômetro, e eles ficavam fazendo trabalho de tempos e movimento, eu falei: “Puxa vida, o negócio aqui é cedo!”, mas aconteceu um fato que, quando eu cheguei, tinha muito estagiário, eu cheguei aqui e falei: “Tem [muito] estagiário, está tudo tranquilo”. Fechei, arrumaram o quarto na casa de hóspedes, eu cheguei aqui dia primeiro de fevereiro, um mês depois, fiquei um mês à toa, eu falei: “Me formei, agora eu vou ficar à toa. Depois eu vou trabalhar”. Eu queria descansar, falei: “Eu vou dar uma respirada, me recuperar”. Então eu fui contratado, eles ficavam ligando: “Você vem ou não vem?”. Eu falei: “Eu vou, calma.” Aí desci daqui, cheguei num sábado, diante desse prédio - onde está esse prédio aqui, tinha a rodoviária, o ônibus passava e te largava aqui. Eu olhei, não tinha nada, era um deserto. Aí eu olhei, vi a casa de hóspedes lá, cheguei e não tinha ninguém, o pessoal todo viajava fim de semana, aí eu olhei: “Tem alguma coisa estranha”. Chegou na segunda-feira, eu vi o movimento, vi que tinha muito estagiário, fiz amizade com os rapazes, moças, tudo, aí entrei na ala de estagiário. Eles falaram que eu ia trabalhar na Área de Engenharia Inicial, mas, às vezes, aqui era quente. Aqui hoje é fresco, mas era quente que eu olhava: “Nossa Senhora, esse lugar aqui é tão quente igual ao Alto-Forno, não é possível!”. Suava. A floresta aqui era boa, mas não era do jeito que é hoje. Hoje, essa cidade é o sonho, paraíso, não significava que não era boa não, mas as alternativas eram poucas, tanto que, no sábado, eu cheguei aqui à noite, bateu cinco [e] fechou a cozinha, não tinha nada pra comer, aí eu falei: “Aonde tem um bar aqui?”, “Bar aqui não existe!”. Eu falei: “Nossa! Vou amanhecer aqui com fome”. Não tinha ninguém lá pra fazer nada, mas isso fazia parte da história, não lamentei não. Mas aí eu entrei com os estagiários e vi que tinha um clube, e tem um clube aqui que era bom, eles vinham, trabalhavam de manhã e, à tarde, hora que dava uma e meia, ao invés deles ir para a Companhia, eles iam lá pra cima... Eu não estava satisfeito com o que eu estava fazendo, ficava lá na Engenharia Inicial com o cronômetro, cronometrando barra? Aí eu falei: “Não me formei para isso não, eu quero mexer com o forno”. Eu entrei, fui pros estagiários, passei mais ou menos um mês aqui como se fosse “trainee”... Nada! Passou um tempo, ninguém me cobrava nada, um dia eu cheguei e falei, fui lá no Frederico: “Frederico, eu vou embora. Não vou ficar não, eu não vim aqui pra isso não”. E eu dei sorte que naquele momento eles estavam fazendo uma reformulação total na Área de Redução, aí ele chamou o ________ que era um supervisor e falou assim: “Nós vamos fazer uma experiência com você lá no Alto-Forno, ou pega ou larga”. Eu falei [que] não tinha informação gerencial, recém formado, mas [era] ou pega ou larga, aí eu falei: “Eu vou pegar, vim aqui pra isso!”. Em abril, eu fui nomeado o primeiro gerente da Área de Redução do Alto-Forno, [com] três meses de formado.
P/1 – Quantos anos você tinha?
R – Eu devia ter 28 anos quando eu cheguei.
P/2 – O que é que é isso, a Área de Redução?
R – Área de Redução é a área inicial da empresa. Essa é uma empresa integrada, então você começa desde a matéria prima, compra minério de ferro, carvão, coque, os insumos. E você começa numa área que é a Área de Redução, é a área que te prepara a matéria prima pra Aciaria, é o início do processo. Esse produto da Área de Redução chama gusa [ferro gusa], que ele tem uma característica física e química adequada pra chegar e transformar, na Aciaria, em aço. Mas é o primeiro produto que essa empresa tem, ele pode ser comercializado sobre a forma de gusa ou isso, na forma de gusa líquido para Aciaria. Aí eu comecei no Alto-Forno 1, ele estava numa reforma. Eu cheguei numa hora ótima porque vi o forno parado, entrei, e eles me puseram naquilo. A partir dali, eu comecei e não parei mais, e ela não sai de mim porque eu já percorri todas as áreas, grande parte das áreas da empresa, mas eu estou ainda na Área de Redução. Então, eu vou e volto, mas ela volta comigo. (risos) E o pessoal fala que isso é uma doença, que quem passa por um Alto-Forno, não esquece o Alto-Forno, em qualquer lugar.
P/1 – Paixão?
R – É, uma paixão. (risos) Eu falo o seguinte, sabe, até brinco com as pessoas, é o seguinte: o amor é tão grande que você, às vezes, até esquece da família, e as pessoas têm que lembrar da família. O Alto-Forno exige das pessoas, por ser uma caixa preta. Até hoje, por melhor que seja o modelo, ele depende muito do ser humano pra interpretar e acompanhar, porque realmente exige e, às vezes, as pessoas acompanham ele 24 horas. A melhor coisa num Alto-Forno é que ele tem que ter o pé quente, barriga cheia e cabeça fria, é um ser humano. Isso é uma coisa fantástica, porque o ser humano quando ele... O Alto-Forno ele tem que ter uma qualidade de matéria prima muito boa, muito bem preparada. O processo dele exige parâmetros operacionais de controle que você tem que ter, mas a partir do momento que você parte para uma preparação boa, a probabilidade de sucesso, ela é muito alta e exige um acompanhamento muito forte da metalurgia, do controle do processo. Mas o fator principal é a qualidade da carga metálica que você conhece, então isso exige muito. Naquela época, nós não tínhamos laboratórios que tinha, não tínhamos computador pra fazer balanço de fusão. A primeira vez que eu cheguei aqui, eu tinha aprendido na universidade a fazer balanço de massa, cálculo de infusão, e aí eu falei: “Não, sei eu aprendi, eu vou implantar. Isso funciona”. O modelo era um modelo muito mental, as pessoas sabem fazer aquilo de cor, eles não sabiam usar toda a química, toda física pra fazer aquele balanço de massa, então o _________ disse: “Pra você calcular uma carga metálica, você faz isso”. E eu disse: “Não, eu vou mudar”. Eu tentei implantar esse modelo e foi interessante porque a única máquina que tinha pra fazer isso era a Facit, a velocidade com que o processo acontece era tão rápido que quando eu terminava o modelo, já tinha passado tudo e já estava num outro processo e eu perdia aquele material. Só depois da era do computador que eu consegui, realmente, fazer com que a equipe toda implantasse um modelo matemático, num modelo de balanço máximo, que aí acompanhava o processo que hoje faz isso num minuto - gastava cinco horas pra fazer. E isso é fantástico porque mostra a evolução da história na Acesita. Não tinha, então eu decorei com eles: “Você vai fazer uma determinada de gusa, você põe 1450 quilos de minério de ferro, 40 quilos de quartzo, 20 quilos de manganês, 60 quilos de calcário. Acabou, está feito a modelo de fusão”. E aquilo dava uma variação. Você punha mais vinte, menos vinte no minério [e] resolvia o problema. E a Aciaria passava um aperto danado porque você não tinha um controle rígido de balanço e da composição química do produto, então isso afetava muito a Aciaria. Hoje é 100% na faixa, então, às vezes eu fico vendo que coisa maravilhosa, que evolução. É ótimo! Mas exigia isso, tinham pessoas que eles eram práticos e pra mim foi uma felicidade chegar com toda a teoria que eu tinha e conviver com aqueles práticos, que aí eu fui vendo a realidade e a distância daquilo que é prático com a teoria. Porque eu tenho a noção assim, por melhor que seja a teoria, você tem que fazer com que se adapte ao seu modelo teórico com a realidade. E se você não fizer isso, se não fazer com que o ser humano tenha compreensão daquele modelo, você nunca vai ter o resultado que espera. As pessoas têm que compreender porquê que elas fazem aquilo, e tem que ter o entendimento perfeito do porquê que ela está fazendo aqui, é diferente. Então eu tive que montar as apostilas, fazer os treinamentos, trazer equipe, trazia universidade pra cá, montar treinamento aqui nas escolas que tinham na região, formar uma base, [e] isso foi bom demais. Acabou nessa geração e já tinha uma escola profissional aqui muito boa, que eu consegui levar pra dentro da escola profissional uma formação também na Área de Redução. Então nós temos pessoas que saíram daqui e estão aí, que foram formados aqui e que hoje são engenheiros e estão aí. É muito importante, eu acho que em qualquer lugar no setor da siderurgia que você for, encontra alguém que passou por dentro da Acesita. A Acesita é uma escola. Acesita é uma escola porque ela permite que as pessoas façam e permite que as pessoas errem, é diferente. Nós aprendemos é errando. Não importa, quanto menos você errar, melhor, mas se você não tiver a oportunidade de errar, você nunca faz. E a Acesita é uma coisa diferente, ela tem esse dom que é um negócio que por melhor que seja as outras competências que passam aqui, isso está ali, isso é uma cultura. É diferente de quando eu fazia visita, que eu chegava em determinadas fábricas e perguntava: “Como que você convive se tiver o silício fora de faixa, ou forno frio?”, aqui o cara tem direito de fazer uma vez isso, porque na segunda vez ele não vai estar aqui. É complicado você ouvir isso. Então isso é uma coisa que você tem que passar, pelo respeito. Agora, o Rui é o Rui hoje, mas a escola que eu passei, fez com que eu aplicasse muitas coisas que talvez hoje eu não faria se tivesse a oportunidade. Talvez eu ia começar, mas aquilo valeu pra mim até pra ter o modelo, qual a melhor forma de conduzir o ser humano, essa é a melhor escola. Não tem jeito, por melhor que seja a marca, por melhor que seja isso aqui, se não tiver razão de ser do homem, não tem como você conduzir um projeto, se você não respeitar as pessoas. Você tem que ser terno, duro, tem que ser terno com as pessoas. Eu tenho essa característica, acho que tenho - tem uns que têm. Tenho respeito às pessoas, sei pedir desculpa pras pessoas, então isso é bom!
P/1 – Nessa época, de 73, que você estava entrando, qual que era o desafio da Acesita?
R – O desafio era muito grande, e foi por isso [que] eu entrei aqui. Era a época que estava passando por uma reforma muito forte. Primeiro, de conhecimento, ela estava capturando um monte de pessoas no mercado pra trazer inteligência pra cá. E ela tinha o desafio de implantar o Masterplan, uma expansão, a Área de Redução. Ela tinha um Alto-Forno, tinha um forno elétrico de redução e ela ia construir o maior forno de carvão vegetal. Esse foi meu grande desafio. Aí eu falei: “Puxa vida, estou chegando na hora que eu vou aprender tudo. Eu vou construir um Alto-Forno, vou participar dele com uma equipe”, que era uma equipe enorme, e [foi] graças a essa equipe que eu aprendi. E aí eu falei: “Poxa, isso é o meu sonho”. Você imagina, eu querer mexer com o Alto-Forno, além de chegar e pegar um forno reformando, eu ia pra participar da construção do Alto-Forno. Tanto [é] que eu fiquei no Alto-Forno durante um período e depois eu fui deslocado só pra conduzir o Alto-Forno 2, esse período foi até, mais ou menos, 79 pra 80. Então eu passei até 76 com o Alto-Forno 1, mas a partir de 76 eu já comecei a conduzir pro Alto-Forno 2 - então me deu a oportunidade de ir pra França e ficar lá 45 dias, aprender, fazer um estágio forte na França. Eu tenho uma coisa, igual eu falei, assim: eu vou vencer isso - o inglês, mas o francês é uma coisa, ele acabou me... Mesmo na escola, eu tinha um professor de francês maravilhoso e a hora que eu tive a oportunidade de participar de um projeto que ele era a concepção francesa da (Delatre Delebie?), aí me deu a chance de ir pra França. Foi um sonho, eu realizei mais um sonho. E foi bom demais, que eu passei um período lá com uma equipe, duas pessoas, o Jorge Alberto é que coordenou a equipe, mas aí nós levamos uma série de pessoas, alguns ainda estão aqui, outros já estão em outras empresas. A gente [se] encontra, fala e lembra com muita saudade.
P/1 – A construção desse Alto-Forno 2, como ele iria impactar a produção de aços especiais da Acesita? Na cadeia toda da produção, como que ele ia impactar pra frente, pra Aciaria, pro resto?
R – Mudou muito o modelo, quando a Acesita fez essa expansão, ela tinha uma série inoxidável, mas ela não tinha nessa época nenhuma concepção do modelo pra aço inoxidável voltado para a construção do Alto-Forno 2. Ela tinha uma linha de não-planos, que é a base, que hoje ela está fechada, ela parou de funcionar em 2002, que era o carro chefe dessa empresa, a área de base, mas ela tinha aços especiais, refilados, descascados, tinha alguma coisa de inoxidável, mas eram aços voltados para a agricultura e a parte de linha automotiva, que atendia o mercado automotivo numa exigência muito alta e essa linha de base. E tinha nessa expansão com Alto-Forno 2 um segmento de dois levantamentos contínuos que ela estava implantando, um laminador externo e a placa de carbono, alguns aços de carbonos especiais - isso que era a concepção. E, além disso, o silício GO e GNO, o inoxidável não passava pelo uso de gusa, isso foi o projeto da Área de Redução. Hoje, o inoxidável, o gusa passa pelo inoxidável, compartilha nos aços inoxidáveis. Mas todos os aços que a Acesita faz hoje, ela tem um pouco de gusa, maior ou menor proporção. Então a concepção inicial do projeto não previu isso, foi justamente por causa da pesquisa, dos estudos, da competência, da metalurgia, do pessoal de processo, é que acabou desenvolvendo projetos que hoje o gusa faz parte de todos os aços da empresa. E hoje a Acesita é uma empresa de aços especiais, então o gusa já faz parte hoje do processo de todos os aços especiais da empresa, e cada vez mais especiais. Então a Aciaria foi concebida junto com o Alto-Forno 2. Aí, nessa época, a gente tinha uma LD1 pequeno, eu falo que o LD1, nessa época, LD 30, [era de] 35 toneladas, por aí. E nós não tínhamos nessa época nenhuma noção ambiental, mas tínhamos algumas preocupações - a gente sabia que estava fazendo algum mal porque a chaminé do LD jogava pra dentro da comunidade. Então ele oxidava, a gente contava vinte e um sopros por dia, e eram vinte e uma vezes que a gente poluía a cidade toda e fazia aqui uma nuvem laranja de óxido de ferro, que contaminava a cidade, mas a cidade nem tomava conhecimento, aquilo era uma coisa normal. Quando não soprava, a pessoa: “Puxa vida, deve ter algum problema na Usina. A Usina está parada”. (risos) Você está entendendo? É o contrário! A ponto que a poluição, ela foi tomando uma consciência, e o projeto da prefeitura construiu uma rodoviária na beira da cerca da Usina, independente de qualquer coisa, movimentava carvão aqui, poluição ali. Eles foram perceber e a gente percebia porque se você fosse num restaurante e aquilo incomodava, a turma do restaurante “punha” uma toalha na mesa na hora de se sentar, porque se ela pusesse um pouco antes, ficava preta. Aí começaram a reclamar, a sociedade foi tomando consciência, e aí começou. No projeto de mudança de 79, já veio à primeira leva de meio ambiente, não na profundidade e com os cuidados todos que nós tomamos hoje, mas ali já começou uma preocupação, uma consciência ambiental. Já começou a expansão da energética, o Alto-Forno já veio com uma matéria prima renovável. Foi o Alto-Forno o grande argumento, e o apelo social do carvão vegetal foi muito grande, porque foi pra uma região de Jequitinhonha, que até hoje é sofrida e, às vezes, as pessoas esquecem que a Acesita fez lá um bem com aquela comunidade, com aquela sociedade, porque ela foi lá e está lá desde 76. Então, o que a Acesita já fez e, às vezes, poucas pessoas sabem o que é que significa a Acesita, o que ela levou de progresso, de estrada, de saúde, meio ambiente, pras pessoas lá, o que é que ela levou de progresso pra região. É lógico que tem outras empresas, mas a Acesita foi um marco do desenvolvimento de Jequitinhonha. Inclusive, ela teve que pesquisar, estudar aquele terreno, saber se ia dar certo, se não ia dar. Demos sorte. Sorte pra mim, o conceito de sorte é que quanto mais você estuda, quanto mais você trabalha, mais sorte você tem. Sorte não é um negócio que acontece por acaso não, você tem que fazer com que as coisas fluam para ali: “Ah não, se eu der sorte”, faz sua parte que a sorte vem.
P/2 – Por falar em sorte, seu Rui, nos seus anos de Alto-Forno, teve algum aperto que vocês tenham passado?
R – Muitos. Nossa senhora! (risos) Esse lado aí. É igual eu te falei: já passei muitos apertos. Tem um aperto que ele me marcou muito, que foi logo que nós partimos o Alto-Forno, isso é aperto mesmo. Eu posso contar vários apertos, mas esse marcou muito. Talvez poucas pessoas saibam que quando nós partimos o Alto-Forno 2, nós partimos ele e ele teve logo de cara alguns problemas. Primeiro, a tecnologia moderna, por melhor que prepare a equipe, no “startup” você tem problemas e nós tivemos algumas surpresas. E nós tínhamos marcado aqui, quando eu falei, essa empresa ela era [de] uma gestão muito rigorosa, mas estava na gestão da revolução, e o presidente, na época dessa partilha, era o Figueiredo, e marcaram a vinda do Figueiredo aqui pra inaugurar a Usina e percorrer a Usina. Teve aqui o cerimonial, prepararam tudo e, justamente, na visita do Figueiredo, o Alto-Forno deu problema e nós estávamos lá com o Alto-Forno todo parado, e eles tinham marcado pra ir lá e o blider. A comunidade aqui hoje ela não sabe o que que é um blider aberto, é raro isso acontecer, mas naquela época era normal; você tinha umidade, carvão ruim, matéria prima ruim. Então, os problemas, a comunidade sabe. Um Alto-Forno quando tem problemas, a comunidade sabe. Ele fala, abre, joga pra fora e dá uma chama.
P/2 – Blider, o que é que é?
R – Blider é uma válvula de escape. Ela deu uma válvula de escape e, justamente, no dia da visita, então nós tivemos um problema nessa parte e que fazia um barulho muito estranho, e como que ficaria a diretoria, todo o cerimonial, o Figueiredo, a solenidade, várias pessoas fazendo um tour na Usina. Aí eu montei um plano de contingência com a minha equipe, nós, que estávamos vivendo aquele momento ali interno, sabíamos tudo que nós passamos de aperto, mas ninguém mais, fora dali, sabe o que aconteceu e isso era quase que um pacto. Tem pessoas que estavam na mesma época que nem lembram como é que foi, entendeu? Então nós passamos por um sistema muito difícil, se você tem tempo, tranquilidade nessa hora, você, às vezes, tem que ter velocidade, mas não pode ter pressa pra determinadas coisas. Então, você tem que ter tranquilidade pra resolver isso. E uma coisa também que eu vivi, foi quando nós fizemos uma reforma desse Alto-Forno, que foi uma reforma exaustiva. Terminou a reforma, eu falei: “Não, eu vou descansar”. Conversei com meu chefe e depois fui embora e, justamente, quando eu estava fora, deu um problemão, problema sério numa chaminé - deu uma explosão. E, essa época, foi uma época que eu comecei a tomar consciência com as pessoas, porque eles estavam com uma tensão. Eu estava fora tinha uns dez dias, aí eles me chamaram e eu voltei. Quando eu cheguei, encontrei várias pessoas que estavam muito tensas, e eles estavam trabalhando, mas estavam trabalhando a poder de comprimidos, essas coisas, pra não dormir, pra descansar a tensão. Foi uma hora que eu falei: “Puxa vida, se nós formos continuar dessa forma, trabalhando sob essa tensão, tomando comprimido pra não dormir, calmante, relaxante, está errado!”. Esse dia eu aprendi muito, eu falei: “Não, nós vamos começar tudo de novo. Nós vamos fazer escala, vamos mandar alguns folgarem...”. Eu, graças a Deus, sempre trabalhei com pessoas muito competentes. Sempre falo o seguinte: “Você tem que ter pessoas muito boas, porque o que faz uma equipe... Sua competência está com você, você tem que ter uma base sólida”. E eu sempre tive sorte de ter pessoas comigo que sempre foram compromissadas com aquele resultado e eles tinham de uma forma ou de outra, eles arrumaram um jeito de me mandar um “feedback” e me puxar a orelha, e me trazer o caminho, mandar eu pensar. Essas épocas me ajudaram muito, sabe, pra sair desse sufoco. Agora, esse fato do Figueiredo me marcou muito, porque foi uma coisa que eu falei assim: “Você imagina a mídia toda, a imprensa toda, num projeto novo...”. Mas isso passou, imediatamente tomamos um rumo. A partir dali, se você pegar a evolução - eu falo que a evolução da Área de Redução ela é uma evolução cada vez mais fantástica, como é a evolução da Acesita. Aí, depois, fiquei na área de Redução até 1986. Fui convidado pra ir pra Aciaria, foi uma mudança e se eu aprendi uma coisa também nessa época porque eu era uma pessoa que, naquela época, você trabalhava com muito documento, você tinha aqueles arquivos, aquilo tudo montado - ainda eu tenho um pouco disso, de guardar muito papel, cada vez mais eu estou guardando menos. Mas, nessa época, eu fui pra Aciaria e eu tinha lá aquele armário de quatro gavetas, aqueles negócios, aí eu falei: “Gozado, o que eu vou fazer com isso? Não vou levar nada, vou levar meus livros, que eu tenho algum apego a eles”. Eu tenho livro de cálculo numérico, de estatística, livros de metalurgia, eu levei uns quinze livros. Larguei os armários lá e nunca voltei pra buscar. Eu achei interessante isso e falei: “Por que que a gente se apega a certas coisas?”. Aí eu fui aprendendo que é o seguinte: é bom você ter isso, mas tem coisas que, realmente, mudam o patamar, o papel, o conhecimento fica muito com você; a memória da empresa, você manda pro arquivo, (risos) não tem que guardar aquilo ali na sala. Isso foi uma transição. E a partir dali, eu comecei a criar mais disciplina nisso. Estou longe do que eu penso, (risos) mas é interessante isso... Aí eu fui pra Aciaria, foi uma coisa fantástica, pra mim, abriu... Você sai do contexto. Às vezes, você vive seu mundo. Às vezes, eu falo que nós vivemos em Timóteo como se estivesse numa redoma, a gente fica aqui e a gente sabe que está acontecendo coisas aí fora que, às vezes, não percebe. A gente tem que sair e reparar lá de fora. Hoje eu moro em Belo Horizonte, só o fato de eu ir lá e voltar, já me dá a oportunidade de rever algumas coisas, entendeu, porque quando você vive aqui, você vai na feira, no clube, qualquer lugar que você vai, vive em função de Timóteo. Por melhor que seja, não tem como fugir disso. A cidade, ela tem que expandir muito pra você não viver isso. Eu tive a oportunidade de morar em outros lugares, ao longo da minha carreira, e aí eu falei: “Gozado. A gente tem que sair!”. Eu saía, fim de semana eu ia pra Ipatinga. Eu tinha uma Brasília, ia pras lagoas. Gostava de sair, de passear, e eu tive a felicidade... Que eu tive um fato que eu não contei pra vocês, eu perdi minha primeira esposa em 1978...
P/1 – Nossa!
R – Tive um acidente muito grave na época. Eu perdi, fiquei viúvo, mas, ao mesmo tempo, minha mãe e meu pai falaram assim: “Agora nós vamos estar com você”. E eles vieram pra cá e moraram aqui 17 anos, comigo. Então, nessa época, acabou que a família toda vinha pra cá e...
P/2 – Você já tinha filhos?
R – Não, a minha primeira esposa não tinha filhos. Ela estava grávida... Mas eu tenho uma relação com a minha sogra, com os irmãos, fantástica! Mas entre isso e coisa, eu trouxe minha família pra cá e aí eu passeava, saía, minha mãe ia comigo, meus amigos iam lá em casa. A casa que eu morei tinha uma área muito boa e aqui tinha uma confraternização, porque as amizades aqui são boas e ternas, então a gente encontrava muito e fazia muita coisa. Meu pai gostava de um baralho, jogava baralho, meu pai ainda ia lá, era aposentado, mas ia pra lá pra dentro do banco, administrar o banco.
P/1 – No Banco do Brasil, aqui?
R – É. (risos) E ele criou amizade. Então a vida dele aqui foi um sonho pra ele, ele tinha amizade na feira, no clube; falaram: “Daqui a pouco, ele vai virar vereador daqui!”. Ele foi uma pessoa boa, e pra isso, eu acho [que] prolongou muito a vida dele. Minha mãe fala daqui com muito amor e gosta. De vez em quando, eu trago... Acho que eu trago pouco. A rua que eu moro é uma rua excelente, foi uma escolha ótima, [com] um vizinho ótimo. Eu sempre falo: “Eu não sei o que faço que, ou ajudo eles”. Mas é uma rua que, eu pensei uma época em vender a casa, eu não estava vendendo a casa, estava vendendo os vizinhos, aí eu falei: “Não, eu tenho que escolher um vizinho muito bom, porque não é questão do valor”. Porque o que você está comprando aqui não é essa casa, mas é isso tudo, rapaz, é muito mais que uma casa, você entendeu? E é realmente isso. Tanto que o cara, o Renato, ele falou assim: “Puxa vida, Rui, você tem razão”, e é mesmo, a gente tem que olhar isso. E, às vezes, a gente não dá valor a isso. Eu dou sorte nisso, porque todo lugar que eu vou, tenho boas amizades, entendeu?
P/1 – E falando da Aciaria, o que é que é o dia a dia de trabalho?
R – A Aciaria foi um desafio porque eu falei: “Estou perdido, eu não vou entender e não sei o que vou fazer aqui”. A minha vida era Alto-Forno [e], de repente, eu me vi dentro de uma Aciaria. Aí eu esqueci o Alto-Forno, e o orientador falou assim: “Deixa que tem outro tomando conta lá, você vai tomar conta da Aciaria”. Foi bom porque aí eu comecei a enxergar que eu tinha algumas coisas que fiz que não eram tão boas na Área de Redução que eu podia esquecer e muitas coisas boas que eu tinha feito lá [área de redução] e que eu podia levar pra lá [Aciaria], e foi fantástico. E eu comecei na época [com] uma equipe - a Aciaria já estava pronta, desenvolvida, já tinha sua tecnologia, mas eu pude formar outra equipe. Tive que lidar com outras pessoas e com outros desafios que eu não vivia lá na Redução. A Aciaria é outra coisa, outra vida. A Aciaria exige muita decisão, muito conhecimento. O tempo na Aciaria - enquanto a gente discute em determinadas coisas/hora, na Aciaria, o tempo é seguro, não existe outra coisa; você não pode falar: “Daqui uma hora”, na Aciaria é daqui dois minutos, daqui três, cinco minutos. É diferente a experiência, entendeu, é diferente porque você está lidando ali com muito dinheiro, você está lidando com um material extremamente... Se a sua decisão, o seu processo exige muita decisão, muita determinação. Os equipamentos, é uma Aciaria que tinha equipamentos que ela... Ó, gente... (risos)
P/1 – Não, (risos) vamos falar da Aciaria.
R – Não, nós vamos falar. Vou encurtar, depois eu volto, tenho tempo... Entendeu? a Aciaria era uma coisa que, o projeto dela foi um projeto econômico, então o erro lá tem que ser zero. O cara sabia disso e ela tinha uma Aciaria que, [com] cinco Aciarias dela, que ela fazia um "mix" de produtos complexos. Ela tinha de atender a tempo e a hora, e tudo que se faz na empresa, se passa por dentro da Aciaria - ela não tinha alternativa. Isso fez com que eu pensasse muito, e eu consegui lá, lógico. Quando eu falo: “Eu consegui”, sempre, por trás tem uma equipe - não faço nada sozinho. Eu ficava olhando, falo assim: "Eu gosto de ficar mais à toa e ver vocês trabalhar, porque aí eu sei que eu vou ajudar vocês de alguma forma", porque na hora que você se envolve, você não enxerga e, na Aciaria, foi uma mudança muito forte. Eu fiquei na Aciaria de 86 até por volta de 92, quando aí eu voltei pra assumir a Aciaria e Redução; eu falei: “Eu saí, mas ela volta”. Aí voltou a Redução, voltou Fundição, eu passei a ser dono de umas outras áreas da empresa - foi justamente no processo que nós já estávamos discutindo o processo de privatização, entendeu? Eu estava na Aciaria e na Redução, nessa fase.
P/1 – Mas de 86... Se você fosse explicar pra gente que é leigo o que é a Aciaria, como você explicaria?
R – A Aciaria é o seguinte... O que é a Aciaria? A Aciaria trabalha pra fazer os aços especiais dessa empresa.
P/1 – É o coração da empresa?
R – Eu falo o seguinte: ali é o cerne de tudo que a gente faz - tanto a área de Redução como a Aciaria - é onde você gasta. Então você tem que ter uma eficiência muito grande, porque ali é o grande curso dessa empresa. Você tem que trabalhar com um grande rendimento e tudo. Igual ela perguntou. Se você recebe um gusa, esse gusa vai ser elaborado e refinado, ele vai entrar pra uma característica para ele adquirir as propriedades que vai dar no material final. Então ali é a parte de refino, onde que você faz um processo, que você vai elaborar aquele gusa, eliminando o carbono e as impurezas, mas num nível de exigência muito grande. Então você tem uma característica de processo que te exige fazer um aço super especial. Quando nós estamos falando em aços especiais, a Acesita é lider. A Acesita é uma empresa que sempre, na sua evolução tecnológica, primou fazer algo diferenciado para o mercado siderúrgico, faz. Ela não é um empresa siderúrgica comum. Então, ela é uma empresa que sempre exigiu algo mais, e esse algo mais, quando eu falo, ela tinha uns equipamentos que permitia isso, mas, [também], ela tinha uma inteligência muito forte. Então, a Aciaria faz os aços siliciosos que são aços que prestam serviço na parte de setor elétrico; ela faz os inoxidáveis ferrísticos e altoferrísticos, são aços que estão ligados a toda parte. Quando você vai numa fachada de prédio, num elevador, num fogão, numa geladeira, num garfo, numa faca, a hora que você pegar nele, você pode lembrar que a Acesita passou por ele. Qualquer casa que você for hoje, vê que tem alguma coisa que a Acesita faz - às vezes, a pessoa não percebe. Se você está andando num carro, dentro de um carro, não vê na fachada, mas você vai ver que tem alguma parte dele, na parte de controle antipoluente, que tem aço da Acesita. Você vê fachadas de prédios, tem aço da Acesita. Nessa época, ela ainda tinha muitos aços que atendiam o mercado. Baldan, Marquesan, que atendia a agricultura, arado; as máquinas pesadas para atender e montadoras de automóveis - ela sempre atendeu a todas as montadoras através da Forjaria. Tanto a Sífco como Cruop. Então, quando você vê um carro, o aço da Acesita passa por aí. Até que ela tomou a decisão de fechar essa linha, mas, essa linha funcionou até 2002. Eu acabei nessa fase em 92. Antes de 92, eu não mexia nessa linha. Quando eu retornei, vou te contar que tive em São Paulo, passei dois anos e meio em São Paulo. Eu saí em 93, pra 94, eu fui pra São Paulo e voltei em 96, dois anos. Isso também foi uma experiência riquíssima, que eu fui convidado pra ser diretor industrial da Sífco e da Acesita. A Acesita andou comprando, e comprou várias empresas com uma visão de ampliar os seus negócios, e aí ela me convidou pra ser diretor industrial lá. Não desisti da operação não - foi outra coisa muito boa, porque aí eu ampliei meu conhecimento.
P/2 – Que ano o senhor foi pra lá?
R – Eu fui pra lá em 90... 94, março de 94. Logo após a privatização.
P/2 – 92 o senhor vai para a Redução e Fundição de novo?
R – 92. Que é que eu fiz? Até 86, Redução... A Edna vai passar isso tudo pra vocês, se você precisar da data. Anota a data da Edna e do Lúcio, ele tem tudo isso, tudo escrito - ele passa tudo, todas datas, toda fase que eu percorri na empresa; aí fica uma data correta, direitinho. Que eu estou colocando aí, mas aí facilita.
P/2 – Com certeza.
R – Aí fala toda essa fase, que horas eu fui pra Sífco, que horas voltei, entendeu?
P/1 – Agora, eu queria que o senhor falasse um pouquinho desse processo de privatização.
R – Foi um processo muito importante pra Acesita. Nós estávamos vivendo, aquela época, um momento de muita indefinição, um momento político. Era um momento de país aonde que o governo e a máquina estatal, ela emperrava, amarrava. Ela tinha normas rígidas que não permitia essa empresa pensar no futuro dela, era uma coisa complicada [para] você fazer a gestão.
P/1 – Autonomia?
R – É. Porque a gente que lida, e lida na produção, acaba indo para aquela atividade que começou ali. Você fica no operacional, cuidando da sua produção, cuidando daquilo, mas, às vezes, a gente não ampliava pra saber as dificuldades que a própria gestão da empresa tinha de promover, [como], melhorar salários, de recrutar, de investir. Isso não inibia e massacrava, não permitia, e a Acesita tinha uma característica, porque o Governo tinha a Siderbras, mas a Acesita tinha pra algumas coisas. Ela era do Governo com a Siderbras, mas para as outras coisas ela não era nem vista, e ela pertencia ao Banco do Brasil - porque [ele] não tinha, não entendia disso, não era do ramo, e não tinha interesse em colocar nada aqui. Então o processo de privatização veio numa hora certa. E, nós, aqui, na Acesita, tínhamos consciência que essa era a melhor coisa que poderia acontecer. Só que a gente tinha uma preocupação: a forma que isso ia acontecer. E nós tivemos, na época, eu participei disso, que criou o clube de empregados da Acesita, o Siga, que foi o clube de investimento que permitiu - e isso estava na legislação - da gente participar do processo de privatização. Então nós participamos através de alguns representantes - a forma como ia acontecer. Tanto que a Acesita hoje... Agora eu acredito que vá mudar, tanto que está mudando. Ela tem uma senha no conselho da Acesita, que é um representante dos empregados, mas isso envolveu Sindicato, sociedade, a comunidade. Nós, da área técnica, preparamos porque ia ter dois dirigentes. Várias empresas vieram visitar aquilo pra saber o que era esse investimento; que é que era a área de Redução, a área da Aciaria, a área de laminação quente, eram as laminações; quem que era o pessoal que estava aqui, como que era a formação das pessoas. Então nós preparamos pra mostrar a Acesita e apresentar a Acesita para os empresários interessados, e foi feito, com cronologia do processo de privatização, conduzido de uma maneira séria. Eu falo que foi sério, nós tivemos um gestor aqui que foi Abraão Karan, conduziu com toda a diretoria esse processo, que é um processo desgastante porque tinha, e tem, interesse nisso. Várias empresas enxergavam a Acesita como um potencial e nós só queríamos um gestor muito profissional, nós queríamos que quem viesse pra Acesita, pra fazer essa gestão aqui, tivesse compromisso com a comunidade, com a sociedade, que o processo fosse transparente e nós... Eu falo “nós” porque eu participei desse processo, e tem várias pessoas aqui que participaram disso, inclusive, meu diretor industrial que é o Paulo Magalhães. Nós cuidamos disso com muito carinho, nós tivemos oportunidade de participar. Então foi um processo assim, que ele trouxe, e a gente sabia que ele ia trazer alguns traumas porque na hora que você está privatizando, aqui tinha 7000 empregados, a Acesita Energética [tinha] mais 7000, em Belo Horizonte mais de 1000, e foi feito um processo de reestruturação, enxugamento da máquina. E isso, infelizmente, trouxe aqui pra comunidade uma série de problemas, mas nós não estávamos discutindo naquele momento, não era quantos empregos estavam saindo, eram quantos que nós estávamos preservando e que poderia, no futuro, e que pode no futuro, fazer alguma coisa pra esse capital aqui, pra retornar essa comunidade e fazer com que ela sobrevivesse àquele momento.
[Pausa]
R - Nesse processo tinha uma regra e o governo respeitou a regra. Foi criada aqui na comunidade vários representantes, os aposentados participaram, os empregados participaram, o Sindicato participou - todas àquelas pessoas que tinham alguma atividade dentro da Acesita. Os técnicos participaram e foi aonde formou o Siga, onde que tinha uma comissão, que estavam participando do processo junto ao BNDES. Tinha os representantes das empresas, o Dr. Abraão. E aí veio o processo. Nós tínhamos uma preocupação de trazer aqui, na época, uma pessoa com perfil adequado, que seja profissional e que tinha competência pra conduzir o processo de gestão da Acesita e, na época, veio o Dr. Wilson Brummer, que hoje é Secretário do Estado de Minas Gerais, de Desenvolvimento. Ele tinha uma história, um currículo amplo pronto dentro da sociedade, uma pessoa que estava já no "métier" de mineração, tinha entendimento da siderurgia, mas ele tinha uma visão financeira, econômica e muito humana - uma pessoa que sempre olhou o ser humano e o meio ambiente fazendo parte do negócio dele -, isso trouxe uma mudança muito forte pra nós.
P/1 – Mas [foi] na gestão dele que ocorreu a privatização ou foi depois?
R – Depois. A gestão estava com Abraão Karan, que era presidente e que ele fez todo o processo, ele já vinha nessa fase fazendo uma fase de ajustes para a empresa ser privatizada: preparou os "books", os dossiês, já tinha feito algumas saídas de pessoas, já tinha feito toda a estratégia de como é que era a empresa - ele ficou responsável de conduzir o processo e passar o bastão. Ele passou o bastão para o Wilson Brummer, o outro diretor. Aí o Wilson Brummer formou a equipe dele. Dentro da equipe dele, eu tive a felicidade de ser convidado - isso é questão de oportunidade -, eles enxergaram algum valor em mim e na minha equipe, e a maioria está aí até hoje, pessoas que conduziram o processo e estão aí hoje. Algumas, infelizmente, saíram naquela época, e outros saíram até um pouco depois, mas nós entramos nisso, numa forma, assim, muito madura e muito profissional, sabendo que nós estávamos naquele barco e poderia ser, naquela oportunidade, o processo de privatização; e o novo dono a ser convidado a ficar ou ser convidado a sair - aquilo na cabeça da gente -, e a gente estava torcendo pra ficar, mas a gente não sabia o destino nosso, que é uma realidade que está na mão dessa competência do gestor. Não tem outra forma das pessoas sobreviverem ao capitalismo, não tem jeito: você tem que dar resultado. "Ah, não!” Não existe isso, eu acho que as pessoas têm que ter consciência que o valor que ela tem é o valor do indivíduo e da equipe que ela forma. Ela tem que ter isso muito claro, que uma hora você vai ser exigido e se você não corresponder... É uma realidade, não tem como.
P/1 – Rui, e aqui dentro, dos funcionários, vocês tinham alguma preferência por algum grupo estar comprando? Tinham, assim, alguma expectativa?
R – Não, a nossa preocupação não era de quem estava comprando, era realmente de ter um gestor profissional. Nós não queríamos que, por ter uma consciência que você tem uma gestão, por melhor que ela seja, as pessoas, mas com muita ingerência política, com muita política, com pessoas que não eram do ramo, era muito complicado. Então nós queríamos uma gestão profissional e que uma pessoa que entendia do ramo. E que as pessoas que chegassem aqui, conversasse a nossa língua. Nós estávamos vivendo um momento que estávamos perdendo essa empresa por não falar em siderurgia, por falar em metalurgia - ela falava de outros negócios -, e nós queríamos voltar para o nosso foco que é fazer aço. O negócio da Acesita é fazer aço. Você pode ter o que for, nós podemos ter essa estrutura toda aqui, mas essa estrutura é a atividade do meio para um fim que é produzir aço, o aço vai tornar um bem pra sociedade, pra comunidade. Ele acaba nos trazendo conforto, e fazer o bem pra sociedade. Hospital, médico, traz valor para as pessoas, nós estávamos perdendo um pouco disso. Então a gente tinha consciência no grupo [de] que a gente queria era isso. Se isso viesse, era ótimo. E eu acho que nós acertamos, acho que poucas pessoas devem estar arrependidas do que tornou a Acesita. A Acesita hoje é uma empresa que ela está a nível internacional, uma empresa que ela veio dentro de um processo, que hoje ela é reconhecida como um bem como em várias coisas. Isso não veio por acaso, as coisas não acontecem por acaso: isso vem através da competência das pessoas que estão aqui, das pessoas que escolhem equipamento, a tecnologia, que faz uma comunicação perfeita. Nós não somos perfeitos, temos muita coisa pra melhorar, mas eu tenho consciência que o caminho é bom, você entendeu? Então, nesse processo de privatização, ele deu uma mudança muito forte. Teve euforia? Teve euforia. "Estamos livres, estamos não sei o que", mas nós procuramos pôr as pessoas e conversar com as pessoas. E, às vezes, as pessoas chegam: “Rui, baixa um pouco, coloca o pé no chão”, porque a gente sonha, e sonhar é bom, mas a gente tem que voltar na realidade. Não tem como, a realidade limita a possibilidade de muitas coisas. Se você quer tornar àquelas coisas boas, você tem que trabalhar para que elas aconteçam. Não tem jeito, nada acontece por acaso. Então, esse processo acabou fazendo que essa gestão viesse [com] uma gestão profissional, ela pode ter tido, e eu falo, às vezes, e vejo, pode ter tido erros, mas se você olhar hoje, se a Acesita está aí é porque teve a ousadia de uma pessoa com uma equipe, que foi o Dr. Wilson Brummer: ele foi ao mercado, capturou investimento, expandiu, cresceu, mudou, fez com que as pessoas, e começou a recuperar a estima, a autoestima da pessoas. Não significa que pode melhorar, pode e sempre e vai melhorar, mas ele fez um processo, trouxe pra nós o novo, a esperança. E aí mexeu com os profissionais da empresa, isso fez com que ele enfrentasse desafios, entendeu? Ele expandiu, pensou numa série de coisas, foi pra uma série de empresas, mas isso fez parte de um processo. Eu acho que ninguém tem que [se] arrepender disso não, nós temos é que pegar e aprender com isso, entendeu? Então isso foi muito importante pra vida dentro da Acesita, e ele permaneceu aqui um período, até 98, e fez um processo de bastão, dentro de um sonho de tornar essa empresa uma empresa internacional: "Nós temos que tornar a cara da Acesita numa cara internacional". Pensamos [em] outros parceiros, pensamos na época de tecnologia, não de dono, mas chegou num momento que ele falou assim: “O fôlego que essa empresa precisa é um passo a mais, não tem como ela querer sobreviver com esse mundinho, Brasil. Se ela não abrir seu horizonte e sair pro mundo...”. E ela saiu pro mundo: aí veio a Usinor. Foi a hora que teve outra mudança forte, que aí teve, primeiro, que abriu os nossos olhos pro mundo e deu a oportunidade da gente sair lá e saber que nível que estava, que referência que a gente tinha, tecnologia, comparar pensamentos, comparar uma série de coisas. Ao mesmo tempo, as pessoas que chegaram aqui, começaram a nos enxergar e falar assim: “Puxa vida, eu não sabia que tinha tanta coisa boa aqui!”. Isso mexe com a gente, e mexeu. E a partir dali, veio um outro diretor com o Gilet, na conduta do Gilet, que foi outro presidente que veio da Arcelor, aí veio como Usinor, mas que acreditou na gente, acreditou e continuou um processo, mudou algumas coisas, mudou: voltamos a discutir mais custos, uma série de coisas, implementar programas corporativos, numa forma, trazer a tecnologia francesa, trazer "know-how". Eles vieram, entendeu? Criamos sinergia com eles, em algumas áreas, principalmente no inox, mas, a empresa mudou o patamar outra vez aqui. Então ela passou uma gestão onde que estava estruturando, preparando um terreno, fortemente, investindo com o Wilson Brummer. Ele preparou isso e passou um bastão, de forma que a Acesita alcançou e tornou-se uma empresa de produtos _________, bases e segmentos, e que saiu pro mundo, porque não tinha como expandir pensando só no Brasil. Nós sonhávamos em crescer dentro do Brasil, mas, enquanto isso, nós estamos vendendo pra fora e exportando muito! E isso mudou o cenário nosso. Agora nós estamos passando por uma outra incorporação da Arcelor, da Usinor, que foi uma junção, e isso é transformação. Eu acho que mudanças, elas são constantes, não tem como, a única coisa permanente... Qualquer lugar, é mudar, não tem como, você está entendendo? Não tem como, nós estamos mudando, o mundo está mudando; se você ficar ali, não é. Então não adianta, nós não podemos ficar estagnados, tem que mudar, de uma forma ou de outra. Se você muda pensando que você vai mudar, ou alguém te muda, não tem jeito. Então nós temos que estar preparado pra isso, não é?
P/1 – Agora, esse mercado internacional de inoxidável que a Acesita está entrando, qual é a possibilidade? Pra onde vocês estão vendendo?
R – Eu falo o seguinte: nós devemos estar vendendo, também o pessoal pode estar passando essa informação, pra mais de 44 países. Nós temos realmente um foco que é a América Latina, mas nós [também] temos o foco Ásia. Quando a gente vê falar na China, nós temos que estar lá dentro. Nós temos qualidade dentro dos Estados Unidos, na Europa, mas a gente tem que ter uma estratégia. Aí é uma estratégia comercial que eu conheço parte, mas não conheço o todo - que ela é muito importante, que você tem que saber aonde que você vai ganhar dinheiro e nós temos que estar presentes. Agora, como é que você está presente nos clientes? Com qualidade, com serviço, com custo baixo, não tem como sobreviver numa empresa se você não tiver uma visão clara de que o seu custo tem que ser competitivo, que a sua qualidade e o seu serviço tem que ser a melhor do mundo! O cara quer ter hoje à mão aquilo que você faz. Você tem que ter uma logística fantástica - eu acho que nós temos alguma coisa e vamos ter que melhorar em logística, mas isso faz parte do processo de aprendizado nosso, por sermos assim, nós somos uma criança no mundo. A Acesita está fazendo 60 anos, mas pro mundo ela é muito nova, porque nós estamos engatinhando, nós estamos adultos no Brasil, mas lá fora, nós estamos aprendendo, temos coisas. Eu estou aqui há 31 anos, e tenho consciência que daqui 30 anos nós vamos estar falando de outro. Não sei pra onde nós vamos exportar, mas nós vamos exportar! Então nós temos que estar presente e sempre, pra estar presente, você tem que ter qualidade. Quando eu tive a oportunidade de visitar uma empresa, quando eu fui conversar com a diretoria, que eu pisei no tapete, a pessoa falou: “Fica aí! Eu gostaria que a hora que você pisasse aqui pra dentro, não gostaria que você viesse falar em custos, qualidade e atendimento. Isso é obrigação. Eu quero ouvir algo diferente disso!”. Isso é obrigação, nós temos que fazer algo novo. Você falar em custo e qualidade, você já não compete, entendeu? Isso é obrigação. Você tem que estar falando de outras coisas no serviço: como é que você vai atender; como é que você vai fazer; o que que você vai inovar; qual é vantagem competitiva que o seu produto está levando pra eles. Você tem que ter uma visão muito clara, e a Acesita está muito bem nisso. Eu acredito que os profissionais nossos, eles estão cada vez mais conscientes desse dever.
P/1 – Nos aços especiais, quais são essas vantagens competitivas no aço especial da Acesita?
R – Eu falo que nos aços elétricos, nós, hoje, temos uma qualidade que eu acho que é referência mundial, em termos de propriedade. E tem os aços ferríticos que nós estamos destacando muito. Eu falo que a Acesita hoje... Não tenho, assim, noção clara do mercado de inoxidável, porque eu não lido com inoxidável, mas eu falo que nós temos muitas vantagens. Um serviço que nós temos e que é invejável é o atendimento, não é fácil você atender dentro desse "coiso", atender a entrega e a expedição, e atender o cliente na velocidade da Acesita, e ela é uma referência. Foi igual eu te falei: a qualidade é obrigação, mas atendimento, atender o cliente a tempo e a hora, e dentro daquilo que você combinou é muito importante, e a Acesita está tornando uma referência nisso. Ela tem percalço? Tem. Mas se você olhar aí, vê muito pouco em relação do que ela faz. Então ela está tornando uma referência, porque hoje, eu tenho, por exemplo, para determinados clientes, que são ligados a mim, que eu faço entrega "just time" - o caminhão sai daqui da manhã, e não tem capital de giro.
P/1 – Pela manhã?
R – De manhã. É, aqui - isso é Brasil. Então, eu já tenho uma programação e ele confia. Isso é muito importante, o capital de giro que ele vai estar; nós temos que trabalhar o capital de giro, otimizar o nosso capital de giro. Mas esse serviço, pra ele é muito importante e ele confia. Agora eu tenho uma equipe que é consciente: se eu falhar amanhã, ele para, e ele não pode parar; então você cria um elo, cria na cadeia produtiva um nível que, você está criando não é uma dependência dele, é uma confiança que ele vai te respeitar como um produtor que, ele está inserido no seu contexto, no seu negócio, e nós estamos trabalhando pra isso e temos ganhado espaço muito forte nisso. Tanto que a Acesita, eu falo assim: “Ainda bem, graças a Deus!”. Eu estou com 30 anos na Acesita, foi em 30 anos que é a primeira vez que a Acesita dá uma estourada, demorou 30 anos. É muito tempo. Você fala: “Puxa vida, isso está mexendo com as pessoas, as pessoas estão tendo orgulho” e esse ano está no mesmo caminho. Mas hoje nós temos consciência do que que significa isso, aqueles altos e baixos, aquelas idas e vindas, o problema: problema mercadológico, problema de... Isso tudo faz parte da história, que ela tinha dívidas, ela tinha uma ingerência, ela tinha um monte de coisa pra limpar e agora ela está conseguindo fazer com que isso perenize dentro da empresa. Então o empregado vai pegando uma confiança naquilo que ela faz e vai vendo o resultado dele. Ele tem que sentir orgulho de trabalhar numa empresa lucrativa. É diferente, não é?
P/1 – O que é que você faz agora, especificamente?
R – Hoje eu sou superintendente da parte de produtos siliciosos. O que é que pega? Pega Redução, que é Alto-Forno, pega parte da Aciaria e pega a laminação a feitos siliciosos. A parte da fundição e a parte de não-planos - elas foram fechadas em 2002. Até 2002, era minha responsabilidade também. Nós fizemos um fechamento nessas áreas. Às vezes, as pessoas falam: “Tem forma de fazer?”. Tem! Esse fechamento faz parte da história da Acesita porque, igual eu te falei, nós fizemos o processo de privatização, fizemos processos que foram traumáticos [e], às vezes, fecha anuário. Mas eu, com uma equipe, com a própria Diretoria de Recursos Humanos, de toda a Superintendência, nós vimos que tem uma forma de fazer isso sem trazer trauma pra sociedade, sem trazer traumas pras pessoas e eu falo que, talvez, tenha sido o melhor exemplo de como conduzir um problema tão grave, que é fechar uma Unidade sem que as pessoas lembrem dele como um trauma, como uma coisa que marca a vida - eles lembram dele como um projeto. Têm pessoas que procuram e falam: “Puxa vida, eu quero te agradecer da forma como você me respeitou àquela época, e hoje eu estou aqui na sociedade, montei meu negócio, estou bem...”. Você entendeu? Porque isso é que é valor, o resto... Então, hoje eu tenho responsabilidade disso, tem coisas, muita coisa pra fazer, você entendeu? Hoje, as coisas que estão sendo feitas estão extremamente desafiantes. Igual eu te falei, eu estou aqui com vocês, mas a equipe está lá. Hoje é fechamento de mês, dia 30 de junho; nós já cumprimos o objetivo do mês ontem e hoje nós estamos prontos pra começar o mês de julho. Todo dia você mata um leão. Não tem jeito, siderurgia é assim, você tem compromissos, mas está cada vez melhor. Eu falo que todo dia tenho a alegria de falar que o dia de hoje vai ser melhor do que ontem, e tem sido bom mesmo!
R – Última pergunta, (risos) eu prometo.
P/1 – Não, (risos) se eu pudesse, ficava aqui, mas tenho um encontro...
P/1 – Só pra gente finalizar, Rui, o que que você achou de ter passado esse tempo com a gente, ainda que rápido, de ter resgatado essa trajetória dos 60 anos da Acesita?
R – Eu acho bom porque eu tenho um pouco de história pra contar e que serve pras pessoas, então, para eu contar, isso me emociona. Eu me orgulho não como um telespectador, mas como um ator da história, você entendeu? Isso é muito importante.
P/1 – Está joia! Obrigada!
R– Vou tomar minha água agora. (risos)
[Fim do depoimento]
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