IDENTIFICAÇÃO Meu nome é Natasha Gomes de Faria. Data de nascimento, 9 de dezembro de 1971, em São Paulo. FAMÍLIA Meus pais são Cláudio Gomes de Faria e Sílvia Sousa de Faria. A família tem uma mistura: na parte de meu pai, italianos; e da mãe, portugueses. Ainda tenho as duas avós vivas (risos). Meus pais sempre foram comerciantes, tiveram diversos comércios desde restaurantes, sorveteria, boate, pizzaria. Meu pai sempre foi uma pessoa com tino comercial, sempre investindo e mudando. Sempre teve essa vontade. Até hoje ele é assim. Como aposentado, vai na feira todos os finais de semana, vender os quadros dele. Hoje ele está aposentado e comercializa trabalhos de pintura que ele mesmo faz. Sempre foi voltado pra isso, para o comércio. Tenho um irmão que trabalha como engenheiro de computação. MIGRAÇÃO Antes de vir para Campinas, nós moramos em Mogi das Cruzes, onde eles tiveram um comércio. Lá eu morei sete anos. De Mogi das Cruzes, nós nos mudamos pra Piracicaba, interior aqui próximo de Campinas. Moramos 13 anos em Piracicaba e depois eu vim pra Campinas quando eu me casei, há oito anos. A família da minha mãe é toda daqui de Campinas. Moram todos aqui. Meu marido mora aqui em Campinas, a família dele é daqui, e a minha família também veio toda. CIDADES / CAMPINAS / SP Pra quem veio do interior, apesar de ter morado muito pouco tempo em São Paulo, Campinas parece uma cidade grande. Veio com aquela idéia de algo novo, de Campinas ser uma cidade promissora. Passava essa impressão, naquela época. Em São Paulo e Mogi das Cruzes, tinha um lado mais urbano, que eu me lembro. Eram cidades mais frias. No interior, nós tínhamos uma vivência mais local. Morávamos próximo ao rio, tinha aqueles passeios a beira rio, a cultura popular era uma coisa muito forte ali em Piracicaba. É até hoje. De conviver com alguns pintores e mestres. Era uma vivência muito, muito bacana. Nós morávamos...
Continuar leituraIDENTIFICAÇÃO Meu nome é Natasha Gomes de Faria. Data de nascimento, 9 de dezembro de 1971, em São Paulo. FAMÍLIA Meus pais são Cláudio Gomes de Faria e Sílvia Sousa de Faria. A família tem uma mistura: na parte de meu pai, italianos; e da mãe, portugueses. Ainda tenho as duas avós vivas (risos). Meus pais sempre foram comerciantes, tiveram diversos comércios desde restaurantes, sorveteria, boate, pizzaria. Meu pai sempre foi uma pessoa com tino comercial, sempre investindo e mudando. Sempre teve essa vontade. Até hoje ele é assim. Como aposentado, vai na feira todos os finais de semana, vender os quadros dele. Hoje ele está aposentado e comercializa trabalhos de pintura que ele mesmo faz. Sempre foi voltado pra isso, para o comércio. Tenho um irmão que trabalha como engenheiro de computação. MIGRAÇÃO Antes de vir para Campinas, nós moramos em Mogi das Cruzes, onde eles tiveram um comércio. Lá eu morei sete anos. De Mogi das Cruzes, nós nos mudamos pra Piracicaba, interior aqui próximo de Campinas. Moramos 13 anos em Piracicaba e depois eu vim pra Campinas quando eu me casei, há oito anos. A família da minha mãe é toda daqui de Campinas. Moram todos aqui. Meu marido mora aqui em Campinas, a família dele é daqui, e a minha família também veio toda. CIDADES / CAMPINAS / SP Pra quem veio do interior, apesar de ter morado muito pouco tempo em São Paulo, Campinas parece uma cidade grande. Veio com aquela idéia de algo novo, de Campinas ser uma cidade promissora. Passava essa impressão, naquela época. Em São Paulo e Mogi das Cruzes, tinha um lado mais urbano, que eu me lembro. Eram cidades mais frias. No interior, nós tínhamos uma vivência mais local. Morávamos próximo ao rio, tinha aqueles passeios a beira rio, a cultura popular era uma coisa muito forte ali em Piracicaba. É até hoje. De conviver com alguns pintores e mestres. Era uma vivência muito, muito bacana. Nós morávamos próximos disso, dessa efervescência toda que existia ali. E Campinas, nós moramos no distrito que é Joaquim Egídio, um distrito de Campinas que tem toda característica rural. Ele preserva essas características de comunidade rural ainda, tem muita fazenda. Parece que nós vivemos em uma cidadezinha de interior, bucólica, pacata, tem toda característica de uma cidade de interior, mas é Campinas. INFÂNCIA Eu lembro do brinquedo que eu mais gostava que era boneca de papel (risos). É engraçado isso. Eu tenho até hoje as bonecas de papel. Eu dei pra Vitória, minha filha. Não eram brinquedos, nada Eu tinha e guardo até hoje essas bonequinhas de papel numa pastinha. Muitas e muitas. Eu passava horas, horas, pondo roupinha, tirando. Isso não existe mais, hoje em dia, não se vê. E é engraçado que hoje eu faço bonecas de papel, essa é minha profissão. Cidade do interior sempre tem amigos, sempre tem gente em casa, sempre foi uma vivência e é até hoje. Nossa casa sempre era freqüentada por muita gente. É uma casa de portas abertas, está sempre aberta pra todos, as portas são literalmente abertas. Desde aquela época sempre muitos amigos, sempre muita gente em casa, isso é uma característica nossa. Tem muitos amigos, que eu não sei nem de que forma traduzir isso em número de pessoas. Até essa coisa do ateliê, hoje, do espaço nosso. Ele fica aberto ali direto. A gente fecha a porta que é o ateliê dentro da casa, dez horas da noite. Tem hora que está chegando gente, que senta, que almoça. Você não faz comida pra um, sempre está chegando alguém novo, ou uma pessoa da comunidade ou um vizinho ou alguém ou uma criança. Chega gente pedindo pra fazer lição: "Olha, me ajuda aqui." E assim vai, o dia todo. (risos) COTIDIANO Lembro que nós íamos fazer compras em supermercado. Já era em supermercado. Não ia pra São Paulo, comprava mesmo localmente, ali em Piracicaba. Nós sempre ficávamos mais ali. Criou-se uma nova vida ali. Viajava de vez em quando. Às vezes, meu pai ia, lembro, a São Paulo pra cortar o cabelo, alguns vínculos que ele tinha ali onde morava. Mas como a família toda era - da minha mãe - em Campinas, acho que São Paulo foi mais uma passagem na nossa vida. FORMAÇÃO No jardim-de-infância, lembro de uma escola que era lá em Mogi das Cruzes e eu gostava muito. Tenho memórias dos brinquedos, do jardim, de um lugar muito bonito que chamava NEC, Núcleo de Educação e Cultura Estância dos Reis. Engraçado, que são registros que vêm dessa infância, de uma ligação com a arte já quando pequenininha. Teve a Esplacidina, que foi uma escola muito legal, uma escola estadual lá de Mogi da Cruzes. E Piracicaba, que tem toda essa história do colegial, da Unimep, Universidade Metodista de Piracicaba, que cheguei a cursar alguns meses da universidade de Arquitetura, em Santa Bárbara, que foi bacana, foi legal. São vivências. Minha formação toda foi voltada para algo mais independente disso. Eu não sei se foi por esse perfil do comércio, de ter uma família de artesões, que eu percebi várias, várias pessoas, que trabalham com arte, com o artesanato dentro da família. Não tinha essa expectativa, de uma formação, digo, universitária, profissional. Tive várias oportunidades, eu acabei caminhando sempre para o lado artístico. Até me formei em prótese odontológica, trabalhei cinco anos com isso, mas chegou uma hora que eu parei, falei: "Não, vou viver de arte, vou viver de papel machê.” O comércio, sinto, vem dessa trajetória junto com meu pai, sinto isso muito forte, sempre estou lembrando e vendo, pelo meu jeito de falar: "Não, vamos fazer isso, aquilo e aqui vai funcionar assim." Mesmo a loja, o espaço todo, eu acho que vem muito dele, dessa força que ele tem, do jeito do comércio, de abrir, de chamar, de vender. JUVENTUDE Nós tínhamos o teatro, cinema, que mais? Em Piracicaba, aqueles bailes de época, nós dançávamos. Já tinha umas boatinhas na época, que nós íamos. Tinha vários amigos, que são até hoje os grandes amigos, que são daquela época. Até esses dias, nós tivemos a possibilidade de reencontrar alguns. Diversão naquela época eram os bailes, as festas dançantes, já começava a boate, um outro universo. TRANSPORTE Eu andava de trem com minha avó. Ela nos levava pra passear de trem quando éramos pequenos, era uma coisa marcante. Ela ia nos buscar pra andar de trem, era aquela euforia toda, eu e meu irmão: “Vamos passear de trem." Ela se deslocava de uma cidade pra outra só pra buscar os netos pra passear de trem. É maravilhosa essa lembrança de andar de trem. Não lembro do trem. Só lembro que era muito divertido, era muito especial, esse momento de sair com a avó, as inúmeras vezes que fomos. TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Teve um concurso em Piracicaba que era o Humor no Comércio. E, naquela época, comecei fazendo papel machê. Tem uns 13, 12 anos atrás. Eu decorava algumas vitrines. Fui convidada pra fazer algumas vitrines com esse trabalho. Usava sucata, papelão. Eu ganhei um prêmio, me lembro que era o Humor no Comércio, que era ligado ao Salão de Humor de Piracicaba. Eu fiz uma vitrine, tudo com caricaturas. Comecei para essa loja, que é uma loja de roupa infantil lá de Piracicaba, a confeccionar alguns adereços de papel machê. Ela ia lançar uma coleção, eu reproduzia em papel machê, bichinhos, bonecos, máscaras, que eram da vitrine, que eram as crianças. Eu fazia máscaras de criança pra sair na vitrine. Eu fazia, a cada lançamento, uma vitrine diferente e deu super certo, foi indo. Comecei a comercializar e até hoje ainda faço coisas pra essa loja. A partir disso, comecei a trabalhar com papel machê. Ainda fazia prótese odontológica, nessa época. Um dia falei: "Não, cansei desse laboratório, não quero isso, preciso ter uma coisa a mais. Eu vou viver desse trabalho do papel machê, comercializar isso e vou viver disso." Foi uma decisão forte, tomada mesmo como: “Vou viver disso.” E estou aí até hoje. Já tem 12, 13 anos que eu vivo do papel machê. Na mudança pra Campinas, eu morava em um sítio, comercializava o papel machê. Quando eu mudei pra essa casa que eu estou atualmente, nós abrimos essa loja, onde comercializo tudo que eu faço. OFICINAS DE PAPEL MACHÊ Tem as oficinas de papel machê. Tenho um trabalho voltado também para a comunidade local, eu recebo a creche, a escola. O trabalho com o Carnaval, que é feita a construção de bonecos. Na verdade, desde que eu me mudei pra Joaquim Egídio, teve esse foco com o trabalho comunitário. Carnaval já existe há seis anos lá, é uma tentativa de inserir, dentro do comércio, a comunidade local. É fazer com que eles possam trabalhar com geração de renda. É um trabalho que ainda está em construção porque é algo difícil, implementar isso, mas tem tido frutos muito legais. Tem pessoas que passam por ali diariamente, que estão sendo inseridas num trabalho com os brinquedos, produzindo brinquedos para serem vendidos dentro da loja. O trabalho com o papel machê tornou-se uma coisa tão ampla que eu não dou conta de fazer tudo. Estou tentando focar isso pras pessoas que tenham necessidade, de geração de renda ou outra que não seja só renda, mais pessoal, de valorização. As pessoas que trabalham lá têm um perfil... A dona Helena, que trabalha comigo, é uma senhora já de idade, que não consegue trabalhar num trabalho forte, braçal. Ela trabalha no papel machê. Todo mundo que está envolvido ali tem um porquê, um sentido, que não seja só o funcional, de trabalho. E nós acabamos de ser reconhecidos, a loja, como um espaço, como um ponto de cultura pelo Governo Federal, onde nós passamos a receber uma verba para estar trabalhando, dando continuidade a esse trabalho com a comunidade. Coisa que nós não tínhamos antes, receber uma verba para trabalhar com uma creche, com as escolas. Foi um trabalho que começou autonomamente. PRODUTOS Todo o foco do ateliê é a cultura popular. Sempre, quando nós vamos construir uma peça, querendo ou não, acaba saindo isso de uma forma natural. Tem gente que fala: "Ah, seu trabalho lembra Minas, lembra Nordeste." Mas eu acho que tem uma mistura de tudo, de todas as regiões, que tem um pouco da cara do Brasil. Isso vem de acordo com a pesquisa, da convivência com os mestres, o ateliê e o teatro. Além de vender os produtos, recebemos os mestres da cultura popular que ficam ali, tanto da Folia de Reis, tanto do mamulengo. A idéia é ter essa formação de um público para estar trabalhando com a arte, não só o vender, o comércio, mas que nas pessoas vá se formando uma consciência do que é a cultura brasileira. Junto do ateliê tem o teatro de bonecos de mamulengo, que é o primeiro teatro de bonecos do Estado de São Paulo, e recebe pessoas durante os finais de semana com apresentações. Todo o trabalho da loja em si, dentro desse teatro, tem um espaço só de brinquedos, brinquedos populares construídos com sucata, com papel machê. Os bonecos do teatro também, os quadros, tudo que tem ali é feito a partir de sucata e papel machê. As pessoas que estão envolvidas acabam trazendo. A própria comunidade: "Oh, achei isso, uma caixa legal.” Tem caixas de ovo: “Olha, trouxe da escola." O projeto que está sendo construído, eu sinto que está fortificando cada vez mais. A loja e o comércio mantém esse sonho. Por isso chama Inventor de Sonhos. Esse sonho de ver esse espaço sendo construído não só com nossas mãos, mas como um todo, com todo mundo junto. As crianças brincando com o boneco, as mães vendendo boneco. Nós estamos construindo agora uma cozinha comunitária no fundo do ateliê que sai na praça, que é para comunidade quando tiver eventos, espetáculos de teatro, poder estar vendendo. Isso fora do enfoque do ateliê. Dentro do ateliê, mas para comunidade. Lá no ateliê tem um café e nós estamos montando um que sai, o fundo dele sai na praça, pra quando faz eventos na praça. Nós estamos construindo nesse final de semana, tem um forno e um fogão de barro, pra eles poderem produzir, quem quiser. Eles vão discutir ali o que vai ser feito com esse café, com essa cozinha. Hoje o Inventor de Sonhos é uma associação cultural. Não é só a Natasha em si, ela envolve uma série de coisas, pessoas. Eu estou ali como um instrumento disso para tentar, trazendo as pessoas, congregando as pessoas. O teatro de mamulengo é um teatro que existe há 400 anos no Brasil e que o Sul e Sudeste não conhecem. Eu acho que é um marco pra Campinas, esse teatro de Joaquim Egídio. Esse ateliê também, essa referência de um ateliê onde tudo é 100% artesanal. Hoje, nós vemos tudo muito industrializado. É uma loja que comercializa trabalhos que são 100% artesanal, feito pelas mãos de artesão. FAMÍLIA Eu conheci o Sebastian em um evento que teve, numa oficina de bonecos, até, que ele estava dando, fazendo no Sesc (risos), em Piracicaba. Eu falei: "Nossa, eu vou fazer esse curso, vou lá." Nós nos apaixonamos. Eu já fazia papel machê e ele estava dando uma oficina, falando dos mamulengos e dando oficinas de bonecos. Três meses, eu já estava vindo embora pra Campinas. Foi uma sucessão muito legal porque ele tinha esse trabalho com o teatro, com os bonecos, e eu com o papel machê. Foi essa junção, a loja e o teatro, e essa riqueza toda que associou os dois valores. E isso acabou criando a loja Inventores de Sonhos. Não temos filhos juntos. A Vitória é de outro casamento, anterior ao Sebastian. A Vitória nasceu em 84, em Piracicaba. O pai dela chama Mauro. É um relacionamento muito legal, muito rico, uma filha maravilhosa, uma criança muito especial, está sempre junto, participa dos espetáculos. Tem 11 anos de idade, acabou de fazer 11. Já viaja conosco, participa, está sempre junto pra onde nós vamos, está tocando, o espetáculo, apresenta. Ela toca acordeão. E está ali, o tempo todo conosco. Super parceira dessa construção nossa. Acho que faz parte disso também. Desse sonho. E vive isso, muito inteiramente conosco. FUNCIONÁRIOS Hoje tem duas pessoas no ateliê, mais um que trabalha no teatro. A dona Helena ajuda em toda preparação da massa, está comigo há uns cinco anos, desde que eu mudei para Joaquim Egídio. Ela faz os produtos, uma boa parte do trabalho com a massa do papel machê, o preparo da massa. É ela que faz. Essa senhora mora em Sousas. Tem a Silvana, que é outra colaboradora dali da região. Tem a Tânia, que é outra moça que colabora também conosco. Tem o Lucas, que acabou de ser contratado, que está trabalhando na parte de escritório. E alguns outros agregados que vão passando. O Sérgio, que trabalha toda construção nossa, o que nós vamos fazer, está junto, desde levantar o teatro, é um marceneiro que é contratado lá. Até, atualmente, ele está lá ajudando em vários itens ali do café que estamos montando junto com o teatro e com a loja. Uma média de cinco pessoas. Tem a costureira nossa, que está sempre ali, todo mês trabalha conosco na casa dela, mas está envolvida mensalmente nos projetos. Costura as roupas dos bonecos, mesmo nas oficinas, tem que costurar roupinha, ela está sempre, a Irene. Percebe que já envolve muitas pessoas e alguns outros que vão fazendo coisas em casa e trazem. Seu Aparecido, que é um senhor da comunidade local, que está produzindo brinquedos populares com sucata, de madeira, que é um trabalho riquíssimo, que estava totalmente perdido em Joaquim Egídio. Eu descobri até há pouco tempo, passando em frente da casa dele. E ele está trazendo, produzindo, vendendo uns brinquedos super legais dentro da loja. CLIENTES Os meus clientes são pessoas que tem certa relação cultural, uma relação com a arte, que conseguem distinguir que trabalho é esse, qual o significado disso. É um público muito específico, que curte, que gosta, que compreende, que valoriza esse trabalho artesanal, a arte popular brasileira. Eu acho que hoje em dia, é uma certa dificuldade, nós estamos sempre trabalhando com a formação de público porque não é comum você ter a loja, manter um ateliê, ou seja, um teatro de bonecos em um comércio onde tudo é 100% industrializado. Nós estamos trabalhando essa formação de público diferenciado. É um público diferenciado que freqüenta ali. Bastante gente de São Paulo, de fora. Porque o ateliê hoje é uma referência do distrito. Percebo que vem gente, pessoas de fora, só pra visitar o espaço. É um ponto turístico, vamos dizer assim, do local, do distrito. Eu acho que já mudou muito, não só na demanda local, na inserção do trabalho ali. De quando foi e como é hoje, a aceitação. Eu acho que foi construindo esse valor, já foi formando um público, as pessoas já gostam, já estão procurando esse tipo de trabalho. E a inserção dos bonecos em Joaquim Egídio, essa coisa de virar uma referência local, através das atividades que são feitas ali. As pessoas estão buscando isso. Houve uma transformação sim, elas já sabem, muitos já vão ali sabendo o que é: "Ah, eu quero isso, aqui que tem boneco, aqui tem teatro. Aqui vende boneco. Aqui vende o espetáculo.” Vem assistir, leva um boneco. Muitos já vão lá sabendo o que estão buscando. Isso é uma mudança que está vindo agora e vai vir cada vez mais, mas é o trabalho da transformação da cultura popular como algo inserido dentro desse contexto, que é uma sementinha que está sendo plantada há anos e anos. Um olhar para isso: "Olha, tem aqui, tem artistas, tem isso e isso.” “Olha, a arte do Nordeste está aqui." Porque o mamulengo é uma arte específica da região do Nordeste, não está no Sul e Sudeste. Uma formação do público no sentido do desconhecido porque isso não chega pra nós aqui. Não tem acesso. Os clientes compram pra decoração, compram pra presentear bastante, principalmente pra estrangeiros, pra fora. Tem peças, no mundo inteiro, de pessoas que passam por ali. As pessoas vão: "Olha, quero um presente diferente." Vai ao ateliê porque sabe que ali tem algo com a cara do Brasil. Tem peça em Milão, Turquia, Roma, Itália, Japão. Eles passam por ali exatamente pra isso, vão buscar ali esse trabalho. Eu percebo uma fidelidade nos meus clientes. Percebo sim. As pessoas que vem, que vão, que voltam. Estão sempre ali, abraçam isso tudo. FUNCIONAMENTO O ateliê é na minha casa. Nós funcionamos no horário comercial. Nós dormimos em um lugar afastado da casa, atrás, mas a cozinha, que é o centro ali, serve ao ateliê e a casa, por enquanto. Nosso horário, na verdade, eu falo que eu não moro na minha casa, eu moro no ateliê (risos) - é muito engraçado porque isso acaba se misturando de tal forma, que virou uma coisa natural. As portas estão abertas porque de manhã nós acordamos pra abrir a loja, eu acordo e já estou dentro de minha casa, da loja. A produção toda fica ali e essa porta fica aberta, no horário comercial com certeza, e, além disso, sábados e domingos, com apresentação de teatro e a loja também funcionando. CULTURA POPULAR Nós temos festas que promovemos dentro da nossa programação. Por exemplo, o carnaval de bonecos gigantes. Nós produzimos bonecos durante três meses antes. O que é a idéia inicial? A comunidade estar produzindo esses bonecos e vendendo na loja, mas ainda não estão comercializando não. Ainda estamos nesse processo deles estarem fazendo e formando. É essa transformação deles estarem vendendo, produzindo e enxergando o ateliê como uma oportunidade não só nossa, mas deles estarem gerando renda. Uma coisa que nós priorizamos muito é ter esse contato com os mestres de fora e trazê-los e muitas vezes isso custa; nós gastamos e tentamos trazer o máximo que podemos, dentro da medida do possível. Sempre nós bancamos. Temos semana que vem um encontro de teatro popular de mamulengo. Até agora com pouquíssimo apoio. Eles vão ficar lá em casa, hospedados no ateliê, e é uma forma de... Vai fazendo na raça pra poder ter os mestres ali, pra poder haver essa troca. Exatamente isso, o foco. Eles vão ter apresentações aqui em Campinas e nós temos algumas discussões, encontros com os mestres. Porque não adianta falar de cultura popular se você não estiver do lado do velhinho, do mestre, das pessoas que têm o conhecimento todo, e a leitura deles pra trazer, pra ajudar, pra trocar conosco. E a partir disso, você dá continuidade a uma história porque é aquilo que vem também, mas é importante ter toda essa... E também não é estar com eles, é buscar caminho junto com eles. Isso que tentamos priorizar. Tem os encontros da Folia de Reis, as festas populares, que era uma tradição que estamos tentando trazer de novo pra lá. Já tem uns três anos que tem tido esse encontro de bandeiras e isso, a cultura popular, também não é uma coisa de folclore. A cultura popular está aqui, está no dia-a-dia, está quando nós abrimos a porta da rua e olhamos nosso vizinho. Ela é esse todo. E isso não de uma região específica ou de um lugar. Ela é o nosso dia-a-dia. Isso é uma inspiração. Que a pessoa vivencie isso, aprenda, aprenda com os mestres, vá buscar e contribua para o movimento da cultura popular, porque não é isso: "Vou comprar um boneco e pôr lá na festa. Vou comprar um bumba-meu-boi e sair com o boi porque acho bonito o boi e acho legal o bumba-meu-boi e eu não sei nem o que é boi." Nós tentamos passar essa formação de público nesse sentido: o que é isso? Diferente do trabalho da loja. Estamos falando de duas coisas. Uma é vender o produto. Isso daí tem os produtos que não são utilizados nas festas. Não existem pessoas de outras festas que vem comprar, porque a maioria dos grupos produz o seu trabalho. As pessoas dos grupos produzem seus bonecos, normalmente. É o costume. Cada um produzir o seu, como nós, que confeccionamos os bonecos com a nossa leitura, com a nossa linguagem. Cada um tem uma linguagem diferente. Essa linguagem com papel machê, mesmo os bonecos gigantes do carnaval, as pessoas falam: "Ah, parece Olinda" Eu nunca vi o carnaval de Olinda, eu nunca fui pra Olinda, eu não sei como são. Quer dizer, hoje até já sei porque vi um dia em um evento de cultura popular em Brasília como eles confeccionam os bonecos, que não tem nada a ver com essa linguagem que eu faço ali, que foi uma adaptação nossa, com sucata, com o que eu tinha a mão. Construiu-se uma técnica de bonecos gigantes diferente da tradicional, que é Olinda, bárbaro, legal. E nós criamos uma linguagem diferente de boneco. De Joaquim Egídio. Localmente. O que eu acho legal, essa coisa da transformação. Eu vejo assim, o papel machê, pra mim, ele tem essa metáfora da transformação. Quando se fala do lixo, da reciclagem, parece: "É uma coisa de modismo, que virou um modismo e banalizou-se isso." Que eu acho extremamente importante. Se fala tanto nisso que acaba virando... Parece que se está fazendo isso por um modismo, mas não é. Eu acho que é importante, nós estamos focando sempre... O consumo hoje é uma coisa absurda e esse bando de lixo que está aí. E o papel machê é uma técnica muito antiga, muito antiga, que hoje, parece contemporânea, que se associa o tempo todo com o uso da reciclagem dos materiais. Ela é popular por si só, já nisso, porque é barata, porque é uma técnica simples. Com ela você produz. No ateliê tem brinquedos, tem objetos utilitários, tem bonecos que são decorativos, tem bonecos de mamulengo pra brincar, quadros. Infinitos produtos com isso. Por isso que eu acho muito lindo. E essa transformação, você olhar o lixo, olhar a sucata, de um pedaço de papel, isso que está na sua mão, de repente, vira um boneco todo colorido, toda uma história depois que fica. Os bonecos vão e levam uma história e vão dar uma continuidade pra isso. REGISTRO Até então, nós não tínhamos recursos para isso. Agora, com esse projeto, nós estamos recebendo na semana que vem, que era algo que nós nos preocupávamos muito, uma câmera digital de boa qualidade, uma filmadora, uma mini-ilha de edição. Tudo o que nós produzirmos daqui pra frente vai ser registrado, inclusive, as oficinas com as crianças, com a creche, com as escolas. Muitas coisas. O encontro de mamulengos, nós vamos registrar. Carnavais tiveram vários que nós não conseguimos registrar por falta de recurso mesmo. Começou o carnaval, a construção dos bonecos, pedindo farinha, o pessoal: "O que é isso? Os bonecos aqui, que estranho" Agora a comunidade vai, começa a chegar perto: "Vai ter carnaval?" É um dos eventos mais importantes pra eles. Eles ficam, passam o ano esperando o carnaval chegar pra sair com os bonecos, pra ver o bloco descer na rua do distrito. Então não tínhamos esse recurso antes. E estamos tentando e vai chegar agora esse equipamento pra podermos estar registrando. Que são reconhecimentos do trabalho. Bacana poder, daqui pra frente, uma preocupação que nós sempre tivemos, mas que, a partir de agora, vai estar documentado, registrado. (risos) ORGANIZAÇÃO As peças são extremamente coloridas. E são muitas peças e tudo muito colorido, eu tenho um ritual diário, que se eu não fizer isso, parece que fica faltando alguma coisa. De manhã, quando eu abro, eu gosto de fazer isso, nem sempre eu posso, e quando eu vejo que alguém - é engraçado isso - vai lá e faz, fica faltando porque é um toque. Cada boneco, eu gosto de arrumar de um jeito, de colocar de uma forma, porque cada um está em um lugar especial. Esse aqui está nesse local... Pensado mesmo, se é um lugar de destaque, essa peça está bacana, vou colocar essa aqui. Os quadros. Ali eu perco horas arrumando o espaço todo, porque muitos bonecos são pra fora, para o lado externo da loja, que tem um terraço, eles ficam na vitrine, tem uma vitrine fora. Tem que recolher e colocá-los todo dia. É meio que criar umas cenas com eles. É muito interessante. Não gosto de vê-los de uma forma que não está legal, arrumado, ou alguém foi lá, mexeu. Como se eles conversassem conosco o tempo todo. Tem todo um cuidado sim, com a arrumação, com a limpeza. Desde encerar, de limpar, de deixar o espaço aconchegante, gostoso pra receber as pessoas. Pra poder ver os bonecos, sentar, tomar um café, tem toda essa característica de galeria, de sentar, de bater um papo também, de escolher. Tem que estar bem arrumadinho. Acho que a casa tem tudo a ver com o espaço, com o ateliê. A escolha dessa casa foi pensada e veio como um casamento perfeito porque é uma casa antiga, tradicional, de Joaquim Egídio, uma casinha de colono, que tem característica de ateliê, de chão de cimento queimado, as paredes são de barro. É uma casa que combina com o espaço, com o ateliê. Foi uma escolha, acho que de um casamento perfeito. Tem tudo a ver, tudo combina com o trabalho. Eu sempre namorei essa casa. Eu passava, olhava, falava: "Ai, essa casa" Ela ficava toda escondidinha, era até de um amigo nosso, que morava lá. E aí, um dia, eu falei: "Você não quer vender essa casa, não quer vender, vender, vender?" Ele acabou vendendo pra mim. Eu consegui comprar essa casa que eu adoro. Uma casa que tem toda uma história de moradores, de um casal que viveu, super bonita. Uma casa bem antiga mesmo. Que preserva suas características naturais, de Joaquim Egídio. É uma das poucas que ainda tem toda a arquitetura como era. Nós só pintamos. ABORDAGEM Os dias que eu estou lá, que são os dias mais fortes de público, embora fique aberto de segunda a segunda, são os sábados e os domingos, que tem um turismo. Isso é um perfil também de lá, é o turismo nos finais de semana. É o acolher, é o conversar, é mostrar o que é. Eu vou passando, vou abordando as pessoas. Mostrando o que é o trabalho, que tem um teatro. Senão, a pessoa vai estar ali, não vai compreender o que é esse universo que nós temos ali. Eu mostro os brinquedos, tem que ir até a parte de brinquedos, tudo é separado por alguns itens. Vai até o teatro, eu mostro onde é o teatro. Aqui tem as obras de papel machê, tem as esculturas. A pessoa circula pela loja, que são duas casas: a casa do teatro, nós alugamos para o teatro; e tem a nossa casa, é casa geminada. Só derrubou uma parte e ampliou para o teatro. É circular, é mostrar pras pessoas. Cada um tem interesse em alguma coisa. Às vezes, tem uma oficina, um espetáculo pra apresentar fora, ou um boneco, ou um quadro. Cada público tem uma demanda diferente. Vou sentindo, conversando, mas acho esse acolhimento gostoso, de sentar. Muitas vezes, tem gente que passa lá, almoça, fica lá, toma café (risos). Tem isso também (risos). FORMAS DE PAGAMENTO Nós dividimos em três vezes no cheque. E desconto à vista. Não tem inadimplência. É raro. Por isso que são pessoas muito especiais. Isso é uma coisa engraçada. A inadimplência é quase mínima. Não dá nem pra considerar de tão pouco. Porque as pessoas que vão, já vão sabendo o que querem e há um respeito ao trabalho, à arte, por isso é difícil ocorrer isso. PROMOÇÕES Os preços que nós vendemos já são bem mais baratos do que você comprar em outro lugar, que é direto de quem produz. O preço que eu vendo na loja, eu vendo pra outras lojas. Normalmente, quando alguma loja compra, eu vendo pelo mesmo preço, 100% em cima. É um preço legal porque só eu estou aqui na região de Campinas. É um preço bem legal do papel machê, a produção dele, as peças. É legal você comprar direto de quem produz, conseqüentemente, você vai acabar comprando por um preço melhor. Mais barato. Do que passar na mão de várias e várias pessoas, claro que o produto acaba ficando mais caro. DESAFIOS O maior desafio é manter esse comércio com esse diferencial todo. É fazer com que isso seja forte, firme, se solidifique, vire a referência que já é hoje, esse reconhecimento. E esse comércio estar ali cada vez mais forte. É um grande desafio trabalhar com cultura, isso é um grande desafio. Trabalhando com isso. Mantendo, vendendo, vivendo, mas mantendo sempre essa postura ética, postura de respeito. Isso com todo mundo. Isso seu Zé, o vizinho, a dona Maria, todo mundo que está ao redor disso. Porque o artista é isso. Ele não vende só um produto, ele vende uma história, ele vende uma transformação, ele vende o todo. Não é apenas uma peça. Eu acho que não. É uma construção de vida. Cada peça faz parte disso. O grande desafio é esse, manter isso. É um desafio e uma grande vitória hoje. Eu vejo o Inventor de Sonhos como algo já solidificando, que faz parte de Campinas, já é uma referência de loja, de espaço cultural, de teatro em Joaquim Egídio. SEGREDOS DO COMÉRCIO Garra, persistência, humildade acima de tudo. Sempre muita humildade e muita garra. Trabalhar de segunda a segunda. Muitas vezes, nós estamos lá encerando a casa às dez horas da noite pra receber, no sábado, sexta-feira, eu e meu marido, todo mundo. "É mutirão, gente, vamos lá" É todo mundo porque não dá, a produção é lenta, o trabalho é 100% artesanal, é demorado. E tem bastante coisa, o ateliê é bem diversificado de peças, mas é uma produção que demanda muito tempo, muita dedicação. COMÉRCIO DE CAMPINAS Eu acho que é uma cidade maravilhosa que tem tudo do ponto de vista do comércio. Tem essa coisa mais contemporânea, mas tem as tradições, é muito bacana, de comércio. Alguns que vão estar citados no livro, é muito lindo. E Joaquim Egídio, eu acho que é uma jóia preciosa que tem dentro de Campinas. É uma preciosidade, é um lugar muito bonito que precisa ser preservado, que precisa ser trabalhado com esse olhar de preservação, de cuidado pra que ele se mantenha sempre ali, não vire só um local de turismo, de recreação. Campinas precisa abraçá-lo como um lugar turístico, mas de forma consciente porque é um lugar muito especial. Tanto quanto Campinas, mas ele tem sua peculiaridade toda, Joaquim Egídio. COMÉRCIO DE JOAQUIM EGÍDIO Isso é algo que, por conseqüência natural, foi acontecendo ali, de anos e anos, de moradores antigos que abriram restaurantes, pela beleza do lugar, foi atraindo pessoas. E hoje tem um número enorme de restaurantes, que é um turismo focado para a gastronomia. Em Joaquim Egídio, não tem muita loja de artesanato, acho que tem umas duas ou três, duas lojas que vendem. Tem a dona Lourdes, bordadeira, tem outra loja na frente, dentro de um restaurante. Agora, com esse turismo, eles estão ampliando esse olhar. Como fazer um turismo consciente porque é um lugar pra ser trabalhado, muito, tem tudo pra ser geração de renda pra todos, pra Campinas, enfim, em todos os sentidos. Pra atrair um turismo de fora pra Campinas em si. Mas isso agora está sendo mais bem trabalhado, mais bem colocado. Uma tentativa. Não exatamente uma coisa pronta. Porque sempre ficou focado na gastronomia, nos restaurantes. Agora está introduzindo algumas feiras na região ali de Joaquim Egídio. Tentar fazer essa efervescência cultural mais forte. Pra atrair o turismo, que não adianta só ter restaurante, tem que ter um todo. E ele é típico turístico, o local. Só que precisa ainda de trabalho, de investimento nessa área. Joaquim precisa de investimento no turismo em vários sentidos, em divulgação, publicações, unir os artistas, os artesões. Ainda tem que fazer um trabalho efetivo de turismo. Está tendo esse olhar pra isso, vai haver essa mudança, sinto que sim. Ele é promissor nesse sentido, para o comércio, ele é um local que muita coisa vai vir pra acontecer e solidificar ali. LIÇÕES DO COMÉRCIO Uma coisa que eu tenho do comércio é essa busca, essa vontade, o contato com as pessoas, a relação, as portas abertas, e estar enxergando sempre além, algo novo, que está por vir. Estamos ali: "Ah, tem a loja, tem o teatro." "Mas não, tem que fazer um café." "Não, tem que fazer um almoço." "Vamos fazer." Eu acho que essa coisa do comerciante, do comércio é muito legal. Você está sempre melhorando, progredindo naquilo que você tem pra oferecer pras pessoas, do melhor. O que nós vamos oferecer de bom, de novo, enquanto comércio, enquanto produto? Eu acho isso legal, esse desafio. Enriquecedor. MEMÓRIAS DO COMÉRCIO DE CAMPINAS Eu achei muito legal. Sinto-me honrada de participar desse trabalho, feliz. (risos) Acho que é um reconhecimento a esse trabalho todo também.
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