Meu pai veio pra São Paulo com 19 anos, pra estudar, continuar os estudos porque na cidade dele só tinha até o colegial, científico na época. No fim, ele não fez faculdade, começou a trabalhar pra se sustentar, e minha mãe veio porque casou com meu pai. Mas eu sempre falo isso, a minha casa é uma casa muito nordestina. Mesmo meus pais tendo migrado para o Sudeste, eles nunca perderam as raízes, todas as minhas férias até adolescente foram na casa dos meus avós paternos, a gente passava dois, três meses por ano lá, mesmo que meus pais não fossem a gente sempre ia. Os costumes, todas as questões.
O meu pai é 13 anos mais velho do que a minha mãe. E acho que meu pai se apaixonou pela minha mãe e quis casar com ela, e o meu avô deu a minha mãe em casamento pro meu pai. Minha mãe era muito nova, tinha acabado de perder a mãe dela, minha mãe tinha uns 20 anos, 21. A família do meu pai foi um pouco contra, não porque eles fossem ricos, mas a família do meu pai era muito tradicional. A família da minha mãe já era mais simples. Mas meu pai quis muito casar com a minha mãe, e minha mãe casou. Eles ficaram juntos 12 anos só. Tiveram três filhos, eu sou a mais nova do primeiro casamento dos meus pais, depois meus pais se separaram, e minha mãe casou de novo. Meu pai nunca mais casou.
Minha mãe quis se separar. Naquela época do poder total dominante masculino, meu pai como bom típico representante desse poder, não deixou que minha mãe levasse a gente, nós ficamos com meu pai. Eu era muito pequena, e pra ser muito honesta, eu tenho pouquíssimas lembranças da minha fase antes de 5 anos. Minhas lembranças começam a partir daí mesmo porque ficamos sozinhos, com meu pai. Eu estudava num colégio no final da minha rua, muito próximo, mas a partir daí nós passamos a ser muito independentes. A gente morava num bairro muito tranquilo, então brincava na rua, nós tínhamos responsabilidades de adulto. A gente não tinha empregada,...
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Meu pai veio pra São Paulo com 19 anos, pra estudar, continuar os estudos porque na cidade dele só tinha até o colegial, científico na época. No fim, ele não fez faculdade, começou a trabalhar pra se sustentar, e minha mãe veio porque casou com meu pai. Mas eu sempre falo isso, a minha casa é uma casa muito nordestina. Mesmo meus pais tendo migrado para o Sudeste, eles nunca perderam as raízes, todas as minhas férias até adolescente foram na casa dos meus avós paternos, a gente passava dois, três meses por ano lá, mesmo que meus pais não fossem a gente sempre ia. Os costumes, todas as questões.
O meu pai é 13 anos mais velho do que a minha mãe. E acho que meu pai se apaixonou pela minha mãe e quis casar com ela, e o meu avô deu a minha mãe em casamento pro meu pai. Minha mãe era muito nova, tinha acabado de perder a mãe dela, minha mãe tinha uns 20 anos, 21. A família do meu pai foi um pouco contra, não porque eles fossem ricos, mas a família do meu pai era muito tradicional. A família da minha mãe já era mais simples. Mas meu pai quis muito casar com a minha mãe, e minha mãe casou. Eles ficaram juntos 12 anos só. Tiveram três filhos, eu sou a mais nova do primeiro casamento dos meus pais, depois meus pais se separaram, e minha mãe casou de novo. Meu pai nunca mais casou.
Minha mãe quis se separar. Naquela época do poder total dominante masculino, meu pai como bom típico representante desse poder, não deixou que minha mãe levasse a gente, nós ficamos com meu pai. Eu era muito pequena, e pra ser muito honesta, eu tenho pouquíssimas lembranças da minha fase antes de 5 anos. Minhas lembranças começam a partir daí mesmo porque ficamos sozinhos, com meu pai. Eu estudava num colégio no final da minha rua, muito próximo, mas a partir daí nós passamos a ser muito independentes. A gente morava num bairro muito tranquilo, então brincava na rua, nós tínhamos responsabilidades de adulto. A gente não tinha empregada, não tinha nada disso, não tinha dinheiro, minha família sempre foi uma família de poucos recursos financeiros. Meu pai trabalhava o dia inteiro, a gente limpava a casa, fazia comida, lavava roupa e brincava na rua também como qualquer criança. Eu sempre fui, modéstia à parte, muito inteligente. Então, da escola, eu gostava muito e era um terreno pra mim... Eu sofri muito bullying na escola. As pessoas falam, a minha família fala que eu sempre fui, desde pequena, já assim, pra frente. Mas eu acho que a gente vai sobrevivendo. E intuitivamente vai encontrando formas de sobreviver. Porque naquela época, você imagina, eu tenho 42 anos, então se eu tinha seis anos, sei nem fazer as coisas, mas numa época que não ter a mãe em casa era uma coisa muito fora do normal, num bairro onde todo mundo tinha uma família normal, né? Então as pessoas na escola falavam que eu não tinha mãe... Em contrapartida, eu era muito inteligente, eu tinha as melhores notas, eu isso, eu aquilo... Essas foram as formas que eu fui encontrando de mostrar que eu era melhor do que aquilo, talvez. Enfim, hoje eu fico racionalizando as coisas. Então, eu sempre fui muito líder nas questões da escola, estava à frente de tudo, dos meus amigos. Tive uma fase da infância também que eu batia muito nas pessoas. E eu era muito pequena, e os meninos iam na minha casa reclamar com o meu pai que eu batia neles. Meu pai falava: “Olha, se ela desse tamanho consegue bater em você, realmente, você está merecendo apanhar”. Eu era muito geniosa, mas eu acho que é tudo muito uma resposta àquele meio que você está vivendo. Mas nunca fui uma criança triste, nem nada disso. Depois de alguns anos, o meu irmão foi morar com a minha mãe, talvez depois de uns três anos, não vou saber lembrar, e aí ficou eu, meu pai e a minha irmã. E sempre nessa formação. Nós temos essa formação até hoje. Apesar disso, eu sou muito ligada à minha mãe, a gente tem uma ligação muito forte, mas tem uma coisa também de um núcleo principal que acabou se formando, que foi, minha irmã e o meu pai, né? Nós que sempre estivemos juntos em todas as coisas.
A minha primeira lembrança dessa escola [de Ensino Fundamental] é que eu entrei alfabetizada e não fui alfabetizada pela minha escola anterior necessariamente, fui alfabetizada em casa pela minha irmã porque como eu gostava muito de brincar de escolinha, a minha mãe obrigava a coitada da minha irmã a brincar comigo, tipo, eu chorava, e a minha mãe obrigava ela a brincar. E aí ela e as amigas dela tinham que ficar lá em casa brincando comigo. Eu lembro que eu tinha uma lousinha desse tamanho, desse tamanhinho, meu sonho era ter uma lousa que eu nunca tive, mas enfim. E a minha irmã pegava aquela cartilha Caminho Suave, que eu ainda tenho até hoje e ela ficava lá me ensinando: U mais V A, UVA. (...) Eu tinha o caderno como se fosse de escola, que elas eram os professores. (...) Então, quando eu cheguei na escola eu já era alfabetizada. E a lembrança que eu tenho é que no fim do primeiro bimestre, a escola propôs que eu fizesse uma prova pra passar pro segundo ano direto. Eles chamaram o meu pai e falaram: “Olha, a Ana atrapalha muito a sala, ela já está alfabetizada, a gente vai propor dela fazer”, eram três provas que a Secretaria de Ensino vinha, aplicava, pra ver se eu estava apta a ir para o segundo ano. E eu lembro que no dia da prova eu não queria fazer de jeito nenhum e aí a minha irmã, que estudava na mesma escola, me pegou pelo braço e falou: “Você vai fazer essa prova!”. Aí eu fui, fiz as provas, passei e fui direto pra segunda série.
Depois, aos 9 anos, eu entrei no escotismo. Isso também foi muito importante pra mim. Eu fui escoteira dos 9 aos 17, foi uma atividade que ocupou muito a minha infância e a minha adolescência, e eu até diria de uma maneira muito positiva, da coisa, das regras. Porque é meio militaresco, mas me ajudou demais. Era uma regra que eu precisava ter naquele momento. E sempre estudei em escolas pequenas, até a oitava série numa escola muito pequena perto de casa, depois eu fui para outra escola menor pra fazer o colegial. Era o projeto que existia em São Paulo na época, chamava Cefam [Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério], era um projeto do Estado que eu estudei o dia inteiro, estudava das 7 às 5h, recebia bolsa de um salário, achava ótimo porque eu tinha 13 anos e já ganhava um salário mínimo no cartão do Banespa [Banco do Estado de São Paulo] todo mês. Estudei lá quatro anos, fiz meus melhores amigos, foi uma escola incrível porque era só de professores muito alternativos, aqueles professores que acreditaram na educação pública e na inserção pela educação. Abriu demais a minha cabeça e eu tenho certeza que hoje eu sou muito resultado desses professores e dessas escolas por onde eu estudei.
[Voltando ao escotismo] Eu tinha uma vizinha, ela e a prima dela entraram e falaram: “Ah, é superlegal!”. Eu falei: “Ah, eu quero ir”. E eu tinha 9 anos. E com 9 anos você é lobinho ainda, você não é escoteira, só que elas já eram escoteiras porque elas já tinham 10. Aí eu cheguei lá no grupo, eu falei pro meu pai: “Quero ir lá ver”, tal. A gente foi, era perto da minha casa. Quando chegou lá, é tão engraçado, como é que eu já fui capaz de fazer isso, né? Eu falei lá pra eles que eu não queria ser lobinho porque eu ia fazer 10 anos no final do ano, que eu não tinha dinheiro pra comprar as roupas de lobinho e depois ter que trocar tudo pra roupa de escoteiro e que eu já queria entrar como escoteira. E eles deixaram, cara! Isso era começo do ano porque eu lembro que em maio eu participei do primeiro acampamento nacional que chama Juri, que é acampamento com escoteiros do Brasil inteiro, e pra participar desse acampamento você já tinha que ter a promessa, e pra ter a promessa você tem que estudar um livro, fazer uma prova, tirar a promessa... Tudo lá é assim, estudado. Eu entrei como escoteira, a minha madrinha que me deu todas as coisas, comprou. Porque é caro! É mochila, é cantil, é uniforme, é não sei o quê, não é pra qualquer um, não. Aí ela comprou todas as minhas coisas, eu entrei como escoteira, fiz a prova, passei, tirei a minha promessa e fui para esse meu primeiro acampamento em maio. Só que no fim essas meninas saíram, menos de um ano depois, e eu fiquei a minha vida inteira, super me encontrei lá. E foi muito bom mesmo porque eu era rueira demais, então ficava ali sem controle. Acho que pro meu pai foi ótimo, porque eles são muito controladores. Mas foi bom pra mim, eu vejo muito da minha personalidade, mas eu acho que me ajudou demais. E aí eu fui me apaixonando, aí logo tal eu já virei também chefe de quadrilha organizada (risos). Aí minha vida era só isso mesmo. Tinha as chefes, todo sábado a gente chegava lá cedinho, é um ambiente também muito competitivo, tudo você pontua pra ter a melhor quadrilha, quem vai ser a quadrilha vencedora no final do ano e tal. Engraçado isso, eu gostava, era muito bom.
Eu tenho uniforme até hoje, pendurado no meu guarda-roupa.
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