Projeto: 50 anos da Ponte Rio-Niterói
Entrevista de Jean Morais Rodrigues
Entrevistado por Paula Ribeiro
Niterói, 11 de março de 2024
Código da entrevista: PRN_HV010
Revisado por Nataniel Torres e Paula Ribeiro
P - Bom dia, Jean! Queria agradecer pela sua participação concedendo um depoimento...Continuar leitura
Projeto: 50 anos da Ponte Rio-Niterói
Entrevista de Jean Morais Rodrigues
Entrevistado por Paula Ribeiro
Niterói, 11 de março de 2024
Código da entrevista: PRN_HV010
Revisado por Nataniel Torres e Paula Ribeiro
P - Bom dia, Jean! Queria agradecer pela sua participação concedendo um depoimento para o nosso projeto. Eu já tô chamando de nosso, porque é nosso, projeto comemorativo dos 50 anos da Ponte Rio-Niterói. Vamos então, começar o depoimento pedindo que você dê o seu nome completo, o local e data de nascimento, por favor?
R - Perfeito! Bom dia, Paula! Obrigado pela oportunidade. Meu nome é Jean Morais Rodrigues. Eu nasci em Pelotas, no Rio Grande do Sul, no dia 6 de fevereiro de 1985.
P - Nome dos seus pais e profissão, por favor?
R - O nome do meu pai é Milton Correia Rodrigues, ele é contabilista. E a minha mãe é Maria Elaine Moraes Rodrigues, ela é professora escolar.
P - E os avós, você conheceu os avós paternos e maternos, pode dar o nome, contar um pouquinho de algumas lembranças desses avós, por favor?
R - Minha família é oriunda de Santa Vitória do Palmar, é uma cidade que fica no extremo sul do Rio Grande do Sul, ela fica trinta quilômetros, mais ou menos, da divisa com Uruguai, tanto minha mãe, quanto o meu pai, são de lá. Eles mudaram para Pelotas e eu nasci. Todos os meus avós são de lá também, então por parte da minha mãe, eu tinha os meus avós que eram agricultores, trabalhavam com agricultura e por parte do meu pai, eu tinha a minha avó que ela não trabalhava e meu avô também trabalhava com pecuária em Santa Vitória.
P - Você lembra um pouquinho dessa infância? A sua infância foi mais na cidade, mas também mais nessa parte de campo, não sei se a gente pode dizer assim, onde viviam os avós?
R - A minha infância, até ali uns 12 anos, 13 anos, foi muito em Santa Vitória, eu ia muito pra lá, eu gostava muito de ir para lá. Eu sempre gostei dessa questão do campo, sempre fui encantado por máquinas, maquinários. Então, lá na nossa região, a gente chama de granja a propriedade que a gente planta arroz. Então o meu avô por parte de mãe, meu vô Lelo, plantava e eu gostava muito de estar lá nos principais momentos, que o plantio, a colheita, geralmente conseguia casar com algum feriado de escola, alguma coisa, e eu pedia para minha mãe para ir para lá para passar no mínimo uma semana. Eu gostava muito dessa parte do campo, da plantação, da lida em geral. Aí depois, conforme eu fui ficando mais velho, eu fui me distanciando um pouco, vai ficando mais garoto ali, mais adolescente, aí fui me distanciando um pouquinho mais dessa questão do campo. Mas desde pequeno sempre gostei muito e sempre foi muito presente na minha vida.
P - Você pode contar mais um pouco. Como era um pouco a comida? É uma família originalmente brasileira ou tem imigrantes? Como é que é um pouquinho essa tua lembrança?
R - A parte da geração dos meus avós, ali até bisavós, são brasileiros, são todos ali da região, não necessariamente de Santa Vitória, mas de alguma cidadezinha perto dali e a gente nasceu e cresceu ali. Como eu falei, o Rio Grande do Sul, tem uma cultura muito agregada assim na questão do tradicionalismo. Então, isso é muito exercitado lá. Eu tive oportunidade de vivenciar isso aí, de entender um pouco como é que funciona essa lida da pecuária, mas principalmente a questão do plantio que eu gostava muito. E como eu falei, como eu gostava muito dessa questão de equipamentos, máquinas, sempre fui muito encantado por isso, eu tentava estar sempre lá. Então, desde pequeno, até era engraçado, porque quando conversava na escola com os coleguinhas ali… Antes de 10 anos eu já sabia dirigir, que era normal quem ia para fora, uma criança saber dirigir um trator, saber dirigir um carro. Então, era engraçado quando eu voltava para Pelotas e comentava essas coisas lá, como era diferente assim, essa questão do interior, que a gente tem lá no sul.
Isso sempre foi muito muito parte da minha vida, sempre busquei estar muito perto dos meus avós, ficava muito com eles. E principalmente com o meu avô materno, ele foi o avô mais próximo, foi com quem eu mais queria estar junto, com quem eu mais andava, viajei para outros lugares do Brasil com ele. O avô Lelo era o meu avô mais próximo, até porque o meu outro avô, o avô Liomar, faleceu quando eu tinha cinco anos. Eu não tive oportunidade de ter essa relação de amizade que eu tive com meu avô que viveu até agora 2023. Até 2023, morreu com 96 anos, meu avô foi agora, foi bem recente. Então, meu avô Lelo foi bem presente na minha vida.
P - Para onde você viajava com o avô Lelo?
R - Com o vô eu ia muito para Santa Catarina, pro Nordeste, porque uma das minhas tias, filha dele no caso, tinha um apartamento em Maceió. E aí minha tia convidava o meu avô e eu, por ser o neto mais velho, eu sempre andava pendurado com algum tio, com avô, algum dindo. Eu era o neto mais velho daquela parte da família ali, então eu sempre fui privilegiado nessa parte assim, eu sempre era carregado de um lado para o outro, essas questões que eu falei de viver no campo e tudo mais, de participar lá, era muito por isso, eu era o mais velho e depois de mim demorou um pouco até o próximo neto. Eu sempre fui meio que o rapazinho da família ali que todo tio disputava. “Não, hoje você vai comigo, amanhã você vai pra praia comigo, vai pra fora”. A gente chama de fora quando vai para o interior. “Vai para fora comigo". E quando a minha levava meu avô para passear no nordeste, ou Santa Catarina, o meu avô me catava: “Jean vai junto". Aí passeava junto com ele.
P - Você tem irmãos, primos? A família era grande, como era isso?
R - Tenho uma irmã, a gente tem cinco anos de diferença.
P - O nome dela, por favor?
R - Aline. E primos eu tenho bastante, vou ter que contar aqui, onze, por esse lado da família tem onze primos. Como eu falei, até antes da adolescência nós éramos muito próximos assim, porque quando era tudo criança, então tinha muito final de ano, Natal, Páscoa, todo mundo ia pra fora pra ficar junto, então tive muita proximidade com todos os meus primos, dos dois lados da família. Também tem o lado da família do meu pai, que como era da mesma cidade, eu gostava mais de estar na granja, pra fora, mas aí eu era cobrado. “Não, tem que ir na cidade ver a outra parte da família". Então, eu ia lá na vó Maria, no vô Liomar, ver os meus outros tios, meus outros primos também. Inclusive, até dois desses meus primos moram aqui no Rio de Janeiro hoje, a gente se cruza de vez em quando. Mas basicamente essa parte da minha infância foi muito lá. Sempre tive muitos amigos em Pelotas, mas férias escolares, feriados, isso aí eu sempre fugia, porque eu gostava muito de estar em Santa Vitória.
P - Você tem alguma memória de algum festejo familiar, algum Natal, alguma Páscoa, que você poderia rememorar, contar alguma festa própria, por exemplo, da cidade de vocês, que você poderia rememorar, por favor?
R - Pelotas é famosa pela Fenadoce, a Feira Internacional do Doce, é um evento bacana na cidade, ele ocorre ali sempre em junho, são 15 dias lá que eles abrem uma feira pro pessoal apresentar os doces típicos de Pelotas, que são os doces portugueses basicamente. Pelotas é uma cidade que teve colonização portuguesa. Então, tem essa festa muito grande na minha cidade, a Fenadoce que é muito bacana. E de família assim era principalmente Natal, aniversário dos meus avós, a gente sempre se juntava muito. Essa minha tia que levava meu avô para cima e para baixo e me carregava junto, se fantasiava de Papai Noel, fazia a festa da criançada, era maior barato, era muito legal.
P - E o que que você comia, por exemplo, num festejo familiar?
R - Churrasco, churrasco.
P - Mas não é igual churrasco carioca, né? Como é que é o churrasco?
R - Carne assada sempre é bom, não interessa onde é feito, como é feito. Mas é muito típico nosso, então quando tinha esses festejos, normalmente matava-se um animal, aí a gente participava dessa parte de matar um porco, uma vaca, desmontar os animais ali, parte guardava, porque… Aí guardava já para aquele ano. É, porque fazia assim: abatia um animal, retirando vísceras, tudo mais, ia dar 180, 200 kg de carne, então, desmancha literalmente, corta e guarda, porque é assim que se vivia lá no sul. E quando matava um porco mesmo coisa, do porco se faz um pouco mais de produto, faz o torresmo, faz a linguiça, faz o patê, uma infinidade de produtos que derivam. Então, tinha essa coisa toda.
Então, a gente sabia que o primeiro dia do encontro era de trabalho, era pra gente fazer o que tinha que fazer ali para ter a comida, para ter as coisas dos próximos dias. E que meu avô e minha avó iam ficar com aquilo, sei lá, por um semestre ainda, iam ficar sobrevivendo a partir daquele dia ali que a gente participou junto.
P - Tinha tradição também de fazer aquelas conservas de frutas?
R - Em Pelotas tem muito essa tradição. Lá em Santa Vitória se fazia isso quando as frutas iam estragar, sempre tinha um pomar com maçã, com pêra, com bergamota, não sei se você conhece?
P - Tangerina?
R - É, tangerina. Então, as frutas tinham o período delas, então a gente comia aquelas frutas e quando estava chegando próximo de passar, aí sim, aí minha avó pegava para fazer doce pra guardar, porque se não ia se perder. Então, esses doces, essas conservas, a minha avó fazia, mas não era o carro chefe dela. Ela fazia, mas para não perder, que aí as frutas iam estragar, iam passar do tempo, então para não perder esses produtos aí, que literalmente a gente aproveita tudo lá para fora, aí sim ela fazia algum tipo desses doces, chimia.
P -
O que é chimia?
R - Chimia é geleia. Então ela fazia chimia de figo, chimia de pêssego. São geleias, você olha hoje no supermercado, como se fosse uma geleia. Então, fazia chimia, fazia doce, fazia bastante, mas sempre nesse momento. Eu me lembro muito bem disso, quando as árvores estavam com frutas era à vontade para os netos, a gente brincava, comia, mas quando estava passando, é que começava esse movimento da minha avó para reservar aquilo ali, para não perder todas aquelas frutas.
P - As frutas de clima frio, né? Pera, maçã.
R - Lá é frio. Santa Vitória é muito frio.
P - Santa Vitória no estado do Rio Grande do Sul está localizado onde?
R - O Chuí você conhece? Trinta quilômetros ao norte. Ela é praticamente junto ao Chuí. É muito frio. Tanto é que tem o Balneário lá, que é o [Massapaia], que é o Hermenegildo, é o nome da praia e mais ao sul tem a Barra do Chuí, mas Barra do Chuí ela é em Santa Vitória, isso é engraçado, a Barra do Chuí é um Balneário da Prefeitura de Santa Vitória, pra você ver como são muito próximos. Mas é mais ou menos tudo junto ali, a gente é muito fronteiriço, tem uma cultura Uruguai muito presente, muito forte, não só na minha família, mas em todo mundo que mora ali, a gente carrega uma cultura uruguaia. Não vou dizer que eu falo espanhol, mas não é uma língua estranha pra gente, porque muitas pessoas lá tem muito Doble-Chapa, que são as pessoas que nascem no Uruguai, mas que rapidamente tem cidadania brasileira, a gente chama de Doble-Chapa. Tem essa interação muito grande desses povos, então, não é que todo mundo que sabe falar o espanhol, mas ele não é uma língua estranha assim, a pessoa se comunica bem no “portunhol”, que a gente brinca. No Portunhol lá todo mundo se entende.
P - A praia lá era um programa familiar?
R - Sim, sim! Era bem delimitado, então tinha o período ali da Páscoa e o período de agosto, mais ou menos, que era o plantio e colheita e o verão é a praia. Então tinha a casinha do meu avô lá também, que é todo mundo para aquela casinha lá, ia passar férias, Carnaval. A gente assistia o carnaval do Rio, essas cidades do interior do Rio Grande do Sul, elas têm uma cultura de carnaval muito forte, é legal, só que são carnavais de clube, são carnavais diferentes, não tem muita escola de samba assim. Até tentam algum desfile, alguma coisa. Mas eu tenho uma recordação da minha avó, por parte de pai, que ela frequentava muitos clubes da cidade, tinha os bailes. No dia do desfile do Rio de Janeiro, os dois dias ela passava a madrugada inteira tomando chimarrão e assistindo lá, ia de ponta a ponta dos desfiles. Tem uma coisa muito forte no interior do Rio Grande do Sul de carnaval. E a minha avó Maria, a mãe do meu pai, eu lembro muito disso, ela chamava a gente, a gente não aguentava ficar toda madrugada, a avó ia até de manhã, tomando chimarrão, comendo um biscoito ali e assistindo todos os desfiles, assistia todos, todas as escolas.
P - Você era do carnaval na infância, fantasiava, que fantasia?
R - Fantasia eu não lembro, mas como tinha essa coisa viva assim, do carnaval de clube. Sim, então todo carnaval, como eu falei, na minha infância sempre em Santa Vitória, depois conforme eu fui crescendo, Pelotas por ser a maior cidade ali da região, ela já tenta ter um carnaval mais estruturado, com escola de samba, e não é tão legal. A gente tem como exemplo o Rio de Janeiro, então não dá! Então o que aconteceu na minha adolescência, eu comecei a ir para outras cidades do interior, conhecer outros carnavais de baile, de clube que a gente chama lá. Então, ia para cidade de Arroio Grande, Jaguarão, Santa Vitória, São Lourenço, são todas cidades pequenas de 50 mil habitantes, 40 mil habitantes, que tem muito arraigada essa questão dessa cultura desses dias de festa em clubes. Vai lá, passa uma noite num clube, no outro dia no outro e assim vai indo. Muito bloco de carnaval…
P - Com as marchinhas bem tradicionais.
R - Só marchinhas nos clubes, bem isso aí. Fantasia, essas coisas, eu não lembro muito, mas eu lembro muito dos blocos. Então no meio do ano já tinha que estar se inscrevendo, pagando as mensalidades para comprar as bebidas, comprar as coisas tudo, para ter as concentrações prontas quando a gente chegasse, então disso eu lembro bastante.
P - Boa infância, né?
R - Com certeza.
P - E em relação ao período escolar? Vamos tentar rememorar um pouquinho da sua escola, como é que foi isso, que escola frequentava? A sua irmã também frequentava a mesma escola? Era perto de casa? Quais são as suas lembranças do período inicial escolar, por favor?
R - Então, eu e minha irmã a gente nunca se encontrou muito nas escolas, porque minha mãe era professora escolar do pré à quarta série e meu pai era contabilista. Então nós nascemos numa família pobre. E minha mãe, por ser professora, ela sempre teve muita essa coisa da educação muito muito forte, então ela sempre priorizava muito isso. Então, a minha mãe, o meu pai, muito mais a minha mãe, por ter essa coisa, ela ia nas escolas particulares da cidade para tentar bolsa para gente. Pra gente não ficar na rede pública porque ela sabia que tinha uma diferença na questão de qualidade de ensino, infelizmente a gente tem isso no Brasil. Então, a gente ficava de acordo com o que minha mãe ia conseguindo, até a terceira eu estudei em uma escola, da terceira até a oitava foi onde eu e minha irmã nos encontramos na escola. Eu, até a oitava, eu saí e minha irmã continuou lá por um período. Mas era sempre assim, minha mãe ia sempre tentando achar bolsa, achar alguma coisa para tentar nos proporcionar o melhor ensino possível, mesmo não tendo condições para isso. Então, a gente teve vários desencontros, eu e minha irmã, de escola assim. Mas foi… como é que eu vou dizer. Eu sempre fui muito ativo em tudo que eu faço, sempre tive muitos amigos.
P - Como era o nome das escolas, você lembra?
R - Vamos lá! Primeira e segunda série, eu estudei numa escola chamada “Bem me Quer”. Aí na terceira série a minha mãe não conseguiu bolsa, aí estudei numa escola estadual. Cassiano o nome dela. Aí da quarta até a oitava ela conseguiu bolsa pra mim, fui para o Nossa Senhora da Luz. Aí quando eu saí do Nossa Senhora da Luz para o ensino médio, a minha mãe não conseguiu bolsa para o ensino médio, aí a gente encontrou uma escola que era mais barata, vamos dizer assim, mas tinha um ensino que ela entendeu que era um pouco melhor, que o nome era Albert Einstein, mas era uma escola com supletivo, era uma escola meio que de adulto, me lembro das pessoas fumando na hora do recreio. Eu fiquei um ano, aí ela conseguiu no segundo ano bolsa pra mim no São José, que era uma escola bem referência na época, foi bem legal, um ensino forte, muito bom. E pra minha irmã ela já conseguiu no primeiro ano do segundo grau também no São José, mas a gente não se encontrou, quando a minha irmã entrou no São José, quando eu saí do São José. Então, foram essas Bem me Quer, Cassiano, Nossa Senhora da Luz, Albert Einstein e São José, estudei em todas essas escolas aí.
P -
São José é uma escola religiosa?
R - De cunho católico.
P - Você pode então contar um pouco as suas memórias. Como é que era? Tinha uniforme? Alguma disciplina, matéria que te interessava mais ou não te interessava? Algum professor que tenha te marcado?
R - Sim, sim! Vários, vários.
P - Você gostava mais da área de exatas, humanas? Como era?
R - Então, eu sempre tive muita facilidade com exatas. Isso me ajudou bastante, porque eu nunca fui de estudar, então eu nunca fui aquele aluno CDF, estudioso. Mas eu tinha muita facilidade com exatas, então isso me ajudava muito, porque me dava espaço para as outras, eu precisava dar uma estudada um pouquinho mais no Português, na História, então me dava espaço para eu poder focar onde eu não tinha muita habilidade. Que mais? E como eu falei, eu sempre fui um cara muito ativo, então arrumei algumas encrenca em algumas escolas, tomei uns puxão de orelha, mas geralmente os meus professores de exatas sempre me defendia, porque eu… não sei se era um bom aluno, mas eu conseguia participar de uma maneira que eles gostavam que eu participasse das aulas,
tinha boas notas nas exatas, e tudo mais, então eu tive alguns professores que me marcaram bastante. Professor Alex, de Matemática, do primeiro ano, professora Dulcimara, de Física, do primeiro ano, a professora Marisa, de Física, do meu segundo e terceiro ano. Quem mais? Professor de Geografia que marcou minha vida, o nome dele é Aurélio, eu sou fã do Aurélio. Quem mais? Renato, de Matemática, já na São José. Professor Zé, de Química. Os que mais marcaram, que eu tenho mais lembranças, são esses aí. Esses professores aí.
P - Como é que era o ambiente da sua escola no ensino médio? Vocês eram adolescentes 16, 17 anos, conta um pouquinho sobre esse puxão de orelha que você levava de vez em quando? Vocês tinham um pouco de militância política?
R - Zero. Isso era muito diferente. Anos 90. Não tínhamos, não tínhamos nada.
P - Era mista a escola?
R - Mista. Escola mista. Essa questão de militância política, eu não tenho nenhuma recordação disso, não passava pela sala de aula. Como eu falei, eu sempre fui muito de brincar, fazer bagunça. Eu sempre tive o meu tempo de aprender e, era um pouco diferente dos colegas, às vezes, os professores não gostavam muito, então… E eu sempre gostei de conversar com as pessoas, de falar, então até quando a gente ia lá pra sala do Vidal, que era o supervisor do prédio que eu estudava, eu adorava ir para a sala do Vidal, por mais que fosse uma punição. Nossa, o cara era uma enciclopédia, ele, como é que fala? Afinava piano de cauda, construiu tabela de basquete. Ele trabalhou na Mercedes Benz com caminhão. Então, eu adorava ir pra sala do Vidal.
P - Era uma aula, né? Tanta história legal pra contar.
R - Muita conversa legal, era uma manhã muito bacana, muito bacana. E tinha outros professores que eram mais ou menos como a gente assim, por exemplo… A gente acaba aprendendo como as pessoa agem e reagem a gente. Por exemplo, eu tinha o professor de Química, que era o Zé, uma figura, uma cara muito bacana, inteligente pra caramba. Tinha um dia assim. “Hoje a gente não quer assistir aula do Zé?”. “Não! Na verdade, não quer que o Zé dê aula”. Como é que a gente fazia? “Alguém pergunta sobre a bomba atômica para ele". Pronto! Eram dois períodos… “Que aí tinha urânio, tinha não sei o quê e aí a União Soviética". Falando de bomba atômica. Então vamos falar do homem-aranha, misturado também. E aí, pronto, era o dia que a gente… “Hoje não queremos aula, vamos perguntar sobre…”. Eu lembro que ele ficou bravo, que saiu o filme do Homem-Aranha, primeiro filme do Homem-Aranha, na época. E no primeiro filme do Homem-Aranha, o rapaz foi picado por uma aranha geneticamente modificada. Ele ficava bravo, porque na história original, era uma aranha radioativa. Porque ele falou: “Eu estudei Química por causa do Homem-Aranha, aí quando faz um filme vão para biologia". Então, ele ficava bravo. E a gente sabia cutucar ele. A gente sabia cutucar o Zé. Aí pronto, era uma manhã sem aula, depois do recreio, que eram os dois últimos períodos, não tinha aula, era ele falando da radioatividade. Então, a gente tinha muito isso, sabia mais ou menos os pontos de acesso dos professores e eles gostavam. Claro, de vez em quando rolava uns puxões de orelha, uma detenção, alguma coisa assim, mas era tudo tranquilo.
P - Em relação a sua juventude, como é que vocês se vestiam? Que músicas vocês ouviam? Tinha festa, como é que era leitura, televisão? Como era a sua juventude nos anos 90? Computador?
R - Computador, ele entrou ali eu era adolescente, estava ali no ensino médio, ali já mais ou menos para o segundo ano, terceiro ano, foi quando… Aí sim, cada um tinha seu computador em casa, antes disso a gente ia na casa de um amigo. Eu demorei, como eu falei, minha família não tinha muitas condições, então eu fui um dos que mais demorou a ter. Mas o computador nunca me fez falta assim na questão didática, eu sentia falta na questão da integração, o pessoal na época já tinha o ICQ, já tinha o mIRC, já tinha canais de comunicações, ficar de fora disso é o que me causava angústia, mas agora, computador para escrever. Até a internet era diferente, então não me causou grandes traumas não ter tido computador na hora que os meus colegas tiveram. E sobre música, festa sempre teve, teve bastante.
P - O que vocês ouviam, o que que vocês dançavam?
R - De tudo, de tudo. Pelotas é uma cidade que tem uma cultura de samba muito forte, tem grupos de samba antigos lá, bem antigos mesmo, e ela é reconhecida no Rio Grande do Sul como uma cidade… Pelotas é uma cidade muito antiga. Muito antiga para termos de Rio Grande do Sul, tá! Botar proporções na coisa. Mas quando a gente fala de Rio Grande do Sul, Pelotas é uma das primeiras cidades. Então teve escravos lá, então tem uma cultura negra lá que trouxe samba, que trouxe várias questões pra lá, que integrou a cidade. Então, como eu falei, tem grupos de samba muito antigos lá, faziam rodas de samba no mercado público da cidade, isso puxava um pouco a questão das festas para os adolescentes que já tinha muito pagode. Mas eu sempre fui um ponto um pouquinho fora da curva porque eu sempre gostei muito de rock. E na minha época, era época do pagode, eu ia, não ia deixar de ir numa festa por não ser minha música preferida, mas eu sempre, com os amigos assim, eu sempre era um pontinho um pouco mais deslocado, porque se fosse pra comprar um CD, eu não ia comprar um de pagode, eu ia comprar um de rock, de rap, alguma coisa assim. Mas eu sempre ouvi tudo, gosto de samba, eu gosto de tudo quanto é tipo de música. Alguns tipos de música eu fui me aproximar um pouco mais velho, questão de maturidade, preconceito, por exemplo, música tradicionalista do Rio Grande do Sul, na minha adolescência não ouvi nada, mas por preconceito: “Isso é coisa de velho! Isso aí é música do meu vô!”. E aí depois, mais velho, me aproximei muito, gosto muito, ouço muita música tradicionalista gaúcha. Muito por isso. Eu acho que eu gostava, mas eu não me interessava pela bolhazinha que eu vivia, que era ouvir um rock, ouvir um pagode, aquela coisa, sair pro tradicionalista, sair muito dessa bolha, eu voltava. Mas depois conforme fui conhecendo, fui gostando. E eu gosto de qualquer tipo de música.
P - Bom, Jean, a gente está falando da juventude, mas antes de engrenar no final da juventude, eu queria te perguntar uma coisa. Você tem uma irmã mulher. Havia alguma diferença de educação para uma menina e um menino, por exemplo, na sua geração, ou na geração dos seus pais, isso era mais visível um pouco? Apesar da sua mãe já trabalhar, já ser professora, enfim? Como era isso?
R - Não! A diferença de mulher para homens, de meninos para meninas, eu não recordo, acho que não, na minha geração com certeza. A minha irmã estudou nas mesmas escolas que eu, em algumas delas, então eu não lembro disso. Já se eu pegar a geração dos meus pais, por exemplo, a escola, essa que eu comentei, São José, ela era uma escola de meninas, na época do meu pai e da minha mãe estudarem, era de meninas. E aí, tinha outra escola em Pelotas, que era o Colégio Gonzaga, que era de meninos. Então, normalmente as famílias que tinham condições, das cidades do interior, elas mandavam os meninos para o Gonzaga e as meninas para o São José. Nem na minha infância menor assim, isso existiu, já tinha mudado há muito tempo esse modelo. Eu me lembro que quando eu era muito pequeno mesmo, iniciando o ensino fundamental, existia a opção do São José, existia a opção do Gonzaga para meninos e meninas, não tinha essa separação. Mas na época dos meus pais, bota aí, meu pai é de 1950, bota aí 1965, nos anos 60 ali, uma escola de meninos, eles falavam: “escola de padre e a escola de freiras”. Tinha essa diferença, mas eu não vi isso. Meus pais sim, viram isso. Mas eu não vi!
P - Falando da sua mãe e do seu pai, você falou dessa origem mais humilde da família deles. Mas a sua mãe estudou o Normal para ser professora? Seu pai fez algum curso técnico para ser Contabilista? Como é que era nessa geração dos anos 60 lá, essa formação um pouco mais técnica, de aplicabilidade para ir logo trabalhar? E como é que foi isso na sua família, quando você diz: ‘sou de uma família pobre’. Como era isso, o ambiente da casa; o que faltava?
R
- Não, assim, nunca faltou nada assim, graças a Deus! Tinha o mínimo, mas tinha. Meu pai e minha mãe trabalharam muito. E o meu pai, inclusive, ele terminou esse curso de Contador, no caso, de Contabilista, eu já era pré-adolescente. O que acontece? Os meus pais casaram e mudaram para Pelotas, quando eles mudaram para Pelotas, o meu pai iniciou trabalhando com venda de remédios, esses vendedores que viajavam o interior apresentando um laboratório, e minha mãe muda para Pelotas e ela entra num Banco, num Banco local lá, era Finab o nome do Banco, começa a trabalhar nesse banco e aí, com isso, ela começa a estudar pedagogia. Então, até da família do lado da minha mãe, eu acho que a minha mãe é a única filha que tem ensino superior completo, vários irmãos dela iniciaram, mas não finalizaram. Então, minha mãe começa fazendo Pedagogia, faz pós-graduação. E aí, em determinado momento, esse banco que a minha mãe trabalhava acaba, aí ela se obriga a exercer a profissão dela como professora, ela começa a fazer concurso, dar aula em escolas e tudo mais. E o meu pai vai trabalhando como vendedor e aí ele também perde o emprego, em determinado momento, não vou lembrar. E aí ele é contratado por uma outra empresa como assistente administrativo. E ali ele vê que tinha uma chance dele como contador ter um espacinho maior e aí ele entra num curso técnico, faz um curso técnico de contabilista. E daí que sai a origem dos dois, a origem profissional dos dois. E assim eles vão até o fim, até a aposentadoria, minha mãe como professora e meu pai como contador.
P - Eles são de que ano? Nascimento dos pais?
R - Meu pai de 1950 e minha mãe 1958.
P - Rememora um pouquinho a sua casa. Você morava em casa, apartamento?
R - Apartamento. Morava num apartamento que é na Cohabpel, é um condomínio de baixa renda, mas é um condomínio de apartamentos pequenos lá em Pelotas. Era um apartamentinho pequeno, tinha três quartos, mas ele era pequenininho. É um condomínio lá em Pelotas que ele, como eu falei, apartamentos pequenos, baixo padrão, mas como ele é muito antigo, ele é muito bem localizado, então ele ficava num lugar bom ali, consegui ter muita liberdade na minha infância, muito pela cabeça da minha mãe e do meu pai e muito pelo pelo lugar onde eu morava. Eu tive um crescimento assim, vamos dizer, muito livre, eu fazia coisas que eu olho hoje para as minhas filhas, falo: “De jeito nenhum minhas fariam as coisas do jeito que eu fiz”. O jeito que a vida era mais simples, mais fácil. Eu, por exemplo, eu lembro de ter, sei lá, quatro, cinco anos e eu tinha um tio que foi fazer Agronomia em Pelotas, ele morava no apartamento com a gente. E esse meu tio, quando ele ia para Santa Vitória, no caso, ele ia para estrada pegar carona, não tinha dinheiro, e me levava junto. Eu lembro de ficar até dez, onze da noite, na beira da estrada com esse meu tio, torcendo para que alguém parasse para gente, uma criança, cinco anos. Então, imagina, jamais minha filha vai para a beira de uma estrada pegar uma carona. Mas então tive muitas dessas coisas. Aí, conforme eu fui crescendo e aprendendo, a gente vai aprendendo. Mudou, só que o meu tio noivou, foi tocar a vida dele e eu segui sendo assim. “Mãe, quero ir para Santa Vitória esse final de semana". “Eu não tenho dinheiro para a passagem". “Não, eu vou tentar carona". Eu ia para a beira da estrada pegar uma carona, quatorze, quinze anos. Aí a gente já começava a conhecer alguns caminhoneiros, que até eram amigos da família lá, que… “Bah, eu vou buscar…” Eles buscavam muitos produtos para supermercado. “Vou buscar frutas em Pelotas". “Ah, Julio…” Era Júlio o nome dele. “Júlio, então já avisa… Tem lugar no caminhão?”. “Tem!”. Já vou avisar a mãe. “O Júlio vai vir aqui, ele volta no meio da semana que vem. Ah, vou com ele!”. “Pode ir!”. Subia no caminhão e ia embora. E para a escola a mesma coisa, aí já na adolescência, eu lembro que eu tinha uma conversa muito aberta com os meus pais. Se eu estava na aula, não quero assistir essa aula, eu ia lá na direção. “Quer ligar para a minha mãe. Mãe, quero ir para casa. ”. “O que que houve? ”. “Só não estou afim. ”. “Tá tranquilo?”. “Tô tranquilo! ” Não quer assistir aula, não vai assistir aula. Nunca fui obrigado a nada, sempre foi muito tranquilo essa questão com os meus pais. Eu considero que eu tive um crescimento, uma adolescência, muito livre. Viajava muito ali em volta de Pelotas, essas cidades menores, para fazer festas, para passear, para pescar, para caçar, andava por tudo.
P - Você pescava e caçava muito?
R - É, caçar sempre tinha que ter um adulto junto por causa das armas. Pescar era fácil, pescar a gente comprava nos camelôs lá uma vara, um molinete e achava um lugar para pescar. Mas caçar sempre tinha que ter um adulto junto, alguém que convidasse a gente, porque geralmente tem que ter canele, tem que ter as armas, então era um pouco mais difícil, mas quando surgia um convite, a gente ia embora caçar.
P - Que animais?
R - Basicamente, os que me deixavam ir, era caça de marreco, marreca, marrecão, perdiz, esse tipo de ave, ave migratória, essas aí foram as que eu mais fiz. Caças mais pesadas, que eles dizem, tipo javali, coisas assim, só depois de adulto que me deixaram ir, porque é perigoso mesmo. Mas aves migratórias, perdi as contas, meu avô me levava, atirava. Uma coisa que eu não imagino para os meus filhos hoje.
P - Não mesmo! Em relação à juventude e ao trabalho. Em algumas dessas idas em caminhão, você ajudava, já havia algum tipo de trabalho remunerado? Você já teve essa experiência como jovem ainda, trabalhos menores, pequenos?
P - Com 14 anos foi meu primeiro trabalho, assim, não dá para dizer que foi trabalho, bico, vamos dizer assim, que eu ganhei dinheiro para fazer alguma coisa, com 14 anos. Descarregava caminhão de arroz, tinha um engenho perto da minha casa e os caras pagavam R$15,00 ali para ajudar descarregar um caminhão. E aí na época 14 anos, estava começando a fazer academia, querendo ser um moleque mais fortinho. Ah, era uma diversão, porque os sacos têm cinquenta quilos, então, quem conseguia tirar um saco daqueles do caminhão. Então, eu passava a tarde lá me divertindo e ainda ganhava R$15,00.
P - Então, voltando ao teu ensino médio, quando é que começou a despertar em você um interesse por uma determinada… Você estudou Engenharia, né? Queria saber como é que foi esse despertar dessa profissão: como foi essa a escolha, Universidade, vestibular?
R - Eu não tenho muito essa resposta pronta. Sinceramente, foram coisas que foram acontecendo que foram me levando para isso. Eu sabia que eu queria exatas, sabia que pra eu estudar… Na verdade, quando eu entrei nessa escola aí, no São José, que foi o segundo ano do segundo grau, que meio que eu tive o contato assim com crianças, adolescentes de uma renda maior e tudo mais, essa coisa do vestibular e tem que entrar na faculdade. Minha mãe, óbvio, sempre primou muito pela educação, sempre entendeu que tinha que fazer um curso superior e tudo mais, mas nunca me pressionou por uma escolha. Quando eu cheguei lá no São José, já tinha os que iam ser médicos, já tinha os que iam ser advogados, já tinha os que iam ser veterinários, dentistas, já estava meio que organizado. Aquilo me impactou “eu não tenho nada, eu não sei para onde eu vou, o que que eu quero?”. Então, a partir do segundo ano do segundo grau que eu comecei a pensar, eu preciso me organizar, eu preciso ter algum rumo, eu não posso perder para eles. Que era bem isso, já estava todo mundo sabendo onde que ia.
P - Muitos (pela) origem familiar, talvez?
R -
Basicamente isso. Aí, eu comecei a pensar, vamos pensar “o que eu vou fazer?”. Aí, no terceiro ano do segundo grau, que começou mesmo a pressão ali, começou a fazer cursinho pré-vestibular. Eu comecei a olhar as universidades que tinham lá na região, particular, nem pensar, não tinha dinheiro pra fazer. E aí federal na época tinham duas, tinha a Federal de Pelotas e a Federal de Rio Grande. Na Federal de Pelotas, fora Matemática e Física… Eu tinha um pensamento de fazer Física. Mas a minha mãe é professora, eu pensei: “se eu fizer Física vou ser professor, vou acabar no mesmo lugar que ela”. Não que minha mãe tenha um lugar ruim, mas sei da vida que a gente teve, então não vai dar a Física. Aí, na Universidade de Pelotas, naquela época, só tinha Agronomia, e por mais que eu gostasse de campo, essa situação, era muito claro pra mim que quem fazia Agronomia e se dava bem era quem já tinha campo, quem plantava. Meu avô trabalhava com isso, mas nunca foi dono de campo, ele sempre foi meio que responsável por granjas e tudo mais, mas nunca teve a terra dele, vamos dizer assim.
Então, eu falei: “cara, vou me formar nesse negócio e vou para aonde? Vou plantar onde? Vou fazer o que? Então, não vai dar!”. E aí, na FURG, que é a Universidade de Rio Grande, tinha o curso de Engenharia Mecânica. E aí, eu pensei, “Vou fazer Engenharia Mecânica, é isso aí! Escolhi!”. Eu estudei e aí veio a data do vestibular, aí eu fiz o vestibular na FURG.
P - Que era estadual, federal?
R - Federal. Fundação Universidade Rio Grande, FURG. Fiz para Engenharia Mecânica, na FURG. Me inscrevi para o vestibular da Universidade Federal de Pelotas e eu não sabia o que fazer, eu botei Direito, nada a ver. E aí, pra treinar vestibular, eu me inscrevi no da universidade paga de Pelotas, que é a Universidade Católica de Pelotas. E lá eu me inscrevi para Engenharia Eletrônica.
P - Isso no segundo ano ainda?
R - Terceiro ano.
P - Para treinar foi um ano antes, não?
R - Pra treinar porque eu sabia que se eu passasse eu não ia entrar naquela universidade porque eu não tinha dinheiro para pagar.
P - Entendi.
R - Bom, aí eu bati na trave em tudo, na FURG eu fiquei por seis na chamada. Graças a Deus, na do Direito eu fui mal na prova, que na época chamava prova interdisciplinar, na mesma questão você tinha Matemática, Física, História numa questão só ela englobava vários conteúdos. E aí, pra mim isso era muito fácil, eu sempre fui muito bom de relacionar coisas. Então a minha prova objetiva, que era 45 questões, eu lembro que eu tirei uma nota muito alta, Na Federal de Pelotas, eu tirei uma nota muito boa. E aí, na segunda etapa da prova, ela era descritiva, e aí era história, português, literatura. E aí foi um caos. Mas mesmo assim eu quase fui chamado. Eu lembro que o Otávio, um amigo meu, ficou… Era meu colega do São José, ele também ficou para uma segunda chamada, não lembro como é que chama. E eu fiquei logo atrás dele e ele entrou e eu não. E ainda bem que eu não entrei, porque eu provavelmente ia cursar, não tinha o que fazer. Eu ia cursar, poderia desistir ali na frente, mas eu ia perder aquele ano ali. E na Universidade Católica eu passei, para Eletrônica. Aí, dei os resultados em casa. “Vamos de novo!”. Aí, o meu pai conseguiu com o chefe dele, com o dono da empresa que ele trabalhava, que ele bancasse a minha faculdade, um pedaço dela. Meu pai falou: “Ô, dá para você se inscrever na Católica, mas nós temos um teto de valor aqui”. E aí, o seu Jânio, que era o dono da empresa. “O senhor Jânio vai ajudar”. Opa! Aí fui lá na Católica pra ver as questões. Engenharia eletrônica. E aí, eu me lembro que tinha três cadeiras, tinha que fazer uma de religião, era obrigatório, que era uma Universidade Católica. Aí eu fiz Cálculo e Física, eu acho. Me inscrevi em três cadeiras. Aí comecei a fazer. Fui fazendo essas três cadeiras e quando vinha a rematrícula, passou um semestre, eu descobri que a Engenharia Civil tinha 50% de desconto, porque não tinha procura, era uma época que o mercado de consumo estava em baixa. Eu falei: “ah, vou fazer Civil porque eu me formo mais rápido, depois eu vejo o que que eu faço!. Aí fui para Civil e aí o resto da história, me apaixonei, gostei e aqui que eu vou ficar e acabei ficando. Depois eu fiz outra faculdade, mas não terminei.
P - De que?
R - De Engenharia Industrial Madeireira. O que acontece? Como eu falei, desde os 14 anos eu sempre dei um jeito de ganhar dinheiro, trabalhar. Então, trabalhei com ferro velho, sucata, operando muque, instalando extintor, a gente chama de coquear saco, descarregando caminhão.
P - Como?
R - Coquear saco. Então, desde os 14 anos eu sempre dou um jeito. Meus pais não tinham dinheiro para me dar. E aí, quando meu pai conseguiu esse negócio lá para pagar a faculdade, meu pai falou: “Cara, eu banco a faculdade, agora o resto você vai ter que dar um jeito de se virar". Falei: “Não, mantém a faculdade lá pra mim, que o resto eu dou um jeito". Então, sempre trabalhei. E aí, quando foi? Acho que foi no terceiro semestre da Católica, eu consegui… Nossa, foi maravilhoso! Eu consegui um emprego na Caixa Econômica Federal, como bancário temporário. Foi quando o governo pagou o residual do Plano Collor, como não tinha gente suficiente para atender, eles montaram um programa lá de bancários temporários, só podia trabalhar cinco meses e vinte nove dias, eu me lembro que não podia fechar seis meses, para não criar vínculo. E eu consegui uma vaga nesse negócio aí e ganhava bem pra caramba. Bem pra caramba? Bem pra mim que não ganhava nada. Nossa, foram seis meses maravilhosos. Tinha dinheiro no bolso, ia para todas as festas, estudava, estudava, tava tudo andando bem. Aí, acabou esse projeto aí e eu voltei só a estudar.
P - Que ano você entrou na universidade, por favor?
R - 2004. Aí terminou esse projeto lá, acabou o semestre e eu entrei no novo semestre com dinheiro na conta. Como eu falei, para época era um bom salário. E só estudando de noite. Cara, minha vida virou meio que uma festa. Só que um dia eu parei. Cara, não vai dar para ser sempre assim, preciso arrumar um emprego. Aí comecei a procurar emprego, não conseguia. E aí, um dia eu pensei assim, “eu vou fazer outra faculdade para ocupar o meu tempo durante o dia, se não eu vou continuar indo toda madrugada, acordando às três da tarde”. Porque a minha rotina era essa, ia dormir às cinco, acordava às três, seis horas ia para a faculdade, da faculdade, às onze horas ia para festa, cinco da manhã, estava assim. Aí, eu pensei assim, “se eu arrumar outra faculdade, eu arrumo um negócio para fazer durante o dia e eu paro de sair de noite”. Aí eu lembro que eu fui fazer vestibular e eu pensei, eu vou fazer para Educação Física, porque a Faculdade de Educação Física da Federal era perto da minha casa, da Cohabpel, lá onde eu morava, dava para ir de skate, tudo mais, eu sempre andei de skate. Aí, fui fazer a matrícula, na época a gente fazia a matrícula na lotérica, imprimia um negócio lá da Federal e ia lá na lotérica para fazer a matrícula. E aí, na lotérica, quando eu tô na fila, tá o Diário Popular, que é o principal jornal de Pelotas e na capa assim tá. “Vitória Cruz e mais três empresas se instalaram em Pelotas para o ramo da celulose, não sei o quê". E aí, enquanto eu estava na fila eu estava lendo o jornal. “Universidade Federal abre o curso de Engenharia Industrial Madeireira, por causa das empresas, investimentos na região". Isso aí vai dá bom! Aí na hora da matrícula, “não, eu vou fazer essa daí”. Aí passei! E aí quando eu passei, você viu que eu trabalhei na Prefeitura. A prefeitura me chamou para trabalhar. Aí, eu fazia Federal de manhã, trabalhava na Prefeitura de tarde e fazia a Civil de noite. Do nada, acelerou! Aí, eu fiquei dois anos e meio assim. Não fiquei na Prefeitura dois anos e meio, saí antes.
P - Na Prefeitura foi um estágio? Foi seu primeiro estágio na tua área como engenheiro? Foi isso?
R - É! Não foi bem como engenheiro, foi a parte de urbanismo, mas vinculado à questão de construção, entendimento, de áreas e tudo mais. E aí eu fiquei nesse estágio da Prefeitura, fazendo a Federal de manhã e fazendo a Católica de noite. Aí, terminou meu estágio, eu fui trabalhar com sucata, com aço, metal. Eu tinha uma namoradinha, na época, que o pai dela tinha uma empresa e ele me botou para trabalhar lá. E aí, surgiu a oportunidade da Ecosul, quando eu estava no quinto semestre da federal, no oitavo semestre da católica.
P - Então, você estava falando um pouco do teu início de vida de trabalho e ainda na universidade, quer dizer, eu queria saber o que que você se interessava mais, alguma disciplina te chamava mais atenção já no contexto da Universidade? Quer dizer, da Engenharia Civil, porque a Madeireira você devia ter seguido também, porque olha que interessante, que diferente, como formação. Da Civil alguma área te interessava? E falando do estado do Rio Grande do Sul, ou talvez do Brasil, não sei se isso era uma coisa que se mencionava, era um período de obras no país? Seus professores eram professores ligados a grandes obras? Ainda se construía muito nos anos 90, ou não? Hidrelétricas na Amazônia, sei lá, interior, como é que era isso um pouquinho, por favor?
R - Não! Anos 2000. Não, não era! 2004 quando eu entrei, estava frio o mercado, tanto é que tinha esse desconto de 50% que era para tentar arrecadar alunos, porque não tinha procura no curso de engenheiro civil da Católica. Então, esse desconto era um reflexo de como o mercado estava frio, tava ruim na época.
P - Do país que você está falando?
R - Como um todo. Tinha um diretor que falava pra mim. “Não basta a gente ser bom, a gente tem que ter sorte". Isso foi um pouquinho antes do PAC. Quando o PAC entra e acelera, independente de como foram feitos os contratos de obra e tudo mais, o mercado é acelerado. Então, no meio da minha graduação, eu senti esse aquecimento nesse setor do país. A Engenharia começa com uma carga muito pesada de Cálculo, então ali nos dois primeiros anos você vai ter muito Cálculo, não sabe nem porque está calculando, mas está calculando. Pra depois começar entrar em cadeiras mais específicas, falar de estrutura, falar de ponte, falar de rodovia, falar de arquitetura. Então, eu passei muito por esse início aí, da parte dos cálculos, vamos dizer assim. E aí, quando a gente começou a ter um pouco mais de proximidade, contato com as cadeiras mais específicas, primeiro eu gostei muito da parte de estruturas, estrutura em concreto armado. Você perguntou de professor, teve um professor, que é David o nome dele, que ele dava Sistemas de Transporte, que ali engloba tudo, engloba rodovia, aerovia, hidrovia, dutovia, todo tipo de transporte. Nós tínhamos um ano e meio desse sistema de transportes, nós tínhamos um, dois e três. E aí, ali eu conheci David. E o David, ele estava saindo da Ecosul, ele era professor e também era engenheiro da Ecosul. E ele estava saindo, porque ele tinha passado no concurso da Universidade de Santa Maria, ele ia ser professor concursado na Federal de Santa Maria. Então, ele estava indo se mudar para Santa Maria. E na aula de rodovias do David, ali eu vi, “eu quero ir por esse caminho, eu quero trabalhar com rodovias”. Muito por ele, pela didática dele, mas pelo me encantei com tudo que a rodovia tem que a gente nem imagina. E aí, com essa questão, como eu falei, eu sempre fui muito ativo, muito curioso, então eu ia para cima dele, queria saber mais, perguntava mais.
P - Você lembra o sobrenome dele?
R - David. Eu olho pra você depois. E aí, o David começou a me explicar essa questão de concessão, porque pra mim era um pedágio, não existia nada por trás daquilo, eu não tinha noção do que era uma concessão. E aí, eu fui criando uma curiosidade, um interesse. E aí, o David foi embora e um outro rapaz, que estava um ano à frente que eu, ia se formar primeiro que eu, que era o menino dos olhos de ouro da engenharia lá, o Pablo. Eu me dou super bem com ele, ele é um fenômeno, inteligente demais, totalmente fora da curva. E o Pablo estava estagiando na Ecosul, a convite do David. E aí, o Pablo foi efetivado na Ecosul e abriu a vaga de estágio dele. E aí, o Pablo me falou que ia ter uma seleção para estágio na Ecosul e eu fui lá me inscrevi para essa seleção e passei. E por isso que eu larguei a Federal, por causa do horário, porque a Federal eu fazia de manhã e a Ecosul era de manhã e à tarde. Não dava para ir de skate.
P - O que é a Ecosul?
R - A Ecosul, assim como a Ecoponte, é a empresa concessionária de rodovias do sul. Lá são 473 km de concessão, que pega a BR-116, que desce do meio do caminho da capital, Porto Alegre a Pelotas, até o extremo do país, até o Jaguarão, onde divide com o Uruguai, a concessão acaba na divisa com o Uruguai. E pega a BR-392, que nasce em Rio Grande, no porto de Rio Grande e vai até a cidade de Santana de Boa Vista. Ela faz uma cruz assim, total dá 473 km. Quando eu entrei ainda tinha um outro pedaço, que era BR-293. E depois ela saiu do programa, essa BR.
P - O que é uma concessão?
Através de licitações de projetos de concessão.
R - Então, o governo, através de licitações e projetos de concessão delega a manutenção, operação, estrutura, melhorias, para a iniciativa privada, alguns pedaços, vamos dizer assim, da infraestrutura brasileira. Então, ele gera programas de exploração em cima de grandes eixos, de rodovias mais importantes. E por uma questão do estado não ter condição de manter numa qualidade de alto nível, ele busca parceiros, que são as empresas privadas, para delegar o cuidado com esses segmentos. Então, você vai ter cuidado lá com a estrutura rodoviária, com a sinalização, com a faixa de domínio, que é uma faixa compreendida nas laterais da rodovia, que tem que ser cuidada também, com as pontes. E aí, nisso ele incorpora operações, que aí você bota lá serviço de guincho, de socorro mecânico, socorro de saúde, socorro médico. Incorpora serviços e em contrapartida disso são implantadas as praças de pedágio, para eles arrecadarem pelo serviço prestado.
P - A Ecosul é uma concessão?
R - A Ecosul é uma concessão. Empresa Concessionária de Rodovias do Sul. E assim como a Ecoponte, que é a Empresa Concessionária da Ponte Rio-Niterói, o contrato dela é cuidar da Ponte Rio-Niterói. Aí, eu entro na Ecosul, no setor de Engenharia e o mundo se abre pra mim ali.
P - Fica desbundado.
R - É! Mas realmente, porque eu não tinha ideia que englobava tanta coisa, tanto compromisso, tanta tecnologia, tanto tudo, volume de investimento, tudo. E eu começo a me encantar por aquilo ali. Minha história faz várias bifurcações. Aí, antes de eu ir para a Ecosul, eu ia trancar as faculdades tudo, tinha juntado um dinheiro, só da passagem na verdade, e eu ia tentar passar um semestre na Nova Zelândia. Tinha uma amiga minha da Madeireira que tinha ido pra lá, tinha arrumado um trabalho lá num estacionamento, lá em Auckland, me ligou, falou: “Cara, vem para cá, que pelo menos você fica um seis meses aqui, sai bem de inglês e volta com inglês bom para o Brasil. E para se sustentar aqui, a gente arruma um emprego pra ti". Aí, eu estava organizando essas coisas, quando surgiu o estágio. Aí, fiquei naquela: “Pô, o Pablo foi efetivado depois do estágio”. E ainda estava aquecendo o mercado, mas não estava fácil de conseguir emprego como engenheiro. E aí, eu fiquei com aquela na mão. “E aí, tranco tudo aqui?” Porque como eu antecipei minhas cadeiras todas, fico só… Eu fiz o TCC no nono semestre, eu fiz o projeto de estágio na Ecosul no mesmo semestre. Ficou, tipo, Legislação e mais alguma coisa ali para terminar o curso de engenheiro civil.
P - Qual foi o tema do seu TCC?
R - O tema do meu TCC foi a reorganização da cidade de Pelotas, de grandes vias, grandes artérias, não da cidade como um todo. Eu propus uma remodelação do sistema de tráfego da cidade, com uma benfeitoria e com uma pegada de reutilização, porque na época, e como Pelotas é uma cidade de origem portuguesa, ela tinha muitas estradas, ruas com paralelepípedo. Então, meu projeto entrou em duas frentes, entrou como uma remodelação geométrica, propondo corredores de ônibus, uma organização do trânsito. Aí, com isso entrava com projetos estruturais na parte de pavimento, que aí era a parte que eu estava estagiando e trabalhando na Ecosul, já entendia um pouquinho de estrutura de pavimento. E para fazer essas estruturas de pavimento, basicamente eu removeria essas pedras antigas, aí eu propus reutilizar essas pedras nas comunidades da cidade que não tinha calçamento. Então, era um projeto que ele meio que transgredia assim, ele tinha uma remodelação de trânsito, uma parte de estrutura e uma pegada para reaproveitamento desses produtos, desses materiais que iam ser retirados do centro da cidade e iam nas periferias. Então, basicamente foi isso aí o meu projeto de TCC. Aí, como eu falei, eu tinha terminado ele e eu estava nessa. “E aí? Vamos para a Nova Zelândia, ou vamos tentar um estágio na Ecosul e tentar ser efetivado lá na frente?”. Aí, acabou que a questão financeira falou mais alto. Como eu falei, eu venho de uma família humilde, sei das dificuldades, eu falei: “não vou deixar isso passar não”. O inglês depois eu dou um jeito. Foi quando eu optei pela Ecosul.
P - Aí de estagiário você foi efetivado?
R - Fui efetivado como engenheiro.
P - O que isso significou para você?
R - Foi… Nem sei explicar, foi muito legal! Foi muito legal porque… Foi uma premiação pra mim ser efetivado. Principalmente por eu ter passado oito meses estagiando e entendendo o que que era aquilo lá, então eu queria muito fazer parte daquilo, não era só a questão financeira, eu queria muito que a minha vida tivesse relação com rodovias. E aí, quando vem a proposta… Hoje ele é diretor presidente do grupo, Rui Klen, era meu gerente lá na época. Aí o Rui me convida para ficar na Ecosul, nossa, foi muito legal! Tudo valeu a pena. E aí eu entro como… Primeiro ele ainda tentou me morder, vamos dizer assim: “Vamos te efetivar, vamos te efetivar, mas agora vamos te efetivar como assistente de engenharia e aí no segundo semestre eu te efetivo como engenheiro". Só que eu tinha passado num processo de trainee da Medabil, que é uma empresa de estrutura metálica, em Nova Prata, no interior do Rio Grande do Sul. Aí, eu falei: “Rui, eu tenho aqui, cara. Vou ser engenheiro lá". “Mas você vai ter que se mudar". “Cara, eu quero ser engenheiro". Aí no outro dia ele veio: “Não, vamos te efetivar como engenheiro”. Aí me efetivou como engenheiro.
P - Em que ano foi isso?
R - 12 de janeiro de 2009.
P - E qual foi o seu primeiro trabalho, sua primeira responsabilidade como engenheiro?
R - Em vinte dias da minha efetivação. Não, não foi vinte não. É vinte dias. Foi mais ou menos vinte dias. Deu uma das maiores catástrofes ambientais na região de Pelotas e cai duas pontes, a cidade fica ilhada, morre gente pra caramba, um caos. E tudo nas nossas rodovias. Eu tinha vinte dias de engenheiro ali. E foi o caos, foi em 2009 isso. Caiu a Ponte do Fragata, rompeu a cabeceira da ponte do Arroio Caster e rompeu a cabeceira da ponte do Arroio Santa Eulália. Lembro das pontes. A do Fragata foi inteira, a ponte sumiu, a gente não sabe onde foi parar a ponte. Ela foi inteira embora. E essas duas romperam as cabeceiras.
P - Teve perdas de vidas?
R - Teve. Teve gente que na Ponte do São Gonçalo, que a água cobriu a ponte, não dava para ver que ela tinha ido embora. E aí teve pessoas que tentaram passar e não tinha ponte e morreu. Foi bem trágico. Foram quatro dias assim, não lembro de ter dormido esses quatro dias. Foi assim, pra iniciar mesmo, sabe? Foi um trabalho pesado, porque cortou as ligações na volta de Pelotas, a gente não tinha acesso nem a material, a pedra no caso para tentar reconstituir as coisas, porque estava tudo ilhado. Eu lembro da gente passando o pessoal… Porque Pelotas por ser uma cidade maior, as cidades pequenas, as prefeituras mandam… Isso deve ter aqui também. Para fazer exame, para fazer hemodiálise. Eu lembro da gente passando as macas das pessoas por cima da água assim, que parava uma ambulância de um lado e outra do outro, onde a rodovia cortou, passava as pessoas nas macas assim e a gente lá com os equipamentos tudo correndo para tentar restabelecer qualquer tipo de ligação. Eu lembro que a gente primeiro faz uma religação num trecho que não era nosso, era uma como se fosse uma rodovia municipal, que ligava a cidade Capão do Leão a Pelotas, a gente faz o restabelecimento dessa, porque a ponte do Fragata não tinha mais o que fazer. Aí a gente faz o restabelecimento da BR-203, que também tinha rompido a cabeceira, Km 16 ou 18, não vou lembrar. E na Ponte Santa Eulália do Cáster, a gente em dois dias recompõe a cabeceira, tudo de maneira precária, sem asfalto, sem nada, mas pelo menos passava os veículos. A gente restabelece o tráfego lá. E aí, vamos dizer assim, com o tráfego rodando de novo, aí a gente inicia o projeto de fazer a nova Ponte do Fragata e o desvio, e aí sim um desvio oficial, onde a gente fez lá uma estrutura toda para poder passar enquanto não tinha ponte lá no lugar. Eu tinha vinte dias de fichado.
P - Em nenhum momento pensou em desistir ou ao enfrentar as dificuldades, pensou: “será que é isso mesmo, será que é isso que eu vou enfrentar ?”
R -
Engraçado… Foi uma tragédia. Tirando, obviamente, a parte das pessoas perdendo a vida e tudo mais, aquela operação eu gosto, essa pulsação, sabe? Esse sangue correndo forte, decisões rápidas, não para. Isso me motiva, eu gosto. Então, foram dias, pra mim, excluindo totalmente essa questão da tragédia, foi muito proveitoso, de aprendizado mesmo. Pô, eu vi uns caras, engenheiros casca grossa, que era meu coordenador na época lá, era o Ubajara (Lopes Bastos), o meu coordenador, [Vanacor], e os donos das empreiteiras que prestavam serviço pra gente, cara, todo mundo, duas da manhã, três da manhã, debaixo de chuva, todo mundo de capa. E ver os velhos conduzindo aquilo, foi muito legal! Foi um aprendizado muito… Tanto que em 2011 teve de novo, aí um pouco menor, na Ponte Arroio Passo do Pinto. E já foi tudo mais fluido, a gente já tinha os atalhos, vamos dizer assim, para tentar agilizar tudo e reconstituir as coisas o mais rápido possível. Mas foi um momento tenso, mas aquilo me motiva. Que bom que eu estava ali, que bom que eu pude contribuir. Eu gostei!
P - E quanto tempo você trabalhou na Ecosul?
R - A Ecosul, contando estágio? Foi de 2008 a 2021. Eu entreguei como estagiário, aí eu virei engenheiro de conservação, aí de engenheiro de conservação eu virei coordenador de conservação.
P - Você vira, você é convidado, você tem uma carreira interna na empresa?
R - Eu fui convidado. Bom, quando eu virei engenheiro, foi meu gerente lá, que eu era estagiário, me convidou para ser engenheiro. Nisso, o Rui vai para São paulo, ele é convidado para assumir uma gerência em São Paulo. Aí muda um pouquinho a coisa lá. Eu fico de 2009
até 2011, fico dois anos como engenheiro. Aí o
P - Você tinha 25 anos?
R - É, 26. Aí o Doutor Hanke me convidou para virar coordenador de conservação, que o Doutor Hanke era diretor superintendente, Roberto Paulo Hanke. Aí o Doutor Hanke me convida para ser coordenador. Aí eu entro para uma estrutura de liderança, que na empresa a gente tem as coordenações, aí tem as gerências e diretoria. Por mais que eu já tivesse uma equipe de campo, ali eu passei a ter uma gestão, dentro da Ecosul, de um gestor de público administrativo também, não só de público de campo, como eu era como engenheiro. Aí eu fico onze, doze, treze. Treze há uma nova mudança e aí eu fui convidado a ser o coordenador de obras, que era o que eu achava que eu queria. Eu tinha uma visão lá do Vanacor, meu primeiro coordenador de obras, que eu olhava ele, “cara, aquilo ali que eu quero ser”. Aí, eu virei coordenador de obras. Aí, foi onde eu me especializei bastante em pavimento, estudei muito, trabalhei bastante com pavimentação. E aí, eu fico como coordenador de obras até 2016. Aí, troca também a diretoria, saí o Doutor Hanke e entra o Palermo, que era outro diretor. E o Palermo me convida em 2016 a assumir a gerência de atendimento ao usuário, que são separadas, engenharia e a GAU. Elas são separadas em todas unidades, só na ponte que juntaram. E aí, o Doutor Palermo me convida para ser GAU. Ali eu assustei, porque eu saí totalmente do meu nicho, sai da engenharia, vai para operação, tinha interação, cooperação, mas nunca trabalhei na operação. E para ser o gerente ainda. Ali deu frio na barriga. Aí eu vou para a operação, aceito. Vou para operação, trabalho um ano na operação. E aí, há uma remodelação geral no grupo, que aí o gerente de engenharia lá, que era o Fabiano, na época, é convidado para ir para o Paraná, o Mateus que era o gerente de contrato, que foi até diretor da ponte já, ele é convidado para ir para Brasília. E aí o Doutor Evandro, que era o presidente das concessionárias do sul, me convida para voltar para engenharia como gerente. Aí, eu volto para engenharia como gerente. E aí, de 2016 até 2021, eu fico como gerente de engenharia. E aí, é quando a gente ganha a Rio-Minas aqui. E aí, pela estrutura da ponte e, por eu ter participado desses dois setores na época, eles convidam os gerentes daqui, de operação e de engenharia a ir para a Rio-Minas, juntam as cadeiras e me convidam para assumir a gerência de atendimento a usuário e engenharia. Foi em 2021. Aí estou até hoje.
P - Você estava falando de 2008, o que você estava querendo pontuar?
R - Em 2008 eu conheci a minha esposa na Ecosul, que a gente veio galgando nosso espaço dentro da empresa juntos, até aqui, na Ecoponte, ela veio pra cá comigo.
P - O nome dela?
R - O nome dela é Letícia. Ela era coordenadora jurídica aqui, na época, quando a gente se conheceu, ela era assistente jurídica e eu estagiário. Aí ela virou coordenadora jurídica, das duas concessões, da ponte e da Rio-Minas, que foi quando fizeram o convite pra gente vir para cá. Sair do sul e vir pra cá, convidou nós dois. Então, não sei se eu vim com ela ou ela veio comigo. A gente veio juntos, nossa família. Então, isso também faz parte da minha história do grupo, minha esposa, minhas filhas, elas também… Mas aí como eu falei, passo por toda essa trajetória dentro da Ecosul e venho pra cá.
P - Vem pra cá onde?
R - Venho para Ecoponte. Sou convidado a assumir a gerência de atendimento ao usuário e a gerência de engenharia.
P - E a Ecoponte, só para a gente entender. A Ecoponte está vinculada a uma outra estrutura maior? Ecorodovias…
R - Tá! Como é que funciona… A gente tem a Ecorodovias, que é a nossa holding, a controladora. E aí, tem as Ecos, que são as unidades de negócio. Então, a Ecoponte é uma unidade de negócio, Ecosul é uma unidade de negócio. E aqui do lado a gente tem a EcoRioMinas, que é outra unidade de negócios, outra concessão, outro trecho, que vai até Minas Gerais. Então, como eu falei antes da questão de uma delegação do Estado pra iniciativa privada, para cuidar daquelas rodovias, ocorreu em 2021 a mesma coisa aqui do lado, que pega o arco metropolitano, pega a BR-116 e vai até Minas Gerais. Nessa movida de estrutura, entendeu-se que a EcoPonte e a EcoRioMinas, poderiam compartilhar a mesma diretoria, então é nessa junção que convidam a gente. Então, tem um diretor, na época era Luís Salvador, hoje é o Júlio Amorim.
R - Que ano que você veio?
R - 2021. Aí, quando nos fazem o convite… Foi uma coisa muito legal da empresa, fazer o convite basicamente para a minha família, não para o Jean, porque convidam a mim pra assumir esse cargo e convidam a minha esposa para assumir a coordenação das duas concessões, da ponte e da RioMinas. E aí, é quando a gente decide ir para o Rio.
P - Como é que foi essa viagem? Vocês foram se estabelecer onde, que cidade, que bairro? E como é que foi enfrentar uma RioMinas e uma Ponte Rio-Niterói, por favor? Do ponto de vista pessoal, profissional, até para a gente detalhar um pouco as suas atividades.
R - Então, é difícil, é uma mudança muito grande. A gente vem de uma cidade pequena, a gente veio com uma filhinha de oito meses, na época, a Joana. E a Joana, na época, apresentou algumas dificuldades no início, então a gente teve muita tensão com ela. E sair de uma cidade pequena como Pelotas e vir pra… A gente veio para Niterói, a gente ficou em Icaraí, aqui no início. Um mundo todo novo, uma situação toda nova. A minha filha mais velha, a Laura, estava recém começando a entender o que era ter uma turma, então foi difícil pra ela, ela tinha quatro anos quando veio pra cá. E na época, quando nos convidaram, a gente primeiro ia declinar, a gente não ia vir, ou ia vir só eu, porque Ecoponte, Ecosul e EcoRioMinas, muda só depois do Eco. É o mesmo contrato federal, a gente sabe muito bem o que implica essas posições que a gente está. Tem gente que trabalha tranquilamente, se dedica tranquilamente doze horas por dia, nós somos gestores, a gente sabe das nossas responsabilidades, sabe que não tem hora de pegar um avião ir para Brasília, de pegar o avião e ir pra São Paulo, então a gente sabe muito bem disso, que os dois estariam com isso. E aí, com duas crianças pequenas não tinha como. Chegar aqui, não sabia nem onde ia morar. “Faço o que com as crianças?”. Então, de início nós pensamos… Como eu era gerente, teoricamente é um cargo hierarquicamente superior ao de coordenadora, então “vai tu, fica no vai e vem”, e ela ficaria lá na Ecosul, seguindo os trabalhos dela lá, que ela também já era coordenadora. E a minha mãe: “Se o problema é cuidar das meninas eu vou com vocês e eu assumo as meninas". Aí, a gente pensou de lá, pensou de cá. “Então, vamos!”. Aí, veio todo mundo, veio minha mãe, eu, minha esposa e minhas duas filhas. Viemos pra cá. E aí, a gente viveu um ano e meio aqui e a gente foi vendo que essa loucura talvez não… Não é que não valesse a pena, é óbvio que vale, eu sou apaixonado pelo que eu faço, minha esposa também é. Mas a gente tinha duas meninas, então mais uma vez a gente bota na prancheta de novo, o futuro, os desejos, toda situação. E aí, a gente decide dar uma virada na vida, em dezembro agora, em 2023. Onde a minha esposa se desliga da empresa, se muda para Santa Catarina, que a gente tinha uma casinha lá e fica perto do aeroporto, pra facilitar a minha vida. Pra Pelotas não tinha como, porque o aeroporto é em Porto Alegre, aí eu teria que fazer a viagem e mais 260 km, não ia dar. E ali a gente está do lado de Florianópolis, então pra mim é rápido, em três horas eu estou em casa. Então, aí, a gente faz essa virada de chave, minha esposa depois de quinze anos de carreira também, como coordenadora na empresa, se desliga, a gente muda todo mundo para Santa Catarina e aí eu fico no vai e vem. Vou nas quinta-feiras, nas sextas, volto na segunda. Como eu estava falando, hoje eu cheguei aqui direto, eu desci no Galeão e vim pra cá. E aí, eu saí de Icaraí para São Francisco, um apartamentinho menor, não tem porque ficar num apartamento grande. E a gente dá essa virada aí, onde a minha esposa dá uma pausa, vamos dizer assim, momentânea, na vida profissional dela em prol das nossas meninas.
P - Eu acho bacana, um projeto familiar. Então, eu acho que é lindo você ter uma família que chega junto. Parabéns! Parabéns mesmo. Então conta, como é isso, quer dizer, como é o teu trabalho? O que exatamente é o cargo que você faz? E você falou um pouco da tua trajetória, eu tô vislumbrando aqui que você tinha uma trajetória muito ligada mais a questão estrutural ou física da engenharia e agora você trabalhando… A tua gestão é na área de usuários, eu não sei se eu tô certa, pensar que você é um profissional antenado na cidade, antenado naquele que cruza a Ponte, no motorista, no motociclista, no colaborador que trabalha na Ponte. Queria que você refletisse um pouquinho e contasse pra gente, sobre a ponte Rio-Niterói… Primeiro, qual que foi o teu impacto, você já conhecia a Ponte quando você veio? Já conhecia como usuário ou como profissional?
R - Como profissional do grupo, já tinha estado aqui em alguns momentos, visitado a Ponte e tudo mais.
P - E qual é a fama, dentro do grupo, da Ponte? Como é que a Ponte é vista dentro do grupo?
R - A ponte é a Ponte. A Ponte é uma particularidade, uma peculiaridade, em qualquer lugar que você fale. Qualquer lugar, seja no ambiente técnico, corporativo, no ambiente familiar, você fala Ponte Rio-Niterói, todo mundo abre os olhos e os ouvidos para te ouvir. A Ponte é um ícone. Falando da questão minha mais profissional, como em alguns momentos atrás eu falei, eu vi aquele coordenador de obras, falei: “aquilo ali que eu quero ser”. Quando eu fui, eu estava super feliz naquilo lá, mergulhado na parte técnica e sendo feliz forte muito, nessa questão técnica de desenvolvimento de tecnologia de pavimento, asfalto. Fui pra fora, fui pra África, fui para os Estados Unidos, pelo trabalho, por questão de projetos que eu montei. E aí, veio esse desafio de ir para a Operação. Como eu falei, esse deu um frio na barriga mesmo. E quando eu fui pra Operação, com todo esse medo, com toda essa situação de nunca ter estado dentro da parte operacional, tinha relação, mas nunca estive lá dentro. Despertou um outro lado em mim, nessa questão de gestão de pessoas, onde eu já tava me interessando, devido às questões contratuais que a Ecosul passava e passa até hoje, eu me obriguei a estudar muito o contrato de concessão, sai um pouco da engenharia, e estudar um pouco mais do contrato de concessão para ajudar a diretoria nas estratégias, nas definições de planejamento e tudo mais. E comecei a gostar muito também dessa parte contratual, do ir além de fazer uma obra de qualidade, de excelência, com recurso reduzido e tudo mais. Fui gostando dessa questão regulatória, da questão burocrática. Então, fiquei muito afeito a parte estratégica do negócio. O que é uma concessão? Pô, é um projeto de 30 anos, como é que é o retorno dela? Como é que o acionista ganha dinheiro com esse negócio? Gasta muito agora, ganha depois? Como é que funciona isso? Comecei a aprender bastante, tive pares excelentes, comentei, na Ecosul eu tinha esses outros dois gerentes, que hoje os dois são diretores, tanto o Fabiano, quanto o Mateus. O Mateus é um cara diferenciado nessa questão de contratos. Então, eu aprendi muito com eles e fui gostando. E quando eu caio para esse lado de Operação, na Operação é volume de pessoas, porque eu saio ali de uma equipe de engenharia, que ali dentro da minha unidade, eu trabalhava com dezesseis, dezessete pessoas, colaboradores da minha equipe. Passo para uma equipe de duzentos e cinquenta. Então, aí é pessoas mesmo, capital humano. E me abre novos horizontes, mais uma pontinha do leque, vamos dizer assim. Essa questão de como fazer toda essa engrenagem rodar, como motivar. Não é só o meu conhecimento técnico, na verdade eu nem tinha, na parte operacional, que vai fazer a coisa andar. Eu preciso que as pessoas façam, se entreguem e queiram que dê certo. Então, eu abro um novo capítulo da minha vida profissional, que é essa parte de gestão de pessoas, de evoluir junto, de tentar conduzir as pessoas, os times, de maneira que tenha clareza nos objetivos, que entendam porque que estão fazendo o que estão fazendo. De mostrar quais são os resultados de cada ação nossa. E vê como isso repercute no dia a dia, vê eles querendo fazer a coisa certa, querendo evoluir, entendendo se for pelo caminho A o resultado vai ser S, se for pelo caminho B o resultado vai ser Y. Entender um pouco mais do que o simples ‘cara-crachá’ no dia a dia.
P - Tarefa, né?
R - Tarefa. Sair da questão de tarefa.
P - Mas quem são os times? Que grupos são esses que você está falando?
R - Aí, Operação. Que é o que? A parte administrativa da operação, onde eu tenho coordenadores, supervisores, analistas. E os times que estão lá na linha de frente mesmo, que aí são os arrecadadores do pedágio, o pessoal que faz a parte do resgate de guinchos, resgate de ambulâncias, é todo esse time aí, que aí dá esses, dependendo da unidade, mais de 200 pessoas. Então, isso começa a me motivar também, eu começo a gostar disso também. Quando eu era um coordenador de obras, eu precisava que a minha obra fosse boa, então obviamente tinha pessoas envolvidas no processo, mas o resultado era muito mais físico, palpável. O pavimento ficou bom, ou não, deu buraco, não deu, do que quando eu fui para esse outro lado, que eu precisava ver no rosto das pessoas, elas querendo fazer a diferença… Então, o meu produto final mudou muito drástico, eu tinha uma coisa que era física, era palpável, eu tocava. E sai para uma questão de motivação, de querer fazer diferente, de querer estar presente. Então, como eu falei, abre uma nova linha de pensamento que eu nem sabia que eu gostava e começo a gostar daquilo. Tanto que quando eu volto para a engenharia, eu volto totalmente diferente de quando eu saí, sendo que foi só um ano que se passou. Volto um líder muito mais preocupado no desenvolvimento das pessoas, em saber o que elas estão entendendo do que elas estão fazendo, do que simplesmente cobrar se o pavimento ficou bom, se ficou dentro do valor que a gente tinha. Então, essa proximidade que eu tive com pessoas, que a entrega delas não é um produto que eu tocava, muda muito o meu entender da coisa, sabe? E aí, começa a buscar junto com RH, treinamento, buscar entender como fazer, como gerir isso tudo. E aí, foi indo.
P - E quais são os maiores desafios que você acha que enfrentou, por exemplo, em relação ao pessoal colaborador da Ponte Rio-Niterói? O que você acha que estimulava?
R - Eu não sei responder 100%. Ainda estou aprendendo.
P - A dificuldade, a menina do pedágio, o cara do guincho…
R - Como eu falei, é um aprendizado contínuo isso, a gente está todo dia aprendendo, porque por mais que as estruturas organizacionais sejam setorizadas, cada pessoa é uma pessoa. Cada pessoa recebe uma informação de um jeito, interpreta do seu jeito e devolve, reage a ela do seu jeito. Então, acho que o grande desafio é tentar concatenar isso, de que a demanda, a mensagem, o retorno, consiga ser o mais linear para todo mundo. De não só o grupo tal entendeu bem e o outro grupo não entendeu bem, sabe? É tentar fazer com que a gente transpareça as nossas demandas diárias, que a gente tem bastante, e mostrar porque as pessoas estão lá. Eu acho que isso foi uma coisa que eu tirei muito para mim. Eu preciso que o meu time saiba por que ele está fazendo alguma coisa. Então, quando está desenvolvendo um projeto, quando está desenvolvendo alguma campanha. Por que? Só para cumprir tabela? Só porque o nosso contrato diz que tem que ter? Ou não, você quer tocar onde nas pessoas, no público? Você vai fazer uma campanha para motociclista, por que? Não, porque eu tenho números aqui que dizem que eles são o público mais frágil. Então, ok, sabemos o que estamos fazendo. Vou fazer uma campanha, de sei lá, “Não Buzine”. Por que? Porque tem que fazer uma campanha. Não! Então, eu acho que é essa transparência no dia a dia, entre liderança e liderados e muito com foco de mostrar assim, “a gente precisa chegar lá juntos e a gente tem que saber porque a gente quer chegar lá e não simplesmente saber que tem que chegar lá”. Então, isso aí eu fui aprendendo com isso. E constatando que os resultados melhoravam muito, quando a gente tinha um time que sabia porque queria ir em algum lugar, ao invés de saber que tinha que ir em algum lugar. Então, isso começou a me motivar muito, comecei a gostar dessas questões, de fazer essas reuniões mais abertas, com menos pautas técnicas e mais pautas abertas de entendimento, de estratégia. E eu vi que os resultados começaram a vir mais fluidos. Então, a partir daí eu comecei a trabalhar numa linha um pouco diferente do que eu trabalhava antes, quando eu estava só na obra. E não sei, eu comecei a gostar. Você me perguntou dos desafios. O desafio para mim é essa comunicação linear, é saber que eu tenho públicos muito diferentes. Eu tenho público administrativo, eu tenho público da engenharia, eu tenho público terceiro, que trabalha nas obras para a engenharia, eu tenho público do guincho, eu tenho o público da ambulância. E nós estamos todo mundo aqui para cumprir o contrato de concessão. Ao fim, a cabo, é uma coisa só. É a Ecoponte cumprir o seu contrato de concessão. Cada um faz uma parte, óbvio. Mas a gente não se resumia a essa parte, entender o todo. Isso eu acho que é uma coisa que eu carrego. Quanto mais as pessoas entenderem porque elas estão fazendo alguma coisa e aquilo tocar no valor delas. “Pô, eu faço isso porque eu me identifico com isso". É mais fácil de tu ter engajamento,do que simplesmente mandar: “Você tem que carimbar aquela folha trinta vezes". E a pessoa não sabe porque ela tem que carimbar aquela folha, ela vai carimbar, mas se ela souber, a folha um vai para o diretor, a dois vai para o presidente, a três vai para o governador, a quatro vai para não sei onde. Ela até na hora de carimbar: “Nossa, essa daqui é para o diretor". Eu entendo que a gente engaja melhor as pessoas, quando elas entendem o porquê da onde elas estão e o porquê elas estão lá. Simplesmente não porque elas tem que fazer. Então, foi essa situação. E pra mim a maior
dificuldade é isso, é todo dia conseguir ter um discurso, conseguir ter uma comunicação que mantenha isso num lugar elevado, num nível elevado. Porque é normal, a gente é ser humano, um dia a gente está mais triste, um dia a gente está mais alegre, um dia a gente está doente. Agora pouco eu estava com febre. Então, cada dia a gente está de um jeito. Então, quando olho para um público, sei lá, cento e oitenta pessoas, que é no caso aqui nosso, como manter essa linearidade de informação? Como distribuir todo dia essa informação para todo mundo que todo mundo se entenda com aquilo ali? Se reconheça com aquelas demandas. Então, eu acho que essa é a grande dificuldade, não é dificuldade, grande desafio. Não é dificuldade, é desafio.
P - A sua equipe é mais masculina, é mais feminina? Algum tipo de problema pontual você costuma ter com o funcionário? Ele está satisfeito em trabalhar como ele trabalha, onde ele trabalha, do ponto de vista da estrutura, do financeiro?
R - Então, eu acho que até a própria, que eu estava comentando, a transparência em todas as partes da relação de trabalho, ela ajuda nisso. Assim, não tenho problemas, respondendo a primeira parte da pergunta. Na questão feminina e masculina, a gente vem num trabalho forte como grupo de tentar equilibrar mais isso. Até que na Ponte não é desequilibrado, acho que é cinquenta, cinquenta na ponte, em questão de público feminino e masculino. Mas tem a questão do público de liderança, esse ainda é descalibrado. Então, isso a gente tem que olhar para isso. No caso, eu tenho dois coordenadores, um de engenharia e um de operação, o de engenharia é mulher e o de operação é homem, então eu tenho cinquenta, cinquenta, na liderança da parte que eu exerço aqui dentro. Mas não fui eu, quando eu cheguei essa estrutura já estava posta. Mas eu sempre gostei muito disso, tanto que lá na Ecosul, tem uma menina, o nome dele é Joana, ela é engenheira, o processo seletivo que ela participou, foi até a BP daqui, a coordenadora de RH daqui que me apoiou, na época, eu fiz um processo seletivo só de mulher, só de engenheiras. Foi difícil, foi bem difícil de fazer. A gente fez o primeiro, não deu, aí eu contratei um homem e aí na segunda eu falei: “agora não tem jeito”. Aí a gente conseguiu, conseguiu doze currículos de mulheres de todo o Brasil, só doze, tinha gente de São Paulo, do Rio, do Rio Grande do Sul, do Paraná. E aí eu: “não, dessas doze vai sair uma engenheira aqui para Ecosul”. E saiu! Então, é importante, eu sempre tive excelentes mulheres trabalhando na equipe da Ecosul, cresci com excelentes mulheres. E até pelo desenvolvimento delas, eu até brinco, as minhas meninas sempre me tiram, porque eles levaram todas. Todas ainda estão no grupo, mas todas me tiraram. Foi quando eu fiquei só com homem na Ecosul, foi quando eu chamei a Adriana. “Adriana, eu preciso fazer um processo só para mulheres, eu preciso de uma mulher na engenharia". Então, eu sempre pensei nisso, nessa questão. Eu tenho duas filhas hoje, redobro ainda mais essa questão de dar oportunidade.
P - E uma esposa que é uma profissional de alto padrão.
R - Sou suspeito para falar. Então, penso muito nisso. Então, essa questão, acho que a gente ainda tem um caminho grande a traçar na liderança. Na liderança eu acho que a gente ainda tem espaço para evoluir. Mas é um trabalho que não é tão rápido, querendo ou não, a gente precisa ter pessoas preparadas para assumir as posições. Se a gente não se preocupar em preparar essas pessoas, na hora que precisar não vai ter. Então, se eu não tiver pessoas prontas para assumir cargos. No caso não estamos falando só de mulheres, mulheres e homens. Se não tiver mulheres preparadas para assumir a posição de liderança, quando a gente precisar, vai chegar na hora, ou você vai fazer uma escolha que não seria tecnicamente a correta, não vai pegar o melhor profissional e colocar lá, que eu acredito muito nisso, eu acredito que a gente tem que ter os melhores profissionais, independente de qualquer característica. Então, o trabalho de base tem que começar mais cedo, você tem que começar a preparar as pessoas.
P - Mas a sua diretoria tem um trabalho interno na EcoRodovias ou na EcoPonte, de desenvolvimento desse profissional, que possa tentar talvez uma carreira? Vocês fazem curso, vocês oferecem para o colaborador capacitações?
R - Nós temos os programas internos de desenvolvimento exclusivo para mulheres, temos metas, inclusive, de até 2030 ter 50% no público feminino como liderança do grupo. Então, a gente tem estabelecido metas e processos para chegar lá. Como eu falei, a nossa meta é em 2030 ter 50%, que a gente sabe que tem um caminho longo a percorrer nessa questão. E não é porque tem que preparar as mulheres ou não. é porque a gente precisa das mulheres nas posições hoje para começar a galgar esses cargos e a gente conseguir desenvolver essas pessoas. Como eu falei, dentro de onde eu venho, lá da Ecosul, eu trabalhava com uma, duas, três, quatro, cinco mulheres numa equipe de doze, são quase metade. Todas elas estão no grupo ainda. A Patrícia é um exemplo, a Patrícia que você vai… Ela era engenheira na Ecosul também. Então, todas elas estão no grupo hoje e todas como cargo de coordenação, todas viraram líderes. Mas como a gente tem… hoje eu não vou dizer que a gente tem mais escassez, a gente tem muita mão de obra qualificada do público feminina. Mas quando a gente tinha, parecia que eu levava as minhas meninas em um lugar onde ela se sentiu uma vontade para se desenvolver, aí foi uma para o Rio, outra para São Paulo, outra para Minas, que mais? A outra para Curitiba, então vinham e faziam a limpa nas minhas meninas. Não, nas minhas, porque algumas delas estavam até antes de mim lá. Então, eu sou muito favorável a essa causa diversa assim, acho que quanto mais ideia diferente, melhor a gente constrói o resultado.
P - Como é o nome certinho da diretoria que você coordena?
R - Da minha gerência?
P - Da sua gerência.
R - Gerência de engenharia e atendimento ao usuário.
P -
É uma pena que já estamos, devagarzinho, encerrando. Em relação ao uso de novas tecnologias, um olhar um pouco mais focado para sustentabilidade, sua gerência também é responsável um pouco por esse olhar? Você poderia só falar, brevemente, por favor?
R - Então, como eu falei, eu trabalho em duas gerências hoje, Atendimento ao Usuário, que a gente carinhosamente chama de Operação, e a de Engenharia. Na de Engenharia, a tecnologia e a evolução são constantes. E materiais, métodos, projetos, a gente tá sempre buscando estar balizado com o que tem de melhor no mercado. Então, agora a gente tá com trabalho aí para colocar a Ponte Rio-Niterói no ambiente virtual, onde a gente já fez o escaneamento dela toda, então a gente vai conseguir ter a estrutura da Ponte Rio-Niterói dentro do ambiente virtual. E a ideia é não só ter ela lá, é como a gente conseguir executar alguns trabalhos que hoje são feitos fisicamente na ponte, lá no ambiente virtual. A Ponte Rio-Niterói tem um programa de monitoração muito pesado, tranquilamente o mais pesado do Brasil, quando a gente fala de Obra de Arte Especial. Obra de Arte Especial é um termo utilizado… Toda ponte, túnel é uma Obra de Arte Especial. É um termo usado na engenharia para denominar esses tipos de estruturas. Então, sempre quando você ver um viaduto, uma ponte, ou um túnel, ele é uma OAE, que a gente chama, porque são especiais. E a Ponte Rio-Niterói, então nem se fala. E a Ponte Rio-Niterói é tranquilamente o maior compromisso de monitoração do Brasil assim, tranquilamente, muito longe das outras.
P - Por que?
R - Pela estrutura que ela é. Pela idade que ela tem. Ela não é a ponte mais velha do Brasil, mas ela é a maior ponte da América Latina, do hemisfério sul, sei lá, mais quantos títulos ela tem. Pela complexidade da estrutura, ela é uma estrutura mista, de concreto e aço. Ela está num ambiente agressivo, que é a Baía de Guanabara, então enferruja, ela tem uma parte metálica. E ela é um monumento do Brasil, não adianta, ela é um monumento. Então, o programa de… Como eu falei, lá na Ecosul eram 470 km. A RioMinas aqui é 670 ou 700 e poucos, a Ponte tem 23, sabe. A Ponte tem uma concessão para a Ponte. Quando você vai numa outra concessão, lá na Ecosul tinham 86 pontes, se eu não me engano, no polo. Pontezinhas, pequenas, mas ela tinha 86 pontes. Tudo isso está dentro de uma concessão. A Ponte ao contrário, é uma concessão para uma Ponte, entendeu? Essa é a importância da Ponte Rio-Niterói. E aí, com isso vem um compromisso, um programa de monitoração, para você monitorar ela, todos os elementos dela, de maneira a manter a segurança dessa estrutura. Então, a gente monitora embaixo da água, monitora lá onde ela está encravada na rocha, monitora por dentro, por fora, por cima, por baixo, de todas… É a ponte mais monitorada do Brasil. E isso, como eu falei, como é um contrato da Ecoponte inicia em 2015, mas antes já tinha, já existem métodos de monitoração no Brasil. A ideia é a gente evoluir conforme o mercado vem evoluindo. Então, botar ela num ambiente 3D, num ambiente virtual pra que a gente consiga através de drones, de robôs, fazendo um escaneamento fidedigno dela, que consiga substituir alguma dessas monitorações visuais, além da gente estar evoluindo muito como tecnologia, vem toda segurança. Eu não vou ter mais uma pessoa pendurada nela para olhar, eu não vou ter que parar o trânsito em cima para olhar. E eu vou ter aquilo em real time, eu vou olhar, vou abrir meu computador, vamos ver como é que está a ponte. Vou conseguir ter noção de alguns pontos que a gente está tentando evoluir da monitoração dela. Então, na engenharia a evolução não pára, na área de tecnologia.
P - Com relação à sustentabilidade, como é isso na Ponte, no macro? Quando a gente fala na sustentabilidade é no quê: na forma de trabalhar, em material, na relação com o indivíduo, com o usuário? Como é isso?
R - A sustentabilidade está na nossa linha de visão, então todas as ações, planejamentos, projetos, sempre a gente leva em consideração essa questão. E a ponte tem algumas coisas muito bacanas. Na parte operacional, por exemplo, na parte de resgate, a gente está com um trabalho forte na parte de eletrificação da frota, onde a gente quer evoluir, sair dos veículos da combustão, para veículos elétricos, para eliminar a emissão de CO2 na atmosfera. Então, num futuro próximo aí, a nossa intenção é fazer uma virada de chave aí que vai ser bem bacana, onde a gente vai trabalhar com guinchos elétricos pra fazer a operação da ponte, pensando nessa questão. Na parte de estrutura dela, no início da concessão, em 2015, todas as lâmpadas da Ponte foram substituídas, lâmpadas de vapor de sódio, por lâmpadas de led. Então são milhares de lâmpadas que foram substituídas aí, onde tu reduziu aí, sei lá, em 70% o consumo de energia que essas estruturas tinham. Outra coisa bem bacana, que é um trabalho que eu me dedico há bastante tempo, como eu falei, eu venho de pavimento, então eu trabalho muito nessa questão com pavimento. E a Ponte, dentro do grupo Ecorodovias, ela e a Ecosul, são as duas unidades que trabalham com reciclagem de pavimento. Então, a gente se utiliza do material que a gente tira da rodovia pra incorporar novas mistura asfálticas que vão vir. Hoje uma obra de pavimento, quando você vai fazer um pavimento novo, você fresa ele, que é raspar ele e você vem e coloca e vai criar um novo ali. Então, o que acontece aqui na ponte, esse material que a gente fresa, que a gente tira, que a gente chama em português o fresado, internacionalmente conhecido com RAP. A gente reutiliza esse RAP na mistura de asfalto que vai vir ali de volta para aquele ponto que está sendo recuperado. Então, na ponte, 10% do material do CBUQ, que é o concreto betuminoso usinado a quente, que é o asfalto, é a massa asfáltica, 10% dela hoje é material de reutilização. Então, a gente reutiliza material, isso reduz emissão, reduz a utilização e a exploração de pedreiros, no caso. Então, é menos pedra que eu preciso explorar de uma jazida, porque eu estou reutilizando o material que já tava na estrutura de pavimento, é menos caminhões transportando e gerando gases, é menos ligante asfáltico que eu vou precisar usar, porque dentro desse fresado tem um pouco um resíduo de ligante asfáltico que se incorpora à mistura. Então, dentro da cadeia de produção do asfalto, do pavimento, são vários itens que são reduzidos na questão ambiental, com essa metodologia que a gente aplica aqui na ponte. E aí 100% das obras de pavimento asfáltico da Ponte, elas têm o RAP incorporado.
P - Uma outra ação, por exemplo, educativa, que vocês desenvolvem. Eu li uma matéria sua onde você fala desse aumento muito grande de motociclistas passando na Ponte Rio-Niterói – que é um movimento que a gente observa na cidade como um todo -
e que tem também um índice de acidentes alto. E que vocês fazem ações educativas. Essas ações são para colaboradores e para usuários? Como é que você vê isso, por favor?
R - Um passo atrás. Eu acho que o papel da concessionária, como eu falei anteriormente, na questão de ser uma prestadora de serviço para um serviço público, um serviço delegado pelo governo, quando ela assume um segmento, assume um trecho, o papel dela é segurança. Independente se ela vai fazer a melhor rodovia, a melhor placa, o melhor viaduto, a melhor ponte. Eu acho que em primeiro lugar vem a questão dela reduzir os acidentes naquela região onde ela administra. Então, esse é o papel primordial de uma concessão: reduzir o nível de acidentes onde ela opera. E com isso a gente tem grupos internos que estudam todos os acidentes, todas as situações que ocorrem. E através desses estudos a gente vai gerando aí os índices que vão nos levando: “Ô, está tendo mais acidente com motos. Está tendo muito acidente de colisão traseira". E a gente vai começando a interpretar esses dados. Então muito acidente com colisão traseira, o que pode ser? Uso de celular, o pessoal está desatento. Então, ele está olhando para o celular e colide na frente, ou colidem atrás dele. Da motocicleta já fala por si. Muita motocicleta caindo, colidindo na Ponte, a gente já liga isso ao número crescente de usuários de motocicleta. E daí, entendendo o cenário do acidente, quais riscos estão expostos, a gente começa a desempenhar trabalhos, campanhas, para tentar mitigar essa situação. Então, no caso foi identificado que sim, o acidente com motociclista tá aumentando, porém o público motociclista também está aumentando, o que a gente enxerga. Infelizmente o Brasil passa por uma situação social que tem desemprego, independente das questões políticas, que uma moto hoje pode virar um emprego, você vai lá, com R$ 300,00, você faz o financiamento de uma moto, tira ela, pega um aplicativo, se cadastra no aplicativo, você está entregando alguma coisa. Você às vezes nem sabe direito dirigir uma moto, não tem noção de rodovia e tudo mais, mas infelizmente você se expõe àquele risco porque você não tem o que fazer, você não tem emprego, não tem renda. E ali é uma maneira de você ter. A gente não pode punir isso. É uma maneira da pessoa estar tentando ganhar o seu dia a dia ali. Porém, quando acontece isso, essas pessoas trazem muito risco, porque além delas se colocarem nessa exposição, no trânsito a gente expõe o nosso redor. Então, a gente identifica esse crescimento, identificando essa situação, a gente tem que agir aqui. Então, a gente começa com as ações. O que é o principal? A gente está tendo mais queda por questões de dirigibilidade mesmo, foi erro do motociclista. Então, a gente tem que fazer campanhas educativas. Ano passado a gente fez aqui, junto com a prefeitura de Niterói, uma campanha, a gente proporcionou um curso de direção defensiva para todos os deliverys da cidade de Niterói. Porque tinha gente ali que só sabia que a moto tinha duas rodas. Então, o cara tomou lição ali de ponto cego, de onde ele se posiciona atrás de um veículo, para ele sempre ser visto, velocidade, ultrapassagem, andar no corredor. Coisas que demoraria, vamos dizer assim, mais tempo, no dia a dia, para aprender e que estariam colocando ele em risco, a gente tentou antecipar ele. Então, é muito as campanhas, todo nosso trabalho aqui em prol de segurança, é muito identificando o cenário. Hoje, sim, colisão traseira e motociclistas são os pontos críticos, então em cima desses pontos que a gente tem que trabalhar. Pode ser que no futuro a gente consiga mitigar isso e apareça outro. Aí a gente vai virar as campanhas para esse outro público. É dinâmico, é vivo. E por isso que é muito importante das concessões, manter esses grupos que elas mantêm interdisciplinar, porque ali vai ter um engenheiro, vai ter um da operação, vai ter um advogado, vai ter o cara da sustentabilidade. Mais uma vez a diversidade na história. Vai ter vários pontos de vista, interpretando aqueles dados, pra gente tentar chegar num denominador comum e ter o melhor resultado na hora da campanha. Então, é muito isso. E aí, as campanhas que a gente fez no passado, no início desse ano, foram muito sim voltadas ao ciclista e ao uso de celular, porque sim, são os números que a gente tem hoje que tem a maior incidência. Pra você ter uma ideia, na Ponte Rio-Niterói, hoje, de 10 a 12% do tráfego é composto por motociclista, mas 45% dos acidentes graves são de motociclista. Então, é 12% de um público que gera 45% de acidentes graves. Isso é uma disparidade muito grande, que eles são frágeis, eles não estão protegidos, e aí quando vem aliado ao desconhecimento, a falta de noção, porque o cara compra a moto hoje, amanhã já está na rodovia, sem ter uma experiência. Então, a gente tem que tentar mitigar essas coisas.
P - A gente vai encerrando. Eu gostaria de te perguntar, nessa semana, dia 04 de março se comemorou 50 anos da Ponte Rio-Niterói, como você prospecta a Ponte daqui 50 anos?
R - A Ponte daqui 50 anos? É uma pergunta difícil. Eu acho que o nosso papel aqui como administrador, no momento, da Ponte, terão outros, é manter a Ponte atualizada. A Ponte tem que conviver com todos os avanços que existem. Daqui 50 anos pode ser que os carros voem. Será que vai precisar da ponte? Então, o nosso papel aqui, tudo isso que eu falei, questão de manter a segurança, tentar elevar ao máximo a segurança das pessoas que utilizam a ponte. Eu acho que a gente só vai conseguir avançar nisso, mantendo ela atualizada com o que a gente enxerga de melhor que o mercado nos oferece. Então, acho que o grande papel nosso aqui é manter o bom serviço prestado, já exercido hoje pela Ecoponte, mas estar atento que isso não é fixo, isso é mutável, isso vai mudar. E está mudando, toda hora muda. Então, a gente tem que estar muito atento a todas as mudanças, a todas inovações pra manter a ponte atual. Ela tem 50 anos, mas ela é atual. A Ponte hoje tem um nível de informação, um nível de estrutura de uma ponte que foi construída no ano passado. Então, acho que esse é o nosso principal papel, é manter a ponte atualizada. A melhor concessão que existe, o melhor serviço de rodovia que existe, é aquele que o usuário entra numa ponta, sai na outra e nem sabe que passou, não sentiu nada. Então, a gente quanto mais inócuo, quanto mais subliminar for o nosso trabalho no dia a dia das pessoas, melhor a intervenção deles. O que importa aqui é que as pessoas nem saibam que a gente existe. Entrem de um lado, saia do outro, com segurança, tranquilidade, num tempo que eles querem, sem precisar do serviço da Ecoponte. Esse é o trabalho de excelência. Obviamente ocorrências vão ocorrer e a gente está aqui para isso.
P - Jean, para finalizar, qual seria o seu conselho para um engenheiro ou uma engenheira que está se formando, interessada em se especializar em rodovias, em pontes, qual seria um conselho?
R - Eu acho que o não ficar parado, o não se contentar em cumprir tarefas. Eu acho que quanto mais entendimento tu tiver, do meio que tu vive, do meio que tu trabalha, melhor vão ser as tuas visões, teus insights, e isso vai te ajudar na resolução dos problemas do dia a dia, das coisas que vão acontecendo. Então, quanto menos resolvedor de tarefas vocês forem e mais você entender o ambiente em que você está inserido, eu acho que você tem vantagem na frente de quem está lá cumprindo as suas tarefas.
P - Para finalizar, eu queria te agradecer. Gostaria de colocar mais alguma coisa? Como é que foi dar esse depoimento para gente no contexto do projeto de memória da Ponte?
R - Falar da Ponte sempre é bom, como eu falei, a Ponte é um ícone, ela é uma Obra de Arte Especial, literalmente. E estar aqui hoje, pra mim é motivo de muito orgulho. Como eu falei, eu saí lá de Pelotas, saí de uma cidade pequena, Santa Vitória, lá nas origens da minha família, e tá hoje à frente aqui da Ponte Rio-Niterói… Até foi me perguntado por um repórter esses dias: “Qual foi o teu momento de maior felicidade quando você está na gestão da Ponte?”. “Foi quando eu assinei a responsabilidade técnica dela”. Um cara que não sabia se ia fazer Engenharia Mecânica, Engenharia Eletrônica, foi para Civil porque era mais barato, porque não tinha dinheiro para pagar, e hoje eu estou na frente, sou o responsável técnico pela maior Obra de Arte do Brasil. Então, para mim é motivo de muito orgulho, carrego comigo isso. Hoje eu estou aqui, não sei onde vou estar no futuro, mas vai ficar pra sempre essa minha passada aqui, pelo menos pra mim.
P - Obrigada por ter compartilhado conosco um pouco da sua história e trajetória pessoal e profissional.Recolher