IDENTIFICAÇÃO Me chamo Janet de Almeida Pará. Nasci em Manaus, no Amazonas, no dia 30 de julho de 1937. INFÂNCIA Nasci na Avenida Joaquim Nabuco, uma das ruas centrais de Manaus. Lá eu nasci e fiquei até uns seis ou sete anos de idade. ENSINO FUNDAMENTAL Terminei o maternal ...Continuar leitura
IDENTIFICAÇÃO Me chamo Janet de Almeida Pará. Nasci em Manaus, no Amazonas, no dia 30 de julho de 1937.
INFÂNCIA Nasci na Avenida Joaquim Nabuco, uma das ruas centrais de Manaus. Lá eu nasci e fiquei até uns seis ou sete anos de idade.
ENSINO FUNDAMENTAL Terminei o maternal e, aos sete anos, ingressei no Colégio Santa Dorotéia, colégio religioso, que existe até hoje.
FAMÍLIA Meu pai era gráfico e se chamava João Pará Junior. Trabalhava com revistas e publicações. Também era músico, gostava de música e começou a me levar para este lado.
ENSINO FUNDAMENTAL Entrei no colégio com sete anos de idade e, além de leitura, da instrução normal, comecei as primeiras notas do piano. Dos sete aos 14 anos, estudei neste colégio, que até hoje é patrimônio em Manaus. Aos 14 anos, eu já tinha sete de piano. Apresentei meu primeiro concerto no Teatro Amazonas.
FAMÍLIA Minha vida se desenrolou quando meu pai morreu em 1942 e neste mesmo ano me casei.
INFÂNCIA A rua em que nasci, ainda hoje, é uma rua central, só que naquele tempo as casas eram outras. Hoje são edifícios grandes. Tudo é diferente.
ENSINO FUNDAMENTAL O Colégio Santa Dorotéia ainda existe. Depois dele, passei dois anos no Colégio Maria Auxiliadora, que pertence a outra ordem religiosa, os Salesianos. Sendo assim, minha formação é católica, mas meu pai gostava de livros espíritas, de narrativas, coisas desse gênero.
FAMÍLIA Eu era muito mais próxima do meu pai do que da minha mãe, não sabemos por que essas coisas acontecem. Temos mais afinidades com algumas pessoas do que com outras. Minha mãe se chamava Maria de Lourdes Pará, ela era exclusivamente da casa, doméstica. Cuidava da casa, dos filhos, costurava muito e gostava disso. A única coisa que ela fazia que eu não faço é crochê, pois nunca consegui aprender. A influência religiosa vinha do meu pai. Contudo, meu pai adoeceu e começou a ter problemas diferentes. Ele tinha sonhos, tinha visões, e dizia para mim: “Filha, eu não vou durar muito.” Ele me preparou para ir embora, ele sabia que tinha um problema renal muito sério, aliado a um problema cardíaco. Ele tinha crises, nas quais chegava a ficar deitado no chão sem condições de se levantar. Ele não queria cama, só queria chão, porque o chão era reto e ele se acomodava melhor.
RELIGIÃO Após a doença do meu pai, fiquei com uma série de dúvidas sobre se existia alma ou outro mundo. Só havia aprendido que existia o céu, o inferno, o purgatório, o pecado e a consciência de pecado. Certas coisas não podiam ser feitas porque era pecado. E assim cresci com esses conceitos. Mas, dos 14 para os 15 anos, comecei a pesquisar sobre outras coisas: sobre o que era morte, para onde vamos quando morremos, se aquela cova era realmente o fim. Meu Deus, quantas dúvidas Comecei a estudar sozinha, fazia a minha pesquisa sozinha. Inicialmente, comecei pela literatura romanceada, aquelas histórias bonitas de amor, de fracasso, de negação. E aquilo foi me enchendo a alma, comecei a entender os meandros do ser humano.
FAMÍLIA Quando nasci, meus avós já haviam morrido, portanto, não tive contato com eles. Sou a mais velha de três irmãos. Os outros são uma mulher mais nova do que eu e o meu irmão, que faleceu em 1994. Minha mãe faleceu em 1992. Hoje tenho somente uma irmã, que vive em Manaus. Meus sobrinhos trabalham com negócios de governo, com política. O marido da minha tia é prefeito em uma cidade chamada Presidente Figueiredo, no Amazonas.
HISTÓRIA / CAUSOS / LEMBRANÇAS Sempre fui uma menina que gostava de assuntos de gente grande. Por volta dos meus 12 e 14 anos de idade, morávamos em uma casa que ficava ao lado do consulado português. E eu era muito danada, pulava o muro para ir pedir à consulesa que me emprestasse revistas. Revistas estas que vinham de Portugal, eles tinham coleções. Ela me emprestava para ler e, em seguida, eu devolvia. Ela ficava admirada de me ver, daquele tamanho, pulando o muro para ir lá pedir revistas emprestadas. Em 1945, quando ocorreu a Segunda Guerra Mundial, havia uma revista chamada “Em Guarda Para a Defesa das Américas”, e eu não perdia uma edição, e dizia para ela: “Não põe no lixo porque eu quero.” E assim eu fui lendo, lia tudo, inclusive papel do chão. Tinha fome de conhecimento, de querer assimilar tudo no mundo.
INFÂNCIA Quando criança adorava soltar pipa. Era como se fosse um moleque. Trepava no telhado para jogar pipa, adorava.
FAMÍLIA Meus irmãos eram mais quietos do que eu, eles tinham muito medo da mamãe, porque ela dava uma chinelada por qualquer coisa e meu pai dizia que pancada não educava ninguém. Sua forma de ensinar era diferente. Me botava na mesa e começava a falar até eu chorar. Para ele, era aquilo que iria lá dentro da minha alma, e não as pancadas da mamãe. Até porque minha mãe me dava duas chineladas e logo depois eu estava fazendo as mesmas coisas. O meu pai, ao contrário, ele falava lá dentro da minha alma, por isso construímos uma afinidade. Mamãe dizia: “Você só quer bem ao seu pai.” Não era bem assim. Nós tínhamos uma afinidade grande e, por isso, ele me entendia melhor. A minha mãe dizia que ele gostava mais de mim. Depois, fazendo cursos, estudando, é que eu vim entender essa afinidade que os seres humanos têm. Somos todos iguais, somos irmãos, filhos de um pai só, que é Deus. É por isso que não entendo tanta briga e tanta indiferença. Fui criada nesse ambiente, pesquisando, estudando, colecionando coisas etc.
INFÂNCIA Quando criança, colecionava álbuns de artistas de cinema e histórias em quadrinhos. Comprávamos o álbum na banca de jornal, eu tinha tudo quanto era figurinha. E esforçava-me para completar meus álbuns. Ia em outras escolas para trocar figurinhas. Queria meus álbuns todos completos e bonitos, para mostrar aos meus amigos que tinha um álbum. Dos artistas do meu tempo, a que eu mais gostava era a Shirley Temple, aquela menininha que até hoje eu vejo na Net. Os filmes dela são lindos. Sempre gostei de filmes clássicos, não gostava de filmes de brincadeira, de bandalheira, gostava de “Ben-Hur”, “Os Dez Mandamentos”, este assisti várias vezes, “Sansão e Dalila”, todos os filmes bíblicos. Até hoje sou assim, não gosto de ver filmes de luta, quero assistir filme que tenha uma história, que tenha algo que me encha a vida. Nos últimos dias, andei procurando pelas locadoras um filme chamado “A Vinda do Anti-Cristo”, para ver de novo, pois já assisti na Net. Gostava muito de tocar piano e ir ao cinema aos domingos para assistir à matinê das quatro horas. Era o meu prêmio. Papai me levava. Me lembro dessa época, pois tinha uma foto, que não tenho mais, onde eu aparecia toda arrumada, com uma boina.
FAMÍLIA A minha mãe costurava bem e, por isso, gostava de trabalhar com costura. Ela tinha freguesas, que atendia em seu atelier. Tinha uma velha negra, que meu pai pôs em casa. Desde que me entendo por gente, aquela negra estava lá. Ela se chamava Dona Amélia e havia sido escrava. Ela sentava a gente no chão e contava que, quando a Princesa Isabel assinou a liberdade, ela tinha seis anos de idade. Imagina como ela não era velha Ela ficou conosco e nos dava muito apoio. Fazia remédios de folhas para nos dar. O meu pai apoiava. Em contrapartida, nós não gostávamos porque os remédios eram ruins. Mas ela foi uma pessoa importante na minha vida. Antes de eu me casar, por volta dos meus 12 ou 13 anos de idade, Dona Amélia resolveu voltar para sua terra. Ela era do Maranhão. Meu pai fez tudo, embarcou-a em um navio do Lloyd Brasileiro. Seis meses depois, ela morreu. Achou o filho só para morrer. Ela contava histórias do tempo da escravatura, dos negros, das senzalas. Dentro desse ambiente de conversas, de estudo, fui criada e isso contribuiu para minha formação. Hoje não gosto de carnaval, porque nunca brinquei de carnaval, nunca saí em um bloco, não tinha muitas amizades. Sempre estava com um livro, ficava horas sentada no chão. Minha mãe dizia: “Você não fez nada, não fez o bordado, não fez isso...” Começava a brigar para eu largar o livro e, quando ela dobrava as costas, eu deixava o bordado e pegava o livro. Abria a porta, para ela não me ver, pegava o livro e fechava a porta em cima de mim. Quando ela me procurava, eu estava atrás da porta. Hoje, quando me lembro disso, penso: “Como eu pintei Como eu fiz coisas”
JUVENTUDE Não tive juventude. Saí da meninice para me casar com um homem que era 20 anos mais velho do que eu. Me casei aos 16 anos, ele tinha 36. Fui direto da escola para o casamento.
ENSINO FUNDAMENTAL Minha escola era muito boa. Como era um colégio religioso, eu participava de todas as irmandades, fazia parte da irmandade do Coração de Jesus, Coração de Maria, de todos os corações de Deus. Minha vida religiosa no colégio foi muito importante. Fazia parte do coro da Igreja e ajudava, porque o colégio tinha dois padrões: os que pagavam e os que não pagavam. Como eu sempre tive vocação, eu ajudava na escolinha dos pobres. Tinha um dia certo para ir ajudar na escola. Não sei por que fazia aquilo, mas fazia. Também não me perguntava muito, fazia porque era um dom. Era um colégio só de meninas, se chamava Santa Dorotéia. Depois, passei para o colégio Maria Auxiliadora, onde sou ligada até hoje pela Associação das Ex-Alunas de Maria Auxiliadora. Quando ficamos adultas, quando nos separaríamos, firmamos um pacto. E, apesar de não estar lá, elas me mandam tudo, através do Colégio de Santa Terezinha, que pertence à Ordem dos Salesianos. Estudei no Patronato Santa Terezinha. Ainda hoje existe uma casa muito bonita que agrega alunas para todos os cursos. Foi até o segundo grau que estudei neste colégio.
AMIZADES A mamãe não gostava que saíssemos com amigas, era uma vigilância severa. Saía com meu pai, meus irmãos ou com ela.
HISTÓRIAS / CAUSOS / LEMBRANÇAS Certa vez, saímos para a missa que começava às quatro horas da manhã. Ai meu Deus do céu, que sofrimento Na melhor hora do sono, eu tinha que acordar com alguém chamando: “Vamos embora para a missa.” Todos iam sonolentos. Antigamente, as caixas de correio eram de ferro e anexadas aos postes. Em um desses dias, em que estava sonolenta, indo para a missa, bati com a cabeça. O sangue desceu, fiquei toda lavada de sangue. Me enxugaram e, mesmo assim, fomos à missa. Quando saímos, eu ainda estava toda suja de sangue. Geralmente, íamos a um mercado grande após a missa para tomar café. Naquele dia, não fomos. Então, tomamos o bonde e fomos para casa. O bonde vinha pela Joaquim Nabuco e nos deixava em casa. Não fiquei com raiva da missa, mas também não vou à missa de manhã tão cedo. Vou após as 10 horas da manhã, quando estou bem acordada.
MODA / COSTUMES Naquele tempo, não tínhamos uma moda definida. Minha mãe não nos deixava usar qualquer roupa. Como se diz hoje, ela era careta. Não admitia roupa de alça, por isso não tenho retratos com roupas assim. Até hoje costumo usar roupas de mangas compridas. Não sei usar roupas sem mangas, me sinto mal. As únicas roupas que tenho sem mangas são camisolas, que ponho para dormir. Com essa roupa sou clássica, vou para qualquer lugar, vestida assim. Gosto de tailler, com calça comprida, ou até mesmo com saia, mas tem que ter gola. Quando não são mangas compridas, uso pelo menos mangas três quartos. Se tiver que usar uma roupa sem manga, não saio. Meu pai era muito rigoroso, muito moralista, ele reparava as pessoas que se vestiam inadequadamente. Por isso, eu tinha que perceber como ele queria que me vestisse. Todas as pessoas se trajavam assim, com exceção dos dias de carnaval. Mas, apesar de sempre existir, meu pai dizia que as pessoas que participavam do carnaval não eram boas companhias. Naquele tempo, o carnaval se apresentava em blocos e folias de ruas. Quando começava a tocar o tamborim, minha mãe dizia: “Janet, está na hora” Era para ir dormir, pois nós morávamos em frente a um clube de festas. Então, quando era por volta das quatro ou cinco horas, me arrumava com a intenção de ver a festa ou pelo menos ouvir. Naquele tempo, tínhamos o hábito de botar cadeiras nas calçadas e ali eu ficava aguardando a festa começar. Quando os camaradas começavam a afinar os instrumentos, meu pai dizia: “Janet está na hora”, e acabava com minha alegria.
JUVENTUDE Saí da adolescência para o casamento, para constituir família. Não tive tempo de paquerar. E não conversava com amigas sobre isso, até porque meu pai não gostava de muita gente lá em casa. Quando iam, nós fazíamos uma brincadeira e, em seguida, iam embora. Meu pai tinha um estilo solitário, gostava de viver com os livros e criar os filhos, os três filhos do mesmo jeito. Sendo que uns se adaptavam, outros não, minha irmã, por exemplo, namorou bastante. Como sempre fui muito apegada a ele, absorvi muito a sua mentalidade e, hoje, agradeço a Deus por ele ter feito assim. Não sinto falta de carnaval, nem me lembrava que ele estava chegando. Quero ter um monte de livros para ler, um monte de coisas para estudar, escrever. Às vezes, de repente, me dá vontade de escrever coisas que me vêm à cabeça e assim fui conhecendo outras filosofias.
CASAMENTO Passei 10 anos casada. Ele trabalhava nos Correios e Telégrafos e eu passava por aquela rua para ir para minhas aulas de bordado. Passava em frente à porta dos Correios e descia uma ladeira, onde ficava a casa da família em que aprendi a bordar. Ao passar por ali, via aquele homem na porta, tinha 15 ou 16 anos aproximadamente. Passada uma semana, senti ele me seguir para ver onde eu entrava. Ele conhecia, a casa era de uma nobre família paraibana. Então, ele quis saber o que eu fazia lá e foi perguntar para a empregada da casa, que respondeu: “Ela vem estudar bordado com a Dona Josefa.” Era a senhora dessa família que veio para Manaus. No outro dia, ele me procurou. Fiquei morrendo de medo de o meu pai me dar uma coça. Fiz de tudo para não falar com ele e ele disse: “Não precisa ficar com medo de mim.” E começou a querer ir até minha casa. “Deus me livre”, pensava. “Na minha casa, não.” Eu era muito nova para ele ir falar com meu pai, mas ele insistia: “Preciso falar com você, seu pai e sua mãe.” Até que um dia, quando cheguei da escola, ele estava lá em casa com meu pai, quase que não entro de tanta vergonha. No dia em que ele pegou na minha mão, tive vontade de sair correndo, porque ninguém namorava se agarrando. Meu pai, por sua vez, permitiu o namoro, das sete horas até às oito e meia, na sala da minha casa. Quando dava a hora, meu pai olhava o relógio e dizia: “Janet” E eu sabia que já estava na hora de ele ir embora. Tendo passado seis meses, ele dizia: “Quero me casar, já estou ficando velho.” Na verdade, eu ainda não sabia se gostava dele, não tinha percepção dessas coisas. Vivia envolvida com meu piano, queria tocar minhas sonatas, meus prelúdios. Mas apesar de não ter muita noção do que isso representava, me casei. Meu casamento foi em uma Igreja linda, a de Santa Rita. Meu pai, minha mãe, amigos, vizinhos, padrinhos e madrinhas compareceram.
FAMÍLIA Apesar de ter deixado me casar, meu pai tinha um grande receio, um certo medo de deixar que me entregasse para uma vida diferente. E foi, na realidade, o que aconteceu. Ele morreu segurando as minhas mãos e dizendo assim: “A vida vai te dar grandes encargos, você vai ter que ser forte.” Naquela idade, não entendia o que seriam grandes encargos. Só depois, quando as coisas começaram a acontecer, é que fui entender quão sábias foram as palavras do meu pai. Naquela época, não existia métodos contraceptivos, dessa forma, eu tinha filho de dois em dois anos. Quando um fazia dois anos, eu tinha outro. Sendo assim, quando meu marido morreu, eu tinha cinco filhos. Então, lembrei-me das sábias palavras do meu pai, só neste momento consegui compreendê-las. Fiquei viúva com cinco filhos para criar. Apesar de todo apoio e cobertura da minha mãe, éramos duas mulheres. Ficamos com uma casa própria e a pensão do meu pai, mas percebi que precisava trabalhar, pois tinha cinco filhos para criar. Quando meu marido faleceu, tinha 26 anos. Por minha mãe ser muito rigorosa, dizia: “Você é nova, mas não vai arranjar ninguém, porque fatalmente terá filhos.” E, realmente, se tivesse casado novamente, teria outros filhos. Sendo assim, eu me propus um pacto: “Se alguém precisa ser sacrificado, que seja eu. Mas vou criar os meninos” Comecei, então, a me desdobrar pelos meus filhos. Coloquei na escola. Cobrava e fazia as tarefas junto com eles. Colocava em aulas particulares e em colégios públicos. Era uma forma de acelerar a educação deles. Para eles se formarem, primeiramente, como pessoas, depois com os estudos. Procurava dar exemplo para eles. Tanto é que, quando entrei na Petrobras, eu levava eles para o trabalho à noite. Era muito comum trabalharmos depois do expediente. Geralmente, o expediente acabava às seis horas da tarde, mas podíamos trabalhar até as 10 ou 11 horas da noite. Para não ir sozinha para casa, minha mãe fazia com que eu levasse o menino. Ele dormia no sofá da base de Manaus. Quando terminava, botava o menino no ombro e ia pegar o bonde para ir para casa, 11 horas da noite. Na verdade, não existia nenhuma expectativa dentro da minha família para que eu trabalhasse, fui criada para casar. Mas, quando fiquei viúva, percebi que às vezes a vida nos traz situações inesperadas. Minha mãe sempre falava: “Agora você tem que cuidar dos seus filhos, e ai de você se manchar a família” Ela achava que, daqui em diante, minha vida deveria ser as crianças, e foi.
PRIMEIRO TRABALHO Minha irmã havia se casado com um ex-combatente da Segunda Guerra Mundial, que havia combatido na Itália. Quando voltou, falou para mim: “Janet, a Petrobras está começando aqui, você podia ir até lá para ver se conseguia alguma coisa.” Nesta ocasião, trabalhava em uma padaria, acordava às quatro horas da manhã, porque movimento de padaria começa cedo, por volta das cinco horas da manhã. Pegava o bonde para ir até o trabalho, onde eu ficava até às quatro horas da tarde. Portanto, meu primeiro trabalho foi em uma padaria e não tive outros, além deste e o da Petrobras. Na padaria, eu trabalhava no caixa, recebendo dinheiro, fazendo prestação de contas. Eles me davam o almoço, que era servido na própria padaria. Fui trabalhar lá para arranjar mais dinheiro, enquanto a pensão do meu marido não saía. Em Manaus, não havia nenhum órgão que cuidasse de aposentadoria, para que eu pudesse receber os proventos dele. Tudo era tratado no Rio de Janeiro, pelo IPASE – Instituto de Previdência e Assistência do Estado. Naquele período, havia vários institutos, o IAPI, IAPC, IAPTEC. Nós da Petrobras éramos do IAPI – Instituto de aposentadorias e pensões dos industriários - porque somos uma indústria. Mas os funcionários públicos faziam parte de outro instituto. Por isso, demorou muito o processo de vir a papelada para cá, para eu começar a receber a aposentadoria. Neste meio tempo, eu precisava comer, viver. Além disso, quando chegava da padaria, eu pegava costura para fazer. Peguei costura da Prefeitura. Fazia fardas para crianças, saia pregueada e aquela blusa branca. Este trabalho eu consegui através da indicação de um amigo meu que trabalhava na Prefeitura. Ao chegar em casa, tomava um banho, fazia um lanche e trabalhava até às 11 horas da noite na costura e dormia, para ir para a padaria às quatro horas da manhã. Assim foram meus primeiros anos de trabalho, antes de eu ingressar na Petrobras. Fui trabalhar na padaria, por intermédio de uma freguesa da minha mãe, que era esposa de um dos sócios. Vendo que eu estava necessitada, querendo me ajudar, ela perguntou para o marido se não precisava de alguém.
INGRESSO NA PETROBRAS A primeira vez que ouvi falar da Petrobras foi através do meu cunhado, que havia acabado de chegar da Itália. O escritório ficava na Rua Marcílio Dias, onde fui entrevistada por um geólogo chamado Lucio Semeon Gaia. A última notícia que obtive dele foi que estaria dirigindo o escritório em Nova York. Foi ele quem fez um teste comigo, mas não um teste escrito, era um teste de conhecimentos. Ele pegou a minha ficha e viu que eu era viúva e tinha cinco filhos, então me perguntou: “A senhora sabe quem fabrica o leite que a senhora dá para seus filhos?” Respondi: “Sei sim, senhor.” E ele: “Mas eu quero a razão social.” E eu disse: “Sim, senhor, é Companhia Industrial e Comercial Brasileira de Produtos Alimentares, a Nestlé.” “Ótimo, muito bem”, disse ele. “E a senhora deve lavar muita roupa, com tanta criança, saberia dizer quem fabrica o sabão que a senhora usa?” Eu disse: “Eu sei. O sabão português é fabricado pela União Fabril Exportadora.” “Muito bom, a senhora pode passar por aquela sala que vão lhe dar a indicação para ir ao serviço médico.” E fui. Nesse período de seis meses, fui contratada. Quando foi no primeiro dia de novembro, eles fizeram uma prova escrita, onde eu teria que fazer uma carta pedindo um emprego para a Petrobras. Sempre tive facilidade para escrever. Fiz a carta, ele olhou e disse: “Está ótimo, pode ir para o serviço médico.” No dia primeiro, estava trabalhando e estavam assinando meu primeiro contrato de trabalho. Entrei na Petrobras em 1956, e ela foi criada em 1954. Sempre gostei de política, apesar de não ser. Daí em diante, soube por que havia o CNP - o Conselho Nacional do Petróleo -, mas ele apenas fazia pesquisa, não tinha atividades de extração. Por isso é que a Petrobras foi criada, com a intenção de extração do petróleo. Já havia sido descoberto um poço em São Paulo e outro em Lobato. Mas as atenções estavam voltadas para a Amazônia. Todos nós sabemos que a Amazônia é um celeiro de tudo o que é bom, só que não conseguimos desvendá-la totalmente. Alguém já descobriu um pouco. Estrangeiro já levou remédio. Então, havia um serviço de pesquisa para descobrir poços na Amazônia. Este trabalho perfurou o primeiro poço às margens do Rio Madeira, em uma antiga fazenda de gado, que foi desapropriada. Lá furaram quatro poços: NO, que é a sigla Nova Olinda, Nova Olinda do Norte, NO1, NO2, NO3, NO4. Mas essas perfurações não revelaram óleo em quantidade comercial e a Petrobras só extrai quando existe uma quantidade expressiva. De qualquer maneira, ficou provado, naquela época, a exploração de gás.
URUCU / EXPLORAÇÃO DE GÁS A exploração de gás em Urucu começou por volta dos anos de 1956 e 1957. Existe uma foto de quando começou, a mata fechada e só aquela clareira. Foi no tempo daquele negócio do rebocador. Nós fomos fazer uma visita a Urucu e o rebocador passou. Estávamos vendo a clareira no meio da mata e tínhamos que parar mais ou menos ali para podermos entrar. E o rebocador foi embora. Eu dizia: “Meu Deus do céu, por que viemos para cá, se ele vai por ali?” Não entendia. O rebocador subiu e quando chegou lá em cima, mais ou menos um quilômetro, eles pararam a máquina e a força da água veio trazendo o rebocador. Nesse episódio, estava acompanhando um grupo da Petrobras, porque sempre fui curiosa.
COTIDIANO DE TRABALHO Imagine que, na seção de material, eu trabalhava com peças de trator, sei tudo de trator. Foi a primeira seção que trabalhei na Petrobras. Criaram a SRAZ – Superintendência Regional da Amazônia -, com sede em Belém e a base em Manaus. Na base em Manaus, tinha prospecção, tinha sísmica, que é aquele abalo que dá na terra com dinamite, para retirarem os cascalhos e examinarem se há petróleo ou não. É um trabalho bonito, a sonda vai furando e retira todo o material que está lá. Aquele material era embalado em umas caixinhas, que chamavam testemunho. Nós mandávamos as caixas codificadas para o Rio de Janeiro, para serem feitas as análises laboratoriais, para medirem a qualidade do petróleo daquele poço. Não havia a tecnologia dos dias atuais, tudo era primário. Imagine que os trabalhadores entravam com os terçados e machados para abrirem lugar. Somente depois disso entraria um trator e carros para levar os operários e mantimentos, para eles armarem aquelas casas de lona, pois era ali mesmo que eles dormiam. Tudo era muito precário, muito sacrificante. As sondas, para chegarem até lá, atravessam tubulações. Quando chegam aqui em baixo, quando ela já está para entrar, a outra já está para amarrar. Tem o torrista, é o que trabalha lá em cima, e o plataformista, que trabalha aqui embaixo. Um toma conta dos tubos que tem que entrar, e outro toma conta para a hora que ele encaixa. Ele tem que enroscar, para aquele tubo continuar rodando. Esse processo é uma seqüência. Em determinados dias, tiram tudo, para ver o que está dentro do tubo. Este material é que vai ser examinado. Não sei, porque agora é no mar, mas sei que na terra era assim que se procedia.
PORTO DE MANAUS A Manaus Harbour é a concessionária do Porto de Manaus. Vocês devem saber por revistas ou noticiário que o Porto de Manaus é flutuante, feito por uma companhia inglesa. Portanto, ele é preso no paredão de pedra e sobe e desce, de acordo com a maré. Quando sobe, os navios vêm aqui para cima, encostam e descarregam, quando descem, fazem a mesma coisa. Sendo assim, em torno daquela base, criaram armazéns, assim como nós temos as docas. O governo cedeu um daqueles armazéns para a Petrobras instalar seu escritório. O primeiro chefe era um homem de Marinha. Então, fomos para aquele galpão, todo de zinco. Ali nós fizemos paredes com tabiques de compensado e formaram-se as seções, seção de material, seção de pessoal, caixa, fiel de caixa. Ali era o nosso mundo. Como ficávamos na beira do rio, os rebocadores e lanchas paravam ali. Essa era a operação por água. E a perfuração contava com os Catalinas, aqueles aviões que sentavam na água. Eles levavam o material mais leve, por exemplo, os de manutenção e comida, para as equipes. Rodrigo Barbosa foi fiel de caixa de uma equipe. No entanto, entrou como trabalhador braçal. Assim que chegou, ele se fez. Certo dia, havia faltado um camarada que cuidava do dinheiro do cofre da Empresa e ele assumiu. Ele tinha muita capacidade, inclusive tinha dois cursos superiores, mas entrou como trabalhador braçal, porque queria entrar na Petrobras. A Petrobras sempre teve um prenúncio de que seria uma Empresa com grande futuro. Por isso, todos queriam estar lá, principalmente os homens, porque eles são mais chegados a aventuras. Entram na mata, vão encontrar onça, toda essa aventura dava um toque especial.
INGRESSO NA PETROBRAS Fazer parte da Petrobras, para mim, significava segurança, pois tinha certeza que ela seria uma grande Empresa. Ao longo desses três anos, comecei a me interessar pelos assuntos da Petrobras. Até que, em 1956, eu ingressei na Empresa. Depois que entrei, já me casei, bordei. Tinha tudo nas minhas mãos, elementos para conhecer a Empresa. E eu queria conhecer tudo, desde a operação mais rudimentar até as mais complexas. Dentro desse contexto, comecei a trabalhar no desenvolvimento do Sudeste e do Nordeste. As perfurações na Bahia, Lobato. Sempre procurei me manter informada sobre esses assuntos. Paralelo a isto, sempre tive um bom relacionamento com meus chefes. O Doutor Heitor Manoel Pereira, que hoje é chefe do Clube de Engenharia, é um pernambucano com quem mantive boas relações, inclusive com a família dele, por nossas filhas saírem juntas para festas.
TRABALHO FEMININO Ser mulher e trabalhar no meio de vários homens era difícil. Mas eu acredito que cada pessoa faz seu próprio ambiente de trabalho. Porque, se o homem percebe que você não dá margens, ele não avança.
HISTÓRIAS / CAUSOS / LEMBRANÇAS Logo que entrei, havia um rapaz alemão que vivia rondando minha sala. Um dia, meu chefe, o senhor Carlos Acautuassu Nunes, um Engenheiro-Geólogo e chefe da base, chamou-o e disse: “A Janet é uma viúva, que tem cinco filhos e é muito direita. Você não se atreva, porque não vai encontrar entrada.” Depois que ele foi embora para a Alemanha, ainda me escreveu umas duas cartas, mas ficou por aí.
TRABALHO FEMININO Vivia no meio daqueles homens, plataformistas, torristas, mas nunca me disseram nada. Eu era brava, no meu trabalho, principalmente, fazia com que cumprissem as ordens.
COTIDIANO DE TRABALHO Havia o chefe da base e os chefes de seção. Não sei se mudou a estrutura da Empresa. Além disso, havia o Conselho de Administração, o C.A., como chamávamos. Este conselho abrigava outros dois conselhos importantes, a Divisão de Informações e a Divisão de Auditoria. Estes eram órgãos máximos, de modo que, quando o problema era levado a algum Presidente, já estava quase solucionado. Pois eles organizavam as informações de forma correta. O que era errado era a fiscalização no funcionamento da Empresa. Por isso, hoje, quando vejo esse Governo com tanta falcatrua, penso que eles nunca tiveram uma auditoria, pelos menos não uma auditoria rigorosa, pois, se tivessem, as coisas não teriam chegado a esse ponto. A Petrobras, por exemplo, nunca esteve envolvida em escândalos. É uma Empresa séria, organizada, que funciona, porque não existe nenhum empregado que tenha dito: “Eu vi essa falcatrua.” Ali, todos nós éramos vigilantes.
VISITA DA RAINHA DA INGLATERRA Me recordo da gestão do Coronel Dourado, na base de Nova Olinda. Nesta ocasião, ocorreu a visita da Rainha Elizabeth. Fui até a balsa para vê-la de perto. A corveta que a levara era linda, uma corveta branca da Marinha, e duas outras grandes embarcações que foram levá-la até a base de Nova Olinda, para ela conhecer a primeira base do Amazonas que deu óleo. Não fui à recepção porque estava em Manaus, mas providenciei tudo. Disseram-me que a recepção foi muito bonita. Precisei providenciar toalhas de linho, conforme recomendação do Coronel, copos de cristal, pratos de porcelana, enfim, como ele dizia: “Me manda tudo de bom que tiver aí, porque vou receber a Rainha Elizabeth.” Larguei a minha mesa e providenciei o que ele me pediu. Depois, teve a visita da Terezinha, que tratou diretamente com o Chefe das Relações Públicas e ficou lá conosco. Era a Miss Brasil, recebemos uma Miss Brasil. Foi uma visita rápida, pois, naquele momento, ela estava em evidência. Ela me pareceu muito inteligente, além de muito bonita. Passou um dia, dormiu, e no outro o Catalina foi buscá-la.
COTIDIANO DE TRABALHO A Petrobras encara tudo com seriedade, inclusive, seu patrimônio. Um certo administrador de campo perdeu a chave do cofre. Todas as equipes tinham um cofre, porque tinham que fazer o pagamento do pessoal de campo. Aquele dinheiro não podia faltar. Pode ser que ele tivesse outras alternativas para abrir o cofre, pedir socorro à gente. Enfim, o fato é que ele precisava fazer pagamentos a fornecedores, de empregados, entre outros. Ele não teve dúvidas, pegou um maçarico, cortou a porta do cofre e abriu. Na outra semana, ele fez uma C.I., que nós chamávamos de Comunicação Interna, um documento prático, informando que o cofre precisava de ligeiros reparos. Quando recebi a comunicação, o cofre estava lá no rebocador, e perguntei: “Coronel, o senhor vai dar um jeito, olha aqui.” Ele respondeu: “Ótimo Janet, patrimônio da Empresa. Ele dilapidou o patrimônio da Empresa, chame ele.” Rapidamente, o administrador foi demitido. O Coronel não aceitava, era muito rigoroso. Acho que, por isso, trabalhei com ele em Manaus e, posteriormente, no Maranhão. Quando veio o AI-5, nós precisamos vir embora, ele disse: “Eu quero a Janet, pode mandar ela para mim, que eu quero.” Nesse período, fiquei três anos no Maranhão e depois fui para o Rio de Janeiro.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Trabalhar em Manaus foi uma experiência muito prazerosa. Às vezes, era difícil, porque todo o pioneirismo estava empreendido ali. Mas isso é importante. Tudo na nossa vida tem uma parte difícil, mas é essa parte difícil que vai servir de alicerce para suas glórias, o sucesso que você terá no futuro. Assim, você vai contar, assim como eu estou contando hoje, esses 32 anos que passei dentro da Empresa. A cada 10 anos, nós recebíamos um diploma. Quando fiz 10 anos, recebi o primeiro. Quando fiz 20 anos, recebi o segundo. Aqui no Rio de Janeiro, eu sabia que poderia ter o diploma de 30 anos, mas era raro uma mulher receber. Isto porque, geralmente, as mulheres não completam o tempo de aposentadoria, sempre saem um pouco antes. Eu completei e recebi meu diploma aqui no Museu de Arte Moderna. Éramos apenas duas mulheres, o restante eram todos homens, empregados que completaram 30 anos.
COTIDIANO DE TRABALHO O patrimônio da Empresa é o patrimônio humano. Não sei hoje, mas antigamente as pessoas criavam um vínculo muito forte com a Empresa. Cada um dava o melhor de si, como eu disse, trabalhavam como peças de trator. Em determinado momento, eu trabalhava enviando para as unidades, filtros de tratores, e descobri que um funcionário de Rio Branco estava pedindo muitos filtros. Eu tinha os prazos, tinha meus controles, meus prazos de repor material. Aprendi que, em se tratando de material, não existe estoque zero, nem na nossa casa. Quando está perto de acabar o açúcar, já é hora de repor. Em uma empresa então, não pode faltar material. Percebi que ele estava pedindo muito amiúde e a minha responsabilidade era atendê-lo, mas eu também tinha responsabilidade com meu chefe, por isso levei o caso até ele e falei: “Olha, já mandei vários filtros de óleo para ele, e ele continua pedindo. Não sei o que está acontecendo. Não posso, porque tenho os custos desses filtros.” Resolveram apurar. Verificaram que havia uma cidade onde ele vendia os filtros que eu mandava. E, assim, foi demitido. Em Manaus, só trabalhei na área de material. Também comprava verdura, pedia brocas, mas pedíamos o material pesado aqui para o Rio de Janeiro e depois era distribuído. Material de consumo, comida, roupas, nós mandávamos de balsa ou de avião. Tínhamos o Catalina, que levava esse material. O material era solicitado através de uma R.A. - Requisição de Almoxarifado. Caso tivesse esse material no almoxarifado, imediatamente eu despachava. Quando não tinha, era necessário fazer uma pesquisa de preços, com vários fornecedores, para saber qual era o melhor preço, para poder fazer um pedido de compra. Para que pudesse ter uma visão do que estava acontecendo, às vezes, era necessário acompanhar as expedições, para que visualizasse aquilo que estava fazendo. Precisava saber se estava mandando tudo a tempo, porque certas coisas não podiam faltar. Sempre dizia para mim: “Não posso deixar a peteca cair.” Se um colega de trabalho me dissesse que estava faltando material para a sonda dele, não podia ficar parada. Uma operação daquelas, parada por uma hora que fosse, poderia causar um prejuízo enorme. Sempre tive consciência disso e me desdobrava para que tudo corresse bem. Cerca de 10 pessoas trabalhavam no almoxarifado juntamente comigo. Eu fiz inventário, fiquei com a cabeça tão cheia de material que sabia o nome de todos os parafusos: sextavado, cabeça grossa, cabeça fina, várias qualidades de parafuso. Tinha tudo aquilo guardado na cabeça. Quando a pessoa pedia, eu já ia direto no escaninho, tirava, contava, para depois envelopar e ir embora.
HISTÓRIAS / CAUSOS / LEMBRANÇAS A Páscoa que acontecia lá era promovida por mim. Eu pensava: “Esse pessoal tem que rezar, tem que comungar.” Então, eu arrumava o altar na base. Tudo isso acontecia na base, não íamos à igreja. Arrumamos uns caixotes, que forramos com lençol e cortinas, para pôr o Santo. Depois, contratei o Padre para ir lá em dia e horário combinado, para rezar a Missa. Eu convoquei as pessoas, como se eu fosse do sindicato, para comparecerem à Missa, e todos aderiram, fizeram jejum. No dia da nossa Páscoa, havia marcado com o Padre às sete horas da manhã. Todos nos reunimos à espera do Padre. Deu sete horas, sete e meia, oito horas, e o pessoal começou: “Já estou com fome, quero comer, preciso tomar café.” Eu dizia: “Espera que o Padre vai chegar.” Quando chegou, já eram quase 10 e 30. Morreu uma pessoa e ele precisou fazer uma Missa, por isso se atrasou. Pediu mil desculpas. Eu disse: “Frei José, não peça desculpas, já aconteceu mesmo.” Ele perguntou sobre as pessoas que havia para comungar, só tinha três ou quatro, os restantes já haviam tomado café, não iam comungar. Mas fizemos a Páscoa. Fazíamos também brincadeiras de Natal, esta era a minha forma de congregar.
COTIDIANO DE TRABALHO Minha sala era contígua ao caixa, onde ficava o fiel de caixa. Havia muito serviço. Eram pilhas de material que vinham para despacharmos. Por isso, não tínhamos muito tempo para almoço. Para almoçarmos lá, pedíamos para trazerem um sanduíche ou qualquer outra coisa. Almoçávamos e trabalhávamos ao mesmo tempo, não tínhamos tempo nem de olhar para o outro, somente quando íamos bater o cartão de ponto. Sempre tivemos que bater o cartão de ponto. Batia-se o cartão, voltávamos e trabalhávamos. Por muitas vezes, ficávamos com fome, não dava para sair para comer e nem sempre havia quem fosse comprar. Eu ficava falando em comida. Sempre gostei de coisas de casa, de fazer comida. Fazia um vatapá, cheio de camarão, com pimenta. Às vezes, algum colega batia na porta e dizia: “Cala a boca, eu morrendo de fome aqui e você só fala em comida.” A última vez que vi esse rapaz, ele estava na Reman. Há quatro anos, fui para um casamento de uma neta, que inclusive já tem um bebê, aproveitei e visitei a refinaria, muito bonita.
REMAN A Reman já foi Copam - Companhia de Petróleo da Amazônia -, do senhor Isaac Benaion Sabbá. Todo pessoal que era da Superintendência Regional da Amazônia hoje está ligado, pelo menos historicamente, a Reman. Quando eu mesma entrei, ainda era SRAZ, que tinha base em Manaus. A superintendência dirigia, era o patrão, e nós éramos a base de execução.
HISTÓRIAS / CASOS / LEMBRANÇAS Passei por um período desagradável durante a Revolução de 1964. Minha casa estava em construção, ainda estavam sendo levantadas as paredes, nem piso tinha, somente telhado. A Petrobras havia concedido 15 dias para me apresentar no Maranhão. Fechei a obra e entreguei para o Banco Ultramarino. Botei tábuas, tabiques nas janelas e na porta. Neste momento, estava em um apartamento alugado. Peguei minha mãe e os meninos e fui embora para o Maranhão. Só ia a Manaus uma vez por ano, nas férias. Quem tomava conta dos meninos era minha mãe, foi ela quem me ajudou nesse momento. Depois, eu vim para o Rio de Janeiro, onde encontrei com minha família. Minha filha mais velha já havia se casado, em Manaus. Os outros quatro estão até hoje no Rio de Janeiro.
DEFUNTO NO DIA DE CARNAVAL Certa vez, caiu uma tempestade na Amazônia, imagina como é uma tempestade em uma mata como a Amazônia Caiu uma árvore em cima do alojamento, matando três pessoas. Dois eram operários brasileiros e o outro era um Engenheiro-Geólogo italiano. Era terça-feira de carnaval, quando o vigia e o motorista da base receberam a notícia. Eles ficaram sem saber o que fazer. Afinal, na terça-feira de carnaval, estava tudo fechado, não tínhamos a quem recorrer. Eles foram até o telefone e me ligaram, contaram-me a história, e eu disse que já estava a caminho. Me vesti, peguei um táxi, e fui para a base. Chegando na base, eu disse: “Agora precisamos tomar as providências, vamos pelos caminhos legais que conhecemos.” A primeira providência foi chamar o Catalina, para tirar o corpo da mata e trazer para Manaus. Depois, precisávamos entrar em contato com o Rio de Janeiro, para saber as outras instruções. Logo me ocorreu que ele era estrangeiro e que precisaríamos mandar ele para a terra dele, contudo, não havia consulado italiano em Manaus. Por isso, precisava me comunicar com o Rio de Janeiro. Fomos ao chefe da base. Ele tomou conhecimento do que havia ocorrido. As providências pelas quais ele se encarregou eram apenas administrativas. As outras providências, como pegar o corpo, levar ele para lá e para cá, fomos eu e o motorista quem fizemos. O procedimento que o Rio de Janeiro nos passou foi que teríamos que embalsamar o corpo do rapaz, para pôr em um avião que o levasse até a Itália. Mas nós deveríamos coordenar o vôo. Naquele tempo, só a Varig fazia esse vôo, Manaus-Rio de Janeiro-Manaus. É um vôo maravilhoso, são três horas e meia voando do Rio de Janeiro para Manaus. Então, fomos levar ao Instituto Médico Legal, mandamos buscar o Catalina. Quando chegou ao aeroporto, fomos buscar o corpo. Depois disso, fui até a Empresa buscar a chave com o vigia para pegar a ficha dele, os documentos e alguns objetos que estavam lá, para podermos tratar da questão do óbito. Entregamos o corpo no Instituto Médico Legal e fomos providenciar as documentações. Precisávamos reproduzir todos aqueles documentos, para que pudéssemos acompanhar o corpo até o Rio de Janeiro, e depois o corpo seguiria para a Itália. Naquela época, ninguém tinha xerox, tínhamos mimeógrafo. Então, passamos no mimeógrafo, juntamos, etiquetamos e pusemos em um envelope para levar até o Rio de Janeiro e outro que seguiria para a Itália. Outro problema foi que precisávamos entregar o corpo com uma certa antecedência do vôo, afinal, corpos não embarcam junto com passageiros, precisávamos levá-lo até o hangar. O avião saía às sete horas e nós precisávamos entregar o corpo às cinco horas. Quando saímos do Instituto Médico Legal, não tinha carro. Não tinha funerária que levasse o caixão. Então, eu disse: “Walmir, faz o seguinte: pega a Rural e desça seus bancos, para podermos levar ele, é o único jeito.” O caixão coube, ele não era muito grande. Quando saímos do escritório, para pegarmos a Avenida principal até chegarmos ao aeroporto, estava tudo tomado por blocos de carnaval. Então pensei: “Por onde vamos passar, temos hora para entregar esse corpo.” Não queria que ele ficasse nervoso, porque estava dirigindo. Em um determinado trecho, paramos mesmo. Ele disse: “Janet, desce e fala com um guarda, explica para ele que estamos com um corpo que precisa ser levado para o hangar.” E eu, sempre na linha de frente, fui andando no meio do povo e encontrei dois guardas, disse: “Moço, o senhor quer me fazer um favor? O senhor precisa abrir caminho, porque estamos com um problema. Estamos com um defunto que precisamos levar para o aeroporto.” Ele me olhou e disse: “Quanto quer pela brincadeira?” Neste momento, fiquei nervosa e respondi: “Não é brincadeira, o senhor quer ir ver? Eu lhe mostro.” O outro guarda falou para ele: “Ela não está brincando.” Então, ele foi ver e o motorista explicou novamente a situação para ele. Feito isto, ele abriu caminho para que passássemos. Isso ocorreu por volta dos anos de 1958 e 1959, quando a operação estava bem firme na mata.
EXPLORAÇÃO NO AMAZONAS Havia uma grande expectativa para a exploração naquele momento. Os cascalhos que eram retirados seguiam para o Departamento de Geologia, para serem analisados. A análise destes é que iria informar se a prospecção era favorável ou não. E, quando estamos tratando de petróleo, não basta cavarem pequenos poços, é necessário que se cave uma bacia, para que se retire quantidade suficiente para comercialização. Quando precisavam furar, não furavam aqui. Acho que as bacias sedimentares são como o corpo humano, cheia de veias. Por isso, era necessário furar no lugar certo, para que retirassem uma quantidade expressiva. As operações empreendidas eram a sismografia e a gravimetria. Após o trabalho da sismografia, a gravimetria fura a sísmica e extrai o material. Depois, passava pelo processo de refinamento e distribuição. Os resultados não foram muito promissores, tanto que a operação foi se deslocando para o Nordeste, Bahia, e depois São Paulo e Lobato. Em Lobato, eles ainda usavam as sondas tipo cavalo de pau. Ainda vi aquelas sondas em operação. Apesar de tudo, o clima era de expectativa. A sobrevivência do projeto e, consequentemente, da base dependiam de encontrarem óleo. E nós sempre acreditamos. Havia uma questão, nós estávamos próximos à Venezuela, que era a maior produtora de óleo, então pensávamos que esse óleo poderia ser nosso. E foi essa expectativa que nos levou a lutar pela Petrobras.
PETROS A criação da Petros, conforme já relatei, ocorrera no Edifício Sede, e foi pensada para atender melhor aos funcionários da Petrobras. Como a base era dirigida por militares, pensaram em criar o reembolsável, como no Exército, é uma espécie de supermercado onde as famílias se abastecem e é cobrado de forma diferente. Outro ponto de discussão era a fragilidade do INSS. Não era aquilo que a Petrobras queria para seus empregados. Então, surgiu a Petros. Só havia um problema: antes do surgimento da Petros, já havíamos contribuído para o INSS, por isso muitos não queriam aderir. A contribuição para a Petros ocorria de forma parecida como era no INSS. Descontavam um percentual de nosso salário. Porém, para que se criasse a Petros, era preciso a adesão de todos. Acho que a Petros foi a primeira idéia. Houve um caso em que um operador de rádio, precisou consertar um aparelho de transmissão, na parte superior, no mastro, na torre do rebocador. Ele caiu, bateu com as costas no dorso do rebocador. Quando caiu na água, já estava morto. Esse homem era da Superintendência, tinha oito filhos e era do Pará. A família dele só podia contar com o INSS. Então, o Coronel Jarbas Gonçalves Passarinho, que foi Governador duas vezes de Belém do Pará, era nosso Superintendente, teve uma idéia: “Vamos passar um rádio-circular, para todos os empregados da base contribuírem com um cruzeiro, para ajudar essa família.” Pois, além dos oito filhos, a mulher não tinha casa para morar. Conseguimos arrecadar nove mil e 200 cruzeiros. Com esse dinheiro, ela comprou uma casa e ainda ficou com o dinheiro do INSS. A partir desse episódio, começamos a pensar que precisávamos de algo mais, de alguma coisa que complementasse o INSS. Não digo que esse tenha sido um fato isolado, mas a idéia talvez tenha nascido naquele momento. Começaram, então, a fazerem pesquisas, a formarem idéias. Uns queriam, outros não. Eu abracei a idéia na hora. “É para pagar, para benefício, então eu quero.” Fui uma das primeiras que assinou. Brigava, fazia discursos: “Gente, vamos aderir a Petros, é uma coisa boa, que vem para complementar e ajudar muita gente.” Muitos não aderiram na época. Posteriormente, a Empresa deu uma outra chance de ingresso na Petros, sob a condição de pagarem os atrasados, desde sua fundação. Naquele tempo, existiam vários outros órgãos subordinados ao que hoje conhecemos como INSS. Nós éramos do IAPI. Depois que houve a fusão, eles foram se estruturando e a Petros foi convocando o pessoal. Guardei a cópia do Diário Oficial, onde foi publicado o primeiro estatuto da Petros. Depois formularam outro, com algumas modificações, mas, na íntegra, significava o mesmo. A idéia central era munir o empregado, agregar o benefício Petros ao INSS. Tanto que, no contracheque, vêm discriminado os valores descontados pela Petros e o do INSS separadamente.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Quando fui transferida para o Maranhão, fiquei muito chocada, porque estava com minha casa em construção em Manaus. Ao morrer, meu pai deixou um terreno grande para minha mãe, que o dividiu entre eu e minha irmã. Meu irmão estava muito bem na vida, tinha estabilidade financeira. Mas minha mãe o chamou e disse: “Você vai abrir mão desse terreno em cartório, vou dividi-lo entre suas irmãs, porque as duas são viúvas.” Ele e a esposa foram ao cartório e assinaram os papéis. Eu tinha duas semanas e não tive dúvidas, mandei colocar paredes e tábuas, coloquei minha mãe e meus filhos para morarem naquela casa, que não tinha sequer piso, apenas as camas para dormirem. Rompi o contrato de aluguel da casa em que morava e fui para o Maranhão. Precisei ir por causa do AI-5, que mandou acabar com a base. Ela acabou porque a consideravam improdutiva, não era viável para fins de exploração. Alguns foram para a fábrica de asfalto em Fortaleza. Não éramos nós quem escolhia, era o Coronel Dourado. Ele estava no Maranhão e, como eu já trabalhava com material em Manaus, iria continuar na mesma função. Fiquei no mesmo trabalho, só troquei de atividade quando vim para o Rio de Janeiro, trabalhar no Setor de Ações. Assim que cheguei, fui para o antigo Serviço de Pessoal, que comportava uma outra divisão, Contadoria geral e Tesouraria geral. Quando cheguei, fizeram a fusão de toda estrutura do Serviço Financeiro. O Doutor Paulo de Tarso Leal foi chefe da Contadoria Geral e José Paiva Prudente era o chefe da Tesouraria. Trabalhei com os dois. Depois, fui trabalhar no Setor de Ações, em 1972, aproximadamente.
HISTÓRIAS / CAUSOS / LEMBRANÇAS No Maranhão, onde eu fiquei três anos, morava em uma casa mal-assombrada. De noite, eu morria de medo, porque estava sozinha naquela casa cheia de retratos de antepassados que já haviam morrido. Quando o vento batia nas janelas, eu morria de medo. No Maranhão, havia muitas histórias de assombrações, como a de uma mulher que passava de carruagem à noite. Eu pedia a Deus para que o dia amanhecesse e o ônibus viesse me buscar para me levar até a base. Passava o dia inteiro na base. Só saía às cinco horas e vinha direto para casa, de onde não saía mais. Depois me mudei para um pensionato de freiras. Mas uma das freiras me aborreceu tanto que resolvi procurar uma casa de família para morar. Deus sempre me direcionou para os lugares. Me informaram sobre uma famosa Rua, chamada Salvador de Oliveira, que iria dar em um Convento de Freiras, onde morou Gonçalves Dias – lembro-me do verso: “Minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá...” Por sorte, encontrei um casal de idosos que moravam ali, eles haviam casado a única filha, que depois do casamento não falou mais com eles, brigou com os pais e foi embora. Eles me receberam como uma filha. Fiquei lá um ano e cinco meses.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Fui para o Rio de Janeiro, porque não podia ficar separada da minha família, a base em Manaus não existia mais. Na verdade, eu havia pedido transferência para São Paulo, sou louca por São Paulo. Se me dessem o direito de morar, iria morar lá, adoro aquela terra. Quando cheguei, estavam construindo o Edifício Sede. Trabalhávamos naquele edifício ao lado da Candelária. Do outro lado, funcionava o Banco Ultramarino e, quando este saiu, a Petrobras tomou conta. Neste mesmo edifício foi criada a Braspetro, nossa subsidiária no exterior. Quando ainda estava em construção, em uma sexta-feira da Paixão, assisti ao incêndio da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, na rua Uruguaiana.
COTIDIANO DE TRABALHO Trabalhava sábado, domingo, mas não tinha problema. O trabalho era meu, eu tinha que fazer. Quando apareceram os computadores, nós trabalhávamos da seguinte forma: fazíamos o trabalho manual e todos os dias, às 10 horas, entregávamos ao pessoal que trabalhava com os computadores. Às vezes, acumulava tanto trabalho que eu precisava ir de noite, para adiantar. Porque o trabalho dos outros dependia do meu trabalho e eu tinha que acelerar o trabalho dos outros. Passava os dados de todos os processos para o pessoal que trabalhava com os computadores, era uma espécie de intermediária. Quando foi instituído, em 1967, o Fundo de Garantia, trabalhei na implantação do Fundo de Garantia dos funcionários da Petrobras, porque todos teriam que optar pelo mesmo. Eu mesma já tinha 11 anos de trabalho, mas me aposentei com 22, porque a lei dizia que, quando passava dos 10 anos, seria dobrado. Então, foram 22 anos de processo anterior, a partir de 1967, mais o Fundo de Garantia. A Petrobras resguarda os direitos de seus empregados de uma maneira fora de série, não tira nada do empregado, o que ela pode, ela dá.
FAMÍLIA No Rio de Janeiro, reencontrei minha família. Sou tão conservadora, que moro no mesmo prédio, desde quando cheguei aqui. Já morei no 303, passei para o 603 e agora estou na cobertura, não posso subir mais, não tem mais andar. Não gosto muito de coisas modernas, só até certo ponto. Continuo tocando piano, escrevendo, fazendo meus escritos.
COLEGAS DE TRABALHO Conheci uma mulher, chamada Yolanda Correia Guimarães, que era daqui do Rio de Janeiro e estava em Manaus, por um acaso, passeando, e participou do concurso, por isso ficou em Manaus. Ela ficou moça-velha, não se casou, mas tem uma casa muito bonita. A última vez que a visitei foi em Manaus. Além dela, tem outros colegas, como o João Beniz, que trabalhou comigo na base, e o Rodrigo Barbosa, que eu disse que entrou como trabalhador braçal e depois se revelou. Floriano da Glória Ferreira, que está em São José dos Campos, entrou no mesmo ano que eu. Ele participou de todo o movimento em Nova Olinda, a exploração dos poços. Foram 32 anos muito bem vividos e dedicados à Empresa. Hoje eu digo: “Quem puder entrar, entre, porque a Petrobras só tende a crescer cada vez mais.”
PETROBRAS O México, por exemplo, tem tecnologia para exploração profunda. Para exploração rasa, ele está esperando a Petrobras. É ela quem vai dar subsídios e tecnologia para ele explorar petróleo em sua parte rasa. A Petrobras, que já importou tecnologia de outros países, hoje exporta. Ela está trocando, fazendo este intercâmbio de informações, que é muito importante. A Petrobras cresce e ainda vai crescer muito mais.
PRIMEIRAS MULHERES NA PETROBRAS No primeiro concurso, foram aprovadas 18 mulheres. Fomos muito bem recebidas em Manaus. Éramos cinco, um contador, um chefe de base, um chefe de almoxarifado e a gente. Todas eram muito destemidas. Principalmente eu, que já havia sido casada, era viúva, tinha cinco filhos. Sempre levei meu trabalho a sério, não podia pestanejar, nem brincar. Não sou muito chegada a brincadeiras, acho que brincadeira tem hora. Mas, no trabalho, você tem que levar as coisas a sério. Foi isso que norteou toda minha vida na Empresa.
COTIDIANO DE TRABALHO O dinheiro que ia para as equipes saía de Manaus e nós retirávamos no banco. O procedimento era o seguinte: tirávamos o dinheiro do cofre, que passava pela conferência de duas pessoas, depois levávamos ao aeroporto, para ser conferido pelo Comandante, também com duas pessoas. Era o Comandante quem entregava o dinheiro ao chefe da base. Às vezes, isso era feito de dia, às vezes, de madrugada, três horas da manhã, quatro horas da manhã. Não podíamos tirar o dinheiro antes, tinha uma hora certa para retirarmos o dinheiro do escritório. Algumas vezes, fui com o motorista. Ele também não queria ir sozinho, saíamos com muito dinheiro. Ele passava na minha casa, me apanhava e nós seguíamos para o escritório. Ao chegar lá, chamávamos dois vigias e eu, juntamente com ele, contava o dinheiro, empacotávamos e levávamos para o avião. Quando chegávamos no avião, entregávamos para o Comandante conferir. Eu cuidava do dinheiro do fundo rotativo, uma verba para pequenas despesas. O material grosso era comprado em Manaus, trazido do Rio de Janeiro ou da Bahia. Inclusive, fui chefe de compras em Manaus. Tive um chefe que havia sido gerente da Standard Oil, uma companhia inglesa. Ele era ótima pessoa, muito bom, mas para assinar papel. Tudo o que colocávamos na mesa dele, ele assinava. Eu trabalhava na sala ao lado, com ele. Todos preparavam papelada, botavam na mesa dele, não sei nem se ele lia, mas assinava tudo. Quando esse homem saía de férias, era um problema. Então, o senhor Heitor Manoel Pereira, que hoje é Presidente do Clube dos Engenheiros da Petrobras, percebeu que, na ausência dele, eu fazia o seu trabalho, mas, na minha ausência, ele não dava conta do meu trabalho. O trabalho do senhor Sérgio era só assinar. Mas, quando eu entrava de férias, era preciso deslocar uma outra pessoa para fazer meu trabalho, que era emissão de ordem de compra: PCM, Pedido de Compra de Material. Ele ficou com raiva de mim, tanto que, quando houve minha transferência, ele disse que lavava as mãos, que não dava opinião para eu ser transferida. Os homens não ficavam impressionados comigo. Geralmente, viajava com um dossiê, que continha as informações de toda minha vida. Quando eu era apresentada em uma base, já levava estas informações. Inclusive, o Coronel Dourado, que morreu há dois anos, me recebeu no Maranhão e disse: “Não precisa nada, me manda a Janet.” Viajei com 12 plataformistas, era a única mulher a ser transferida de Manaus para o Maranhão. Duas foram para Fortaleza e a outra para o Paraná, para o Xisto. Inclusive, esta moça já morreu. Casou e teve dois filhos. Ainda quando estava no Maranhão, passou uma comitiva com a presidência e os diretores, o Coronel me apresentou ao Doutor Jorge Nascimento de Castro, chefe do serviço financeiro no Rio de Janeiro. E disse para ele: “A Janet é uma pessoa ótima, mas ela está distante da família, os filhos estão em Manaus. Ela não sabia que ficaria aqui em caráter temporário. Então, se o Senhor conceder sua transferência, ela poderá estar junto de sua família novamente.” Ele respondeu que iria estudar o caso. Não demorou dois meses e chegou um rádio dizendo que estava sendo criado o Serviço Financeiro. A Contadoria e a Tesouraria geral estavam se fundindo. Paralelo a estes, estava sendo criado o Setor de Ações, por causa do movimento da Bolsa de Valores, que estava no auge. Corretores trabalhando a todo tempo. Meu apartamento foi comprado com dinheiro de ações que tinha da Petrobras. Naquele tempo, havia um mercado fracionário. Hoje não. Hoje são lotes de 10 mil, 20 mil, ou seja, só compra quem tem muito dinheiro. Naquela época, conseguíamos comprar 20, 50, 100. Na medida em que comprávamos, recebíamos uma bonificação, era um dinheiro que recebia e tinha subscrição. Por exemplo, subscrevia e comprava outra a um real. Então, se você tivesse 100 ações, você poderia comprar mais 100 e ficar com 200. Sobre aquelas 100 que você tinha, você recebia um percentual, que poderia ser aplicado na compra de outras ações. Dessa forma, tive ações da Petrobras, do Banco do Brasil, da Companhia Vale do Rio Doce, da Mannesman, Lojas Americanas. Fui fazendo meu pé de meia. Quando vi que tinha um bom dinheiro, apareceu o apartamento e joguei tudo na Bolsa, para comprá-lo à vista.
APOSENTADORIA Me aposentei em cinco de maio de 1988. Me senti muito gratificada por receber três diplomas por tempo de serviço. No dia que recebi esse diploma, chorei tanto, ainda estava trabalhando. A entrega foi no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Eram 16 homens e duas mulheres para receberem o diploma de 30 anos. Ainda tem os broches e os distintivos. Tenho um de ouro, um de platina e um de brilhante. O primeiro, de 10 anos, é aquele losango da Petrobras. O segundo era um losango de ponta quadrada, e assim foram mudando. O de brilhante é de 30 anos. Recebi, junto com os diplomas, aquele igual ao emblema que tem na entrada do Edifício Sede, o triângulo com as pontas aparadas, aquele é o de brilhante .
TRABALHO FEMININO / COTIDIANO DE TRABALHO Nunca tive nenhum problema por ser a única mulher a trabalhar na base do Maranhão. Até porque o Coronel já me conhecia e era meu amigo, isto já trazia uma segurança. De qualquer forma, o pessoal era muito bom. O chefe de pessoal era um camarada bom. Só o chefe de pessoal da base de Manaus é que era ranzinza, um homem linha dura. Há dois meses, fui até lá, pois nunca havia ido. Quando cheguei, vi uma placa escrito “Antonio Ferreira Bastos”. Pensei: “Meu Deus, conheci esse homem, ele era bravo.”
ENSINO SUPERIOR Entrei como ajudante administrativa e fui até o final da carreira de ajudante. Daí em diante, eu só poderia passar para outra carreira se tivesse nível superior. Não tive dúvidas, me matriculei em um curso, fiz vestibular, passei e fiz faculdade. Estudei na Estácio de Sá, quatro anos de Administração de Empresas. Dois meses depois que entreguei o diploma, eles me promoveram à assistente. Tenho um lindo cartão, que meu chefe fez, assinado por todos, o pessoal da minha sala, do meu setor, todos me parabenizavam. Maurício Alvarenga, meu chefe, me parabenizava pelo meu exemplo. Íamos para a faculdade, eu e o meu filho. Eu ia porque queria ser promovida pela Petrobras.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Todos ali que almejassem uma promoção deveriam fazer um curso superior. Era norma da Empresa. Era uma escala que deveria ser cumprida, auxiliar de escritório, ajudante administrativo e assistente administrativo técnico. Assim que fui promovida à assistente administrativo, me aposentei.
APOSENTADORIA Procurei me preparar para este momento. A própria Petrobras fazia uma espécie de preparação daqueles que iriam se aposentar. Havia reuniões onde eles falavam sobre aposentadoria. Porque a maioria das pessoas não tem a percepção de que vão trabalhar 30 anos dentro de uma empresa, mas depois vão sair. Muitos colegas nossos se mataram. Dois colegas se mataram. Ainda ontem, soube notícia de um colega aposentado que está acabado, começou a beber, está acabando com sua vida. Eu pensava da seguinte maneira: “Vou ficar sem sair de casa, mas tenho que arranjar alguma coisa.”
TRABALHO APÓS A APOSENTADORIA
Como eu sempre gostei de costurar, roupa nova ou velha, e como minha filha tinha lojas em Manaus, pensei que eu poderia montar uma confecção e vender para ela. Ela me apoiou e dizia: “Mãe, o que você fizer, aquilo que produzir, eu compro.” Não tive dúvidas. Comprei um terreno na estrada Rio-Petrópolis, na subida da serra, um terreno muito bonito. Logo que comprei, estava horrível. Comprei com a intenção de ajudar um contínuo que trabalhava comigo, ele estava numa pior, precisava de quatro mil reais. Fui no Banco Tókio, aquele que tem quadradinhos, ali na Presidente Vargas, retirei um empréstimo e botei na mão dele. A forma que ele encontrou de me pagar foi me passando este terreno, que eu aceitei sem nem ver. Tinha uns meninos jogando futebol no dia em que fui ver. E eu pensava: “Meu Deus, onde me meti? Isso deve ter alguma coisa que eu não sei.” O antigo dono dessa cobertura em que eu morava era um alemão chamado Hans Frederick Bern. Contei para ele e ele foi lá ver. Ele era construtor, havia construído a Embaixada da Alemanha em Brasília, construiu a Embaixada de Israel, e quem eram os principais inimigos dos israelitas senão os alemães? Quando ele viu o terreno, ele falou: “Não tem nada de errado, você vai gastar um pouco mais de dinheiro, mas isso aqui vai ficar bonito.” E se ofereceu para fazer uma planta. Não entendia nada de plantas. Mas, como ele disse que ia ficar bonito, comecei: botava uma camada de pedra, botava areia, a terra sempre ficava espalhada, por causa dos meninos que jogavam futebol. Então, mandei fazer um cercado para botar a terra. Ele fez a planta. A casa era toda sextavada. Ele preparou uma espécie de depósito para a casa ficar bem alicerçada e trouxe a sala para cima. A sala era enviesada. Fiz a parede da sala toda em pedra, passei sete anos construindo a casa, depois que me aposentei. Peguei empréstimos em banco e aplicava. Com meu dinheiro, montei a fábrica. Fui para São Paulo, comprei fazenda e máquinas elétricas. Trabalhei por dois anos, feliz da vida. Tinha três empregados, a firma era legalizada, tudo correto.
Certo dia, seis homens entraram lá, botaram um revólver na minha cabeça e levaram tudo. O terreno ficava num local distante, perto de onde funciona o pedágio hoje, ao lado direito. Fiquei desolada, passei um mês sem falar e sem dormir. Uma das minhas filhas, que é médica, me dava remédio para dormir e eu passava a noite inteira andando. Levaram televisão, aparelho de som, desparafusaram a cabeça da máquina para levarem. Eles não queriam a mesa, queriam a máquina. Eu tinha overlock, máquina de reta, máquina de zig-zag, máquina de pregar botão, máquina de cortar e eles levaram tudo. Fiquei em um estado deplorável, sem saber o que fazer. Meus filhos foram até lá, retiraram toda minha bagagem, colocaram em um depósito e fecharam a casa. Um dos meus filhos morava no Macapá e, nesta ocasião, ele me sugeriu que eu fosse ao Macapá para aliviar a cabeça. Tenho cinco filhos, uma está em Manaus, outro está em Palmas, no Tocantins. Eu assisti a construção de Brasília, que é um pedaço de Goiás. Depois, na parte norte de Goiás, fizeram o Tocantins. E o restante ficou sendo Goiás, que, aliás, é muito grande. Esse meu filho, que hoje mora no Tocantins, estava no Macapá. Então, eu fui para lá passar três meses e passei três anos. Ele tinha uma loja lá. Como eu queria esquecer o que havia me acontecido, botei a casa à venda, meu outro filho tomou conta de tudo. Minha alegria durou dois anos, com a fabriqueta.
SAÚDE Tenho um problema na perna que demorei para operar, por causa disso precisei colocar uma prótese em julho do ano passado. Tive muitos problemas. Problema renal, cardíaco, pressão alta, minha pressão é controlada. Ele queria operar o outro, mas eu não concordei. Depois que fiquei boa de um, pensei que seria covardia não operar o outro. Quase não podia andar. Resolvi fazer, mas fiz com outro médico. Muito bom também, não vou dizer que ele foi ruim, ele teve pouca sorte porque dois pontos arrebentaram. Agora não tem mais joelho para operar, acho que estou livre.
ASSISTÊNCIA SOCIAL
Dou assistência nesse Dispensário, distribuímos cerca de 300 pratos de sopa. Ele fica na Rua Martins Ribeiro, no sentido de quem vai para a Faculdade Santa Úrsula, uma rua que vai para o metrô de Botafogo. Dispensário da Irmã Zoé, uma Freira quem fundou. Ela já morreu, mas ficaram os outros que trabalham. Eu trabalho dois dias na costura, costuro para velhos e para os leprosos. Eles têm convênio com o leprosário de Belo Horizonte. Trabalhar nisso me faz um bem enorme. Dia 14, agora, terá nossa festa de encerramento. E, dia 17, eu vou ao almoço da AMBEP. Mas eu queria deixar essa muleta.
LAZER Em meus momentos de lazer, gosto de tocar piano. Preciso tocar um pouco todo dia. Agora, entrei na era do computador. Mas fico fazendo minhas análises, leio muito, tenho uma assinatura de jornal. A tecnologia que dispomos hoje é muito boa, muito oportuna e muito bem vinda, mas quando as pessoas têm consciência do quanto elas afetam as nossas vidas.
AVALIAÇÃO Li um artigo há poucos dias, que dizia: “a classe rica e a classe média estão implorando felicidade para o traficante”. Elas compram drogas porque se sentem felizes? Hoje uma criança que recebe um presente de seu pai relega este ao plano secundário, primeiramente ele idealiza seus ídolos. Por isso, acho que a formação das pessoas é na infância. Se você tem um lar estruturado, um pai equilibrado, uma mãe carinhosa. Não que sejamos contra o divertimento, porque minha filosofia ensinou o seguinte: as coisas boas da vida foram feitas para serem vividas corretamente. Você bebe no almoço, socialmente, muito bem. Bebe sua caninha, sua caipirinha, sua cerveja, seu whisky, porém, não vai se embebedar para brigar na rua, para dirigir um carro e pôr a vida dos outros em perigo. Então, tudo na vida deve ser dosado. Você não é obrigado a ser careta, você pode ser extrovertido, mas é preciso que se tenha uma medida, para que você possa viver bem. Por exemplo, uma passista de escola de samba, que quase sempre está seminua, me pergunto como é que pode, mas é a felicidade dela. Aí é que percebemos como existem vários graus de felicidade.
Vou para um seminário em São Paulo. Em outubro, fui a um em Gramado, que tinha por título: “Gramado, o Grande Seminário da Prosperidade”, passei cinco dias lá. Aprendi muito sobre tecnologia, avanços, mas esses avanços coordenados por uma pessoa de mente equilibrada. Aprendemos que devemos usar tudo, mas com moderação. Não se deve, por exemplo, entrar na Internet para ver mulher pelada ou para roubar a conta dos outros. Você deve achar um meio termo, tudo isso são conceitos. Digo isso porque minha neta adora ir às festas da Mangueira. Vai querer me dizer que é porque o samba da Mangueira é bom? Não tem brigas? Como que não pode ter brigas se lá não tem bons elementos?
NETOS Tenho sete netos. Dois da minha filha de Manaus, dois da Walquiria e três do Antônio. Tenho dois netos nos Estados Unidos, dois homens, um com 26 anos e o outro com 22. Um trabalha na TAM, em Miami, e o outro trabalha na Ericsson do Brasil. O pai vive aqui, estes netos que moram fora são do primeiro matrimônio. E tem um menino do Walter que está em Palmas. Tenho três bisnetos, um já esta com 14 anos, filho da minha neta mais velha, filha da Sônia, de Manaus. Tenho um bisneto que mora em Barcelona. Estive por lá entre 1997 e 1998, fui visitá-lo, quer dizer, fui ver a mãe dele que, na ocasião, estava grávida dele. Só o conheço por retrato. Há pouco tempo, nasceu outro bisneto, filho de uma neta que se casou com um judeu. Estavam apenas esperando o nascimento do menino para irem para Israel. E eu rezava todos os dias para eles não irem. Mania de querer ir para lugar tumultuado, onde tem guerra Acompanho aquela guerra porque acompanho pela Bíblia, pelos ensinamentos, eu vou acompanhando, vejo filmes. Agora estão querendo desmanchar a ONU. E somente agora abordam a questão do efeito estufa, se tivessem feito isso há cinco anos, as coisas não estariam assim. Então, precisamos cuidar da terra, não adianta ficar jogando lixo no ar e no solo, desse jeito a terra fica um lixo e nós vamos viver nesse lixo, com as águas contaminadas?
VIDA ESPIRITUAL O meu sonho é que Deus me ajude a continuar com esta filosofia de vida. Do meu marido, herdei a parte espiritual, isto de acreditar na sobrevivência do espírito. Quando ele morreu, eu conheci o “Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento”. Uma sociedade, com sede em São Paulo, que diz: “você é fruto do seu pensamento, ele educa tua mente e vigia teu coração”. Acho isso lindo. Uma mente educada com coração equilibrado. Muitas vezes, o coração é impulsivo. Quando foi criada Brasília, fui convidada para assistir a inauguração da loja teosófica, pois em cada capital precisa haver um núcleo. Fui e vi dois pastores da Sociedade Teosófica da Índia, por sorte, ficamos no mesmo hotel. Um dos indianos era o secretário geral. Conversamos muito, ficamos dois dias conversando, a loja de Brasília é muito bonita. Ele me perguntou se eu aceitaria responder a uns questionários, disse que sim, se fossem coisas que eu soubesse, responderia. Nos despedimos e ele foi embora. Dois meses depois, recebi um envelope grande, era o questionário. Ele falava sobre vidas passadas, elementos da natureza, quais elementos da natureza eu absorvia, todas essas coisas da mente humana, um pouco mística. Preenchi o questionário e toquei para a Índia, mas esqueci o envelope. Um mês depois, recebi outro envelope que dizia: “responda o que a senhora pensar, como a senhora entender, o problema de sua vida metafísica.” Comecei a procurar nas minhas idéias tudo o que havia aprendido no Círculo, tudo o que eu havia aprendido na Sociedade a qual eu pertencia, tudo o que havia aprendido no espiritismo. Comecei a fazer leituras romanceadas. Quando você não entende muito bem doutrina, lê romances, assim, comecei a ler romance espírita e romance esotérico. Quando mandei o segundo envelope, ele enviou o diploma da Sociedade Teosófica da Índia. Então, eu passei a freqüentar aqui no Rio de Janeiro, fica na Praça Tiradentes.
Em 1992, minha mãe morreu em Manaus e eu estava no Macapá. Fui para o enterro, mas a morte da mamãe foi uma coisa desesperadora. Eu já havia perdido o marido e agora minha mãe, que havia me apoiado no momento mais difícil da minha vida. Por conta da perda da minha mãe, eu estava desesperada e um dia recebi uma revista que dizia assim: “A morte não existe.” Como não existe? Tudo o que eu sabia sobre reencarnação, espírito, sobre vida após a morte. Não acreditava que não veria mais a minha mãe. Não tive dúvidas, peguei um avião no Amapá e fui para São Paulo. Faço as coisas assim, não sei como, mas faço. Lá eu fui entender o que era. Não era uma religião, primeiro ela diz: “Vá a sua religião de origem, não a deixe, mas aprenda a viver e conviver bem.” Ela te ensina que você é aquilo que pensa. Se te dou uma coisa boa, receberei uma boa coisa. A lição é simples. Antigamente, me aborrecia com a empregada por qualquer motivo, hoje não me aborreço por nada. Vejo televisão junto com ela, quero que ela se eduque, que ela aprenda junto comigo. Leio o jornal para ela, apesar de ela saber ler, digo as melhores notícias para ela ler e tudo. Ela é mais velha do que eu. Ontem, eu disse para ela: “Vi um programa ótimo em Fortaleza, a festa do Padre Cícero. Qual é o nome da cidade dele? Juazeiro do Norte.” E mostrei para ela toda aquela reportagem em Juazeiro, as pessoas, as romarias, tudo. Conheço São Francisco do Canindé, porque já fui a uma festa lá. Então, ela perguntou: “A senhora é de Manaus ou de Juazeiro?” Respondi a ela: “Iná, Manaus é no Norte, Juazeiro é a segunda cidade de Fortaleza.” Ela não está muito boa, mas é uma ótima pessoa. Quando estava doente da perna, ela ficava comigo, dormia do meu lado. Quando levantava de noite, ela estava ali de pé, isso não tem dinheiro que pague, a dedicação de uma pessoa. Tenho pena dela, ela tenta adivinhar
o que vou querer comer e beber. Quando dá a hora de tomar meus remédios, ela passa e pergunta: “Já tomou seu remédio? Não vá esquecer.” Tem pessoas que acham que o dinheiro compra tudo, mas não compra. Tenho uma filosofia que diz o seguinte: “dinheiro é importante, mas ele não é determinante”, porque, se fosse, muitas pessoas que tem dinheiro não se matariam. Dinheiro é bom, mas quando você sabe aplicá-lo corretamente.
PROJETO MEMÓRIA PETROBRAS É a primeira vez que sou convidada para um trabalho desses, mas devo confessar que foi muito gratificante, foi muito bom relembrar estes anos que passei nesta Empresa, que constitui a minha vida e a da minha família. A escolaridade dos meus filhos, devo a Petrobras. A Petrobras foi a alavanca da minha vida, foi ela que me levou a constituir tudo o que tenho hoje. Tenho paz, um equilíbrio enorme, segurança e tudo isso devo a Petrobras. Quantos anos eu viver, a Petrobras estará junto comigo, isso é muito importante para a vida de uma pessoa. Imagino que viver sem esperança deva ser muito triste. Então, viver com segurança, sabendo que tem algo que te protege e te ampara, é muito importante. O Serviço Assistencial Médico da Petrobras é uma beleza. Tenho aquele plano completo, eu pago. O grande problema é que, às vezes, as pesoas não querem dispor de dinheiro, mas para se ter alguma coisa é necessário que se disponha. Quando fizeram o plano Vida, eu aderi na mesma hora. Hospital, médico, cirurgia, eu não pago nada, as outras coisas eu pago uma parte. Sou muito feliz e gostaria que todas as pessoas tivessem, em qualquer organização, não somente na Petrobras. Ainda existem empresas confiáveis, como a Vale do Rio Doce, que está uma beleza, além de outras empresas que façam com que acreditemos que o Brasil ainda possa ser o “celeiro do mundo”.Recolher