Entrevista de Jorge Pedro Frare
Entrevistado por Luiza Gallo
Doutor Camargo, 17/07/2024
Projeto: Colhendo Histórias
Entrevista número: COHIS_HV003
Realização: Museu da Pessoa
Revisado por Luiza Gallo
P/1 - Vamos lá! Primeiro eu quero te agradecer demais por nos receber aqui e topar compartilhar um pouquinho da sua história com a gente. E eu queria que você começasse se apresentando, dizendo o seu nome completo, a data e o local de nascimento?
R - Meu nome é Jorge Pedro Frare. A data de nascimento é dia trinta de outubro de 1950. E estamos aqui para conversar.
P/1 - Que cidade você nasceu?
R - Eu nasci em Cambé, Paraná. Norte do Paraná.
P/1 - E te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R - Não, porque o mundo moderno de hoje é diferente, dos mundo dos anos cinquenta é diferente. Então, a gente tem a história dos netos hoje, tem a história dos filhos, mas eu não tenho, assim. Eu sei que eu tô aqui por um milagre. Primeiramente foi um milagre. Minha mãe… Eu tenho oito anos de diferença do meu irmão, último irmão para ter eu. Naquele tempo, que a medicina era um pouco mais diferente de hoje, minha mãe deu apendicite e ela estourou. E o médico falou para o meu pai. “Seu Frare, a sua esposa tá com o pé na cova, não tem o que fazer por ela mais.” Operou ela na dor, não existia anestesia que tirava dor naquele tempo. E daí oito anos eu apareci. Então, eu falo pra muita gente, eu estou aqui por um milagre de Deus mesmo. Minha mãe sobreviveu e ela me teve depois de oito anos.
P/1 - E quantos irmãos você tem?
R - Somos em nove irmãos. Cinco homens e quatro mulheres.
P/1 - Você é o caçula?
R - Não, eu sou… depois de mim tem mais duas irmãs. Eu sou o terceiro. Então, tem os cinco homens e quatro mulheres, tem duas irmãs mais novas que eu.
P/1 - E como era a sua relação com seus irmãos pequenininhos?
R - Sempre foi como uma criança, né? Adolescente. Mas muito bem, a gente de origem, a gente sempre…...
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Entrevistado por Luiza Gallo
Doutor Camargo, 17/07/2024
Projeto: Colhendo Histórias
Entrevista número: COHIS_HV003
Realização: Museu da Pessoa
Revisado por Luiza Gallo
P/1 - Vamos lá! Primeiro eu quero te agradecer demais por nos receber aqui e topar compartilhar um pouquinho da sua história com a gente. E eu queria que você começasse se apresentando, dizendo o seu nome completo, a data e o local de nascimento?
R - Meu nome é Jorge Pedro Frare. A data de nascimento é dia trinta de outubro de 1950. E estamos aqui para conversar.
P/1 - Que cidade você nasceu?
R - Eu nasci em Cambé, Paraná. Norte do Paraná.
P/1 - E te contaram como foi o dia do seu nascimento?
R - Não, porque o mundo moderno de hoje é diferente, dos mundo dos anos cinquenta é diferente. Então, a gente tem a história dos netos hoje, tem a história dos filhos, mas eu não tenho, assim. Eu sei que eu tô aqui por um milagre. Primeiramente foi um milagre. Minha mãe… Eu tenho oito anos de diferença do meu irmão, último irmão para ter eu. Naquele tempo, que a medicina era um pouco mais diferente de hoje, minha mãe deu apendicite e ela estourou. E o médico falou para o meu pai. “Seu Frare, a sua esposa tá com o pé na cova, não tem o que fazer por ela mais.” Operou ela na dor, não existia anestesia que tirava dor naquele tempo. E daí oito anos eu apareci. Então, eu falo pra muita gente, eu estou aqui por um milagre de Deus mesmo. Minha mãe sobreviveu e ela me teve depois de oito anos.
P/1 - E quantos irmãos você tem?
R - Somos em nove irmãos. Cinco homens e quatro mulheres.
P/1 - Você é o caçula?
R - Não, eu sou… depois de mim tem mais duas irmãs. Eu sou o terceiro. Então, tem os cinco homens e quatro mulheres, tem duas irmãs mais novas que eu.
P/1 - E como era a sua relação com seus irmãos pequenininhos?
R - Sempre foi como uma criança, né? Adolescente. Mas muito bem, a gente de origem, a gente sempre… família muito unida, muito religioso, a gente sempre foi de família religiosa. Nunca tivemos atrito nenhum, não. Foi muito bacana.
P/1 - Tem algum que você era mais próximo?
R - Sim, eu tenho um irmão que ele… por nascer distante, a nossa idade, dele pra minha, ele se casou com mais idade, então ele ficava mais próximo, chamava Valentim. Ele se envolveu com a gente no dia a dia mais tempo do que os outros. Os outros se casavam e já iam procurar o seu campo. E esse, ele ficou mais tempo solteiro, por eu ser o mais jovem, ficamos mais tempo juntos. Mas era bom também. Um irmão bacana de mais. Irmão amigo.
P/1 - Você lembra de alguma história com ele bem especial?
R - A história que eu sei, ele era Santista também, torcia para o Santos. E na Copa de sessenta e alguma coisa, que o Brasil foi campeão, nunca esqueço disso. No tempo era rádio, não existia televisão, aqueles rádios de parede, sabe? Ele estava assistindo o rádio, estava perto do rádio e o Brasil perdendo para a Espanha de um a zero, aí o Amarildo marcou gol e ele pegou o chapéu na cabeça, jogou no chão, pisou em cima, fez uma festa, sabe? Então, eu nunca esqueço essa história dele, que marcou muito pra gente. Tanta alegria que ele até amassou o chapéu com os pés. Nós éramos muito amigos, eu tocava acordeon e ele toca violão, todo baile que que animava naquela época, ele ia comigo com o violão junto. Acordeon ele nunca conseguiu tocar, eu não conseguia tocar violão, sanfona, eu não conseguia tocar violão. Aí, ele me ajudava com os bailes. Naquele tempo os bailes eram diferentes, não era eletrônico que nem hoje, era mais manual, não tinha som, era tudo no braço, e eu tinha a sanfona e ele o violão, tocava junto.
P/1 - E os seus pais, que recordações você tem deles? Jeitinho deles?
R - Muita educação, muito enérgicos, não eram pessoas bravas, eram enérgicos, pessoas que… o que eles falavam não precisava de documento. Ela deixou pra gente um legado de honestidade, de transparência, sabe? Porque se ele não podia fazer um negócio ele não fazia, mas se ele fazia, você não precisava de documento pra poder quitar aquilo lá, sabe? Então, eram pessoas muito de palavra. Então, a gente tem muita memória do bem deles. Meu pai era de origem italiana, minha mãe de origem espanhola. Mas só tenho lembrança boas deles.
P/1 - Qual é a história deles? Onde eles nasceram?
R - Eles nasceram no estado de São Paulo, na região de Araraquara, por perto de Araraquara, chamada Canto Rodrigues, ali perto de Araraquara. Meu pai tinha treze irmãos homens, nenhuma irmã mulher, tudo homem. Aí eles moravam lá na fazenda do meu vô e nos anos cinquenta começou a falar que o Paraná era lugar para o pessoal mudar, que era do futuro. Aí, eles vieram para o Paraná, morar pra cá. Aí, os irmãos dele ficaram em São Paulo e ele e um irmão dele vieram para o Paraná, Cambé, Londrina, Maringá. E estamos aqui em Camargo hoje.
P/1 - Sua mãe veio junto? Se conheceram em São Paulo?
R - Se casaram lá. Meus irmãos mais velhos são todos paulista e de mim pra frente somos Paranaense. Esse irmão que eu disse que é uns oito anos mais velho que eu, é paulista ainda. Aí vieram pro Paraná na época da mata, de serviço pesado mesmo, manual. Naquele tempo não tinha trator que nem hoje, não tinha modernidade, era trabalhado mesmo. Não tinha horário, não tinha dia, era… Então, eles vieram aqui desbravar o Paraná e deu certo. Quebrava o mato no machado, não era motosserra, cortava uma árvore no machado, sabe? O cara tinha que ser bom no muque mesmo. Forte, resistente. Hoje a coisa está mais fácil, mais moderna. Mas é uma lembrança muito boa, dos meus pais, da minha família toda. Muito bacana.
P/1 - Sua mãe também trabalhava?
R - Trabalhava!
P/1 - Na roça, ajudava?
R - Não, minha mãe trabalhava porque tinha nove filhos para cuidar, praticamente. E ela não tinha empregada naquele tempo, não existia, ela cuidava de todos os filhos, lavava roupa naquele tempo no tanque, né? Não tinha energia elétrica, a elétrica chegou aqui em 1975, chegou energia elétrica aqui, 1975 pra trás não existia a televisão, não existia nada aqui. Tinha uma televisão na Copa de setenta porque era tocada a bateria, um quatorze polegadas preto e branco. Quem tinha, né? Quem tinha. 99% não tinha televisão. Aí, em 1975 desceu uma rede de energia aqui, aí apareceu conforto. Hoje tem energia solar, tudo em casa que precisa, mas naquele tempo não existia, era diferente. Pra mim namorar com a minha esposa, eu ia tocar em baile de a pé, depois dos anos de 1970 que a gente conseguiu melhorar as coisas, modernizar, compramos uma camioneta, ia tocar no baile de camioneta, mas antes, as vizinhas que eu tinha, bastante vizinhos, tinha gente… Fui sanfoneiro na região. “Seu Pedro, vai tocar no baile de onde no sábado? Pode ir junto?” “Vamos!” Juntava cinco, seis, oito, amigos, as moças também. Colocava a sanfona nas costas, sem a capa dela, solta aqui, cada um levava um pouco, até no baile. Na hora que o baile acabava vinha pra casa. Cada um ficava numa casa, que os sítios eram tudo próximo um do outro. Sábado que vem era outra história. Teve família de eu tocar em três casamentos de uma família só. Casava um filho hoje, daqui três, quatro anos, casava outro filho. E eu era o sanfoneiro do pessoal, sabe? Então, na década de setenta até nos anos noventa, festa junina,_____ Paraná, Hawai, nesse mundão tudo eu tocava nas festas juninas. Então, a gente ficou muito conhecido pelo povo. Você não conhece todo mundo que está no baile, mas todo mundo do baile vê você. Então, você fica assim, muito conhecido. É bacana isso aí. Cria uma amizade, um relacionamento muito bom. Bacana!
P/1 - Antes da gente entrar na história da sanfona. Sua família tinha algum costume muito específico? Alguma comida ou festas comemorativas?
R - Não, a nossa família era o dia a dia, não tinha assim… Comida da mãe, era comida da mãe, não se discute. Até hoje eu falo para a minha esposa, até hoje, eu sou fã de frango com chuchu, minha mãe fazia um frango caipira com chuchu junto, cozinhava. Até hoje, meu prato preferido, se alguém perguntar, até sabe o que é. Então, isso daí da mãe, o pai… Meu pai, por eu ser Pedro, todo ano dia de São Pedro ele fazia uma festinha de São Pedro. Os outros dias do ano, tudo bem, mas o São Pedro era diferente para ele. Meu avô era Pedro. Meu avô faleceu em abril e eu nasci em outubro. E meu pai colocou meu nome do pai dele, meu avô chamava Pedro Frare. Meu pai colocou meu nome do pai dele. E aí, ficou, não era Pedro, era Pedrinho. Foi em São Paulo na casa dos parentes, onde tava. “O Pedrinho chegou.” Pedrinho até hoje. Então, é lembrança do pai dele, do meu avô. Mas eu não cheguei a conhecer, que ele faleceu no mesmo ano que eu faleci. Mas meu pai falava sempre para os vizinhos que vinham aqui, visita. “O Pedrinho é o jeito do meu pai, do jeito que o pai andava, do jeito que meu pai era, do jeito que meu pai era calmo, o Pedrinho é igual.” Então, acho que tem alguma coisa a ver. Não dá para explicar essas coisas, mas tem. Tem sim! Meu vô diz que era muito… qualquer problema que ele pegava ele resolvia, mas tudo na calma, sem… Bacana!
P/1 - Você se identifica com esse jeito?
R - Sim! Eu sou, graças a Deus até hoje… Se você perguntar para a minha esposa, que faz 53 anos de casado e meus filhos, se um dia eles ouviram um palavrão meu. Não existe! Então, essa coisa assim, que está no DNA da pessoa, sabe? Se você me ofender aqui, eu viro as costas e vou embora, não vou brigar com você. Formação minha que eu tenho é essa. Tem pessoas que não, de repente que tirar dúvidas… Eu acho que se você me ofende e eu ofender você, eu estou igualando com você. Então, eu acho que você tem que dar exemplo, se o outro está errando você não pode errar igual. Então, é um pensamento que eu tenho desde a infância. Eu tenho uma frase que eu aprendi de criança, até hoje eu tenho ela, que eu falo para muita gente. “Quem não vive para servir, não serve para viver.” Então, eu levo isso sempre comigo. Eu aqui na cidade fui doze anos Presidente da APAE, doze anos presidente de um colégio, do grupo de igreja, a vida toda. Sicredi treze anos, Cocamar vários anos também. Tem mais coisas na cidade que participo como coordenação. E tudo assim, espontâneo, sabe? Sou um simples agricultor, mas o povo gosta, confia, identifica com a gente. E eu sou muito honrado com isso, porque quando alguém chama você para ser presidente de uma entidade, é porque acha que você tem capacidade e é confiável, se não você não vai ser. Várias vezes fala: “Mas tem fulano lá, que mora lá perto.” “Não Senhor Frade, a gente quer o senhor.” Então, é muito significante pra gente, quando alguém fala isso pra gente. Então, acho que vale a pena. O trabalho da APAE mesmo é um trabalho muito interessante, a gente se dedicava. Doze anos não é um dia só não, são muitos anos, então a gente tem uma história muito linda por trás disso. E eu não tenho nenhum filho que estuda na APAE, nada, eu sou presidente por convocação dos amigos. Não é porque tem alguém lá dentro… Não! Eu fui presidente porque quiseram que a gente fosse trabalhar lá. E com isso aí eu crio muita amizade com políticos. Que a APAE, ela é contra que você seja político, porque nós não podemos ser políticos, porque a APAE depende de quem ganha, o prefeito da cidade, o deputado, quem for, ele tem que ajudar a APAE. E se você for político, não dá certo a política. Então pra nós ser presidente, nós temos que ser neutros. Mas ser amigo dos políticos, porque nós precisamos do recurso dos políticos. Então, quando um político ganha na região, você quer que ele traga recursos pra você. E você sendo neutro ele vai te atender, porque você não tem vínculo com um. Então, é muito bacana isso aí. Eu acho que valeu a pena fazer esse trabalho voluntário, de comunidade, de grupos. A APAE em Camargo foi aberta em 1994, eu fui a fundação junto com o pessoal que fundou, estamos fazendo trinta anos. E a gente passou um período, até hoje ______ da APAE, esse período eu fiquei presidente também pra…
P/1 - O que significa essa sigla?
R - APAE é uma escola de alunos excepcionais. Mas em São Paulo também tem, em todo lugar tem, no Brasil inteiro tem. Então, em Camargo tem vários alunos, só aqui na cidade tem uns quarenta alunos. De toda idade, de pequenino até… Tem um trabalho diferenciado, inclusive meu filho dá aula na APAE. O professor tem que ser… bom, não, tem que ser melhor do que bom. Tem que ser excelente. Porque é um trabalho com muito carinho, muito amor, porque as crianças que tem. Tem síndrome de alguma coisa, então eles têm que ser tratados de modo mais especial. Então chama escola especial.
P/1 - E você conheceu os seus outros avós?
R - Conheci uma avó minha só, por parte da minha mãe. Que minha avó e meu avô por parte do meu pai, faleceram antes de eu nascer. E o avô por parte da minha mãe, ele faleceu na gripe espanhola, em 1918. Minha mãe tinha cinco anos de idade quando o pai dela faleceu de gripe espanhola, então ela “malé, malé” tinha memória do pai dela, ela tinha cinco anos de idade. E minha mãe já fez trinta anos que faleceu, agora domingo. Então, conheci uma única avó que eu tinha, por parte da minha mãe, chamada Teresa, tenho lembrança dela.
P/1 - Que lembrança você tem?
R - Ela tinha o cabelo preto, velhinha, velhinha, de oitenta anos, o cabelo dela não era branco. Coisa significante. Então, a gente tem uma memória que marcou a gente, uma senhora com… Hoje nós com trinta, quarenta anos, já tá tudo branqueando, né? E ela tinha o cabelo preto. Então, a gente tem assim, se é a natureza… E ela ficou viúva, nova, nova, minha mãe era criancinha. E ela criou os filhos, cinco irmãos, cinco filhos, nunca casou com ninguém, criou os filhos, a vida difícil, do campo. E o cabelo dela era preto. Então, é bacana isso aí. Nossa família sempre foi uma família muito unida, sabe? Graças a Deus. Por parte dos irmãos, tudo muito bom.
P/1 - E quando você era pequeno, que você gostava de brincar, qual era a brincadeira favorita do senhor?
R - A gente, desde criança… o favorito era bola, jogar bola. Mas era uma época muito difícil, Luiza. Pode te chamar de Luiza, né?
P/1 - Uhum.
R - Tenho uma sobrinha que se chama Luiza, tem vinte e poucos anos já. A gente chegava no pai. “Pai, queria uma bola”. Mas as condições, naquele tempo, eram muito difíceis. Nem sempre podia comprar uma bola. É no final do ano, depois da colheita, o pai: “Vou comprar uma bola pra você.” E no final do ano comprava uma bola pra gente, mas aquela bola acabava, né? Aí… No sítio que a gente morava tinha um campo de futebol, então a gente brincava, jogava bola no final de semana, dia Santo, feriado, à tarde, domingo. Então uma boa… Mas a minha paixão mesmo desde criança foi o acordeon. Essa história é bem longa. Então, se você quiser que eu conte um pouco.
P/1 - Por favor!
R - A gente… Eu era menino, de uns sete, oito anos e eu ouvia sanfona tocar. Porque no campo, aquele tempo, todos os casamentos que tinha… cada sitinho morava gente e como era manual, todo sitinho tinha uma família grande, ou duas famílias grandes no sítio. Aí um casava com o vizinho do outro, o rapaz casava com a moça, a moça com o rapaz. E todos aqueles casamentos tinha um baile, com sanfoneiros da roça. E meu pai era jovem, eu era menino de sete, oito anos, e meu pai ia num casamento e eu ficava a noite inteira ouvindo o sanfoneiro tocar. Aquilo era uma paixão, até hoje eu tenho paixão pelo acordeon. Eu falava: “Pai, queria tocar sanfona.” Mas não tinha nenhum parente na nossa família que tocava acordeon, ninguém, ninguém da família do meu pai. “Pedrinho, ninguém toca, você não vai aprender, ninguém toca e tal.” Aí, eu falei, mas eu gosto, eu gosto demais. Sei lá, aquilo penetrava em mim. Quando eu tinha dezoito anos, um vizinho, sabendo da história. O sanfoneiro que aparece nas fotos ali. Chega lá em casa num domingo à tarde com uma sanfona na caixa, naquele tempo era novinha a sanfona. “Seu Pedro, tem uma sanfona aqui, você não quer comprar a sanfona?” “Claro que eu quero!” Eu tinha uma novinha. Meu pai falou: “Pedro, pega a novilha da a troco na sanfona.” Naquele tempo foi R$ 300,00. “Se ele quiser a novilha na sanfona…” Ele topou na hora, o homem. Aquilo pra mim foi um sonho. Ele já deixou a sanfona lá em casa, vermelha, linda, aquele tempo, uma sanfoninha simples, mas era muito bacana. Aí eu fui em Maringá, numa loja, comprei um toca disco, comprei uns LPs de acordeon. E colocava o disco pra rodar na radiola, a pilha, no sítio, naquele tempo não tinha energia. E eu ouvia o disco rodar e eu tentava executar no acordeon. Sem nenhuma escola. Aí, como o som, você toca aqui, à noite, geralmente era à noite, porque você trabalhava na roça o dia todo, à noite que ia tocar. Chegava da roça cansado, tomava banho, jantava e pegava a sanfona. Aí os vizinhos da região começaram a escutar de longe o barulho, sabe? Aí: “Seu Pedro, quem tava tocando na sua casa esses dias?” Eu falei: “Eu que estava fazendo um barulho.” “Mas tava bonito o barulhos lá.” Porque de longe melhora a qualidade. “Mas tava bonito.” Falei: “Eu estava fazendo um barulho lá.” E a gente começou a ensaiar sozinho assim, sabe? Aí, daí uns dias casou uma moça na região, e essa moça fez um baile. E na região tinha um sanfoneiro bom que tocava, não tão perto. Falei para ela: “Ô, se o Seu Antônio pegar o baile lá, eu vou ajudar, dou uma mão pra ele lá no baile, que eu não tenho repertório, não tenho nada.” “Então, tá bom!” Eu falei lá com o Seu Antônio, pegou o baile lá para tocar. _______ os noivos, os padrinhos, tinha tudo isso no começo do baile, naquele tempo. Aí, tocou, depois eu peguei a sanfona e toquei um pouco. E aí, lá naquele baile, já apareceu um outro casamento pra tocar. Eu falei: “Seu Antônio, você pega o baile para tocar?” “Pego sim, Seu Pedro, pode pegar lá que nós vamos tocar.” Tudo bem! Tocamos outro baile. Ele foi, começou o baile, deu uma animada, e eu ajudei um pouco. No terceiro baile, foi na sequência, os casamentos aqui da região. Quando foi no sábado cedo, a filha dele chegou lá em casa. “Seu Pedro, o meu pai tá com uma gripe terrível lá, uma febre, ele não pode ir no baile hoje com o senhor. Não tinha mais o que fazer, já era o dia do baile, era sábado. Ah, eu vou sozinho! Aí eu fui sozinho tocar. E toquei o baile sozinho.
P/1 - Como você se sentiu?
R - Me senti corajoso, porque eu tinha que enfrentar, uma coisa que estava programado para eu e ele tocar, eu era um ajudante, não era o músico que tinha mais conhecimento. Ele era um senhor de idade, tocava muito bem, até eu me inspirava muito nele. E aí, eu fui nesse casamento tocar assim, sem… Não tinha mais o que fazer para anular, porque no dia do casamento que vieram avisar que ele não podia tocar comigo. Eu fui tocar! E aí, toquei o baile e daí em diante acabou. Aí os bailes que aparecia… Um rapaz ia casar, uma moça, daqui seis meses, já vinha chamar eu para tocar no baile. Porque não era que nem hoje, um grupo de televisão, já programa os shows, naquele tempo de repente o cara que ia tocar não tinha vaga para tocar. Aí eles iam lá me chamar. “Seu Pedro, eu vou casa tal dia, senhor toca no meu baile?” Eu já anotava, né? E ia tocar. Então, a gente já animava os bailes por sequência. Era casamento aqui, casamento lá, na região. Pra mim uma coisa muito bacana, que a gente fala que a profissão puxa o vício. Eu toquei em baile muitos anos, nunca bebi num baile e nunca fumei. Os caras vinham com bebida no meu pé. “O sanfoneiro…” Eu pegava uma mesa, colocava uma cadeira em cima da mesa, e tocava em cima de uma cadeira no alto, para o pessoal ver você. Os caras chegavam. “Sanfoneiro, essa aqui é pra você!” Uma bebida. “Não, dá para o pessoal aí.” Nunca bebi, não sei porque. E cigarro também, nunca pus na boca. Então, eu começava o baile bom, sadio, e acabava o baile bom, não tinha problema, saudável. Então, a gente… Aquilo foi criando uma confiança na pessoa, porque tinha as pessoas que tocavam e depois bebia lá no baile, começava… Acabava com o baile, o próprio sanfoneiro atrapalhava com o baile, sabe? Isso eu não tinha o dom de fazer. Tocava… Minha esposa e conheci num baile, tocando.
P/1 - Como?
R - Eu estava animando um baile de casamento, e eles tinham mudado naqueles dias para aquela região… Isso foi dia 26 de setembro de 1969. E eu estava tocando, toquei a música dos noivos, dos padrinhos, o baile animou. E essa moça dançando e olhando pra mim, dançando e olhando pra mim. Porque a gente era, assim, famoso, né? Era o sanfoneiro da região, uma coisa diferente, que nem todo mundo era. E aí, um amigo veio lá dar uma mão pra eu dar um descansada um pouco, pra ir no banheiro. Aí eu fui dançar com ela, uma música. Porque não tinha tempo para dançar, eu tocava direto, não tinha tempo para dançar. Aí começamos a namorar. Começamos a namorar, essa data a gente não esquece.
P/1 - Nesse dia mesmo?
R - Não, nós encontramos, dançamos juntos, depois, em outros bailes a gente se encontrou de novo. Então, começamos a namorar. Começamos a namorar em 26 de setembro de 1969. E dia onze de dezembro de 1970 eu casei. Um ano e pouco depois. Foi legal!
P/1 - E teve algum baile muito marcante pra você?
R - Todos os bailes, assim. Eu tenho uma lembrança que em todos esses bailes que eu toquei, nunca uma briga, uma tragédia. O baile começava, o casamentos, ou o baile de esportes, o baile de campo, fazer renda para campo, de repente tinha um time de futebol, fazia um baile, pra renda. Então era diferente, não era casamento. Nunca houve nada de atrito, de pessoas, nunca, sempre foi assim… Parece que foi abençoado, sabe? Existe uma região que acontecia algumas coisas em baile, então a gente… E a gente foi conhecendo aqui, conhecendo lá. Se eu estou viajando hoje longe daqui, o cara chega em mim. “Você não toca sanfona?” “Por que?” “Porque eu vi você tocando.” Então, marca. Ainda mais se a gente aparece na mídia, em alguma coisa, mais ainda. Marca muito, né? Mas é uma história muito gostosa, porque é uma lembrança do bem, então a gente sempre foi muito útil para a comunidade. Até hoje a vizinhança liga para mim pra pedir conselho, palpite do campo, sabe? “Quanto você está pagando para colher, Seu Frare? Quanto você está pagando para plantar? Quanto tá cobrando para fazer o frete? Quanto você está cobrando pra passar veneno? Então, o preço que eu passo pra ele é o preço que ele vai fazer. Pessoas que não tem conhecimento do valor. E eu também não tenho, mas o preço que eu falo tá bom! Eles acham que nem é muito, nem é pouco, sabe? Então, até hoje as pessoas ligam para mim, vem aqui. Como referência. Eu acho muito bacana isso aí. Bacana! Eu tenho marcação de tempo, que eu mandei para você aquele dia, há 24 anos, então, um tempo quando eu saia para plantar no campo, os vizinhos iá tudo junto. “Olha, o Frare vai plantar, vai chover.” E a gente… Nada, era só um palpite, mas dava certo, não sei porquê! Uma história assim, que a gente tem uma lembrança muito boa do passado.
P/1 - E quando você era pequeno, você pensava o que você queria ser quando crescesse?
R - Meu sonho de pequeno que eu tinha era ser médico. Sabe por quê? Salvar vidas! Só pra isso! Eu acho que o médico é a profissão mais gratificante que existe. Todas são profissões, mas o médico salva sua vida. Então, eu tinha um dom de ser um médico para salvar vidas. Mas na época foi difícil, não tinha a facilidade que tem hoje, não tinha transporte, não tinha dom pra isso, os pais vinham de um trabalho de campo, e os filhos era do campo. Crescia, casava e ia pra roça, plantar, colher. Hoje, não! Eu tenho quatro netos, todos estão estudando já, neta fazendo medicina. Então, cada uma vai ter um seguimento. Filho já estudou. Mas no passado eu não culpo os meus pais por isso, eles não são culpados. Na época, geralmente, na minha região aqui, ninguém fazia, não tinha faculdade. Não tinha como engrenar. Não existia assim, conhecimento. Hoje os ônibus sai daqui, leva para Maringá, de Maringá leva não sei para onde. Aqui na cidade não sei quantos ônibus, leva os alunos em casa, tem lanche na escola, tem comida na escola. Naquele tempo não tinha nada. Ou você levava um lanche para escola, ou você ficava sem comer, não tinha! Entrava na escola às oito, saia ao meio-dia e vinha em casa almoçar. Diferente, né?
P/1 - Ia a pé?
R - A pé. Então, são coisas assim, uma época diferente. Fala que estava errado? Não estava errado, era diferente. Então… Eu ia namorar a minha esposa de bicicleta, pegava uma bicicleta e ia namorar. Ela morava um pouco distante. Aí nos anos setenta comprei uma caminhonete, aí ia namorar de caminhonete, aí já melhorou as coisas. E hoje, então a gente tá mais moderno, tem mais recursos.
P/1 - E que recordações você tem da escola? Algum professor marcante, algum amigo, amiga?
R - Sempre tem muitos amigos, né? Eu sempre fui muito bom de matemática. Um tempo não falava matemática, falava problemas, era diferente de hoje. Eu tenho recordação que o professor passou no quadro um problema para definir, mas era muito complicado, tinha quatorze operações, tudo na ponta do lápis. E ele passando assim, nas carteiras, vendo. Ele falou para o pessoal. “Só o Seu Pedro que fez a matéria certa.” Aí eu tive que ir no quarto passar a resposta da matéria para os alunos copiarem. Então, meu netos são igualzinhos, meus netos tudo são bom de matemática. Esse meu netinho mais pequeno, esse de cabelo mais escurinho, se você perguntar quanto que é quanto mais quanto, ele vai ter tudo na memória. Esse meu filho tem dois filhos e o outro filho tem dois filhos. Mas a gente tem algumas lembranças que não sai da memória, eu sempre falo que essa operação da escola, eu tinha o quê? Nove anos, dez anos. Que o primário acabava com dez anos, não tinha sequência mais. Eu tenho hoje conhecimento na prática. ______ quando um cara me chama para ser alguma coisa, me chama para ser presidente. “Gente, eu não tenho faculdade.” “Não precisa!” Eu fui conselheiro de um banco muitos anos, cooperativa, presidente. Seu modo de agir, seu modo de interpretar, então. Meu filho, não, meu filho tem doutorado, ele vai dar uma matéria sexta-feira que vem de doutorado. Vai ter um curso ali, ele vai dar uma grade de doutorado para os alunos. Meu filho. Foi dar aula em Portugal, foi dar aula na Argentina. Mas a gente na época não tinha. Não é que a gente não sabe, é que não teve oportunidade. [Pausa]
Em 1975 eu coloquei esse nome aqui, já era no nome da propriedade.
P/1 - Cantinho, só?
R - Eu achava um nome muito sugestivo. Cantinho do Céu. Aquela da frente chama Paraíso, aquela do outro lado ali. E a gente fez uma placa. Eu tenho uma frase que eu inventei aqui, muito sugestiva. “Conheça o Cantinho do Céu em vida.” Verdade! Isso é prático.
P/1 - E me conta uma coisa, juventude? Como foi esse momento da vida?
R - A minha juventude foi muito saudável. A gente foi criado sempre com os pais, naquele tempo os filhos não saiam para estudar fora, nada, que nem os filhos saem pra morar fora. Naquele tempo os filhos moravam até casar em casa. Eu casei com 21 anos. E até os dezessete, dezoito anos eu tinha uma vida do campo e em casa, pai e mãe. Depois quando eu comecei a tocar acordeon nos bailes da vizinhança. E com 21 anos casei, já morei na propriedade junto com o meu pai, perto, uma casa separada, mas bem perto. Convivi com os pais, meus pais, meu pai e minha mãe faleceu comigo, junto comigo. A minha sogra faleceu junto comigo. E o meu sogro tá aqui com 96 anos, junto comigo. Então, os quatro idosos eu cuidei, com todo carinho. Cuidei da minha mãe, do meu pai, da minha sogra e meu sogro ta aí. Então, sei lá, tá no sangue, cuidar.
P/1 - Quando você começou a trabalhar?
R - Com oito anos.
P/1 - Como que era isso?
R - Oito anos, as crianças do campo… Hoje você não conhece mais porque mudou, nem pode. Hoje nem pode. Mas os meus irmãos mais velhos… Tinha café naquele tempo, a lavoura de café, o cara apanhava na mão, raspava no restelo, mandava na peneira, secava no terreiro, pra depois o café chegar… Hoje tem a máquina, naquele tempo não tinha. Então, juntava o cisco do café, pro café cair no chão na terra limpa. E meus irmãos levavam uma rua inteira de café carpindo alguma coisa e eu levava meia, com oito anos. Eles voltavam com outra rua do outro lado, inteira, e eu voltava com outra meia. Eles falavam: “Esse moleque com oito anos faz metade do que nós fazemos. Tava no sangue, sabe? Não ia porque o pai mandava, ia porque gostava, ia trabalhar junto. Depois a gente aprendeu a plantar com as matracas, aquelas maquininhas de plantar cereais, manual, bater cereais, cortar no ferro com a mão. Então, naquele tempo era todo…. Nem tem como explicar hoje, que nem existe esse produto mais. Bater num pau que chama cambão, bater no cambão pra poder soltar o caroço da vagem. Tudo diferente. Hoje um cara chega numa roça aí, o cara vai lá, com pouca ______, o caminhão vem cheio ______. Quando eu casei, eu lembro até hoje, nós colhemos cem sacas de soja, colhido na mão, eu e meus irmãos, compramos o sítio do vizinho. Tinha uma casa antiga do vizinho, casa boa de morar. Meu pai falou: “Vamos comprar o sítio do vizinho, você casa e mora ali. Vizinho anexo do meu pai. Eu lembro que com cem sacos de soja comparamos o sítio do vizinho. Hoje você colhe mil sacos e não… O custo mudou totalmente. Você colhe muito, mas a renda mudo. Diferente, né? Então, a gente sempre era manual, mas era mais… parece que o valor era diferente. Meu pai sempre entregava um leite, sempre teve um leite em casa, sempre teve criação de gado. Eu tinha criação de gado aqui. Mas até o próprio… criação de gado hoje aqui, não tem pessoas mais da família que toca mais. Você não tem como tocar. E na região, os filhos de campeiro que tinha, os campeiros que os filhos era campeiro, não existe mais. O cara se formou, vai trabalhar de… Então, mudou, se eu precisar de um campeiro para tirar leite hoje, você não encontra. Não tem mais gente com o dom disso. No passado não, o pai era campeiro, os filhos eram campeiros. Então, aquela pessoa ia morar na propriedade para tirar leite, cuidar do gado. Hoje, por aqui não existe mais. Tá difícil.
P/1 - Então, quando você era pequeno as plantações eram de café e tinha gado também. E aí, quando começou a mudar?
R - Em 1975.
P/1 - Que teve a geada?
R - Aí, radicou o café, que a geada matou tudo. Aí, apareceram os tratores.
P/1 - Você lembra dessa época?
R - Lembro!
P/1 - Como que foi pra você e pra sua família?
R - Pra a gente, nós sentia muita produção. Porque eu colhia num lote de dez alqueires, eu colhia num alqueire depois. Porque o manual você plantava sem adubo, não tinha como adubar. Manual você plantava e colhia poucos sacos de milho, de soja, de arroz ____ lucrar, não tinha outra renda, era natural para todo mundo isso aí. E quando o trator chegou, nos 70, 1973, 1975, por aí ______. Os tratores chegavam e você fazia uma área grande com a máquina. Plantava bastante com a semeadora, colhia bastante com colhedeira. O que você colhe hoje num alqueires, trezentas sacas de milho, você num lote de cem alqueires não colhia cem. Era outra genética, a produção era diferente. Você plantava um arroz na roça, naquele tempo, falava roça. Plantava um arroz… Eu lembro o ano que eu me casei, choveu até dia seis de janeiro, dia de Santo Reis, o arroz estava tudo soltando do cacho, dia seis de janeiro abriu o sol, não choveu mais. O cacho solta, fica branco, nem arroz pra comer você não colhe. Então, hoje você planta arroz onde? No Banhado, planta arroz no Rio Grande do Sul, planta arroz ________. Porque antes você não tinha alternativa, você plantava o milho, o café, feijão de comer, soja e o café era o principal. Quando o café estava bonito, produzindo, vinha uma geada, matava esse café. Ia três, quatro anos, para ele voltar de novo a formar. Geava muito um tempo, geava demais. Esse ano passado nem frio de geada não teve. Então, é diferente, até o clima já tá… mudou também. É outra época, é diferente. Os costumes são diferentes.
P/1 - E quando vocês tiveram que mudar a plantação como foi para vocês? Foi uma insegurança, ou vocês estavam animados com essa mudança?
R - A gente sempre foi animado porque a gente via na região, as pessoas começaram a mecanizar a lavoura, aumentou a produção. E todo mundo quer ganhar mais. Então, se você aumentava a produção na propriedade, você vai tocar mais terra com menos gente. Quando uma pessoa casava, um tempo antes de mim, a pessoa casava, ela tinha que tocar três unidades de café, o máximo que ele tocava, porque era tudo manual. Apanhava o café na mão, rastelava o café na mão. Então, três unidades de café era a quantidade de uma pessoa casada. Hoje eu toco cem alqueires com o meu filho e ainda toco muito com a vizinhança ainda. É uma época…. a rapidez de tudo. Telefone não existia, nem energia não tinha. Tinha radiola à pilha, então… Eram os talentos mesmo, você tinha que soltar e trabalho, muito trabalho. Hoje não vê… Um tempo, quando um cara aparecia num lugar ele tinha onde mostrar os calos na mão, os calos eram implementos de quem trabalhava. Então, hoje não, hoje ninguém tem mais calo na mão, só no volante, máquina hidro, um carro automático. E assim por diante.
P/1 - E nesse período que vocês vieram para cá?
R - Já morava aqui!
P/1 - Já morava aqui. Na época de Cambé a gente era esse período, mudamos aqui para o Sítio Dois Homens, que faz divisa com o nosso, aqui do outro lado, mudamos em 1953, eu era pixotinho. No ano de 1971 eu casei, nesse mesmo lugar e em 1975 a gente veio para cá. Mas nós tínhamos essa propriedade do outro lado do rio aqui, uns dez quilômetros daqui. Ainda bem que a gente cresceu, imagina a escola três quilômetros, quatro de a pé, eu, meus irmãos, de a pé para a escola, dia de frio, de chuva. Era diferente, totalmente. Só que o povo era assim, muito mais amigo, você era compadre do vizinho, o vizinho compadre teu. De noite você jantava, na boca da noite ia na casa do vizinho bater um papo, o vizinho vinha na tua. Ninguém tinha cadeira, era banco, o cara pegava uma tábua comprida de três metros, colocava dos pés e fazia um banco, sentava dois, três naquele banco e contava histórias, histórias de assombração. Aí, amanhã eu ia na sua casa, depois de amanhã você vinha na minha, e assim por diante. Eu ia trocar sanfona, toda semana os vizinhos vinham lá em casa. “Vou lá na casa do senhor ouvir sanfona, pode?” Eles iam lá! Um batia pandeiro, um tocava violão, outro ficava vendo, outro cantava. Até hoje tem um grupo que canta comigo aqui. Aí, eu mandei aquele vídeo pra você da festa ali, esse grupo canta com a gente. Então, de noite tinha uma quermesse, quermesse é uma festa que tem de padroeira dos lugares. Todo mundo chegava na festa do padroeiro a pé. Lembro até hoje, eu fui numa festa do Antônio, em 1971, o cara foi em São Paulo buscar um Fusca 1971, não tinha nada, era o primeiro Fusca que chegou nessa região, em 1971. Então, são coisas assim… Agora troca de carro todo ano, né? Naquela época não tinha nada, os irmãos mais velhos que eu, namorava de cavalo. Não tinha nada para namorar. Tinha um cavalo, arreou o cavalo de noite, ia pra casa da namorada.
P/1 - E que história de assombração eram essas, você lembra?
R - Geralmente histórias deles, do passado deles. E viram tal coisa, e viram Saci Pererê, viram Lobisomem. Tinha uns lugares que eram assombrados, todo mundo que passava lá via assombração. Então, cada um contava uma história dessa. Se era verdade ou mentira ninguém sabe, mas eles contavam, né? O vizinho lá contava, que um lugar a moça casou e no dia do casamento mataram ela e o namorado. E toda noite, meia-noite, naquele lugar lá, eles apareciam para o pessoal. Então eles contavam essas histórias, agora, se era verdade a gente não sabe, mas eles contavam que ela aparecia lá no lugar que ela morreu. De branco, sabe, vestida de branco. Então, tem muitas histórias que eles contavam pra gente, dessas coisas que eles viam de repente. E a gente ficava ouvindo, as molecadas sentadas, as crianças por perto e os idosos. Meu pai era compadre do vizinho, o vizinho era compadre outro vizinho. A gente… tem bastante pessoas que eu sou padrinho por aí, de casamento, de batizado. Tem pessoa da minha idade que dá bênção pra mim, padrinho. Então, são coisas assim, marcantes. “Bença padrinho!” Tem um vizinho aqui que o meu pai batizou ele quando nasceu, e quando ele casou e fui padrinho de casamento dele. Ele mora aqui nessa cidade até hoje. Então, a gente é uma amizade… como se fosse uma família. Lá na cidade vocês não tem isso. Gente de São Paulo como é, às vezes, o cara não conhece nem o vizinho. Sai quatro horas da manhã, cinco horas da manhã, né? Lá eu sei como é. Então, aqui não, aqui você tem um vizinho, você confia naquele vizinho, o vizinho te ajuda, você ajuda ele, qualquer emergência você ajuda. E funciona, sabe? Aquela amizade verdadeira, não é amizade de interesse. Uma vez aqui no campo a vida ainda é bem diferente.
P/1 - E o dia do seu casamento, como foi?
R - Muita chuva. Foi muito lindo! Meu pai matou duas vacas, teve chopp.
P/1 - Você bebeu?
R - Eu não bebo, nunca bebi. Eu não bebi e não bebo até hoje. Tem festa aqui, a turma bebe, eu bebo guaraná. Foi um dia no campo, tudo terra nos campos, teve um baile no meu casamento, um amigo meu veio tocar pra mim.
P/1 - Você não tocou?
R - Não! Era muito envolvido, muito parente, muita gente, você acaba… Então, a gente… No sítio tudo é diferente, tudo é mais simples, ninguém viajava. O cara casava, ia para a casa dele mesmo. Não é que nem hoje, o cara viajava. “Vou viajar.” Naquele tempo o cara casava, fazia um baile, pronto, a festa acabou.
P/1 - Você estava nervoso?
R - Não, não, nunca fiquei nervoso. Não sei se falo que é dom que a gente tem, mas ficar nervoso não resolve. Eu penso assim.
P/1 - E aqui, qual é a história dessa chácara?
R - Tudo que existe aqui, não existia. Tudo que você vê aqui, um pé de árvore desse, até uma casa, não existia. A frente aqui era terra, não tinha asfalto. A casa da pessoa que morava aqui não existe mais, era uma casinha de madeira muito fraca. Meu pai e minha mãe tinham um sonho de ter uma parte de material. Aí, eu morava numa casa de madeira quando eu vim pra cá, naquele lado, onde tem um sobradinho. Aí eu falei: “Vou fazer uma casa de material para a mãe.” Aí eu fiz essa casa aqui, meu pai e minha mãe morou muitos anos nessa casa aí.
P/1 - Você que fez?
R - Não, pedreiro que fez, eu só… Essa aqui foi nós que fez. Essa aí o pedreiro veio fazer, os carpinteiros. Minha mãe e meu pai moraram muitos anos aí. Eles faleceram, aí eu saí da casa que eu tinha aqui, passei para a casa que era deles. E a casa que eu morava aqui, eu desmanchei e fiz um rancho aqui para a família. E meu filho fica aqui do lado, um sobradinho, embaixo a garagem e em cima a casa, esse foi nós que fez. Sobradinho foi nós que fez, esse aqui foi nós que fez, a outra foi nós que fizemos. Bem curioso, sabe?
P/1 - E a plantação de vocês não é tão próxima daqui?
R - Tem aqui! E tem por perto, a mais longe dá uns dez quilômetros daqui, oito, dez quilômetros. Tudo por perto, tudo praticamente aqui dentro do município.
P/1 - E como você começou a se envolver com a cooperativa?
R - Nós mudamos pra cá, essa cooperativa não existia aqui, nós mudamos em 1975, aqui do lado era uma propriedade de roça. E a Cocamar já em Maringá, comprou um terreno aí e veio com essa cooperativa. E a gente viu construir isso aí tudo do começo, era vizinho do lado aqui. E aí, o meu pai entrou de cooperado. Então, a cooperativa só trouxe benefício para nós, porque a segurança, a cooperativa tem conforto que ela traz pra gente. E aí foi em 1976. Aí, em 1980 eu entrei de cooperado. Aí, meu pai era cooperado e eu também era cooperado. E aí, a gente aprendeu a gostar, porque você sozinho não faz nada nesse mundo ______. E a cooperativa… Eu vou até falar um pouco da cooperativa para vocês. Uns anos atrás aqui, existia muito ruralista aqui na região e comprava tudo do povo. E eu sempre fui assim, envolvido com cooperativa…
P/1 - Diga, da cooperativa.
R - Eu não tinha nem correderia, nem caminhão naquela época, nada! Eu pagava para produzir e colher. E aí, na cooperativa tinha fila para entregar e o pessoal entregava tudo para os cerealistas. Aí eu mandei o cara colher. “Olha, Frare, se você entrar na cooperativa é melhor pra você, porque tem fila e nós não queremos levar.” “Então, joga aqui no terreiro.” Jogaram os cereais tudo aqui no chão, mas de mil sacos de cereais, tudo aqui no canto do terreiro. E aí, falei: “Não, não vou entregar para cerealista não.” Só pensei numa intuição minha. E aí depois os caminhões vinham aqui, descarregavam nos terreiros ali. Quando choveu, cobrimos. Aí, quando acabou a colheita, peguei umas carretas que eu tinha aí, uma rosca sem fim, para carregar as carretas, tirar o produto do chão e jogar no caminhão. Na carreta que eu tinha. Depois levei tudo para a cooperativa, a produção minha. Quando foi daqui uns dias, todos os cerealistas quebraram, não pagou ninguém. Na época de 1974, 1975, por aí. 1976, por aí. Os cerealistas quebraram com o produto do povo, passou pra frente, não tinha um documento, nada, era só um romaneio de entrega, sabe? Os caras perderam toda a produção, praticamente 100% da vizinhança. E eu não perdi nenhum caroço, tava tudo na cooperativa. Por intuição minha, porque se eu fosse ver a facilidade que tinha de levar no cerealista, era muito mais fácil pra mim. Aí, eu trouxemos em casa, joguei no chão, depois que terminou a colheita, levei para a cooperativa. Não perdi um saco de cem reais. Falei para muita gente. “Gente, eu sou uma pessoa de muita sorte.” Aí, os caras falaram: “Não foi sorte, foi inteligência.” Eu tive intuição que a segurança era outra. Então, hoje a cooperativa de crédito, ou a de produção, tem tudo que um banco tem. Então tudo que você precisar, dá para ser pago pela UCB, pelo Banco Central. Então, tudo que você mexer numa cooperativa de crédito hoje, cooperativa de produção, é totalmente seguro. Enquanto aparece um cerealista aí, eles te fazem uma mídia, compra e depois some. Em Camargo tinha quatro, os quatro quebraram. Em Água Boa, quebrou! Em São Jorge do Hawaii, quebrou, em ______, quebrou. E eu não perdi nada. Então, é umas coisas que a gente tem lembrança. Uma lembrança de ter ganhado mais por ser cooperativista. E aí, por essa intuição a gente participou do conselho. A gente sempre teve assim, um histórico, até hoje, eu faço algumas matérias para a cooperativa. Tem a gente como referência. É muito bacana pra gente também, isso aí. Poder contribuir para alguma coisa.
P/1 - E quais foram ou são os ensinamentos que você teve com a Cocamar? O que você aprendeu com essa parceria?
R - Tanto a Cocamar, como o Sicredi, a gente ouve muita palestra, vem palestrante pra gente num nível muito alto. Os palestrantes… Eu participo do conselho, vem pessoas técnicas das palestra de conhecimento. E você acaba percebendo o conhecimento com essas coisas, então você adquire conhecimento com os profissionais e você põe na vida prática. Eu acho muito fundamental porque a inovação nunca acaba. Então, eu aprendi muito! Muita palestra de motivação, das pessoas que vem da palestra. Até hoje tem. E a gente aprende muito com isso aí e coloca pra vida. Eu fico muito chateado quando um cara vai numa palestra, com aquele tipo de assunto, e ele não coloca em prática. Se você for numa palestra e não levar em prática, então não adianta assistir. Pra que assistir? Eu já diferente, eu não vou numa palestra para almoçar, comer churrasco. Não! Até hoje, a palestra acaba, eu venho embora. Eu vou na palestra para ganhar conhecimento, eu vou de tudo de produção, de plantio de milho, vem umas empresas fazer de plantio de modificação, junta gente, você só aprende, novidades que está tendo. E nunca para de crescer, as coisas vão mudando, mudando, e você está sempre… Então, através da cooperativa, das palestras que teve, eu insisti, a gente aprendeu muito e pôs em prática. E aí, deu certo! Acho que valeu a pena!
P/1 - E você consegue contar pra gente como era essa rotina e a técnica de produção que vocês utilizavam antes e depois do maquinário?
R - O trabalho era totalmente diferente…
P/1 - Se você puder contar pra gente como que era rotina e a técnica de produção que vocês utilizavam antes do maquinário e depois dessa inovação tecnológica?
R - A diferença… Não tem nem como comparar. Trabalho manual, pesado, por um trabalho mais hidráulico, mais sofisticado, né? Nós… Meus irmãos, eu até que não vivi tanto, eu era mais moleque, na época do café, em 65 que geou forte e acabou com os cafés, eu tinha quatorze anos, praticamente eu ainda não tava no serviço de peso. Trabalhava no mais leve. O cara largava um saco de café lá no meio da lavoura, eu colocava nas costas sozinho, pesava uns setenta, oitenta quilos e trazia no carregador, fazia uma pilha no carregador, para depois de tarde colocar numa carroça e trazer para o terreiro para secar. Isso era normal, todo mundo fazia isso. Eu tinha irmão que levava trinta sacos de café por dia. Colocava na peneira, você apanhava a terra, tirava as folhas, abanava o café, botava num saco, montava nas costas e levava no carregador. Hoje tem máquina que carrega a semente, carrega o adubo, carrega qualquer coisa. Não precisa fazer força. Totalmente diferente. Na época fazia cerca, meu pai fazia muita cerca pro gado que tinha, cortado assim, uma tora de roça, pegava o cavalo para puxar essa tora amarrada numa corrente, chegava no lugar que ia colocar, colocar com a mão no buraco. Hoje você chega com o trator, pega um guincho põe em cima da carreta, chega lá põe no buraco. Não põe a mão no pesado em nada. Fazia o buraco na madeira. Hoje é enrosco. Não tem comparação! Quem nasceu no mundo de hoje e não tiver uma história para contar, não acredita o que era o trabalho manual no campo. Tirar leite na mão. Não tinha ordenhadeira para tirar leite. Você chega numa vaca hoje, a máquina tira o leite todinho, joga no _______ sozinho. Não tira? Tirava o leite da vaca, colocava num balde, no balde você ia levar… Manual. Não tinha máquina mecânica. Aí dos anos 75, oitenta para cá que apareceu ordenhadeira. Ela tira leite sozinha, já manda pro ______, já manda pro caminhão. Um outro mundo! No meu trabalho nos evoluimos 100%. Saimos do serviço pesado, para o serviço facil. ________no começo você tinha manual. E hoje não, hoje você ______ recolhe. Naquele tempo não, era ______. Minha esposa também viveu isso, ela sabe. Quando casamos mesmo, nós carpimos na roça, eu e ela, o dia todo. Ela cuidava da casa, depois fazia o almoço, ia pra roça e voltava só quando escurecia. Não tinha negócio de cinco horas, que nem hoje, a empresa cinco horas, seis horas, não! A gente ia para o campo e voltava de noite. E não foi um dia só, foi anos, até as coisas começarem a clarear. Porque você tem um bem hoje, não de uma hora para outra que você consegue. Você consegue um bem aos pouquinhos, uma herança do seu pai, um trabalho, uma safra boa, uma colheita, um ganho na venda. Era totalmente diferente. Você não tem salário aqui, o salário aqui é semestral. Pode ser que tenha salário, pode ser que não tenha salário. Então, a lavoura de milho, a coisa mais linda do mundo, dá uma geada quando ele tá em formação, fica zero. Você está numa lavoura aí boa de colher, dá uma chuva de granizo, colhe zero.
P/1 - Como que é isso, depender do tempo, da natureza?
R - Natureza tem que ter… Natureza… Essa geração vai acabar, ela tá diminuindo hoje, no campo você vê muita pouca gente. E hoje mudou muito. Você tem que plantar um produto, olhar para o céu seis vezes, se vai vir chuva amanhã, se vai gear depois de amanhã. Lá na colheita você quer sol para colher. Então, você quer sol para colher aqui e eu quero chuva ali porque está precisando chover, sabe? Então, São Pedro não sabe o que faz. E aí, é um dom que o agricultor tem de produzir alimentos, que ele planta tudo isso aí e não pensa, planta. Eu faço uma planta aqui hoje, ele vai germinar, ela vai crescer, ela vai produzir, eu vou colher, vai multiplicar, felicidade nisso aí. Sabendo que eu estou produzindo alimento para matar a fome do mundo, entendeu? Não eu! Em modo geral. Se lá na cidade alguém come alguma coisa é porque o agricultor plantou. De um pé de alface pra cima. Então, nós temos o dom de produzir. E a gente tem que ser feliz com aquilo que faz. Eu para mim trabalho… Tudo isso que a gente construiu, pra mim não é trabalho, pra mim é uma prazer pegar um produto e terminar ______. Ainda mais do meu jeito que eu quero fazer aquilo, sinto que vai ficar diferente do que já existe. Que fazer igual tudo é fácil, uma coisa diferente é mais difícil. Então, isso é acho que um talento que Deus deu. Ele planta e espera a colheita. E a cada dez anos, tem alguns anos no meio, tem alguns anos no meio que ele vem diferente. Tem uns bons e anos menos bons. Porque anos ruins não existem. Os bons e os anos menos bons. Esse ano foi um ano que faltou muita chuva, não chovia, mas não geou. E tem ano que ele vem a coisa mais linda do mundo, de repente, mês de maio, de junho, dá uma geada ________. Isso aí tá no sangue do agricultor, ele nasceu assim, vem de família, vem da herança do pai dele, já vem…. Plantar! Se Deus dar, deu! Mas ele planta. Se você for uma empresa, não vou fabricar sanfona hoje, semana que vem eu fabrico. Não, não é assim! Não consegue. Você planta agora uma época daquele plantio, tem uma janela de plantio que não existe, se não plantar naquela janela de plantio a produção não vai ser boa. Então, você tem que plantar na época certa, procurar errar menos e esperar a sorte.
P/1 - E como que lida com a frustração?
R - Ano que vem! No ano que vem. Ano que vem vai dar, se Deus quiser!
P/1 - É a fé?
R - É! Agricultor é a pessoa que mais olha para o céu. Ele pede chuva, pede sol, pede clima, ele pede… Quando vem um temporal… Eu tenho um milho aqui bom de colher… Quantas vezes o milho estava amadurecendo, vem um vendaval, um temporal, derruba tudo no chão. Aí, a colheita é totalmente… Então, são umas coisas assim… A gente é tão acostumado naquela vida, que você não repara nessas coisas. Você trabalha com fé, pensando no futuro, que a safra vai ser boa, vou colher bem. Vou trocar minha máquina, vou poder comprar uma máquina nova. Trocar meu guarda-roupa. Enfim, você trabalha com aquela fé, que se dé uma frustração… Ano que vem eu compro! A empresa não, você tem uma empresa de produção fechada, se você produzir tanto esse mês, você produz, você quer parar… Agricultura, não, você tem que plantar… E é uma sequência, depois de um plantio, vem outro plantio. Esse plantio que eu vou fazer ano que vem já está comprado. Não vou contar ano que vem que eu vou comprar lá… esse ano lá em setembro, outubro, que eu planto a soja. Tudo comprado já! Então, você faz uma compra agora, para plantar o ano que vem, sem colher essa.
P/1 - E você tem muito equipamento inovador, mas você anota muita coisa na mão ainda, não anota?
R - Eu sou aquele senhor que não gosta de informática. Eu todo ano compro um caderno de dez matérias, tudo que acontece na propriedade, desde uma luz da Copel, anoto nesse caderno. É um hábito que eu peguei. Quantas pessoas vêm aqui em casa pegar relatório meu para fazer pesquisa. Tenho um arquivo, esse arquivo tem as pastas, cada pasta de um assunto. E todo ano essas pastas eu uso para guardar documentos do assunto, do produto. Caminhonete eu tenho uma pasta, caminhão eu tenho uma pasta, agricultura tenho uma pasta. Então, eu faço um relatório dos produtos. E as pessoas ficam admiradas. É um costumo que eu peguei ele de novo. Eu tenho aqui em casa computador, celular, a gente investe em tudo isso ai. Mas aquelas anotações minha, eu vou lá escrever no meu cadernão.
P/1 - Inclusive a chuva?
R - A chuva. Há 24 anos. As pessoas que estão lá hoje são pessoas de fora, tudo vizinho. A noite eu vou marcar o que eles fizeram, a propriedade que eles trabalharam. Eles trabalharam num sítio meu, ele colheu no dia dezessete de julho, hortal tal, tal, tal. Eu tenho um poço artesiano aqui no meu quintal… Eu tenho trinta famílias, eu que administro as trinta famílias, eles pagam pra mim e eu que administro. Eu tenho um livro caixa, os trinta pagam pra mim e eu faço o pagamento no banco e eu acerto todas as contas deles. E eu não reclamo, faço as coisas aí. Eu gosto de fazer isso. Tira um tempinho, se tiver que dar alguma coisa para fazer, manda alguém que faz, alguém que não faz, não manda que ele não faz. “Ah que fulano é folgado!” Aquele fulano tem bastante serviço, ele vai fazer mais o quê? Porque ele tem o dom de fazer e te ajudar. Tinha uma época que eu tinha oito cargos na cidade. Tudo sem remuneração. Eu sou presidente do CSA, chamada ________ agropecuária, da campanha da fome… Dá um jeito pra tudo, entendeu? Não sei até quando. Eu só não gosto de política. Política não está nos meus pensamentos, não aceito como a política funciona, acho que a gente nunca vai entender o que é política. Penso assim! Não critico política, nem nada. Pela minha publicidade eu podia ser político, mas eu… Eu quero ajudar você, eu quero ajudar a comunidade, sem política, eu acho que é mais saudável. Eu faço uma festa todo ano aqui, nós fazemos uma festa aqui, cada um traz um prato, abre essa mesa toda aqui, umas quinhentas pessoas, mais ou menos. Cada um traz um prato, coloca aqui na mesa, depois da festa todo mundo come e ninguém fala nada, não tem comércio. Faz uma festa por aí, põe um caixa lá, um boteco lá, eu acho que não é por aí. Eu acabo comprando o produto no meu bolso, para completar o que falta e todo mundo traz aí e chega no fim da festa aqui na mesa tem comida sobrando. E ninguém falou nada. Eu acho que a verdadeira comunidade ela tem que ser mais sem valores financeiros. E dá certo! Eu tenho muita sorte. Se eu pensar em fazer um negócio ele aparece na minha mão. Não tem explicação essas coisas. É o modo de agir. Se eu servir vocês, não peço nada em troca. “Frare, os caras querem fazer uma matéria com você, cobra!” Nunca cobrei nada. Se eles acham que eu tenho talento para fazer algum trabalho, eu sou feliz por ter me chamado. Agora eu não vivo disso. A minha profissão é agricultor. Se eu faço alguma coisa ali eu faço pelo conhecimento que eu tenho nisso aí. “Não, rapaz, tem que cobrar.” Nunca cobrei um centavo. E o cara que eu voto na cidade aqui, nunca pediu uma caneta de presente. Eu boto uma pessoa pela competência que eu acho que ele tem, só isso. O barulho, a propaganda que faz no dia. Eu acho que tem que votar na pessoa pela competência que ela tem. Eu penso assim. E a gente tá feliz assim, 83 anos desse jeito.
P/1 - E você tem alguma história, passagem, algum dia marcante relacionado ao seu trabalho?
R - Eu tenho umas lembranças, primeiramente eu acho que é por Deus, por nossa senhora, eu já me livrei de muitos atentados, acidentes. Então, a gente… acho que eu tenho um pensamento e aquilo dá certo. Então, a gente, não sei… não sou macumbeiro, não sou nada, sou católico. Nós somos… Esse meu neto que tava aqui, o mais gordinho, ele é coroinha da igreja. E esse que apareceu a Santa Rita, ele que quis ser coroinha, hoje ajuda o padre na missa. Tem umas coisas, como se diz: Deus escreve certo com linhas tortas. Então, são coisas assim… O pensamento, ele é realidade. A vida é um legado, você não vai levar nada do que você tem aqui. Você vai deixar uma história, essa história eu espero que ela seja do bem, seja lembrado, “Conheci o Seu Jorge, ele marcou muito na minha vida.” Ele fala: “Seu Pedro, eu fui na sua casa um dia, nunca esqueci do Senhor. Porque eu sou sincero no que eu falo, eu não faço política, não faço nada, mas eu falo o que eu sinto, no meu modo simples de falar. Eu encontrei uma pessoa em Maringá ali, fazia tempo que não via, vi naquele dia. “Você me conhece? Eu fui na casa do senhor, o senhor não lembra? Rapaz, eu nunca mais esqueci do senhor.” Porque sempre que eu puder dar um conselho do bem, eu vou dar. Um conselho do meu jeito. Então, a gente tem uma memória de muita coisa.
P/1 - Estava contando que muita gente lembra do senhor. Mas você tem alguém que trabalhou com você ou para você, que te ensinou muito, que você se lembre?
R - Eu tenho muitas pessoas que trabalharam comigo, todos os funcionários que trabalhou comigo são meus amigos hoje. Eu acho que é muito interessante, porque tem pessoas que trabalha com patrão, sai brigado com o patrão, de um lado ou do outro. Chega num ponto que os dois se desentendem e sai, talvez até vire inimigo. Tem algumas pessoas, tem um leiteiro que trabalhou comigo dezoito anos, tem outro que trabalhou vários anos, todos eles são meus amigos, a mesma coisa até hoje. Somos amigos. Então, eu tenho funcionário… o que nós fazemos aqui, eu tenho colhedeira, eu tenho maquinário, hoje tem seis pessoas na roça trabalhando para mim, nenhum é funcionário assim, de empresa, são sitiantantes, que tem a lavoura dele e ele trabalha para mim e eu colho para ele. Já me deveu R$ 10.000 de colheita e ele trabalha R$ 10.000,00 pra mim. Permuta, sabe? Então eu tenho que pagar para ele… Se fosse para pagar um cara de fora, ele ia pagar a colhedeira e ia ganhar meu. Então, ele trabalha para mim e desconta no serviço. Funciona assim os funcionários, sitiante da região. E aí, o que nós fazemos, minha esposa faz marmita para todos eles, todo dia. Onze horas, um e pouquinho, vai seis marmitas para a roça, ela faz as seis marmitas na mesma panela que a gente come, cada um pega um guaraná de latinha, cada um uma marmita. Agora, quatro horas, por ai, pega um lanche, cada dia um jeito na padaria, ou faz em casa. Isso aí além, isso aí não tem preço, isso é cortesia. Isso não é de hoje, a mais de vinte anos que eu faço isso. Vinte e cinco anos que eu tenho máquina, trinta anos. E o pessoal comenta na cidade, “Seu Pedro, só o senhor que faz isso com funcionário, ninguém faz isso com funcionário não.” Se o cara levar almoço frio, leva, se não levar, fica sem comer. Nós lá em casa, todo dia que o funcionário trabalha, o que nós almoçamos, ele também. Então, é um diferenciado, sabe? Aí você tem o quê? Um amigo. Além de ele trabalhar mais feliz com você, ele está sabendo que você não está usando ele, você está tratando ele como se fosse da família. Eu penso assim há muitos anos. E até hoje deu certo. Tem dia que tem oito marmitas na roça, quatro máquinas, quatro caminhões. E todo mundo trabalha com um amor, cada um cuida da máquina dele como se fosse dono, todo mundo é meu amigo. A máquina quebra na roça, ninguém vai lá xingar o empregado que a máquina quebrou, vai lá ajudar. Eu tenho um amigo que trabalhou comigo mais de vinte anos e fala para o pessoal: “Mais de vinte anos, nunca vi o Seu Pedro falando um palavrão na roça.” Máquina quebra, vou lá, ajudo a arrumar. E tem pessoas que não, fica nervoso. Um modo de atitude que desenvolveu, sabe? A gente é feliz assim. E o que vai acontecendo. Eu tenho um palpite de fazer uma coisa aí, eu invento. Nós fizemos ______ aqui em casa, meu filho fez _______ Inventamos de fazer a gruta, fizemos em casa, os caras ficam admirados. Tudo coisa que… é trabalho. Então, as coisas vão acontecendo naturalmente, sabe?
P/1 - E como você lida com essas mudanças do tempo?
R - O tempo você não consegue lidar com ele. O tempo ele… Minha mãe falava um ditado muito sabio. “O tempo ficou solteiro porque ninguém manda nele.” Um provérbio. O tempo é solteiro, porque se casar a mulher manda, então… Aqui está assim hoje, de repente… daqui a pouco chove. Por que? O clima, então… Tudo tem o seu modo de… O tempo, então o tempo… Eu tenho anotações aí, há 24 anos que eu tenho dia, mês e anos, todos relatórios feitos. Esse ano deu uma seca em maio, abril e junho, que nunca nos outros aos deu. Nos outros anos deu em agosto. Então, eu levo isso em comparação, mas tem ano que dá três mil milímetros no ano, tem ano que dá mil e trezentos, mil e quatrocentos. Então, você falar que você vai entender do tempo, é mentira! Você não vai entender. Você tem um conhecimento de um acompanhamento, uma estratégica tua, a história daquilo, mas falar, certeza, não! Eu limito isso aí, eu tenho acompanhamento sim. Tem uns caras que ligam para mim, eu passo relatório pro pessoal do que aconteceu até hoje. Ficam admirados. Eu já fiz várias matérias para televisão sobre isso, tem um diariozinha da Globo lá… Você conhece a Solange? Ela tem uma matéria aqui sobre o clima, aí ela sentou aqui, falou: “Se quiser saber se vai chover, fala com o Senhor Jorge.” Mas a gente assim, que nem, voltando no acordeon, eu faço um barulho, eu tocava a noite inteira sem repetir música, tudo de ouvido, sem letra, sem música, sem nada, só no pensamento, eu tenho música na mente. “Que música que você toca, Frare?” “Ah, eu não sei!” Então, é umas coisas assim…________________________ ele me chamam de dedo de ouro, né? Dedo de ouro. E eu toco, faço um barulho aí e o pessoal gosta. Por que é diferente. Então, você toca numa técnica, toca bonito, mas não agrada, não tem empolgação. É diferente, é que nem você falar de um jeito e falar com motivação. É diferente! Eu acho que no nosso mundo tá faltando muito isso, motivação. Chegar em você e falar assim: “Oh Luiza, você tem talento para ser…” Ou chegar em você, “Pode esquecer, você nunca vai ser nada na vida.” ______ Um monte de pessoas que nasceu de berço pobre, de família humilde, e é um talento. Então, o talento não tá… Está no seu ser. Você é diferente do outro. Então, de repente o que eu falo, você pode não achar interessante, mas o outro acha. Pode o outro não achar, mas você acha. Todas as perguntas tem duas fases, um pensa de um jeito e o outro pensa de outro. Então, eu dou do jeito que eu sou, e sou feliz assim. Trabalho no campo. Hoje não, porque com a minha idade a gente não trabalha mais, mas eu estou sempre junto com o pessoal trabalhando, ajudando, dando palpite. Mas no passado eu enfrentava o trator o dia inteiro na roça, a noite, colhia até tarde da noite, eu e o meu filho. E hoje como já aumentou a estrutura a gente não tem muito mais tempo de cuidar, cuido de várias propriedades, então fico mais cuidando dessa parte burocrática. Mas vale a pena sim! O agricultor, se ele tiver o dom de ser agricultor, vale a pena sim. Se não tiver dom, não adianta.
P/1 - Como é a sua rotina hoje em dia?
R - O dia inteiro andando, eu vou nos bancos, vou nas cooperativas, ainda ontem _____ pro trigo. Vou nos bancos, papéis para um lado, papéis para outro. Cuido das criações, tem uns animais aqui em casa, porco, cachorro, cavalo, toda manhã cedo eu faço isso. E vou ajudar… não trabalhar no físico, mas às vezes tem que levar uma pessoa ali na roça, levar óleo, pego a caminhonete, pego o pessoal, vou lá na roça, levo o óleo, abasteço e volto. O caminhão chegou lá o pessoal não coube no caminhão, eu pego a caminhonete e vou buscar o pessoal na roça. Aquela coisa assim, um trabalho mais de assistência. Porque fisicamente a gente não aguenta mais trabalhar, porque… Nem pode, pegar peso, sol quente. Sanfona mesmo, eu toco de brincadeira, festa junina eu não toco mais. Os caras ligam pra mim. “Frare, tem festa junina aqui!” “Não, pode esquecer!” Uma quadrilha, demora vinte minutos para acabar uma quadrilha, trinta minutos uma quadrilha, tem muitos enfeites numa quadrilha. Você está tocando ali, o pessoal da dançando lá, pulando, não sei o que lá, e você está tocando. Isso aqui pesa quatorze quilos. Então, quando eu era jovem, tocava em várias quadrilhas num dia, geralmente tocava num baile a noite inteira, nem sentia nada, mas hoje eu já nem pego, porque eu acho que a gente não tem mais físico pra isso. Então você tem que fazer o que, administrar o teu organismo. Agora nós cantamos com os amigos que vem cantar aqui em casa, sempre os amigos vem animar com a gente, toca música de três minutos, dois minutos e meio, a música acaba, bate um papo, toma uma água, conversa. E outra história. Então, enfrentar um baile eu não enfrento mais, então é outra rotina. Você tem que aprender a administrar a sua idade, você foi jovem, foi criança, foi adulto, hoje tem que respeitar.
P/1 - Seu Jorge, como foi se tornar pai?
R - Uma felicidade, né? Um provérbio muito sábio. “A gente só sabe ser filho quando é pai!” E só sabe ser pai quando é avô. Então, eu tenho na minha família tudo. Eu tenho na minha família… pra mim a minha família é tudo, a base de tudo é família, depois o dia a dia, mas a família… Vou dar um conselho pra você. É solteira ou não?
P/1 - Sou.
R - Você quer viver bem a sua vida? Você é casado?
P/2 - Sou casado, quase!
R - Quase. Então é um inferno pra você, pra todo mundo. Um dia que você casar, a pessoa mais inteligente, mais bonita, mais sábia do mundo e o seu esposo. E no dia que você tiver um filho, o filho mais exigente, mais sábio do mundo, é o seu filho. Você vai viver bem a vida inteira. Se você chegar para o seu filho e falar assim: “Meu filho, você viu o Zezinho lá? É mais sabido, você…” Compara ele que ele não é sabido que nem o Zezinho, ele magoa com aquilo lá. E se ele ouvir de você que ele é o filho mais sabido do mundo, mais inteligente, bonito, o que for. Você está valorizando ele. E o filho, a esposa, ou esposo que não tem amor em casa, ele consegue na rua, que é perigoso. Pensei a vida inteira nisso. Então, a esposa, o esposo, modo de falar, o teu companheiro, ele é o mais lindo, o mais sabido, o mais inteligente o mais bom. Teu filho também! Você vai viver bem a vida inteira. “Você, a mulher de fulano, aquilo que é mulher bonita.” Isso magoa a sua esposa, vice e versa. Você não jurou no altar que ia casar com ela, é viver na saúde, na doença, na tristeza e tal e tal. Por que depois as coisas mudam? Teu filho, você pegou ele no berço, viu ele nascer, viu ele crescer, depois falar que ele não sabe nada. Uma ofensa, como eu vejo muitos pais desprezar os filhos, porque o filho do fulano que é inteligente. Isso machuca a pessoa. E não tem remédio isso aí _______. Então, você tem que dar amor para o teu esposo, para sua esposa, para o seu filho, que seja um amor verdadeiro, puro. Eu sempre fiz assim. Eu tenho três filhos hoje, um com 51 anos, outro com 45, minha filha, outro com quarenta, os três são meus amigos. Estou certo ou estou errado? Não sei. A vizinha fala: “Seu Pedro, seu filho veio trabalhar pra gente aqui, fazer serviço, ele faz mais perfeito do que se fosse eu.” Isso aí é formação, respeitar o do outro como se fosse o dele. Amar ao próximo como se fosse ele. Então, se eu faço bem pra mim, depois eu não faço o bem pra você, eu não estou sendo correto. Se a gente não combinar os valores, aí é outra história, mas se eu tiver que fazer, eu tenho que fazer bem que nem fosse pra mim. E com isso você vai ganhando confiança da comunidade, transparência de vida, sabe? Dá tempo de pensar nessa história ainda, você não vai esquecer nunca mais. Porque você juntou com uma pessoa para ser feliz para o resto da vida. O que Deus uniu não separa. Você vê hoje o que? Quanta porcentagem não tem de pessoas que separam. Aquilo filho não vai ter pai, aquela filha não vai ter mãe. Então, são coisas que a gente aprende muito na igreja, as pessoas sábias que você ouve. Quando alguém vem dar uma palestra pra você em qualquer sentindo, são pessoas diferentes, vem trazer alguma coisa para agregar pra gente. Porque pessoas que não tiver… não vem da palestra pra ninguém. Um Padre, ou o palestrante que for. Então são pessoas que você aprende no caminho da vida e põe em prática. Posso estar errado, posso estar certo.
P/1 - Quais são os seus sonhos?
R - Meus sonhos é continuar o que eu tenho hoje, saúde a primeira coisa. Eu tenho dois valores na vida que eu valorizo muito, que é saúde e paz. Se você tiver saúde, que eu tenho hoje, e paz. É um sonho que eu tenho pra… Nós somos pessoas, né? Hoje eu estou aqui, você não sabe o amanhã. Um momento igual a esse nunca mais vai existir, podem existir momentos diferentes, mas igual esse não. Então, aproveita o momento que você está vivendo, porque aquele momento é único, amanhã é outra história, amanhã é outro dia, só Deus sabe o amanhã! Então, eu peço a Deus sempre saúde pra poder fazer o que eu faço. Se puder ajudar alguém, em todo sentido, uma palavra amiga, um conselho. Gostaria que o mundo fosse mais humano do que ele é. Porque Deus fez o mundo, né? E o povo mudou esse mundo. Então, o mundo é perfeito, o mundo é bonito, mas o ser que está nesse mundo está mudando muito, então de repente não sei se é correto ou não. Eu gostaria de um mundo mais humano, mais fraterno, mais do próximo. E o que prega, né? Eu não tenho nenhum estudo acadêmico, viu? Tudo que eu tenho de conhecimento, é tudo na prática. Esse meu filho se admira comigo, esse meu filho que tem doutorado. “Pai eu não sei como o Senhor…” “Ah, filho essas coisas não tem explicação.”
P/1 - Você gostaria de acrescentar algo mais? Alguma passagem? Alguma pessoa? Algum momento que eu não tenha te perguntado e você acha importante trazer?
R - Eu acho que você pegou a história do acordeon, a história do campo. Eu vou dizer para você, eu tenho muitas coisas que eu participo, durante a comunidade, por esse mundão afora, que eu nem merecia participar. Porque hoje realmente você vai fazer qualquer coisa, você tem que ter um currículo, não tem? E tudo que eu participo até hoje, eu participo por vocação, não tem currículo, currículo é a vida. E essa vida tem uma história de anos. Não é num ano, não é num dia que você consegue formar um currículo da tua vida, é um tempo. E esse tempo que vai te contar o que você é, entendeu? Eu penso assim. Que a teoria é muito fácil, mas a prática… Da um tropicão aí, você machuca a unha, você não reclama. Comparação. E aí, cada um de nós dá um jeito. E a gente tem uma grande consideração pela comunidade, graças a Deus! Porque aqui na cidade me chamam de Doutor Frare, agora Doutor Pedro Agro. Eu não quero brincar com isso, eles que brincam comigo. Na cidade inteira. Olha a placa que eles mandaram aí, lá em casa tem outra placa, que eles mandaram essa semana pra mim, Doutor Frare. São coisas, assim, que marcou alguma coisa. Um dia eu estava numa missa e nessa rua todo mundo me chamava de Doutor Frare, os amigos brincando. E aí, o Padre falou: “Quem faz aniversário esse mês vem aqui na frente que a gente vai cantar parabéns. Na hora que eu levanto do banco pra ir, o padre fala: “Até o Doutor Frare está aqui!” Aí pegou mesmo de uma vez. Mas é uma brincadeira que virou hobby. Então, são coisas assim… É tão gostoso! Duro é se chamasse de nó cego, aí é diferente, mas são nomes que valorizam muito, sabe? O ser da gente. Não sei se você está satisfeita com a minha resposta.
P/1 - Opa!
R - Sandro, né?
P/2 - Saulo.
R - Cada lugar que você vai, você vai pegar um público diferente, cada um é diferente, né? Então pensamentos diferentes. Fiquei muito feliz quando o João comentou que vocês vinham fazer essa matéria comigo. Ele pediu se eu aceitava. Eu falei: “Rapaz, a gente está lá para conversar, a gente tem uma história. “Não, Seu Pedro, não quero _______. Então, a gente ter certeza que você ganha mais uma amiga. Não é verdade, Saulo? A gente é desse modelo simples, não tem vaidade, não tem mágoa. Então, a gente é feliz assim.
P/1 - O que você gostaria de deixar como legado para os seus filhos, netos, amigos, conhecidos?
R - Honestidade! Como legado eu acho que um ser humano pode deixar… é deixar um legado, que a vida passa… São pessoas competentes no seu ramo, porque eu não sou jornalista, não sei nada do que você sabe, não é o meu campo, mas o campo que eu to, eu falo que eu sei. E tenho propriedade pra isso, porque eu vivi. Se você vim aqui em casa falar: “Seu Frare, eu preciso de um adubo, tal, tal, tal…” “Não senhor, esse adubo não funciona.” Eu sei qual adubo vai ali. Naquele sítio é outro ______. Então, tem muitas pessoas formadas é só na, como se diz… é acadêmico, mas ele não tem conhecimento. Ele não tem assim discernimento. Um dia um agrônomo foi fazer um trabalho, uma agronomia, foram plantar mandioca. Mandioca não se planta, planta a rama da mandioca. E o agrônomo foi plantar mandioca. Eu falei: “Não, isso aqui não se planta.” Então, um cara formado, mas não tinha conhecimento. Você entendeu? Então, são coisas assim que o dia a dia, os anos, a história, os cabelos brancos, tem sentido. Então… Quando alguém marca uma entrevista comigo, alguma coisa. Eu falo: se vocês acharem que vale a pena. Vamos lá! Um dia no _____ Maringá, eu fiz o programa da Vida do Agricultor ______a história do agricultor. Então, são assim, matérias muito curtas, porque não tem espaço pra isso, eles vem mais tem que cortar, porque a televisão, os intervalos são muito pequenos, então eles catam o mais importante e coloca, uma história que você faz. Não sei vocês, se vão usar muita matéria ou vai usar pouco, como é que vai ser, se vai ser muito extenso ou se vai cortar, se achar que é melhor lá, então vai cortar. Mas a gente é assim, viu Luiza, a gente… Primeira coisa, a gente é muito transparente, muito autêntico. E eu gostaria que muitos pensassem que nem a gente, o mundo seria melhor.
P/1 - Como que foi pra você contar um pouco da história pra gente hoje?
R - Foi gratificante! Porque tudo que eu tenho de conhecimento dentro de mim… Igual um dia um cara contou para mim. “Dinheiro e história tem que ser contada.” Se tiver dinheiro e você não contar, você não sabe quanto tem. E uma história sem contar você não sabe o motivo. Então, tudo que eu tenho no meu pensamento, que eu passei para vocês, se servir para alguém como conselho, como acrescentar na vida da pessoa, eu fico muito feliz. Eu acredito que muitos vão ganhar conhecimento, muitos que não viveram essa época que eu vivi. Há pouco tempo aqui na cidade, na escola, precisaram achar um produtor, um veterano da cidade, para fazer uma matéria nas escolas sobre pioneiro da cidade. Quem que eles escolheram? Seu Jorge. A televisão veio ali e eu fiz uma reportagem para a televisão. Aí eu fui entrevistado pelos alunos, os alunos de dez, doze anos, que nem os meus netos aqui, eu fui o entrevistador deles. Como era na minha época. Achei muito bacana aquilo. Eu contar o que eu vivi, como é que era o nosso dia a dia no passado, pro mundo moderno que eles estão hoje _______ saiu para brincar. Na cidade aqui a única pessoa que a diretora do colégio escolheu, fui eu. Não é gratificante? Alguém lembrar de você e você ser… A pouco tempo o governador fez um negócio aqui… chamaram uma matéria aqui. “Rapaz, o governador gostou demais da matéria que o senhor fez.” Então, são coisas assim, natural. Eu nunca me esforço para fazer a matéria para ninguém. Eu vou numa festa por aí. “Cadê o Frare? Trouxe sanfona?” “Sanfona pra que?” “Por que você não trouxe?” “Não! Eu vou trazer sanfona no dia que você pedir pra trazer. Eu não vim aqui de oferecido tocar para vocês. Se vocês quiserem em tal lugar.” Se não! Eu acho chato eu chegar expondo que eu sou sanfoneiro, não é por aí. Mas se você quer que eu toque uma música… Uma vez eu estava num lugar, tinha um presidente de uma entidade muito forte de Curitiba. “Cadê a sanfona, Frare? Nós vamos buscar lá pra você agora.” Eles vieram aqui em casa buscar a sanfona. Levaram lá no evento, lá em Maringá. Então, são coisas assim diferente. Se não trouxe, então eles vão buscar lá na sua casa. “Pode?” “Pode!” Aí vieram buscar aqui em casa.
P/1 - Você pode tocar uma pra gente?
R - Posso!
P/1 - Você escolhe a que você quiser.
R - Eu toco músicas sertanejas.
P/1 - Por favor!
R - O cara falar em música popular, eu não sou contra, mas eu… É o que eu aprendi, sabe? Que no tempo que eu tocava nos bailes, eu falei pra você, nem o baile era cantado, era tocado, o baile era tocado, tocava uma música, todo mundo dançava. Aí o pessoal parava de dançar, chamava biz. E aí, voltava a tocar aquela mesma música de novo. Porque se tocasse outra música, tinha cara que não sabia dançar, você entendeu? Isso que o sanfoneiro fazia naquela época minha, há muito tempo. Eu tocava uma arrastapé, vocês dois dançavam arrastapé, aí no bis eu tocava um xote, ele não sabe dançar xote. Aí, duas músicas, três que o sanfoneiro fazia isso, acabava com o baile. Tirava a moça pra dançar, música diferente, boa, todo mundo gostava de um baiãozinho, um sambinha, aí no bis ele metia um xote, metia uma rancheira, metia um tango. E aí, o cara não sabia dançar, parava. Na outra, o baile acabava, ia todo mundo embora. Eu não fazia isso! Eu começava o baile tocando músicas alegres e acabava o baile tocando músicas alegres.
P/1 - Então, toca uma que você sente no coração pra hoje.
R - Pra hoje. Essa sanfona tá com um defeitinho aqui…
P/1 - Sério?
R - É.
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