Me chamo Soneide Domingos, nasci no sertão paraibano em um povoado na zona rural chamado Sítio Lagoa de São João, município da cidade de Princesa Isabel- PB. Minha família é composta por onze pessoas, meu pai José Domingos, minha mãe Rita Olívia (já falecida) e meus nove irmãos. Tenho um...Continuar leitura
Me chamo Soneide Domingos, nasci no sertão paraibano em um povoado na zona rural chamado Sítio Lagoa de São João, município da cidade de Princesa Isabel- PB. Minha família é composta por onze pessoas, meu pai José Domingos, minha mãe Rita Olívia (já falecida) e meus nove irmãos. Tenho um irmão mais novo que eu, mas sempre fui considerada a caçula das mulheres.
Embora tenha passado por algumas dificuldades da vida no sertão como, por exemplo, lidar com a falta de água entre outras dificuldades que passávamos na época. Meus irmãos mais velhos viveram dificuldades ainda maiores, como não poder estudar porque tinham que ajudar meus pais na roça, plantando milho, feijão e mandioca, essa plantação era a base se toda alimentação da família.
Nasci em uma época em que meus pais já eram mais conscientes sobre a importância de colocar os filhos na escola e não somente para ajudar na lavoura, embora eu tenha ajudado bastante. Estudava em uma período e no outro ia para roça. As brincadeiras quando aconteciam eram a noite antes de dormir. Confesso que brinquei bem pouco, inclusive na escola, pois não nos ofereciam momentos de brincadeiras, escola não era lugar para brincar, era lugar para aprender a ler e escrever segundo os educadores da época.
Os anos foram passando, estudei até a 4ª série do ensino fundamental na zona rural, a partir da 5ª série os alunos da “roça” eram transferidos para a cidade. Na época sofri muito preconceito em meu primeiro ano de estudo na cidade, o estudo na zona rural estava muito abaixo do da cidade, os alunos que migravam da roça para cidade sempre estavam em desvantagens em relação aos que sempre estudaram lá. Eles nos chamavam de atrasados, diziam que deveria ter uma sala só para quem viesse da roça e não lembro de nenhum professor nos defender desses ataques. Eu chorava muito, não dormia direito, me sentia inferior, quis parar de estudar (alguns amigos pararam), minha mãe não deixou eu desistir, segui sem meus melhores amigos, foi um ano bem difícil. Enfrentei todas as dificuldades sozinha, não era a melhor aluna, mas era a mais esforçada (uma das características que trago comigo até hoje).
Em 1995 terminei a 8ª série do ensino fundamental, antigo primeiro grau. Na época, quando uma mulher terminava o primeiro grau, automaticamente ia para o 1º ano do Magistério. Lá o Magistério era um curso cem por cento frequentado por mulheres. Toda mulher nordestina, ou se casava, ou se tornava professora. No meu caso eu não tive tempo de fazer a escolha, engravidei antes de terminar o 3º ano do Magistério em 1998, mas conclui com muita luta devido a gravidez. Conclui o segundo grau, hoje ensino médio. Logo depois fui obrigada a casar por ter engravidado, um casamento que obviamente não daria certo e, não deu!
Em maio de 1999 tive minha filha, dei a ela o nome de Samara. Em novembro de 1999 depois que o casamento forçado acabou, decidi vir para São Paulo, não foi uma decisão fácil, mas era a melhor opção na época, pois não estava aguentando a pressão de carregar o título de mulher separada, algo que era comparado quase como ser uma prostituta. Negociei com os meus irmão que moravam em São Paulo e eles aceitaram que eu viesse. Sou muito grata pelo apoio que recebi deles. Eu era apenas uma adolescente, com uma criança de seis meses no colo. Tudo que eu queria era arrumar um emprego para cuidar e sustentar minha filha. Como já falei, tive o apoio de meus irmão. Estudar não era prioridade, afinal eu já tinha o 2º grau completo, isso já era pré-requisito para arrumar emprego. Porém não sabia que o magistério me daria a possibilidade de ser professora em São Paulo, achava que era um curso que só servia no nordeste. Trabalhei em outras áreas, fui auxiliar de limpeza, doméstica, vendedora ambulante e segurança patrimonial. Não tinha sonhos, precisava apenas trabalhar para sustentar minha filha e me sustentar.
Com o passar dos tempos, achei que precisava mudar de vida, trabalhar em algo que me desse uma remuneração melhor, sabia que para isso tinha que estudar. Em 2008 um amigo me falou de uma escola técnica que oferecia bolsas para alguns cursos, só era preciso eu fazer uma prova. Esse amigo me deu um folheto, mas o único curso que eu me interesse foi o curso de Técnico em Informática, achava que iria aprender montar e desmontar computador, diziam que isso dava dinheiro. Fui lá e me escrevi para prova, era uma escola técnica que pertencia a FEI, uma faculdade renomada na área de engenharia na cidade de São Paulo. Fiz a prova e fui contemplada com uma bolsa de setenta por cento, os outros trinta por cento eu teria que pagar, fiz um esforço, me matriculei no curso. Quando começou o curso percebi que não era nada do que eu pensava, eu não mexeria em computadores na parte de montagem e desmontagem, o curso de TI é voltado para área de sistemas, os famosos “softwares”. Me senti muito mal, não sabia nada de informática, nem computador eu tinha, como continuar em um curso desse? Conversei com um professor sobre tudo isso, ele me entendeu, mas disse que eu não deveria desistir, que eu aprenderia e que a turma me ajudaria, tenho a impressão que ele falou com a turma para me apoiar sem que eu soubesse. Diante disso, continuei, com muita dificuldade, mas não desisti e terminei o curso. O curso durou um ano e meio, não aprendi muita coisa na área de TI, mas adquiri conhecimento de mundo, conheci pessoas incríveis que despertaram em mim o desejo de cursar uma faculdade, inclusive esse professor que mencionei antes, até hoje tenho contato com ele.
A partir daí pensei em como fazer uma faculdade se o que eu ganhava mal dava para sustentar a casa, me falaram do ENEM, tentei pelo menos umas três vezes, mas não consegui atingir a nota de corte para o curso que eu queria. Na época queria Administração. Depois dessas tentativas dei uma esfriada, já que não podia pagar uma faculdade, nem estava conseguindo bolsa, deixei de pensar na possibilidade, isso foi em meados de 2011.
Em 2014 me falaram da ETEC, Escola Técnica do governo do Estado de São Paulo, eu não conhecia a instituição, pesquisei e vi que oferecia cursos técnicos gratuitos, me inscrevi para o curso Técnico em Administração, fiz o vestibular e passei. Em Agosto de 2014 eu comecei o curso e mais uma vez percebi que tinha ingressado no curso errado, não era o que eu queria, mas foi um curso também incrível. Durante o curso, mais uma vez fui despertada para a importância do conhecimento, com isso, acendeu novamente em mim a vontade de ingressar em um curso superior. Decidi que assim que terminasse o curso faria ENEM novamente, minha escolha deixou de ser Administração e seria RH. Terminei o curso na ETEC em dezembro de 2015, já tinha feito a prova do ENEM, mas só em Janeiro de 2016 ficaria sabendo o resultado.
Em Janeiro de 2016 obtive minha nota no ENEM. Não foi uma nota muito boa, mas foi melhor do que as anteriores, dava para concorrer a bolsa no curso de RH. Quando fui procurar as instituições que aceitavam minha nota de corte, nesse momento, comecei a refletir se RH era mesmo o curso que eu queria, já que eu não tinha gostado de ADM. Comecei a lembrar que as pessoas diziam que eu levava jeito para professora, mas eu não gostava da ideia, pois a maioria dos professores que eu conhecia, inclusive duas irmãs minha falavam que essa profissão era muito injusta e mal remunerada. Mesmo assim, fui pesquisar sobre o curso, durante minha pesquisa descobri que quem tem Pedagogia também poderia trabalhar com RH, gostei da ideia, pensei: se eu não quiser ser professora eu posso trabalhar com RH, posso escolher, se for o caso. Então decidi, me inscrevi no curso de Pedagogia da Faculdade Messiânica situada no bairro da Vila Mariana em São Paulo, fui contemplada com uma bolsa cem por cento, foi uma das maiores alegrias da minha vida, iria cursar um curso superior de “graça” um dos meus maiores sonhos estava prestes a se tornar realidade.
Em fevereiro de 2016 comecei a cursar Pedagogia, de início me encantei pela Faculdade Messiânica, um ambiente leve e acolhedor, um lugar que o respeito ao outro e a sua história eram sempre sagrados. Uma faculdade que não era conhecida, embora tivesse dez anos no mercado com curso de Teologia. Éramos a primeira turma de Pedagogia. Quando falava que fazia Pedagogia na Faculdade Messiânica, as pessoas afirmavam, nossa, nunca ouvi falar dessa faculdade. Muitas vezes o que conta para muitas pessoas é o nome da instituição e não o conhecimento que o aluno adquire, percebi isso nos processos seletivos. A Faculdade Messiânica foi minha melhor escolha, o curso de Pedagogia da instituição é incrível, foi pensado para formar educadores críticos e capazes de valorizar o educando em sua integralidade, algo que faz muita diferença na área da educação e me ajudou a ver a educação com outros olhos.
No decorrer do curso foi surgindo a vontade e a necessidade de estagiar na área, mas tinha um problema, os estágios que apareciam pagavam muito menos do que o que eu ganhava na empresa de segurança privada, eu como dona de casa, única mantenedora do lar, não tinha condições de largar o meu emprego por um estágio, isso me entristecia bastante, pois eu queria conhecer na prática tudo que eu estava aprendendo na teoria. Lembro que em outubro de 2017, nossa professora de Estágio levou a coordenadora de Estágio da Escola Carandá Vivavida-Educação, escola da rede particular na cidade de São Paulo, para conversar com a turma sobre o programa de formação de estagiários que a escola tem, lembro que fiquei encantada, quando ela falou o salário, era igual ao que eu recebia na empresa, todos da sala falaram, olha Soneide, esse estágio daria para você. Essa coordenadora abriu um processo seletivo para as vagas de estágio da escola no ano de 2018, e pediu para que quem tivesse interesse mandasse o currículo para ela. Eu não pensei duas vezes e enviei meu currículo.
Sendo assim, em novembro de 2017 fui chamada para o processo seletivo na Escola Carandá Vivavida, tinha várias pessoas, na medida que foram se apresentando, já pensei, nossa não terei chance, são todas de faculdades renomadas, alguns já tinham experiências em outras escolas. Quando falei o nome da faculdade, ouvi muitos múrmuros, nossa nunca ouvi falar. Fiquei muito nervosa, passei pelas etapas do processo, mas sai com a sensação de que realmente não teria como competir com aquela turma. Mas, para minha surpresa, fui chamada para segunda etapa do processo seletivo, um teste de cinco dias em sala de aula. Quando li o e-mail, quase enfartei, eu só agradecia a Deus pela oportunidade. Na data marcada, compareci à escola para começar o teste, fiquei em uma turma de primeiro ano do ensino fundamental, fiquei encantada com a turma e com a proposta da escola. Dei o meu melhor, no quarto dia de teste, a coordenadora dos estagiários foi lá na sala, sentou comigo e perguntou o que eu tinha achado, eu falei que estava adorando, ela me falou: “a vaga é sua, já tive informações que você merece e atendeu as expectativas”. Eu só chorei, não consegui falar de tanta emoção. A coordenadora falou que eu não precisava completar os cinco dias de teste, como eu estava empregada, eu precisava ir negociar minha saída da empresa, pois eu começaria na escola em de Janeiro de 2018.
Negociei com a empresa minha saída, depois de doze anos de prestação de serviço na área de segurança bancária. Era uma profissão muito arriscada, mas aprendi muito, testei minha paciência e aprendi muito a lidar com o outro, cheguei a ganhar prêmios de segurança destaque. Fiquei na empresa até dezembro de 2017, fiz grandes amizades, ganhei uma festa de despedida com direito a homenagens e presentes, todos torciam muito por mim, sabiam da minha trajetória e do meu esforço.
Em janeiro de 2018 comecei o estágio de auxiliar de professor na Escola Carandá. Comecei como recreacionista, nesse período passei pela Educação Infantil e Ensino Fundamental I, depois auxiliei uma turma de primeiro ano do ensino fundamental. Em 2019, segundo ano de estágio e último ano na faculdade, auxilie duas turmas, ainda na escola Carandá. Uma turma de primeiro ano do ensino fundamental e outra de segundo ano, minha função nessas turmas era auxiliar crianças em situação de inclusão, foi algo incrível, como essas crianças transformaram minha vida, tanto como pessoa, quanto educadora. Como em tudo na vida, tive algumas dificuldades enquanto estagiaria, muitos desafios que precisavam serem vencidos, tive exemplos do tipo de professora eu queria ser, assim como a que eu não queria, mas sem dúvidas, sai com a mala cheia de aprendizagens e conhecimentos, penso que é para isso que serve o estágio. Como diz Cleide Terzi, “estagiários pesquisadores, são peregrinos de terras escolares”.
2019 foi passando, sabia que se aproximava o término do estágio e da faculdade, precisava arrumar um emprego. Mesmo estagiando em uma escola particular, tinha certeza que queria atuar na escola pública e na Educação Infantil, embora minha maior experiência tivesse sido no ensino fundamental.
Em meados de novembro de 2019 comecei a entregar currículos, comecei pelos CEIs próximos de casa, mas a maioria exigia diploma em mãos, eu estava me formando, até sair o diploma, nem teria mais processos seletivos nas escolas. Com isso, deixei os CEIs de lado, comecei a mandar currículos para escolas particulares de Educação Infantil na cidade de São Paulo. Fiz uma lista e enviei vários currículos. Chegou dezembro e somente uma escola me chamou para um processo seletivo, mas não deu retorno. Fiquei triste e com medo de não arrumar emprego, todos os meus amigos tinham sido chamados para várias entrevistas, outros já estavam empregados e eu não tinha conseguido nada.
Até que um dia, um amigo me marcou em uma vaga para professor de Educação Infantil em um CEI conveniado com a prefeitura de São Paulo. O anuncio estava na página da Coordenadora do CEI no Linkedin. Agradeci ao amigo pela indicação, mas disse que os CEIs exigiam diploma e eu ainda não tinha. Só que, gentilmente, a coordenadora falou que o CEI que ela atuava aceitava a declaração de conclusão de curso. Nesse momento acendeu em mim um fio de esperança, conversei com a coordenadora e enviei meu currículo, ela pediu para que aguardasse que posteriormente marcaria uma entrevista. Fiquei aguardando.
Dia 18 de dezembro de 2019 foi meu último dia de estágio na escola Carandá. No dia seguinte estava em casa, formada e desempregada. Mas,para minha felicidade, recebi a ligação da coordenadora do CEI marcando uma entrevista, ficou combinado para eu comparecer no dia 08 de janeiro de 2020. No dia marcado compareci, passei pelas etapas do processo seletivo e fiquei aguardando a resposta em casa. Três dias depois recebi um e-mail da diretora do CEI me convidando para fazer parte da equipe pedagógica da escola. Iria assumir a função de professora polivalente de Berçário, fiquei tão contente, chorei, gritei, agradeci a Deus e tudo mais.
Hoje sou professora no CEI Vila Inglesa que fica localizado na periferia da capital paulista, sou imensamente grata pela oportunidade. Infelizmente com apenas um mês e meio na função tivemos que entrar em recesso por causa da pandemia da Covid- 19. Tivemos que desenvolver nossas funções remotamente, tenho aprendido muito com toda equipe, mesmo distantes. Obvio que se estivéssemos no espaço escolar seria muito melhor, mas enquanto o dia de retornar não chega, sigo com muita fé e esperança de que dias melhores virão. Nesse período tenho aprendido muito sobre a Educação Infantil, cada dia que passa tenho mais e mais certeza que escolhi a área certa, quero poder lutar por uma escola pública de qualidade e igualitária, lutar pelos direitos das crianças, lutar por um Brasil melhor!
Costumo dizer: Sou mãe, mulher, nordestina e brasileira, agora educadora e por isso não desisto nunca!Recolher