Meu nome é Maria do Socorro Bonifácio. Eu nasci surda. Minha mãe estava grávida, estava doente. Meu nome era pra ser Gláucia. No Círio de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, minha mãe rezou, rezou. Ai ela pensou em mudar o nome para Socorro. Eu nasci. Demorou muito o parto.
Quando eu cresci,...Continuar leitura
Meu nome é Maria do Socorro Bonifácio. Eu nasci surda. Minha mãe estava grávida, estava doente. Meu nome era pra ser Gláucia. No Círio de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, minha mãe rezou, rezou. Ai ela pensou em mudar o nome para Socorro. Eu nasci. Demorou muito o parto.
Quando eu cresci, o papai chamava: - Socorro. Ai eu olhava. Papai pensou: "Eu era ouvinte". Ai a mamãe: "Socorro" (batia palma). Ai eu não olhei pra trás. Minha mãe desconfiou que eu era surda. Chamo o papai e disse: - Ela não ouve
Papai resolveu ir pra São Paulo, para tratamento e exame com Otorrino.
O médico falou: - É surda.
Precisava comprar o aparelho. Mamãe pensava: como estudar? Ai o médico falou: Melhor ela estudar em Porto Alegre. Lá tem escola especial. Minha mãe falou: não. Lá é muito frio e longe. Melhor estudar na APAE, em Goiânia.
Meus pais moravam no interior, em Nova Olinda. Fiquei na escola. A mãe era professora, junto com ouvintes. A minha mãe ficou grávida da minha irmã, que nasceu de cesariana. Nasceu ouvinte.
Papai queria mudar para Itaituba. Mudamos. A minha mãe procurou escola para mim. Não conseguiu. Encontrou o padre. Ele disse que aqui em Belém tem escola. A escola Astério de Campos. Na escola eu já sabia ler. A professora disse que eu precisava mudar para outra escola, a Costa e Silva. Estudava junto com ouvintes. Falavam "normal" e agora falam "ouvinte".
Resolveram vir para Belém, olhar como era, estudar... Resolveram que eu ficaria morando na casa do meu tio. Meus pais ficaram morando em Itaituba. Fiquei quatro anos. Foi o tempo em que minha mãe engravidou meu irmão. Foi parto normal, igual ao meu (ela não podia ter filho de parto normal). Também nasceu surdo. Então todos mudaram pra cá: pai, mãe, irmã e irmão.
Meus pais procuraram uma escola particular pra mim e pra minha irmã, a escola Dom Bosco. Fiquei até a oitava série. A escola particular é melhor que a do estado e eu aprendi a "linguagem" na escola Felipe Smaldone. Eu cresci. Meu sonho era fazer turismo, mas a irmã Piera queria que eu fizesse Magistério. Ai eu fui estudar Magistério, na escola Paulino de Brito, escola particular. Fiquei até terminar o magistério. Procurei emprego em escolas e não consegui. Fui trabalhar em escritório de Advocacia. Fiquei seis anos, trabalhando em escritório. Meu patrão faleceu e fechou o escritório. Consegui depois trabalhar em escola, do Estado, na APAE. Participava todo domingo no Felipe Smaldone e conversava com outros surdos sobre religião, tudo. Eu não sabia LIBRAS, era oralizada. Olhava, não sabia nada. Meus amigos eram oralizados. A professora Lucinda veio pra cá pra Belém, ai eu a conheci. Não me escolheu. Escolheu outros surdos para ir pro Rio de janeiro, pra fazer curso. Arlindo me chamou pra ir. A Rita e o Anchieta foram na minha casa conversar com a minha mãe. Eu paguei tudo particular na viagem para o Rio. Eu não quis viajar pra fazer curso porque eu não sabia nada de LIBRAS. Minha mãe quis que eu viajasse para aprender: o que é Libras? o que é comunidade? cultura? Porque o meu irmão era só Libras e eu era só oralizada. Viajei. Eu aprendi muita coisa. Fiquei admirada, porque todos os surdos faziam faculdade e entendem. A libras ajuda a compreender palavras em português. Estudei LIBRAS, retornei pra Belém e contei pra minha mãe e meus amigos sobre LIBRAS. Meu irmão ficou feliz porque eu aprendi libras. Eu lutei pra divulgar pra comunidade surda. O Anchieta me convidou pra oficina de LIBRAS na UEPA e na UNAMA. Fui fazer curso de LIBRAS na CBB (emprestamos uma sala). Fiquei três meses, mudei pra APPD (trabalhei com Cleber, Gilson, Valter e Rita). A minha irmã se formou em enfermagem na UFPA e foi embora pra Goiânia (conseguiu empregos lá). Fiz projetos, levei pra Macapá, pra Secretaria de Educação, que me convidou pra fazer curso de uma semana de Libras. Retornei. O Cleber me contou "na UEPA, cadê o curso de LIBRAS?", porque não tinha salas. A professora viu Cleber falando e ela cedeu salas para o curso de libras.
Fiquei de 98 a 2004 (cinco anos dando aula na UEPA). Mudei pra UVA. Até hoje estou trabalhando com LIBRAS.Recolher