P - A gente começa as gravações do Museu da Pessoa sempre pedindo pra pessoa dizer o nome completo, o local de nascimento e a data de nascimento.
R - Tá bom. Meu nome completo é José Gabriel Simão. A minha data de nascimento é 18 de março de 32, porém no documento tá 18 de março de 34....Continuar leitura
P - A gente começa as gravações do Museu da Pessoa sempre pedindo pra pessoa dizer o nome completo, o local de nascimento e a data de nascimento.
R - Tá bom. Meu nome completo é José Gabriel Simão. A minha data de nascimento é 18 de março de 32, porém no documento tá 18 de março de 34. Esse motivo foi porque até essa data que eu fui registrado eu ainda não tinha registro de nascimento, quando foi pra entrar pra escola já tava com 12 anos e se tivesse mais de 10 anos pagaria uma multa de 200 reis naquele tempo, o meu pai pra não pagar essa multa de 200 reis aí ele fez uma diferença de dois anos na minha idade, né? De 12 anos ele disse que eu tinha dez anos, por isso é a data de 1934, mas na realidade é 1932.
P - Qual a cidade que o senhor nasceu?
R - Alto Rio Doce, Minas Gerais. O local bem preciso do meu nascimento é ao pé de uma montanha denominada (Coroboarto?) fica distante a um quilometro do povoado de Arco Verde, Município de Alto Rio Doce, Minas Gerais.
P - Você já começou a falar um pouquinho do pai do senhor, dessa estória do registro, então aproveita agora e fala pra gente o nome completo do seu pai e qual era a atividade profissional dele?
R - O nome completo do meu pai é João Carlos Simão e ele sempre trabalhou na roça.
P - E a mãe do senhor?
R - A minha mãe é doméstica, né, só trabalhava em casa. (...) O nome dela é Dorotéia Maria de Jesus.
P - O senhor sabe como o pai do senhor conheceu a mãe do senhor? A estória envolvendo esse encontro?
R - Não, isso eu não tenho nem idéia...
P - ...Os dois moravam lá na mesma cidade?
R - É os dois moravam na mesma cidade, naquele tempo Município de Alto Rio Doce. Então meu pai e minha mãe moravam os dois no Município de Alto Rio Doce e eles se casaram ali em Alto Rio Doce e mais ou menos um ano e pouco depois eles mudaram pra Brás Pires, fica distante mais ou menos uns 60 quilômetros aproximadamente de Alto Rio Doce.
P - E por que que eles mudaram?
R - Eles mudaram pelo seguinte: o meu avô, o pai da minha mãe, ele comprou uma fazenda no Município de Brás Pires, mudou pra lá, também morava em Alto Rio Doce aí mudou pra lá e o meu pai foi junto.
P - E o pai do senhor ele era agricultor, mas ele trabalhava na roça de outra pessoa ou ele era proprietário de uma roça?
R - Ele era proprietário, trabalhava na roça dele mesmo e trabalhava também pra alguns amigos.
P - E o que que eles plantavam?
R - Milho, arroz, feijão, café...
P - E aí depois que o sogro dele comprou essas terras lá em Brás Pires ele foi junto?
R - Ele foi junto (...) foi trabalhar com o sogro e daí ele ficou morando no terreno do sogro, bem próximo da fazenda.
P - E quando é que o senhor entra nessa estória? Quando é que o senhor nasceu?
R - Então, eu nasci mesmo em Alto Rio Doce (...) Antes dessa mudança. Aí quando eu nasci pouco tempo depois, talvez uns seis meses, menos de um ano, é que ele mudou lá pra Brás Pires. E quando eu tinha um ano e meio de idade, a minha mãe faleceu. Então aí eu fiquei sem minha mãe e o meu pai dois meses depois, talvez menos de dois meses depois, ele se casou com uma prima primeira da minha mãe que é Ana Augusta de Faria que a gente chamava de mãe, na realidade era madastra, mas a gente chamava de mãe porque a gente era bem pequeno e ela foi que cuidou da gente.
P - O senhor fala da gente, então o senhor tinha irmãos?
R - Unicamente uma irmã.
P - Mais velha que o senhor?
R - Mais velha que eu dois anos e meio.
P - Qual o nome dela?
R - Maria São Tomé Simão.
P - Então o senhor passou a sua infância em Brás Pires e quem criou o senhor a maior parte da sua infância foi a prima da sua mãe, sua madastra, o que que o senhor se lembra da sua infância em Brás Pires, na terra do seu avô?
R - Que que eu lembro? Ah, tem um fato bem importante: o meu avô ele tinha a fazenda dele e na fazenda toda semana passava aqueles padeiro com aquele animal com duas caixas, uma de um lado outra de outro, cheia de pão, passava na fazenda do meu avô, e meu avô toda vez que ele passava ele comprava mais ou menos uns 50 pão daquela pessoa que viajava vendendo pão. Aí eu me lembro muito que meu avô me dava um pãozinho, eu comia aquele pão achava muito gostoso e toda hora eu ficava atrás: “Ô, Vô, me dá mais um pão” e ele com aquele carinho comigo nunca negou um pão pra mim, criança sempre gosta e meu avô era muito carinhoso com a gente. Durante esses dois meses que eu fiquei na fazenda do meu avô, quem cuidava de mim e da minha irmã, era tia Luzia, essa que também tá na foto. Daí quando meu pai casou novamente com essa prima primeira da minha mãe, daí ele já foi morar no terreno do segundo sogro, que também era irmão do meu avô, chamava José Lourenço Dias.
P - Que tinha terra lá em Brás Pires também?
R - É, também no Município de Brás Pires, próximo a Ribeirão de Santo Antônio.
P - Então na verdade a sua infância o senhor passou nessa fazenda do segundo sogro?
R - Do primeiro e do segundo sogro do meu pai. Aí quando eu tava com oito anos de idade, aí o pai do meu pai que morava em Arco Verde, também no Município de Alto do Rio Doce, faleceu, aí o meu pai voltou novamente pra Arco Verde, isso eu tinha oito anos.
P - Aí a partir dos oito anos o senhor voltou a morar lá em Arco Verde?
R - Aí voltei a morar no Arco Verde, a partir dos oito anos e morei no Arco Verde até os 22 anos. Quando eu completei 22 anos eu vim pra São Paulo, em 1954. Mas antes de vir pra São Paulo eu trabalhei em várias fazendas: na região de Rio Pomba, Guarani, Piraúba,Tocantins, Mercedes...
P - Vamos voltar pra infância do senhor que essa estória tá boa, daqui a pouco a gente chega lá na juventude. Oito anos o senhor de volta a Arco Verde, fala pra mim como era a casa que o senhor morava, era na fazenda? (...) Ou era cidade mesmo?
R - (...) Não, lá é um pequeno povoado, lá em Arco Verde a gente morava na rua principal, que é uma única rua também. Então o meu pai comprou uma casa de um amigo dele, e nessa casa ele pôs uma venda, ele ficou com a venda... essas vendas de pequeno povoado... ele ficou mais ou menos uns 20 anos com essa venda lá.
P - E como era essa cidade, pequeninha? Todo mundo conhecia todo mundo?
R - Ah, com certeza, todo mundo conhecia todo mundo, todo mundo era amigo, né? Naquele povoado ali só existia a venda do meu pai e a venda de um outro amigo da gente, amigo do meu pai.
P - E como era a freguesia da venda do seu pai?
R - A freguesia era boa Meu pai vendia toucinho, arroz, feijão, sal, querosene, açúcar... Aí toda semana, no sábado, ele comprava aquele porco de pessoas vizinhas que engordava e aí vendia toucinho pra freguesia. Aquele resto de toucinho que sobrava, na segunda-feira, aí ele cortava tudo e salgava e vendia em Mercedes, no armazém do Pedro Cunha.
P - E o senhor era pequenininho nessa época? Oito anos, nove anos?
R - É, nove anos, dez anos...
P - ...E o senhor ficava lá na venda também...?
R - Eu ficava, ajudava o meu pai na venda, de vez em quando saia um pouquinho aí quando voltava levava um puxão de orelha, porque ele não queria que a gente saísse, queria que a gente ficasse só ali.
P - E tem alguma estória que o senhor presenciou lá na venda, algum caso interessante, engraçado, marcante?
R - Bom, nessa venda do meu pai, ali ia aquelas pessoas no fim de semana: tocador de sanfona, cantador de calango mineiro, né? E a gente lembra muito daquelas pessoas que cantava aqueles calango, fazia aqueles verso ali, os repentes, né? E a gente gostava muito de ouvir. E outra coisa, tinha uma senhora idosa, que chamava Francisca, e o marido dela e os filhos eram fregueses do meu pai. Então quase toda tarde ela ia lá pra nossa casa. O filho dela ficava na venda cantando calango com aquele tocador de sanfona e ela ia lá pra cozinha e eu mais a minha irmã ficava lá na cozinha... Olha, durante mais de dez anos, essa Francisca cada dia ela contava uma estória diferente Não sei onde ela arranjava tanto caso, tanta estória, ela só repetia caso ou estória quando a gente pedia, a gente falava: “Ô, dona Francisca, conta aquela estória assim, assim, que a senhora contou, a gente achou tão importante queria que a senhora repetisse de novo”, aí que ela repetia, se a gente não pedisse, ela ia contando outras estórias, e cada dia uma estória diferente.
P - Qual que foi uma estória dessas que ficou na lembrança?
R - A estória que ficou bem na lembrança ela contava a estória de Zezinho e Mariquinha, ela contava estória de assombração e muitas estórias que a gente... Olha, eu me lembro talvez de umas três estórias que ela contava, cada dia uma estória diferente, mas umas três eu ainda me lembro.
P - Fala uma delas pra gente
R - É, uma estória que ela contou foi de um camarada que namorou uma moça e era uma princesa encantada. Essa princesa encantada, esse rapaz namorava ela, mas nunca via o rosto dela. E quando foi uma certa vez, aí ele sabia o quarto que ela dormia, ele subiu pra parede acima, e lá de cima da parede ele olhou embaixo e viu aquela moça mais linda, muito encantada, dormindo aquele sono tranqüilo. Ele com a vela na mão assim pra alumiar, aí caiu um pingo de vela no rosto dela e quando caiu aquele pingo de vela no rosto dela, ela desencantou e desapareceu e falou pra ele assim: “Ah, Joãozinho, se você quiser me ver agora que viajar muitos dias que eu vou pro (Eno do Bão Verá) que por terra não tem caminho pros ares só se voar”. E aí ele saiu andando, andando... Aí ele via as formiguinhas, ele dava comida pras formiguinhas, ele via um cachorro, dava comida praquele cachorro, ele via um passarinho, dava comida pra aquele passarinho, quando ele cansou de andar ele chegou no meio de um bando de urubu e conversou com aqueles urubus e falou que já tava cansado de andar se algum urubu daqueles podia levar ele até o (Eno do Bão Verá) que por terra não tem caminho pros ares só se voar, se algum daqueles urubus sabia onde ficava isso. Aí um urubu, o mais idoso da manada, falou: “Eu sei onde fica o (Eno do Bão Verá) que por terra não tem caminho pros ares só se voar” e se você quiser eu te levo, você sobe aqui nas minhas asas e fecha os olhos que eu te levo até lá. Daí ele subiu nas asas do urubu, o urubu primeiro falou pra ele: “Olha tem mais ou menos mil e 200 anos que eu passei nesse lugar, mas eu ainda me lembro bem, pode subir nas minhas asas que eu te levo”. Daí ele subiu nas asas do urubu, fechou os olhos, e viajou, viajou, viajou, atravessou acho que uns dois ou três oceanos. Depois o urubu falou assim: “Agora você segura bem que agora eu vou descer vertical”, daí ele segurou bem e o urubu desceu vertical aí chegou naquele determinado lugar, o urubu falou pra ele assim: “Olha, a fazenda que essa princesa mora é naquela fazenda ali e daqui eu vou te deixar e vou voltar e daqui pra frente você se vira” e aí ele foi. Chegou lá e tava uma festa, aquela festa de arromba mesmo. Ele chegou, começou a conversar com todo mundo, perguntando daquela princesa e aí uma pessoa falou: “Ó, a princesa é aquela lá, daqui mais ou menos uma meia hora o noivo dela vai chegar e ela vai se casar”. Daí ele foi, deu um jeito, pediu licença e foi conversar com ela, o noivo tava se aproximando, e ele conversou com ela e se aproximou dela e falou pra ela que ele era aquele namorado que ela tinha que ele nunca tinha visto o rosto dela e com aquele pingo de vela ela se desencantou e sumiu. E aí quando o noivo foi se aproximando ela falou pro noivo que o casamento com aquele tava acabado, que ela não podia deixar de casar com aquele amor primeiro. E casou com aquele tal de Joãozinho e o outro foi desprezado e diz que até hoje diz que vive uma vida feliz.
P - E essa estória o senhor ouvia na venda do seu pai (...). E como é que era a venda do seu pai?
R - A venda do meu pai ela só tinha duas portas. E aquele balcão assim retirado mais ou menos um metro e meio da porta, e ali chegavam as pessoas... O toucinho ele punha em cima do balcão e vendia. E aí o saco de mantimento ficava mais pra dentro da venda, né? E ali tinha quitanda, quitanda que a gente falava naquele tempo lá era biscoito, broa, bolacha... A gente falava quitanda, aqui em São Paulo quitanda é mercadinho de fruta, né? Lá quitanda era essas coisas de pão, bolacha, rosca, biscoito, broa... A minha madrasta fazia umas broas de fubá de canjica, e era uma delícia, o povo gostava muito. Fazia uma outra quitanda que chamava Mané Joaquim que era um bolo de farinha de trigo que até hoje muita gente lá do nosso povoado de Arco Verde, quando eu chego lá eles já lembram de falar pra mim “Ah, Zizinho” - porque lá eles me chama de Zizinho, o nome é José Gabriel Simão, mas lá todo mundo me conhece pelo apelido de Zizinho - e quando eu chego lá eles falam: “Ah, Zizinho, quando você chega aqui, a gente lembra muito é da sua madrasta, que fazia aquele Mané Joaquim, que era a quitanda mais gostosa aqui do Arco Verde”, algumas pessoas lá ainda tentam fazer, mas igual ela fazia ninguém consegue fazer.
P - E nessa infância do senhor lá, nos períodos em que o senhor não tava na venda do seu pai, ajudando, ouvindo estória, do que que o senhor brincava? Qual era a sua turminha de amigo?
R - A minha turminha de amigos lá era os primos, alguns amigos que a gente trabalhava na roça junto, porque tem um detalhe: hoje em dia a gente vê, por exemplo, a justiça no nosso Brasil falar que criança não pode trabalhar. Agora a criança não pode trabalhar, chega o tempo da escola tem que ir pra escola, depois sai da escola com 18 anos tem que servir o Exército, quando sai do exercito com 21 anos, vai pedir emprego numa firma pra trabalhar, qual a primeira coisa que eles pedem numa firma quando o sujeito pede emprego? Dois anos de experiência, três anos de experiência... Mas experiência de que? Agora quando a pessoa completa os 35 anos não pode mais trabalhar porque já é velho. Pra aposentar, antes aposentava por tempo de serviço, que eu mesmo aposentei por tempo de serviço. Trabalhei 35 anos, me aposentei por tempo de serviço, depois de aposentado trabalhei mais seis anos na mesma firma onde trabalhava. Então na realidade trabalhei 20 anos na roça e 41 anos aqui em São Paulo, em firmas.
P - Então lá em Arco Verde, o senhor além de ajudar seu pai na venda, também ajudava na roça?
R - Ajudava na roça, trabalhava na roça também, de sol a sol.
P - Que que o senhor fazia na roça?
R - Limpar... Capinar o milho. Eu ficava o dia inteirinho na roça, capinando, tratando da roça, dos milhos, né? E trabalhava destocando terra de arroz, fazendo plantação de arroz. A gente plantava lá arroz, milho, feijão.
P - E nas horas vagas, quais eram as brincadeiras com seus primos?
R - Ah, jogar bola, e brincar de... A gente tinha tanta brincadeira naquele lugar ali... Brincar de um correr atrás do outro, de pega-pega, né?
P - E como que era a rua principal lá onde ficava a venda do seu pai? Descreve ela um pouco pra gente, fiquei curioso...
R - Olha, essa rua onde tinha a venda do meu pai, ela começava perto da fazenda de um tio da minha mãe. Tinha aquela porteira que fazia divisão da fazenda com o povoado, aí passava naquela porteira, seguia reto, aí começava aquelas ruas de casa, e depois no fim daquela rua aí tinha uma outra porteira, que divisava com outro tio, de outra fazenda.
P - E tinha muita casa nessa rua?
R - Não, ali naquela rua tinha aproximadamente umas 15 casas, não tinha mais que isso.
P - E a escola?
R - A escola, então eu quando entrei na escola, eu tinha 12 anos, e a professora nossa, ainda me lembro até o nome dela: chamava Dona Conceição, ela era uma professora que não era concursada, era assim nomeada pelas pessoas da cidade, pessoas conhecidas. Então nomeava essa professora, mas ela não era concursada. E eu com essa professora eu fiz até quarto ano, quarto ano lá na roça. Então ela não tinha concurso, depois quando chegou aquela lei das professoras tinha que ter concurso, pra poder ser professora, tinha que ser professora formada, daí ela foi retirada daquela escola, aí entrou outras professoras já com curso.
P - Isso lá em Arco Verde?
R - Arco Verde.
P - Era pouquinho aluno lá na sua sala?
R - No tempo que eu tava na escola tinha aproximadamente uns 30 alunos. (...) Naquele tempo muitos pais não punham as crianças na escola, porque as crianças tinham que trabalhar na roça. E eu, por exemplo, eu queria falar antes, eu quando comecei a trabalhar na roça eu tinha aproximadamente dois anos de idade. O meu pai saía de manhã, ia pra uma outra roça longe, deixava eu e a minha irmã, antes dele ir, ele levava nós pra roça próxima da casa onde a gente morava, e chegava lá, uma enxadinha na mão de cada um, chegava lá, ele com aquela enxadinha ele fazia aqueles piquezinhos assim e falava pra minha irmã: “Essa aqui é sua tarefa do dia, você tem que tirar essa tarefa”. Aí fazia pro outro lado assim aqueles piquezinhos assim, fazia aqueles circulozinhos assim e falava pra mim: “Essa aqui é sua tarefa, você tem que tirar essa tarefa hoje”. Só que eu com dois anos de idade, eu não sabia o que que era aquilo, eu não entendia nada. Aí a minha irmã que tinha dois anos e meio mais que eu, ela falava pra mim assim: “Ah, Zizinho, me ajuda a tirar a minha tarefa, quando terminar de tirar a minha tarefa, aí eu ajudo na sua”. Aí eu ajudava ela ali, quando terminava a dela, ela punha a enxada nas costas e ia embora lá pra dentro de casa e eu passava o resto do dia ali chorando sem saber o que que era aquilo. Quando meu pai chegava lá pra umas oito, nove horas da noite, que ele trabalhava em outra roça longe, quando ele chegava, ele perguntava: “A Maria tirou a tarefa?” “Tirou”, tudo bem, “O Zizinho tirou a tarefa?” “Não”, aí sabe o que acontecia? Ele ia lá na cama onde eu tava dormindo, puxava as cobertas, me pegava pra perna, me arrastava pra perna, era umas dez lambadas de pé atrás, com rei, com uma corda de rei dessa grossura assim. E eu apanhava, eu molhava a roupa tudo e não sabia o que era aquilo. Depois na medida que eu fui crescendo, aí eu fui começando a entender o que que era aquilo ali, aí eu ia pra lá, aí eu tirava minha tarefa primeiro que ela. Mas apanhei sem saber o que que era aquilo. Porque as crianças daquele tempo tinham que trabalhar. Agora, por isso que eu digo pra você, hoje em dia criança não pode trabalhar, a gente já contou a estorinha, o porquê e até as idades e tal. Eu comecei a trabalhar na roça eu tinha aproximadamente dois anos de idade, trabalhei na roça até os 22 anos, com 22 anos foi que vim pra São Paulo. Trabalhei 41 anos em São Paulo e tô aqui, vivo, são, graças a Deus com toda saúde. O pessoal lá tem um ditado “pé de galinha não mata pinto”, couro que o pai dá na gente não mata, ele dá aquele couro pra educar. Hoje em dia eu sei, por exemplo, respeitar pessoa, graças a Deus tenho um pouco de educação, sei respeitar as pessoas, trabalho nunca me fez mal, e eu me sinto bem trabalhando. Tô aposentado, mas em casa eu não paro. É uma coisa, é outra, a gente sempre tem uma coisinha pra fazer. Hoje em dia, por exemplo, meu hobbie...
P - Vamos voltar um pouquinho até a gente chegar aí, só pra gente não perder o fio da meada. Lá em Arco Verde ainda, você cursou até a quarta série com essa professora (...) mas aí continuou estudando depois ainda em Arco Verde, não foi?
R - Não, naquele tempo as escolas da roça só davam até o quarto ano. (...) E outra coisa, por exemplo, naquele tempo a escola era cheia de livro que a prefeitura fornecia, o aluno não precisava comprar livro naquele tempo. Tinha por exemplo a gente começava com a cartilha, depois primeiro ano, depois segundo, depois terceiro, depois até quarto ano, completava o quarto ano, aí saía da escola. Tinha um livro lá que eu me lembro, chamava Manuscrito, eu não sei se esse livro ainda existe até hoje, esse livro Manuscrito ele era escrito à mão, cada página tinha uma caligrafia diferente. O aluno que conseguisse ler aquele livro ali era o melhor aluno da classe, porque não era todo aluno que conseguia ler ele todo.
P - E quando você saiu da quarta série lá em Arco Verde depois você foi pra onde?
R - Não, aí lá não estudei mais. Eu estudei, por exemplo, na escola, dos 12 até os 16 anos.
P - Era essa idade que você tinha?
R - É, quando eu saí da escola tinha 16 anos.
P - Então você já era um adolescente na época (...) e como era ser adolescente lá no povoado de Arco Verde, o que que você fazia, já jovenzinho?
R - Trabalhava a semana inteira. Nos domingos, levantava de madrugada, ia pra missa em (Mercedes?), caminhava duas léguas de distância, pra ir na missa, mas eu ia todos domingos...
P - ...E tinha alguma diversão?
R - ...Ah, a diversão que a gente tinha, por exemplo, lá nesse povoado de Arco Verde era jogo de malha e futebol, tinha alguns campos de futebol ali perto. Era jogo de malha, futebol e aquela brincadeira que a gente tinha lá...
P - E as moças do povoado?
R - As moças? Ah, tinha vez que eu tinha cinco, seis namoradas. (...) Aí depois (risos), às vezes elas ficavam tudo junto assim e eu conversava com uma, conversava com outra, conversava com outra, aí conversava: “Ah, você tá namorando fulana?” “Não, eu tava namorando, mas agora eu não tô mais, agora eu quero é você mesmo”, aí aquela parava de conversar, ia conversar com a outra, a outra: “Ah, você tá namorando?” “Não, não tô namorando, eu tava, mas agora eu quero é você mesmo”. Aí nessa daí quando era na segunda-feira não tinha mais nenhuma, todas elas me largavam.
P - E onde que era o lugar de paquerar lá em Arco Verde?
R - Por exemplo, lá no Arco Verde as missas dão nesse povoado era uma vez por mês, então aí nos dias de festa, nos dias de missa, o lugar da gente passear era em volta da igreja. A gente às vezes ia com colega conversando, as moças também com as coleguinhas delas conversando, e a gente fazia igual um engenho moendo (risos), andando em volta da igreja.
P - E você ficou lá em Arco Verde até os 22 anos trabalhando na roça (...) e por que você veio pra São Paulo, como é que foi essa decisão?
R - Olha, é o seguinte, igual eu já falei antes, nesse tempo eu trabalhei em várias fazendas na região de Rio Pomba, Piraúba, Guarani, Tocantinss, Mercedes, e ali também na região de Alto Rio Doce... E depois, quando foi no começo de 54, a gente combinou um grupinho de amiguinhos ali, já tinha alguns que tinham vindo pra São Paulo e tinha voltado lá e contou como é que era. E a gente fez amizade com um, e eu e mais dois primos viemos com ele pra São Paulo, no meio de abril de 1954. E aqui o meu primeiro trabalho aqui em São Paulo, eu trabalhei num jardim do Matarazzo, no Sítio Cordeiro, ali próximo do Jardim Prudência.
P - Mas conta pra mim o seguinte: como é foi o dia que você veio lá de Arco Verde pra cá? Você se lembra? Como você se despediu, seu pai ficou lá, como é que foi isso? E como que foi a viagem pra cá? Conta pra gente
R - É o seguinte, meu pai não queria muito que a gente saísse não, sabe? Mas aí eu falei pra ele: “Ah, pai, o meu primo já trabalhou em são Paulo, ele já conhece bem lá em São Paulo e ele convidou a gente e eu tô com vontade de tentar a vida lá em São Paulo, a gente vai com primo, já tem bastante conhecimento lá”, aí ele permitiu a gente vir. Aí eu vim com esse primo chegou aqui em são Paulo, a gente morava de aluguel num quartinho de aluguel, a gente queimava lata naquele tempo, a gente falava queimar lata: a gente mesmo fazia o cafezinho da gente, fazia o almocinho da gente. A gente não pagava pensão, a gente mesmo fazia, só alugava aquele cômodo, pra gente ficar, comprava umas vasilhazinhas ali, um fogareirozinho de carvão. A gente comprava carvão e fazia aquele fogo e ali a gente mesmo fazia alimentação da gente.
P - Onde que era esse quarto?
R - Na Cidade Ademar.
P - E como foi parar lá, foi tudo por ajuda desse seu primo?
R - É.
P - Quando você chegou em são Paulo, qual a primeira coisa que você lembra de São Paulo?
R - É a casa de um amigo que nos acolheu (...) a casa desse amigo que nos acolheu e esse amigo que acolheu a gente ele era primo desse primo que a gente veio com ele. Daí a gente ficou na casa dele alguns dias, depois a gente alugou esse cômodo e ficamos nesse cômodo, e assim a gente foi.
P - E como que você foi procurar emprego? Como é que foi essa aventura?
R - Bom, o primeiro emprego é como eu disse, no Jardim de uma mansão do Matarazzo, no Sítio Cordeiro ali próximo ao Jardim Prudência, entre o Jardim Prudência e a Avenida Santo Amaro, naquela parte ali. E depois que eu saí dessa plantação de grama, desse lugar, daí eu fui trabalhar com um padre, ali no Jardim Prudência, na Igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Trabalhei mais ou menos uns seis meses com esse padre, daí era construção, era construção da igreja.
P - E que você lembra dessa época?
R - O que eu lembro dessa época é que esse padre ele era tão amigo da gente, uma pessoa muito amiga da gente. Aí nesse tempo também eu lembro que a gente fez amizade com um grupo de rapazes italianos e esses italianos eles vinham da Itália, eles vinham naqueles grupos de dez rapazes, chegava em São Paulo e alugava a melhor casa, uma casa bem de uns cinco, seis cômodos, até mais, eles dividiam entre eles e daí ficava pouco pra cada um pagar.
P - Daí nessa época você voltou a estudar ou não?
R - Não, nessa época eu ainda não voltei a estudar... Olha, eu fiquei em São Paulo solteiro cinco anos, depois de cinco anos solteiro em São Paulo, aí todo ano eu ia em Minas por ocasião do Natal, e chegava lá a gente descia na Estação de Mercês, quando a gente descia na estação de Mercês, aquelas meninas sabiam que a gente ia chegar naquele dia, chegava na estação tava cheio de meninas já esperando a gente. Aí eu descia do trem, ia conversar com aquele grupo de mocinha. Aí conversava com uma, conversava com outra, conversava com outra, aí ia saindo uma por uma, ficava aquela última ia passear pela cidade, ia pro cinema, depois ia pra missa...
P - Tinha cinema lá em Mercês?
R - Tinha.
P - Vai trocar fita FINAL DE FITA
P - Vamos lá, voltando, senhor Gabriel, você tava falando pra gente que nos primeiros tempos seus aqui em São Paulo, todo ano você ia no natal pra visitar sua família em Minas, aí descia de trem na cidade de Mercês, que era uma cidade maior, né? Aí ficava as meninas esperando na Estação, daí continua a estória, por favor...
R - Aí a última que ficava a gente saia com ela, ia pro cinema, daí terminava o cinema por volta das onze horas, a missa... Lá chamava Missa do Galo, a gente saia do cinema e ia pra missa. Terminava a missa, aí a gente ia dar umas voltas ali pro jardim, aí já era umas três horas da madrugada, a menina ia pra casa dela e a gente ia pra pensão.
P - Lá em Mercês? (...) Mas aí não chegava até Arco Verde pra ver a família?
R - Não, naquele dia não. Daí no outro dia que a gente ia pro Arco Verde. Era duas léguas de distância. (...) A gente ia de a pé, carregando a mala nas costas, aí ia visitar os pais da gente.
P - E eles perguntavam como era aqui?
R - Ah, perguntavam como era e a gente contava tudo.
P - E como é que vocês contavam?
R - Ah, a gente contava: “São Paulo é muito bom, a gente faz amizade com muita gente boa”. Naquele tempo, ó, pra começo de conversa, a gente pra arranjar emprego era uma facilidade Eu, por exemplo, no primeiro dia que eu ia procurar emprego já encontrava Teve uma vez que eu... Às vezes a gente trabalhava numa firma, depois trabalhava um ano, dois, depois aquela firma às vezes por algum motivo dispensava empregado, a gente saia no corte. Aí eu saía daquela firma, ia embora pra Minas, ficava uns 15 dias lá, depois voltava, descansava mais ou menos uns oito dias, depois ia procurar serviço de novo. Certa vez eu fui procurar serviço, aí quando eu saía procurando eu já pegava a bicicleta e já punha uma marmita na garupa da bicicleta e ia procurar serviço. Aí um dia eu cheguei no Café Solúvel, eu sabia que lá tava precisando de gente pra trabalhar, aí fui. Cheguei lá perguntei pro guarda, falei ó: “Tem vaga aqui? Eu tô desempregado e preciso trabalhar”, aí o guarda falou: “Ah, você pode entrar, pode ir lá na Sessão Pessoal, conversa com o moço do Departamento Pessoal, porque estão precisando mesmo”. Aí fui, cheguei lá conversei com chefe da Sessão Pessoal e falei pra ele: “Ouvi falar que tá precisando de gente aí e eu tô desempregado e tô procurando emprego” aí ele falou: “Mas você tá disposto mesmo a trabalhar?”, eu falei: “Eu tô disposto a trabalhar”. Aí falou assim: “Se eu quiser você pode começar a trabalhar agora?”, falei: “Posso começar agora”. Aí ele falou assim: “Mas e o almoço seu, como é que vai fazer? Aqui não tem restaurante, num tem nada”, falei: “A minha marmita tá na garupa da bicicleta”, aí ele falou: “Ah, então você quer trabalhar mesmo”. Aí me chamou lá pra cima, já começou a me mostrar o serviço, já me deu as ferramentas, ali eu já comecei a trabalhar, né? A minha ficha foi feita 15 dias depois, que ele me chamou lá na Sessão Pessoal pra fazer a ficha.
P - Mas qual que era o serviço?
R - Limpeza. Então aí no Café Solúvel eu trabalhei um tempo, depois do Café Solúvel eu passei pra Malhas (Zeneri?), que era uma outra empresa derivada do Café Solúvel. Nessa Malha (Zeneri?) eu trabalhei aproximadamente uns quatro, cinco anos.
P - Em limpeza também?
R - É.
P - Agora essa é a parte profissional, e a parte de lazer aqui em São Paulo? O que você fazia, era diferente de Mercê, né?
R - É bem diferente (...) Quase não tinha lazer. Trabalhava a semana inteira, domingo tava cansado, ia na missa, voltava pra casa, ia descansar, pra no outro dia sair cedo.
P - E como é que o senhor conheceu sua esposa?
R - A minha esposa é lá de Minas também. Eu conheci ela nesses passeios pra Mercê, de fim de ano. Aí com essa, a gente começou a namorar, aí ela falou pra mim assim: “Olha, você é muito embrulhão e eu preciso de arranjar um namorado que interessa casar, porque eu já tô com 18 anos e eu preciso é de casar e você pelo jeito você não interessa casamento”, falei: “Então você falou com a pessoa certa que eu também agora tô decidido a casar”. Aí nós namoramos dois anos e meio, né? Eu trabalhando em São Paulo, mas escrevia pra lá, recebia carta e tal. Depois de dois anos e meio a gente decidiu mesmo a casar. O meu pai não queria o casamento de jeito nenhum. Porque o meu pai ele desejava tanto bem pra mim que interessava que eu casasse com uma filha de fazendeiro. A gente era pobre. Eu pobre, casar com filha de fazendeiro não ia me querer e também nem eu às vezes interessava muito. Aí o meu pai que queria escolher namorada pra mim e o Tiano Rosa, que é um tio da minha mãe, os dois queriam escolher as moças pra eu casar. Só que todas que eles apontavam não me agradavam, era rica, mas não me agradavam Aí pra eu casar com essa, era pobre também, pra eu casar com ela, o meu pai não quis. Eu já tava com 25 anos, falei: “Acho que eu já posso, eu não tenho que estar escutando muito meu pai, eu tenho que fazer minha vida.” Aí minha certidão de nascimento ele falou “não entrego a sua certidão de nascimento e quero ver você casar”, aí eu fui lá no cartório de Alto do Rio Doce e tirei uma cópia. E a gente arrumou o casamento, arrumamos tudo direitinho. Casei. Vim embora pra São Paulo novamente. No mesmo dia do casamento peguei ônibus lá até Barbacena, de Barbacena peguei o trem, vim embora pra São Paulo, porque naquele tempo não tinha ônibus naquele tempo, era só trem, de lá de Minas pra São Paulo. Aí vim embora pra São Paulo, isso foi em 59 meu casamento. Eu casei dia 7 de novembro de 59.
P - O nome da sua esposa?
R - Maria da Rocha Reis Simão. A primeira esposa, que agora eu sou... Ela faleceu no dia 28 de dezembro de 2006. Aí eu fiquei sete meses viúvo. Depois de sete meses viúvo, encontrei uma outra pessoa que tava viúva há 11 anos. A gente começou a namorar e com pouco tempo, acho que uns seis, sete meses a gente casou. Depois de amanhã faz quatro meses que eu tô casado com essa nova esposa.
P - Mas vamos voltar um pouquinho lá no tempo do seu primeiro casamento, logo mais a gente chega pra o senhor contar direitinho desse segundo casamento. Então você casou a contragosto (...) do seu pai. E aí casou e veio embora e no dia seu casamento, fala pra mim, seu pai não foi?
R - Não, no dia do meu casamento meu pai não foi. Eu saí daqui de São Paulo, porque a gente pôs os papéis na igreja, no cartório, tudo direitinho e voltei pra São Paulo, pra voltar lá, quando eles marcassem o casamento. Ai quando marcaram o casamento lá, escreveu pra mim, aí eu fui já pra casar. Nessa vez que eu fui pra casar, eu não passei na casa do meu pai, porque ele não queria, porque a moça era pobre. Mas só que eu falei: “Agora não tem mais jeito, agora eu vou casar mesmo, eu já tenho 25 anos, tenho que esperar o que?”. Aí fui pra casar. E eu tinha um animal, tinha um cavalo muito bom lá. O cavalo ficava num pasto alugado de um amigo meu. Aí quando cheguei lá, na véspera do casamento, aí um amigo meu, eu pedi: “Quero que você vá lá em Arco Verde, e pega o meu cavalo e traz pra mim. E passa na casa do meu pai e pede pro meu pai pra emprestar o arreio”. Quando essa pessoa passou lá na casa do meu pai, falou ó: “Tio João” – era um sobrinho dele – “O Zizinho mandou pedir o arreio do senhor emprestado, porque ele tá lá em Mercês e ele precisa do cavalo e eu vou levar o cavalo pra ele e ele precisa do arreio emprestado”. Aí o meu pai não emprestou: “Não, eu não vou emprestar não, ele vai casar contra a minha vontade, não vou emprestar o arreio não”. Aí ele veio em pêlo no animal até Mercê. Quando chegou em Mercê, um amigo meu lá emprestou o arriamento. Aí eu fui pra casa de um primo meu que morava na roça, próximo da casa dessa moça, né? E lá da casa desse primo meu de lá eu fui pra Alto Rio Doce. Já tinha combinado tudo, eu fui de véspera. O casamento foi num sábado e eu fui sexta-feira pra Alto do Rio Doce. E lá em Alto Rio Doce também arranjei pasto pra esse animal e eu fiquei na pensão. Aí no outro dia a moça foi. Nosso casamento foi 11 horas na igreja eu já tinha aquelas pessoas que eu tinha escolhido pra padrinho de casamento, né? Então, aí a gente casou 11 horas, quando foi duas horas da tarde saia o ônibus de lá que vinha pra Barbacena, e de Barbacena pegamos o trem pra São Paulo.
P - E o seu pai aceitou o casamento depois algum dia?
R - Aí foi o seguinte: eu vim embora pra São Paulo, com a esposa, fiquei um ano aqui em São Paulo, mais de um ano, depois de mais de um ano eu voltei lá. Aí fui pra casa do sogro, fiquei lá, né? Aí eu falei: “Agora eu vou lá na casa do meu pai”, aí alguém falou pra mim assim: “Não vai na casa do seu pai, porque o seu pai tá muito bronqueado com você, ele falou que se você chegar lá, ele vai te descer a lenha”. Falei: “Não tem problema, ele é meu pai, eu sou o filho, se ele bater em mim, ele bate no filho dele. Se eu apanhar, eu apanho do meu pai, não é vergonha nenhuma. Eu vou lá apanhar do velho”. E fui. Quando fui chegando lá, que bati palma assim (palmas), a minha madrasta, chegou na janela, que me viu: ela levou aquele susto assim e falou: “Olha, o seu pai tá muito bronqueado com você, seu pai não quer nem ver a sua cara”. Falei: “Mas eu quero ver a cara dele”. (risos) Daí eu entrei lá pra cozinha, comecei conversar com minha madrasta, ela me deu um café, me deu almoço e tal. Eu perguntei: “Cadê o meu pai? Quero ver meu pai”. Aí ela falou assim: “Ele tá lá no quarto da sala, ele tá sentado lá, mas ele não quer ver você não”, falei: “Mas eu quero ver ele”. Ela falou: “Não vai, não, que ele vai te bater”, falei: “Se ele bater, ele vai bater no filho dele, não é vergonha nenhuma eu apanhar do meu pai” (risos). Aí fui, cheguei lá o velho tava sentado lá, de cara amarrada assim, eu cheguei, levei a mão, falei: “Benção, pai”, aí ele levantou a mão assim “Deus te abençoe”, falei: “Senhor tá bem?” “Tô bem”. E daí nós dois começamos a conversar, e ele não bateu coisa nenhuma, né? Aí a gente conversou bastante, fiquei ali de dez horas da manhã até mais ou menos umas seis horas da tarde. Quando foi seis horas da tarde eu jantei lá com eles: meu pai e minha madrasta e despedi dele e falei: “Agora eu vou embora lá pra casa do meu sogro e domingo que vem eu volto aqui. Porque na segunda-feira que vem eu vou embora pra São Paulo outra vez”. Aí ele falou assim: “Ah, vem aí com a Maria, vem pra ficar aqui”, falei “Tudo bem”. Daí já mudou de figura, né? Quando foi no fim de semana, eu fui pra lá junto com ela. Ela não queria ir não, ela falou: “Eu não vou lá na casa do seu pai, seu pai vai brigar comigo lá, pode até sair correndo atrás de mim, pode até querer me bater”, aí falei: “Não, se ele bater, se ele pegar um pau pra bater em você, eu amparo com as minhas costas”. Mas aí ela foi, chegou lá, cumprimentou ele, né? Ele recebeu ela bem. E ali a gente ficou numa boa, conversamos o resto da tarde tudo, a gente dormiu lá. No outro dia a gente saiu, ele abençoou a gente e acabou o paredão. Acabou o ódio. E alguns anos depois, por volta de 1975, ele caiu lá de um barranco e quebrou a bacia. Ficou lá prostrado numa cama. Um primo meu é que tava cuidando dele. E eu cheguei lá e encontrei ele naquela situação. Nessa aí, a minha madrasta já tinha morrido... E esse fato já foi lá em Engenheiro Caldas, próximo a Governador Valadares. Cheguei lá ele viúvo, com a perna quebrada... Um cunhado dele é que tava cuidando dele, a família do cunhado é que tava cuidando do meu pai. É... Dando alimentação pra ele, quer dizer, dando a comida pra ele, cuidando dele, que ele tava prostrado na cama, doente, com a perna quebrada. Daí eu conversei com essa pessoa, falei: “Luiz, esse trabalho que você tá fazendo aí essa missão aí é minha, essa não é sua missão, essa missão é minha”. Falei: “Você podia comprar o terreno do meu pai” – que meu pai tinha lá uma herança do segundo sogro dele, de dois alqueires de terreno e ele tava morando lá. E falei: “E essa missão que você tá fazendo, essa missão não é sua, essa missão é minha. Eu vou combinar com meu pai, se o meu pai aceitar, a gente vende esse terreno pra você. E eu vou levar o meu pai pra São Paulo, que essa missão é minha. Eu é que devo cuidar do meu pai”. E aí combinei com ele, ele aceitou vender o terreno. Vendi esse terreno lá, dois alqueires de terreno de 70 mil, 70 cruzeiros, naquele tempo era um bom dinheiro. Aí aluguei uma Kombi lá, pus as coisinhas tudo naquela Kombi e vim embora pra São Paulo, trouxe ele pra minha casa, em Interlagos. Aí em Interlagos ele ficou comigo aproximadamente uns cinco, seis anos. E depois chegou o tempo dele também, ele acabou falecendo com 77 anos de idade. E a minha esposa, na minha casa, é que tava cuidando dele. Fazia almoço, dava comida pra ele, daí quando eu chegava do serviço punha ele na cadeira de rodas, levava ele pro banheiro, dava banho nele. Quando ele sentia muito mal, a gente chamava um taxi, levava ele pro Pronto Socorro, pro hospital e a gente cuidou dele até... Ele faleceu em 82, com 77 anos.
P - E depois que ele tomou aquele tombo, ele não conseguia andar?
R - Não conseguiu mais andar, daí vivia na cadeira de rodas. Quando ele caiu esse tombo lá que quebrou a bacia, esse parente da gente lá, que era concunhado dele, quis levar ele em Governador Valadares, levou ele num médico, pra fazer um tratamento. Aí ele falava: “Não, não precisa me levar não, eu tomo uns Milhorale aí e sara”. Milhorale... Melhoral ele falava Milhorale, só que Melhoral não vai sarar um osso quebrado, né? Daí quando eu trouxe ele pra São Paulo, eu trabalhava na Silvania, tinha um convênio e eu levei ele no convênio da firma, que aceitaram a gente levar ele. Foi tirado radiografia, mas devido o tempo que já tinha passado e devido a idade que ele já tinha, não era possível mais operar, né? Daí o médico falou: “O jeito é ele acostumar com essa dor, não tem mais jeito, não tem como”. E aí foi até... o fim.
P - Conta pra mim duas coisas, Gabriel: como era a sua vida aqui em são Paulo, depois que você se casou, que trouxe a esposa pra cá? E depois como ficou a vida do senhor depois que o senhor trouxe seu pai e passaram a viver a família?
R - A minha vida com a minha primeira esposa foi maravilhosa Era uma mocinha simples lá da roça, eu também não tinha vaidade. A gente viveu junto 47 anos e 51 dias, porque do dia sete de novembro de 59 até o dia 26 de dezembro de 2006, dá 47 anos e 51 dias: foi um tempo de uma vida maravilhosa pra mim A minha esposa pra mim valia ouro Tivemos 13 filhos, morreram quatro. E os outros nove são todos casados, cada um tem a sua casinha, cada um tem a sua moradia, cada um tem o seu emprego, cada um tem a sua vidinha própria. Eu fiquei viúvo, fiquei sozinho, né? Numa casa de oito cômodos, que é a minha casa onde eu moro, e a solidão nesses sete meses pra mim foi muito cruel, falei: “O jeito é procurar uma pessoa e me casar de novo”. Aí esses nove filhos meus, todos os nove me deram o maior apoio, todos eles concordaram. Ela, a minha nova esposa, que chama Cláudia Ananias Pereira. Ela tem cinco filhos. Dois moram em Machado, Minas Gerais, e três moram aqui na região de Parelheiros. Também todos eles concordaram plenamente com o nosso casamento.
P - Gabriel, vou fazer um desafio pro senhor, vamos ver se o senhor vai conseguir: eu queria que você contasse pra mim quando o senhor teve o primeiro filho. E depois eu queria que se você conseguir, que é difícil, que o senhor falasse o nome de todos eles, do mais velho pro mais moço
R - Sim (...) O primeiro filho foi uma menina, essa que ta aí com a gente hoje, essa que veio me trazer aqui. O nome dela é Rosa da Rocha Simão. Ela nasceu no dia 30 de agosto de 62. Depois dela foi Maria, nasceu no dia 26 de abril de 64; depois da Maria foi João, João da Rocha Simão, meu filho, nasceu no dia 24 de novembro de 65; depois do João, foi Antônio, o Antônio nasceu no dia seis de janeiro de 70, no mesmo dia que era a minha esposa, Maria da Rocha, que ela também era do dia seis de janeiro de 1938; depois do Toninho, aí foi Luís, o Luís nasceu no dia 25 de dezembro de 72 – esse Luís, esse filho, ele faleceu com 29 anos, no dia primeiro de junho de 2002. Ele era solteiro, quando tava com 26 anos, solteiro. Era o último que tava morando com a gente. Depois do Luís foi Paulo. Não precisa falar as datas, né? (...). Depois do Paulo foi Sílvio; depois do Sílvio foi Lúcio; Depois do Lúcio, Dorotéia. E esses que faleceram, antes... a Maria, que é a segunda filha, foi gêmea; ela nasceu de oito meses, daí a outra menina que nasceu junto com ela, faleceu com oito dias de vida. Nasceram no Pronto Socorro Santo Amaro, na Avenida Adolfo Pinheiro, e devido a ser prematura, né, que é com oito meses. Aí ficaram as duas numa encubadora, a Maria ficou durante uns três, quatro meses na encubadora e a outra morreu com oito dias.
P - Quando foi a época que a casa do senhor aqui em São Paulo teve mais filho junto? Porque a filha mais velha tá com 40 e poucos anos...
R - ...Tá com 46 anos... Não ela tem mais que 46 anos, a filha mais velha ela é de 62... 62 pra 2008...
P - 46, né? E o mais novo tem quantos anos?
R - Mais novo é a Dorotéia, né? A Dorotéia ela é de 77, tá com 29 anos.
P - Não, ela tá com 31. 2008, né? Tá com 31. E quando foi a época que a casa do senhor tinha mais gente?
R - A época que a minha casa tinha mais gente foi ali por volta de 78.
P - E aí como é que era viver nessa casa cheia de filhos?
R - Ah, era gostoso... A gente chegava do serviço aquela criançada tudo ali. A gente ficava em casa dia de domingo, eu ficava olhando a Dona Maria, né? A Dona Maria servindo alimentação pra aquela criançada. Aí a dona Maria servia comida pro mais velho, depois pro outro, depois pro outro... antes dela chegar no meio o mais velho já tava pedindo de novo, daí ela vinha, servia aquele depois continuava até o último. (risos) Ah, mas era uma luta, viu? Mas, olha, não sei se você já ouviu falar em Jó, aquele da Bíblia, você já ouvir falar? (...) você multiplica a paciência de Jó e imagina a paciência dessa mulher: aquela paciência, aquela calma, aquela tranqüilidade. É incrível uma pessoa pra ter a paciência que a minha esposa teve. Às vezes a gente ia pra Minas, tinha vez que... às vezes eu não podia ir, porque às vezes eu tava trabalhando, num tinha férias e ela queria ir visitar os pais dela lá em Minas, e ela falava: “Ai, eu preciso de ir lá visitar meus pais”. Aí ela tava com cinco, seis crianças, ia com aquela criançada tudo, carregando às vezes três malas desse tamanho assim. Carregando aquelas malas tudo, chegava nos ônibus assim, pra passar de um ônibus pra outro... sempre tinha aquelas pessoas que ajudavam, colaboravam. E daí quando chegava em Mercês com aquela criançada, chegava lá e tinha aquelas pessoas que prontificavam ajudar ela a levar aquelas crianças; às vezes emprestava animal; às vezes largava as malas em Mercês depois eles vinham buscar, aquelas pessoas amigas... Amigos lá da roça, aqueles rapazes, aquelas moças, todo mundo colaborava. Agora eu não esqueço é de um fato que a gente já tava com dez filhos, aquela escadinha, e aí um dia eu fui passear em Guainazes, na casa de um primo meu que morava em Guainazes. Daí a gente foi e quando a gente desceu na estação de trem, e a gente foi atravessar a avenida pro outro lado, aquelas cinco crianças junto com a gente, né? A Dona Maria e eu e aquela criançada toda, às vezes tem algum que fica um pouco atrasado assim, porque anda pouco, né? Veio um taxista com tudo assim, passando, quando foi passando perto da gente assim, quase que atropelou uma criança daquelas e ainda me xingou: “Ô palhaço, por que que não larga metade desses moleques em casa?”, falei: “Foi o que eu fiz, tô com cinco aqui, os outros cinco ficou em casa”.
P - (risos) Ô, Zé Gabriel, e vem cá, você trabalhou com limpeza nessa época, mas também você foi cobrador de ônibus né?
R - Também. Cobrador de ônibus foi a terceira firma que eu trabalhei. Cobrador de ônibus foi em 1957. Na Viação Bandeirante. Saia aqui do Largo de Pinheiros, a Viação Bandeirante era aqui no Largo de Pinheiros, próximo da delegacia, ali era a garagem. E eu trabalhei nessa empresa Viação Bandeirante, a gente fazia linha de Taboão à Anhangabaú, de Campo Limpo à Anhangabaú e foi inaugurada uma linha do Instituto Previdência pro Anhangabaú, o primeiro ônibus que foi lá eu era o cobrador.
P - Então foi bem antes do senhor casar?
R - Bem antes de casar... Dois anos antes de casar... que eu casei em 59 e isso foi em 57.
P - Então nesse período todo depois com o senhor já casado, com esse tanto de filho, aí você trabalhava na área de limpeza dessas empresas?
R - Trabalhava na área de limpeza...
P - Aí o senhor ficou a maior parte do tempo nessa área?
R - É, a maior parte do tempo nessa área de limpeza.
P - E quando o senhor se aposentou, o senhor se aposentou como serviços gerais lá da empresa?
R - ...Como serviços gerais, trabalhando no laboratório (Abut?).
P - E me conta como começou a ser sua vida de aposentado? De repente o senhor aposentou, mas o senhor continuou trabalhando?
R - É, eu continuei trabalhando durante uns cinco, seis anos ainda na mesma empresa, mas eu... Aí trabalhando nessa empresa, pagava o INPS a mesma coisa, era descontado o INPS. Mas só que depois veio uma lei que não podia mais aposentado pagar INPS, daí tudo aquilo que eu tinha pago durante uns quatro anos, me devolveram tudo, aquilo que eu tinha pago, depois de aposentado.
P - Então foi bom demais?
R - Foi ótimo
P - Daí o senhor parou de trabalhar de vez?
R - É, daí nessa empresa, no laboratório (Abut?) eu trabalhei lá mais ou menos até 90, 90 e pouco, 95, mais ou menos... Aí depois quando essa empresa mandou embora, eu falei: “Chega de marcar cartão, agora não vou marcar mais cartão não”, falei: “Já trabalhei 20 anos na roça, 41 anos em firma em são Paulo, tem que deixar a vez pros outros, né?”.
P - Aí voltou pra casa?
R - É, aí fiquei em casa, mas, olha, fiquei em casa, mas aquele costume de levantar cedo até hoje eu não perdi. Porque eu cheguei a trabalhar em firma que tinha que levantar às três horas da manhã. Eu cheguei a trabalhar em firma lá perto de Santo André, pegava três conduções, dormia mais na condução do que na cama em casa, viu? Cada ônibus que eu pegava era uma hora e meia de viagem, porque de ponto final a ponto final, né? Uma hora e meia de viagem cada ônibus, dormia uma hora e meia na ida e uma hora e meia no volta, falei “Poxa, mas que condução barata, a gente paga – naquela época um cruzeiro e cinqüenta centavos – com direito a dormida.” Aí chegava em casa era só o tempo de descansar um pouquinho, catar outra marmita e voltar de novo.
P - Mas e aí depois que aposentou mesmo, que voltou pra casa tranqüilo, como é que foi a vida de lá pra cá?
R - Aí eu continuei levantando cedo até hoje, por causa daquele costume de... O costume da vida toda, porque na roça levantava cedo, aqui também levantava cedo, aí acostumei até hoje e cinco horas da manhã já tô acordado e levanto.
P - E aí como é que é seu dia, hoje em dia?
R - Ah, o meu dia é gostoso Eu tenho várias atividades, né? O meu hobbie, por exemplo, eu gosto de trabalhar com uma filmadora, aí um chama pra filmar um casamento, outro chama pra filmar batizado, outro chama pra filmar um aniversário, e lá vou eu com a minha filmadorazinha, né? É... Eu faço parte do grupo dos Vicentinos, não sei se você conhece? O grupo dos Vicentinos da Igreja Católica, faço parte dos Vicentinos já... Eu sou vicentino desde 1942, quando eu tinha dez anos e até hoje ainda faço parte desse grupo dos Vicentinos, né? É a maior associação católica dentro da Igreja Católica, porque os Vicentinos eles estão em quase todos países do mundo, né? Então eu faço parte até hoje, e me sinto muito bem, eu faço parte do grupo dos Vicentinos. E hoje em dia, por exemplo, tem aqueles CEUS que... lá Cidade Dutra tem o CEU Cidade Dutra... Bem pertinho da minha casa, na Vila Rubi, tem o CEU Vila Rubi. Então ali sempre tem baile de terceira idade, sempre tem... de vez em quando eu faço assim: entro pra fazer aula de computador, né? É o básico, mas a gente sempre aprende alguma coisinha que é muito bom pra gente, sempre a gente tá participando de alguma coisa: grupo de terceira idade, Vicentino, a igreja – na igreja que é pertinho da minha casa, a gente sempre tem... participa, tem atividade ali da igreja também... Então parado a gente não fica. Sempre tem alguma coisa. Gosto... Por exemplo, tem, em Santo Amaro tem a Casa de Cultura de Santo Amaro, gosto muito de sertanejo, programa sertanejo... É a minha musica predileta Gosto de todas as músicas, mas o principal é sertanejo. Então eu vou naquelas apresentações de sertanejo da Casa de Cultura de Santo Amaro. Lá no Parque Cocaia também tem outro grupo de sertanejo, também todo domingo a gente sempre vai lá. E eu sempre tô visitando essas casas de cultura, onde tem sertanejo eu gosto de apreciar, a música sertaneja. E de vez em quando alguém chama a gente pra fazer uma filmagem, o pessoal vai cantar: “Eu quero que o senhor vai fazer uma filmagem pra gente” e a gente vai.
P - Então vamos trocar a fita agora e daqui a pouco eu quero saber como é que surgiu essa estória de ser filmador, fiquei curioso com essa estória? TROCA DE FITA
P - Ô, Gabriel, mas você tava contando pra gente que um dos seus hobbies hoje em dia é filmar, então quando os amigos te chamam, pra filmar um casamento às vezes ...e eu fiquei curioso pra saber como você se aproximou disso, de uma câmera de filmar?
R - Aconteceu o seguinte, o meu filho, o Toninho, ele gosta muito dessas coisas, de curiosidade. Então ele comprou uma filmadora JVC e foi lá em casa com ela e começou a filmar lá e eu achei muito importante aquilo ali. Porque é bem superior à máquina fotográfica, porque filma, aquilo tudo em movimento, dá impressão que até é vivo. E eu fiquei entusiasmado com aquilo ali e eu tinha que viajar pra Belo Horizonte, eu tenho bastante parente em Belo Horizonte, aí pedi a ele emprestado, falei: “Ah, Toninho, você podia me emprestar essa filmadora pra eu viajar com ela, assim eu vou filmando a viagem e chega lá em Belo Horizonte eu vou começar a filmar lá também os meus amigos lá, meus primos, meus tios, minhas tias lá”, aí: “Ah, pai, eu empresto com todo prazer”. Aí emprestou aquela filmadora pra gente. Eu tinha uma Brasília, aí eu com a minha esposa e umas três crianças ali na Brasília e a gente foi naquela estrada de São Paulo a Belo Horizonte que é a (...) Fernão Dias, né? E a gente foi pela Fernão Dias e de vez em quando a gente fazia uma parada. Encostava a Brasília no acostamento, ou embaixo de uma árvore e ali a gente tomava aquele cafezinho, a música... o rádio do carro lá com as músicas sertaneja e eu mais a Dona Maria dançava, né? (risos) E as meninas filmando, e a gente filmando aquele café, outra hora almoço... Tinha vez que a gente levava umas panelinhas, levava um fogareirozinho, fazia comida lá na estrada mesmo... A gente não tinha pressa de chegar, ali mesmo a gente fazia o almoço, almoçava, descansava bastante, depois seguia viagem. E lá em Belo Horizonte eu filmei bastante... filmei a estrada, filmei aquelas maravilhas da estrada... Aí um dia eu parei perto de um pé de ipê todo florido e olhando aquele pé de ipê e conversando com eles falei: “Ó, aqui juntou a obra do homem – que é esse asfalto bonito – e a obra da natureza que é esse lindo pé de ipê florido, ipê amarelo, né? E essa paisagem tão linda que juntou a obra de Deus com a obra da natureza, é a coisa mais linda E aí chegando em Belo Horizonte a gente foi pra casa dos tios, visitando a casa daqueles primos. Aí fiz umas entrevistas lá também, com um primo meu, que ele naquele tempo já era delegado de polícia. Que eu tenho cinco primos meus lá em Belo Horizonte que são policiais: uns são polícia de trânsito, outro polícia militar, já tem dois que são delegados, que já são aposentados, né? Eu fiz uma entrevista com esse delegado, que é esse primo, o nome dele é José Vitor, lá de Belo Horizonte... fiz uma entrevista com ele. E a gente lembrando daquele tempo de menino da gente na roça... Rapaz, mas aquela entrevista que eu fiz com ele, ele chegou a chorar, um delegado chegou a chorar de lembrar do tempo da nossa infância lá do interior
P - Que bonito... Depois disso não largou mais da câmera?
R - Não. Depois disso não larguei mais da câmera. Esse primeiro passeio que usei a câmera desse filho, usei ela mais ou menos uns três anos, umas três viagens, e depois comprei uma pra mim, aí comprei uma Sony. E essa filmadora Sony é minha ferramenta da gente se divertir, de fazer um trabalhos, que graças a Deus o pessoal até gosta da filmagem que a gente faz, que a gente faz com muito capricho, a gente faz com muito carinho e o que a gente faz com carinho sai bom
P - Agora, eu tô achando que você é um artista mesmo, porque é filmador e agora eu sei também que você canta e tem um grupo de teatro também, né?
R - Não. O grupo de teatro foi o seguinte: tem lá no Rio Bonito uns amigos da gente, um tal de João Terciano. Esse seu João Terciano ele é uma pessoa que tem muita facilidade de escrever peça de teatro. Ele pega um livro assim, lê uma estória no livro e daquela estória ali ele faz uma peça teatral, às vezes de uma hora, uma hora e meia ou até duas horas. E desde que eu conheci esse homem em Rio Bonito e ele já fazia teatro ali na igreja com os irmãos, as irmãs dele. E eu gostava muito de assistir as peças dele, que achava que ele trabalhava muito bem E quando foi um certo dia, ele parou com aquele grupo, desistiu daquele grupo. E daí uns cinco anos depois, eu encontrei com ele na rua, falei: “Ô, seu João, e aquelas peças de teatro que o senhor fazia, fazia aquelas apresentações de teatro na igreja, eu gostava muito, admiro muito seu trabalho, mais do seu irmão, o Irineu, vocês trabalham muito bem, vocês não podiam ter parado com aquele teatro”, aí ele falou assim: “Ah, a gente parou porque a gente desanimou daquilo, porque uns casaram e outros já não estão mais com a gente e a gente desistiu”, falei: “Ah, mas o senhor podia voltar essa peça outra vez, voltar a fazer teatro outra vez”, aí ele falou assim: “Ah, mas a gente não tem nem onde ensaiar.” Aí tava em frente a minha casa, eu falei: “Seu João, se o senhor quiser voltar a fazer apresentação desse teatro, o senhor pode usar a minha casa, a gente tem uma salinha aí, o senhor pode fazer ensaio aqui na minha casa e quem sabe se às vezes se a gente puder até ser aproveitado, pra fazer alguma coisa na peça, a gente podia até colaborar, fazer alguma coisa na peça também. Se o senhor fizer um teste com a gente, achar que a gente serve pra fazer alguma coisa, a gente pode até participar com o senhor.” Daí marcou um dia pra ele ir na minha casa, aí ele foi com duas irmãs mais um irmão e chegou lá e juntou eu e a minha esposa. E a gente começou a ensaiar uma peça lá, o nome da peça era “Um dia o peão acorda”. E a gente ensaiou aquela peça e a gente apresentava naquelas escolas da região ali, apresentava na igreja, apresentava nas creches... E teve uma vez que a gente foi chamado pra apresentar até onde o Mazzaroppi fazia as apresentações dele, parece que é ali perto da estação Bresser... Não sei se estação Bresser ou... parece que estação Bresser mesmo. E nós fomos convidados pra fazer apresentação lá e a gente foi e o pessoal gostou da nossa apresentação. Mas depois de um certo tempo, faz mais ou menos uns três anos, ele resolveu parar outra vez, acho que por motivo de saúde e aí desintegrou o grupo e acabou.
P - E a cantoria?
R - Ah, a cantoria eu gosto de cantar, assim, algumas músicas sertanejas, mas eu não tenho parceiro e a gente sozinho... não fica muito bom, mas diverte...
P - ...Mas toca violão também?
R - Não muito bem, mas algumas musiquinhas a gente faz.
P - Então você tem a vida bastante cheia, né?
R - Graças a Deus (...) Os Vicentinos, a música, os bailes, bailes da saudade... E a gente sempre... parado a gente não fica, e em casa, você sabe como é que é, quem tem casa sempre tem alguma coisinha pra fazer... É uma coisinha, é outra, a gente não para. Porque eu acho o seguinte: eu conheço muitos amigos meus que tinham a maior pressa de se aposentar pra ficar quieto. E isso é a pior coisa da vida, a pessoa aposentar e ficar quieto. Aposentar sim, a gente deixar de marcar cartão, deixar de ser comandado, deixar de ser manipulado pra ter uma vida mais livre. Assim: ter o direito de ser livre Que quando a gente é empregado, a gente não é livre, né? A gente entra no portão da firma ali, durante aquele tempo a gente tem que... a gente é mandado pelo chefe, pelo supervisor, pelo dono da firma. E a gente é vigiado durante o tempo que a gente tá ali dentro da firma. Agora, a gente na casa da gente aposentado, aposentadoria você sabe como é que é... é coisinha bem simples, daí a gente tem que fazer alguma coisa pra poder completar.
P - A gente tá chegando no final da entrevista, Gabriel, tem alguma coisa da sua estória, do seu passado, ou mesmo do seu presente, que você gostaria muito de contar e que eu não perguntei?
R - Tem. A estória é do meu avô, o pai do meu pai. O pai do meu pai ele chamava Geraldo Carlos Simão. A família dele também era composta de mais ou menos uns 12 filhos. O meu pai, mais os irmãos, mais as irmãs, era mais ou menos uns 12 irmãos. E o meu avô tinha a fazendinha dele perto de Arco Verde e ele era muito católico também, muito devoto. Devoto principalmente do Bom Jesus de Congonhas. Então de Arco Verde em Congonhas era 22 léguas de distância, cada légua são seis quilômetros. E o meu avô... tem o jubileu tradicional em Congonhas e esse jubileu já deve ter aproximadamente quase uns 300 anos que existe esse jubileu. E o meu avô foi aproximadamente uns 70 anos sem falhar um ano, quando solteiro e depois de casado com a família toda, ele ia com a família toda. Ele ia com dois animais carregados de arroz, feijão, carne, rapadura, toucinho... Aqueles dois animais levavam alimento pra eles se alimentarem durante a viagem, e durante os dias que ficavam em Congonhas e a volta. Três dias pra ir e três dias pra voltar e uma semana que ficava no jubileu lá. Na estrada ele fazia duas paradas, dois pousos. Aquelas pessoas já ficavam esperando ele que ele passava por ali naquela data. Chegava em Congonhas, Congonhas também o pessoal já reservava uma casa pra ele lá porque tinha certeza que ele não faltava. Aí ele ia com a família, né? Com a família, aqueles animais, tudo... E ele era muito devoto e lá naquele tempo o pessoal tinha um costume de fazer promessa pro Bom Jesus de Congonhas. Aí cada um dava um dinheirinho pra ele levar e por nos pés do Bom Jesus. Aí ele ia lá na casa dele, levar: “Ah, seu Geraldo, o senhor vai pra Congonhas, eu tenho uma promessa, eu prometi de dar cinco mil reis pro Bom Jesus – naquele tempo ainda era mil reis, né? Porque o mil reis acabou em 1942 e passou pro cruzeiro, né? – Eu quero que o senhor leve cinco mil reis e ponha lá nos pés do Bom Jesus”. Daí umas 20, 30 pessoas iam na casa dele, levava aquele dinheiro pra poder pagar aquelas promessas e ele levava aquele dinheiro daquele povo... E ele tinha um burro, e esse burro tinha nome de Figurão. Esse burro viveu aproximadamente uns 40 anos. Esse burro acostumou tanto ir a Congonhas, que... O jubileu era do dia sete de setembro até o dia 14. Quando chegava o dia primeiro de setembro aquele burro todo dia amanhecia no terreiro, já parece que adivinhando que ia viajar. Quando chegava mais ou menos no dia quatro de setembro, o meu avô arriava aquele animal, quando punha o arriamento no lombo desse burro e punha aquelas cargas ali, soltava o burro na estrada – 22 léguas de distância – o burro acostumou tanto com essa estrada, quem não conhecia o caminho de Congonhas, podia acompanhar aquele burro, que ele não errava uma encruzilhada na estrada, ia certinho. E aí, quando chegava em Congonhas, já tinha aquela casa lá que o pessoal já reservava pro meu avô. O meu avô chegava já tinha aquela casa lá, e ele ranchava, ficava ali com a família, ali tinha tudo. E ele tinha tanta amizade com aqueles padres lá de Congonhas, os padres já conheciam muito ele, já recebiam ele. Ele levava aquela oferta de todo aquele pessoal que tinha pedido pra ele levar, ele entregava na secretaria aquelas ofertas. Além disso, ele também era muito caridoso... Lá tinha aquela vida de pobre, tinham muitos pobres que ficam pela rua a fora, que não é o que os padres querem... Tinha uma casa apropriada só pra aquelas pessoas pobres, pra ficar lá naquele lugar lá. Naquele lugar lá eles têm almoço, têm janta, têm onde dormir, eles têm médico, eles têm todo tratamento, têm banheiro pra tomar banho, têm tudo aquele conforto lá. Mas mesmo assim, muitos dispensavam aquilo ali e preferiam ficar na rua. Mas aí o meu avô levava, dava alimentação pra aquelas pessoas também tudo... Meu avô era muito caridoso, muito devoto do Bom Jesus. Então, aí, esse mesmo burro que ia todo ano com meu avô... No mês de julho de 1940, chovia muito naqueles dias, e meu avô andando lá pra aqueles pastos, naquelas estradinhas lá, e ao passar numa ponte, bem próxima da fazendinha do meu avô... tinha aquela ponte e depois daquela ponte tinha um atoleiro – aquele barro por causa da chuva – e quando chegou naquele barro ali, o burro se desequilibrou e caiu. Quando o burro caiu, o meu avô também caiu. Caiu, bateu com o (pucho?) numa ponte de bambu, aquela ponte de bambu já no meio daquele barro, aquela ponte de bambu entrou no pulso dele e aquilo ali arruinou gangrena, que eles falavam naquele tempo: gangrenou. E meu avô acabou morrendo com aquela estrepada de bambu. Então meu avô morreu em 1940. Daí esse foi o tempo que a gente veio de Brás Pires pra Arco Verde novamente. Daí outra coisa, o meu avô como ele era muito devoto, nos dias em que ele tava doente, com essa estrepada de bambu, tinha um padre em Mercês, chamava padre Chiquinho. Esse padre Chiquinho é que foi lá na fazenda confessar o meu avô e dar a extrema Unção pra ele, naquele tempo chamava Extrema Unção, hoje é Unção dos Enfermos, né? Esse padre Chiquinho também foi confesar e ungiu o meu avô, foi o padre que fez o meu batizado. Chamava padre Francisco (Delgalho?), de Mercês (Mercedes?).
P - Bom, Gabriel, quer contar mais alguma coisa dessas estórias boas suas?
R - ...Acho que tá bom...
P - Tá bom? (...) Me responde uma coisa antes da gente terminar: que você achou de contar sua estória aqui pra gente?
R - Maravilhoso Por exemplo, toda essa estória que eu contei aqui, eu nunca tive oportunidade de contar. Então pra mim foi... Olha, fiquei muito feliz em ter essa oportunidade, fiquei muito feliz e muito grato com a acolhida de vocês, e tenho muito que agradecer. Agora, essa estória do meu avô, eu tive oportunidade de contar ela na Rádio Congonhas, no programa daquele moço que eu falei pra você: Wilton Ferreira, que é radialista e repórter policial lá de Congonhas, um moço muito... pessoa fina, gente muito boa Então, lá em Congonhas de Campos, na Rádio Congonhas eu tive oportunidade de contar essa estória do meu avô. E a segunda vez aqui.
P - Então antes da gente terminar vou pedir pra você repetir a... FINAL DA ENTREVISTA Lista de palavras não compreendidas: Mercês ou Mercedes Coroboarto Eno do Bão Verá Zeneri Abut pucho DelgalhoRecolher