Nome do projeto: Memorial do Trabalhador
Realização Instituto Museu da Pessoa
Entrevista de: Onorina Sardes Pinto
Entrevistado por: Claudia Leonor
Foz do Iguaçu, 28 de agosto de 2002
Código do depoimento: ITA_CB014
Transcrito por: Elisabete Barguth
P1 – Bom, vou pedir de novo pra você dize...Continuar leitura
Nome do projeto: Memorial do Trabalhador
Realização Instituto Museu da Pessoa
Entrevista de: Onorina Sardes Pinto
Entrevistado por: Claudia Leonor
Foz do Iguaçu, 28 de agosto de 2002
Código do depoimento: ITA_CB014
Transcrito por: Elisabete Barguth
P1 – Bom, vou pedir de novo pra você dizer o seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Onorina Sardes Pinto, nascida em Pinheiros no Maranhão, no dia 30 de setembro de 1938.
P1 – E o nome dos seus pais?
R – O nome do meu pai é José do Patrocínio Araújo Ribeiro, já falecido e da minha mãe é Isabel Sardes.
P1 – E o seu pai trabalhava com o que?
R – Com gado, fazendeiro, pequeno fazendeiro. Roça, gado essas coisas.
P1 – E você morou na fazenda quando você era criança, como é que era?
R – Morei, fui criada lá na fazenda buscando água na cabeça longe, né, com aqueles potes de rodilha, pegando lenha no mato, cuidando de crianças, dos irmãos mais novos, cozinhando, tirando leite de vaca no curral de manhã cedo, de madrugada porque a vida na fazenda começa muito cedo, né, cedo da matina e cedo de idade, então com 10 anos já, lavando roupa, passava o dia inteiro no poço lavando roupa e na época de escola, isso era nas férias, na época de escola eu vinha pra Pinheiros na casa da minha avó pra estudar e nas férias ia pra fazenda pra trabalhar.
P1 – E era perto a fazenda da...
R – Hoje é perto, hoje vai-se de carro... (PAUSA) Hoje de carro vai-se 20, 30 minutos, né, naquela época que eu era pequena com 10 anos ia-se de cavalo, normalmente o meu pai montava na frente do cavalo e a gente ia na garupa do cavalo na parte traseira e ficava-se 8, 10 horas na estrada era longe na época, hoje não hoje o mundo tá pequeno e assim foi a minha infância pouca boneca, pouco brinquedo e muito trabalho.
P1 – Certo, e aí você foi fazer enfermagem, como é que foi isso?
R – E aí quando eu terminei o primeiro e segundo grau na minha terra era muito atrasado, quer dizer, continua hoje, mas naquela época era tudo muito distante e eu pertencia a igreja Batista, religiosa onde trabalhava os missionários americanos. E eu como pobre da roça eu não tinha como ir pra um colégio em São Luiz que é a capital do Maranhão, isso era um sonho impossível os ricos que iam pra corte, os pobres tinham que ficar lá mesmo e esses missionários me arrumaram, me indicaram, me orientaram a vir pra Anápolis em Goiás que tinha uma escola de enfermagem de missionários ingleses que era a escola de enfermagem Flora Night Girl, anexa ao hospital evangélico Goian isso era um sonho quase impossível porque naquela época a gente voava de DC3 e o DC3 saía de São Luiz eu acho que dormia em Carolina e aí no outro dia que a gente voava pra Anápolis, né, então uma viagem que a gente faz hoje em 1 hora e meia você ficava na época dois dias voando de DC3 baixinho aquela coisa. E eu fui pra escola de enfermagem e fiquei lá os 3 anos e depois eu sai pro Brasil, já sai empregada que eu era bolsista do Ministério da Saúde ingressei direto na Fundação Serviço Especial de Saúde Pública e fui trabalhar no sul do Maranhão, naquela parte de Carolina, depois fui pra Porto Franco, depois fui pra Imperatriz e dali depois casei em Imperatriz depois meu marido morreu e fiquei viúva e sai pro Brasil, voltei Anápolis, Brasília, Rio e terminei aqui em Foz do Iguaçu no Paraná onde me aposentei.
P1 – Deixa eu te perguntar uma coisa, o que te levou a escolher enfermagem?
R – A necessidade, não era nem vocação e nem meu plano. Eu gostaria de ser professora, não podia fazer o normal na época porque não tinha acesso a escola e eu tive assessora a enfermagem então eu fiz, gostei e fiquei, me realizei profissionalmente e fiquei.
P1 – E quando você chegou aqui em Foz foi em que ano?
R – Em 1977.
P1 – E o que você lembra da cidade, o que te marcou quando você chegou aqui?
R – A convulsão da obra, era uma cidade pequena em que eu acho que seguramente 1/3 da população era em função de Itaipú, então era efervescente a coisa sabe, gente de todos os lugares do Brasil, de todas as raças e cores aquela convulsão tremenda e você no meio daqueles peões lutando pra sobreviver, né, tinha que batalhar e isso me marcou e me deu uma experiência muito gratificante também profissional inclusive que eu não conhecia saúde em barragem, né, e vim conhecer aqui e desenvolver também saúde em barragem aqui e fui convidada pra implantar o serviço de enfermagem da saúde coletiva. O chefe na época do setor era o Doutor Lúcio Flavo Nasser, e aí ele chamou uma enfermeira e eu fui a convidada e vim e fiz a implantação do serviço de enfermagem na saúde coletiva.
P1 – Agora essa coisa na saúde de barragem, explica pra gente o que consistia esse trabalho, o que que era?
R – Olha, eu não conheci outras barragens, mas essa aqui a coisa foi muito bem estruturada, né, a empresa dava uma assistência total aos empregados, mas total mesmo. O negócio chegou a um nível por exemplo quando a Vila C foi inaugurada e vinha pra cá a mão de obra não especializada, né, geralmente os peões que vinha da roça, do interior e que não tinha conhecimento de nada. Nós tínhamos, nós da saúde coletiva nós tínhamos que ir nas casas até pra ensinar a usar o vaso sanitário porque o pessoal tinha medo, as necessidades eram feitas em volta do vaso, as crianças morriam de medo, as crianças faziam na rua, na porta da rua e os grandes faziam em volta do vaso, eles não sabiam usar o vaso nunca tinham visto isto, tinham medo, né, tomar banho no chuveiro tinham medo a gente tinha que ir ensinar. Era interessante que algumas casas da Vila C na época quando chovia muito a água entrava, né, então os peões na obra trabalhando as mulheres subiam na cama cruzavam as pernas e chamavam a gente pra ir limpar a casa, chegou a esse nível, né, quer dizer, depois eu fiquei achando que era muito paternalismo eles tinham que aprender a usar as coisas e conviver, usar a casa, eram assim coisas que te marcam, né, por exemplo nós tínhamos um senhor idoso casado com uma senhora idosa e tínhamos aquele serviço de assistência domiciliar coisa que hoje é uma grande novidade, Itaipú fazia isso desde o inicio.
P1 – Essa coisa da saúde da família.
R – É saúde da família, isso aqui é antigo, demode, né, aí mandávamos assim um pouco afastado de Santa Terezinha uma senhora muito doente, né, então eu mandava lá a visitação domiciliar pra dar remédio pra velha diariamente, né, pra senhora. Aí um dia eu falei com o serviço social e falei: “Olha, arruma uma casa por favor na Vila C pra esse casal porque tá ficando muito oneroso pra empresa mandar lá todo dia” e aí a assistente social consegui a casa, o senhor veio pra mim e falou: “Dona, nós não quer essa casa não”, eu falei: “Porque” “Porque eu e minha velha nós somos acostumados na sujeira mesmo, nós vamos pra essa casa vocês vão tá todo dia lá atrapalhando a gente tem que varrer, tem que lavar o chão, tem que lavar panela e nós não faz isso, eu não quero essa casa”, eu falei: “Então o senhor vai cuidar da sua esposa, porque eu também não vou mandar mais lá todo dia dá remédio”, então eram casos assim muito primários, né, que a gente tinha que lidar. Tivemos uma vez uma família que todos eram tuberculosos eu tinha que diariamente mandar dar medicação dessa família, todos os dias, porque se não desse, não fosse não tomavam. Então isso pra mim é coisa só de barragem porque lá fora você não pode fazer isso, não tem condições, não tem recurso na época nós tínhamos recurso suficiente pra dá esse tipo de assistência, orientação e etc.
P1 – E o hospital de Itaipú era conhecido como Madeirinha, já existia quando você chegou aqui?
R – Não, o hospital funcionava na cidade e no São Vicente uma parte, depois construíram o Madeirinha que era um barracão de madeira adaptado pra pediatria especificamente e a outra parte continuava na cidade. Depois o Madeirinha foi mais ampliado e veio tudo pro Madeirinha enquanto o Costa Cavalcanti era construído, né, e na Vila C usávamos barracão, uma casa depois foi construído o ambulatório da Vila C que aí veio nós da saúde coletiva e veio o pessoal da parte assistência com médico e etc., no barracão grande da Vila C, sabe.
P1 – Você chegou atender casos graves de acidente da construção, alguma coisa assim?
R – Não, eu pessoalmente não com a minha equipe porque nós éramos da saúde coletiva, né, era vacina, era educação a nossa tarefa, era coericultura, pré natal essa era a nossa tarefa, a emergência era o pessoal do hospital que na época a minha equipe não fazia parte do hospital. Agora nós nos preparamos sempre pra atender aquela hecatombe, aquele grande desastre da obra que nunca aconteceu. Eu acredito que os acidentes foram muito mais de estrada, de trânsito na estrada do pessoal meio, né, que ia correndo demais do que dentro da obra mesmo porque havia um serviço de prevenção de acidentes muito eficiente, sabe, então essa obra teve muito pouco acidente de trabalho, os mortos em acidente eram mais fora do canteiro.
P1 – Na estrada mesmo.
R – É.
P1 – Onorinda, você morava aonde nessa época?
R – Eu a principio quando cheguei fui alojada no Hotel Diplomata, lá eu fiquei 3 meses e aí eu ganhei uma casa no Paraguai, na área 1.
P1 – No Paraguai? Porque lá.
R – Era chique morar no Paraguai. E eu gostava muito morar no Paraguai, mas quando começou...
P1 – Mas porque te deram a casa no Paraguai?
R – Porque aqui não havia casa suficiente e lá tava sobrando e eu queria sair do hotel, né, e aí fui pra casa lá. Muito boa a casa, porque as casas no Paraguai era...
P1 – E como era conviver com o pessoal lá?
R – Só tinha brasileiro na área 1 no meu pedaço, éramos brasileiros, né, e com o paraguaio em si eles tinham assim uma certa deferência da gente, sabe como antigamente aqui com estrangeiro, com americano assim éramos lá bem tratados, nas festas nós íamos éramos sempre os primeiros reverenciado “Senhora, dona. A enfermeira, a licenciada” era aquela coisa, era muito bom de morar lá porque na época não havia problema com assalto, com ladrão você dormia com a janela aberta sem problema nenhum, saía deixava a casa aberta. Aí veio essa demanda, essa coisa das lojas da cidade Del Leste que na época era só um pouquinho, né, e um dia eu fiquei 2 horas presa do outro lado da ponte sem poder passar pro lado daqui, aí eu pedi pra morar aqui no Brasil não tinha mais condições de continuar morando lá e atravessar todo dia pra cá.
P1 – E aí você foi pra uma casa aonde?
R – Eu fui pra uma casa na Vila A
P1 – Certo, você tem uma foto ali.
R – É, e lá eu fiquei até me aposentar.
P1 – E quando você se aposentou?
R – Em 93.
P1 – Onorinda, infelizmente o nosso tempo é curto. Mas eu gostaria que você me respondesse uma ultima pergunta o que você acha da gente tá fazendo esse projeto de tá recuperando a história de Itaipú através das pessoas que trabalharam, o que você achou deter passado esse tempinho aqui com a gente fazendo essa entrevista e relembrando.
R – Olha, eu achei valido até pra preservar a memória de uma empresa que é muito importante na história atual do país, né, e pessoalmente fiquei muito gratificada porque até eu não tinha idéia da dimensão do meu trabalho assim em termos de reconhecimento, né, porque aquela tal história você trabalha porque precisa então eu trabalhava, era bem paga e pra mim isso era o suficiente. Saí, cortou o vinculo com a empresa e quando esse vinculo reacende agora eu fiquei realmente gratificada e a idéia de fazer um documentário desse que vai por muitos anos e talvez quem sabe daqui a 100 anos ainda haja vestígios disso eu acho muito importante num país que não tem memória eu acho que começar a gravar, perpetuar a memória das coisas é muito interessante.
P1 – É a primeira vez que você volta desde que você se aposentou?
R – Não, a Foz de Iguaçu não, mas a empresa é.
P1 – E o que você sentiu?
R – Saudades, muita saudades, porque com todo trabalho que a gente tinha, a tensão que a gente vivia até com medo de um acidente que se esperava e de ser demitida porque havia corte todo mês na firma, né, mas era gostoso de se trabalhar sabe, o grupo vivia em paz, até porque todo mundo ganhava bem, vivia bem então tudo isso contribui pra você ter paz, alegria era muito gostoso aqui e uma coisa muito importante, isso se foi com a nossa juventude também, então vem a memória daqueles tempos que eu era mais jovem, sabe, e é por aí.
P1 - Tá bom, muito obrigada.
R – E bom conhecer vocês também.Recolher