Projeto: Conte sua história
Realização Instituto Museu da Pessoa
Entrevista de Emmanoel Anargyrou
Entrevistado por Vassi
São Paulo, 24 de fevereiro de 2022
PCSH_HV1184
Transcrito por
Revisado por Valdir Canoso Portasio
P/1 - Conta um pouco onde o Senhor nasceu, quando? O nome dos pais?
R - Eu n...Continuar leitura
Projeto: Conte sua história
Realização Instituto Museu da Pessoa
Entrevista de Emmanoel Anargyrou
Entrevistado por Vassi
São Paulo, 24 de fevereiro de 2022
PCSH_HV1184
Transcrito por
Revisado por Valdir Canoso Portasio
P/1 - Conta um pouco onde o Senhor nasceu, quando? O nome dos pais?
R - Eu nasci em Atenas, 1934, o nono filho. O meu pai
já trabalhava com táxi, ônibus, eu tenho fotografia com ele no primeiro ônibus de Omonia-Patissia, isso em 1934. Veio a guerra em 1940.
P/1- Como que era o nome dos seus pais?
R - Meu pai era Anargyros Anargyrou ele nasceu em Mykonos de uma família também numerosa,
tinha sete irmãos. E a minha mãe nasceu na Ilha de Poros e depois a família… Em 1920 eles casaram, até 1934 que nasceu eu, o nono, tinha mais oito na frente. O meu pai participou na guerra contra os turcos em 1912, na guerra dos Balcãs ele serviu no Averof [esquadra liderada pelo navio de guerra Averof].
Nas batalhas que eles fizeram contra os turcos, ganharam naquela época todas as 11 ilhas, no Egeu, que são ilhas maravilhosas, conquistadas com aquelas guerras de 1912. Veio a guerra mundial, meu pai foi também contra os alemães e ficamos com a família numerosa sem ter comunicação com ele, passamos todas as dificuldades que passou a Grécia com a ocupação nazista.
P/1- Como foi a infância do senhor? Conta um pouco dos seus primeiros anos de vida com a família, como foi até os seis anos de idade?
R - Até os seis anos de idade eu me lembro muito bem de todas as brincadeiras que a gente fazia com os vizinhos, as vizinhas que tinham suas galinhas. O nosso brinquedo era coisa mais rara do mundo, então o primeiro e único brinquedo que eu ganhei foi um baldinho de zinco e uma pazinha, então eram os brinquedos, hoje existem infinidades. E para ganhar uma bola levou mais uns dez anos, então, nos seis anos, dos três aos seis foram essas brincadeiras. Não existia luz, então vinha um funcionário para acender as lâmpadas o lampião da rua, quando chovia minha mãe colocava em cima da mesa uma tigela para poder receber a água que vinha do telhado, depois, com a lamparina do petróleo, coisas do século passado que todo mundo passou. Até que em 1940 nós mudamos para uma casa melhor e foi quando começou a guerra.
P/1- Onde vocês moravam nessa época de infância?
R - Pireus. Eu nasci em Atenas, a família toda nasceu em Atenas, nos mudamos para Pireus, onde tinha essa casa muito pobrezinha, em seguida nos mudamos, também em Pireus, para uma casa melhor, uma casa maior com um visual muito grande para o mar, para a Acrópole, para o centro de Atenas, então nossa infância... Minha mãe muito religiosa, durante a guerra com a fome, nós tínhamos duas ocupações, ou ficarmos deitados na cama 24h para esperarmos o dia seguinte chegar com o pão de 50g, pão de fubá, ou irmos para a igreja, onde com muito custo, o padre nos descobriu e começou a dar uma garrafinha com azeite que era para acender lá na igreja os candelabros. A comida como era escassa e o azeite não poderia ser abundante, numa xícara de café a gente enfia o garfo as vezes cada um, para poder colocar naquela verdura que a gente pegava nas linhas do trem.
P/1- Isso foi durante o período da guerra?
R - 1942, 1943, eu já com nove anos. E uma passagem muito engraçada foi no Natal de 1942, o sindicato do meu pai, marinheiros, mandou uma lata com batata cozida, ela não chegou até a sala de jantar, no primeiro quarto, eu me sentei, peguei uma batata, descasquei, comi, quando fui pegar a segunda, “cadê as batatas?” Meu irmão perguntou, “que batatas? quantas você pegou?” “Peguei uma!” Mas porque uma?” “E que eu sentei, descasquei…” “Ah, você descascou? Nós comemos com a casca e tudo.” Mas nunca fui briguento, não era de reclamar . E foi assim, alguns anos de dificuldade, ficar deitado com o estômago vazio. Aí veio a morte pela fome do primeiro irmão, depois do segundo. E quando meu pai voltou em 1945, depois do fim da guerra, já tinham morrido pelo menos dois. Logo depois veio a guerra civil da Grécia, lá vai meu irmão servir no exército, foi pego lá na Ilha de Creta pelos Comunistas, levaram na montanha e numa dessas batalhas entre direita e esquerda, ele se feriu e preferiu atirar na cabeça para não ter que cair na mão dos comunistas, aí seria decapitação, muito pior, isso foi em 1947.
P/1- Quantos irmãos o senhor tinha?
R - Com essa morte já saíram três. Aí um irmão com essas dificuldades todas, ficou doente e morreu também, aí foi o 4°. Resolvemos vir para o Brasil, os cinco irmãos restantes, porque 1949 eu estava lendo livros de psicologia para ver “no que eu vou trabalhar.” A única esperança era o serviço militar, então
me candidatei para a força aérea grega, eram 360 candidatos para 36 lugares. Eu tinha feito um pouco de inglês e esperava ser um dos primeiros colocados, quando chegou nos 40, faltava tirar quatro. Eu achando que
já tinha passado, não escrevi quase nada na última prova, que eu não lembro qual era. E quando
entrei para escrever geografia, ou inglês, que não era obrigatório, “Anargyros está eliminado.” Foi a única vez que eu chorei na vida, mas gostei de chorar, com lágrimas. Não chorei com a fome, não chorei com a morte dos irmãos, não chorei quando meu pai faleceu. Em 1952, eu já estava quase com 16 anos, 18. E desesperado, o meu irmão mudou para o Brasil, e sem saber o que fazer depois dessa eliminação desta prova, eu vim para o Brasil.
Comemorei os meus 20 anos no dia do desembarque em Santos, depois de uma viagem feliz entre outros imigrantes, com todas as esperanças, cantando, batendo palmas. Outros, vindos lá do Oriente Médio, Sírios, Libaneses e Gregos. Então foi uma viagem divertida, esquecemos um pouco as misérias e chegamos a Santos, primeira pergunta, “o que eu vou fazer? Tô com dois dólares, não tenho profissão, só sei falar grego, não tenho capital, o que eu vou fazer?” Meu irmão falou, já estava aqui há seis meses, “o que você quiser”. Imagina, depois de você ter procurado durante quatro anos, os últimos jovens, para ver o que eu vou fazer na vida, que era tudo difícil e impossível, chegar aqui e alguém te dizer, “você vai escolher o que você quiser.” Aí começou outra etapa. Abril de 1954, junto com outros imigrantes gregos, muitos amigos.
P/1- O senhor veio sozinho de lá para cá?
R - Eu vim sozinho, depois veio o resto da minha família em 1954. O que eu vou fazer? O meu irmão me deu o estadão, que na época no domingo tinha 360 páginas e muitas páginas, procura-se, procura-se. Entre tantos procura-se, tinha torneiro mecânico. Eu não sabia o que era um torneiro, mas eu perguntei para o meu irmão que era técnico, ele me explicou que o torno faz coisas redondas de ferro, etc. Falei: “tem tanta
procura, eu vou ser torneiro.” Primeiro que perguntava respondia que era meio oficial torneiro para trabalhar na plana com experiência de quatro anos. “Pode começar!” Fiquei oito meses, virei um bom torneiro e aprendi um pouco o português. Aí o meu irmão que era técnico, falou: agora você vai no SENAI para aprender melhor o desenho. “Espera aí, eu não cheguei no Brasil para ser torneiro, vamos ver no comércio o que dá para fazer.” Peguei uma pastinha, como todos os imigrantes, comecei no comercio alguma coisinha. E logo depois, claro que a gente conta isso rapidinho, porque os anos passam, foram seis anos de Brasil e tempo virei torneiro mecânico, virei feirante, virei costureiro de cuecas em casa para vender na feira, virei oficina mecânica para automóveis lá em casa, dormia então, duas horas debaixo da bancada, até chegar minha hora de trabalhar. Seis horas pegar a pasta e ir para a feira, depois procurar o tecido para comprar retalhos para costurar com as irmãs. E essa foi a vida nos seis primeiros anos. Até que com a oficina mecânica sobrou uma caminhonete 1934, bem velhinha, que tínhamos reformado, eu peguei com mais um amigo, que era o Dino e começamos a mascatear no interior do Brasil, chegamos em Ourinhos e montamos uma loja. Eu tenho as fotografias,
esse carrinho
a gente chamava de Mazzaropi, porque era para dar risada. Quando enfrentava uma areia, um tinha que descer para empurrar para subir uma subidinha
de seis metros, então era tão engraçado que a gente dava o nome de Mazzaropi. Logo depois precisamos de uma caminhonete melhor, o proprietário da loja, alemão, Frederico Hans,
falou: “eu tenho uma caminhonete para emprestar para vocês.” E deu uma caminhonete muito grande, muito bonita, começamos a mascatear. O meu irmão também veio trabalhar comigo, então eu tenho as fotografias. “Frederico, o meu irmão ficou com o carro novo e eu com a Mazzaropi. Senhor Frederico: o senhor não quer assinar para comprar uma caminhonete melhor?” “Mas eu tenho uma outra, segunda.” E com essas duas caminhonetes, abrimos outra loja em Divinópolis - MG. O meu sócio abriu uma terceira em Ponta-Porã e para não ficar com muitas lojas e muitas sociedades, separei da sociedade e fiquei com Divinópolis, onde trabalhei por mais três anos, até 1961, então de 1954 até 1961, esses sete anos, foram de aprendizagem com todas essas passagens que eu fiz. E quando eu resolvi, em 1961, voltar para São Paulo, que estava mais próximo ao mar e como grego as nossas brincadeiras sempre foram no barco, no mar, quando era criança. a família morava em São Paulo, voltei para São Paulo. Meu cunhado já tinha começado com cinco funcionários numa indústria de fundição e começou uma outra luta para aprender o que é ferro fundido, quando se vê um trator que é pesado e um automóvel com tanta peça de ferro, eu aprendi depois de dez anos de sacrifícios e tentativas, até que em depois desse anos todos, montamos uma indústria na marginal do Tietê, inauguramos um posto de gasolina antes, compramos uma área boa, os militares ofereciam com facilidade o financiamento, porque apresentei um projeto para construir uma sede própria e o gerente do banco viu que eu não dava propina, não separava os 3,5%, hoje seria ... ele disse: Brasília não está respondendo, não está dando resposta. Peguei um avião, fui até lá, procurei pelo projeto Cogen, procuraram em todo lugar, não viram nada, ligaram para o gerente, ele deve ter falado: esquece, é lá, Vila Brasília, uma fundiçãozinha com meia dúzia de homens. “Agora pode mandar para cá esse projeto.” Em 15 dias eles aprovaram, me deram os 400 mil, construí a sede própria da indústria e ficamos com a indústria crescendo, chegando a 800 homens, com forno elétrico, trabalhando em três turnos, um sacrifício muito agradável, muito bonito, com clientela de primeira categoria, motores PEC, motores MWM, tratores Valmet, tratores Massey Ferguson, até que em 1981 com a confusão e a queda dos negócios no Brasil, nós preferimos encerrar as atividades da metalúrgica. Que saber mais? Aí começou outra luta.
P/1- Fala um pouco dessa trajetória profissional
R - Fechamos a indústria, nesse ínterim, como a indústria estava indo muito bem, já estava nos seus trilhos. Então, fechei a indústria, o último dinheiro que tinha sobrado eu paguei os meus 500 empregados, fiquei sem nenhum tostão, mas a sede própria existia, tinha o patrimônio, eu tinha comprado também, na marginal da Dutra, lá em Guararema, mais uma área grande para poder mudar, imaginando que eu ia construir umas quatro depois para ser especializado cada um. Então fechamos a indústria, fiquei sem dinheiro, só fiquei com essas propriedades, o que fazer? Enquanto isso eu estava fazendo faculdade, tinha terminado também em 1981, eu fiz na PUC a faculdade de direito, o que fazer, o que fazer? Os amigos já tinham uma loja de turismo, falei: posso ser seu freelancer? Peguei uma pasta e comecei a vender passagens aéreas para os meus amigos gregos. Em 1985, a companhia aérea Grega, como viu que já estava com turismo, os amigos que estavam dentro do aeroporto , falaram: “nós vamos te dar a representação da (Olympics Airlines?), aí virei também representante da Olympics Airlines e foram anos agradáveis, crescendo a indústria e os meus filhos também ajudando, a Merula, (Michel?), o (Akis?). Isso em 1985 já, dois ou três anos depois. Com isso conheci, num turismo na Grécia o tal de ______, que conhecia uma resina especial que até hoje se usa nos pisos industriais, falei: “olha, o Brasil é grande, tem muita indústria.” Eu trouxe ele aqui para o Brasil e ele me deu o seu catálogo, ____, eu li direitinho, falei: anticorrosivos, vamos ver. E trouxe ele para o Brasil e começamos com essa atividade que até hoje é uma das melhores indústrias de resinas especiais, que se chama MEAKI, tem o nome dos meus dois filhos
(Michel?) e (Akis?), então existe até hoje. A área de Guararema virou construção depois, onde tem galpões alugados, outros ocupados pelo filho e outra área onde serão construídas casas populares, que é uma nova atividade. Enquanto isso os anos passam e eu cheguei aos 88 anos.
P/1- Eu queria saber como era o seu pai, como era a figura do seu pai, como era sua mãe?
R - Eu não vivi muito com o meu pai, porque até os meus seis anos ele trabalhava com os navios e viajava, quando voltava com aqueles brinquedos que trazia, aquela alegria, eu vivi pouco, depois veio a guerra, faltou 5 anos, quando voltou eu já era jovem de 11, 12 anos, ficamos com ele seis anos, ele também
viajando, às vezes ía junto com ele, acompanhava nos navios de passageiros para as ilhas Gregas, Santorini ou Creta, e eu fazia essas viagens
Gostava muito do mar, então eu vivi pouco com ele. Com a minha mãe, como eu era o nono,
sofria com os meus irmãos, um falando que eu era adotado, que eles me encontraram na rua, na porta da rua e eu chorando, minha mãe fazendo carinho, “deixa eles falarem”. Minha infância foi muito boa, porque como ela era religiosa, minha mãe me levava muito à igreja, catecismo, etc. Então existiam muitas turmas de catecismo da qual eu fazia parte, no verão eles faziam um acampamento, adorava, ficar 15, 20 dias no acampamento, porque era uma vida totalmente diferente, com calma, perto de Deus, perto das estrelas, perto da natureza, tanto que quando terminei o ginásio, colegial,
fiz um curso para ser monitor em acampamento. E antes de vir para o Brasil,
fui num acampamento de crianças trabalhadores, então
gostei muito de ter a oportunidade de ensinar para os meninos como é que é a vida de uma pessoa, não somente trabalhando, mas também se divertindo, cantando, tendo ordem, tendo disciplina, tudo que eu tinha aprendido nos cursos e nesses acampamentos que eu frequentei quando tinha essa idade de 15, 16, 17 anos. Era uma época muito agradável, tanto que
senti falta quando saí da Grécia, única coisa que eu não consegui dar continuidade, esses ensinamentos que eu tinha aprendido e poderia transferir para os outros garotos. Mais ou menos assim a vida na Grécia.
P/1- Na sua juventude na Grécia, apesar da guerra, como vocês se divertiam com os amigos?
R - Como eu disse, dentro dos grupos de catecismo. Depois que terminou a guerra mundial, começou a guerra civil, mas esta ocupava mais as montanhas fora de Atenas, apesar de que tivemos alguns incidentes lá com os comunistas, até que os ingleses ajudaram o exército grego para expulsar os comunistas de Atenas, pelo menos, tivemos vários incidentes com os vizinhos, etc. Mas as nossas brincadeiras, a nossa vida, era simples, as ruas estavam vazias, não existia automóvel, podíamos andar de bicicleta à vontade dentro da cidade, irmos ao mercado, até o porto para trazer mercadoria para casa, subindo aquelas ladeiras com as sacolas, não existia ônibus para chegar até em casa. Chegava domingo, depois da missa dominical, e depois do catecismo de mais uma hora, junto com os amigos, chegávamos até o porto, pegávamos dois barquinhos, e remávamos fazendo aquelas brincadeiras gostosas. Então esses eram os nossos divertimentos, os acampamentos, excursões fora de Atenas, nas montanhas. Assim que terminou a guerra veio o primeiro dinheiro pela Cruz Vermelha. Meu pai ainda estava lutando no atlântico, abrindo um parêntese, o meu pai foi torpedeado, o seu navio e ficou 15 dias dentro de um barquinho no meio do atlântico e
por sorte foi encontrado por um outro navio que vinha para o Rio de Janeiro e foram salvos. Porque o outro barco, com os outros companheiros sumiu, ninguém mais soube do fim deles, essa foi uma passagem que o meu pai contou. Naquela noite que ele foi torpedeado a prima da minha mãe sonhou com Nossa Senhora, e ela veio em casa e falou: a Nossa Senhora, que eu sonhei com ela, falou vai à casa da Marica, que era minha mãe, e fala para ela acender uma vela, porque o Anargyros, que era o meu pai, passou por dificuldade, mas ele vai se salvar. Eu fico até arrepiado. Minha mãe me levou à igreja da Nossa Senhora, acendi uma vela para ele, marcamos a data e quando o meu pai chegou, ele falou que foi exatamente o dia que ele ficou perdido no mar… E tem outras passagens, já que estamos falando de Santos e milagres, eu devia ter em 1942, mais ou menos oito anos, com outras crianças, minha mãe na cama, inverno, falando, “quando vocês estiverem doentes tem que rezar para os santos Cosme e Damião, antes disso, a minha irmã estava com pneumonia e o médico puxava água dos seus pulmões umas duas vezes por semana. E minha mãe falando que os santos faziam milagre e eu com oito anos, “mãe, a senhora fala que santo faz milagre, porque não reza para curar minha irmã?”. Ela disse, “eu sou mais velha, eu tenho mais pecados, agora você crianças são mais obedecidos”. Naquela hora a gente viu um braço batendo com muita força num (lava mano?), existia lava mano de mármore, na época, nas casas, como existiam os banheiros simples, onde lavava as mãos, a mulherada antes de dormir passava seus creminhos. Aquele lava mano cheio de garrafinhas, mesmo passando tanques de guerra, nem estremecia aquele braço, quase caíram as garrafinhas, a gente viu, não sabia de onde veio esse braço e no dia seguinte quando o médico chegou, acho que a Merula conta isso, que eu contei para a Merula, ela sabe dessa história. A minha irmã estava curada, nunca mais precisou de médico….Então isso foi uma das passagens lá da Grécia, quando eu tinha 12 anos
mais ou menos.
P/1- Quando o senhor chegou aqui no Brasil, qual foi a sua primeira impressão?
R - O povo brasileiro recebe todos imigrantes de braços abertos, é um povo que se assemelha muito aos gregos, porque são alegres, extrovertidos, eles não ficam rindo da sua palavra, que até hoje eu falo torto, primeira palavra eles me perguntam de onde você é, depois de 65 anos. Então ninguém deu risada, pelo contrário, quando eu pegava um livro para ler, eu não entendia nada, mas eu estava lendo, que ler em latim eu conhecia, então pegava as revistas, algumas palavras entendia, outras não entendia, ficava lendo para poder aprender a falar.
P/1- A dificuldade com a língua.
R - Dificuldade eu não tive, porque o inglês e o francês que tínhamos na escola ajudaram um pouco com as línguas latinas, então não foi difícil aprender o português e nem encontrar serviço, uma vez que existia tanta procura, até hoje, um homem que tem um pouco de cultura, então se existe 12 milhões de desempregados e porque tem 40 milhões analfabetos, então sempre vai existir, enquanto os nossos governantes, não resolver matar o mal pela raiz. Eu fui pego por assaltantes na frente da minha casa com o automóvel e no dia seguinte eles me levaram na delegacia para reconhecer os assaltantes. Um deles estava morto. Quando eu falei que foi ele que entrou pela porta do passageiro, ele falou: não conheço. Pera aí, além de ladrão você ser mentiroso. E os delegados começaram a bater, “gente, você estão batendo naquilo que vocês criaram”. “Então pega você aí”. “Não sou eu que devo pegar, agora já é tarde, já está quase com 30 anos, nós temos que cuidar dele quando tem seis anos”. Então foi esse o fim dos assaltantes.
P/1- Como o senhor conheceu a sua esposa?
R - Em São Paulo, depois de ter feito esses seis anos de trabalho no interior, comecei a indústria, em 1965 a indústria começou a crescer e eu também tendo uma idade de 30 anos,
fui fazer turismo em Montevideo, pegamos o carro, visitamos Montevideo, conhecemos pessoas, mas aquele costume grego de casar com grego, como os japoneses com japonês, como coreano com coreano, grego com grega, precisava atender à minha mãe que foi comigo para a Grécia, à procura de uma mulher. E vai encontrar onde? No meio de tanta mulher, umas bonitas, outras feias, outras conhecidas, outras desconhecidas. Cheguei em uma farmácia onde minha irmã tinha trabalhado para dar os comprimentos para um proprietário nesta farmácia, falei: Sr. (Stratos?), como vai? “Ô, se eu soubesse onde vocês estão, faz 10 anos, eu teria vindo andando para encontrar vocês”. Mas a moça que estava no caixa estava tão linda, 19 anos, era do jeito que eu queria. Na época era miss universo, uma amiga dela a (Tsopei?), minha irmã como amiga, era por ser bonita, ela era bonita porque era amiga da minha mãe, minha mulher, então era tão bonita. Eu a vi no caixa, não tinha intimidade com o (Stratos?), como eu vou fazer para voltar? “Emmanoel você não me trouxe umas fotografias da Popi?”, da minha irmã. Graças a Deus, tenho motivo para voltar. “Eu volto daqui dois, três dias”. Levei as fotografias, me levou lá atrás para conversar, “pápápá”, vendo o que nós tínhamos passado nesses dez anos. “Agora graças a Deus, eu estou pensando em casar, sabe? Se eu encontrar alguma mulher aqui do meu jeito eu vou casar”. Não podia falar que gostei da _____. Ele pulou da cadeira, “Manoli melhor que a menina, a Vassiliki que está ai no caixa, não vai encontrar. Eu vou até o pai dela, para falar”. “Pera aí, eu só vi atrás do balcão, tenho que ver
inteira. (Vasso?), apelido dela era (Vasso?), ela veio, “manda fazer dois cafés”. Aí ela saiu com um salto de oito cm, ela 19 anos e ainda belíssima, com 44kg. “Fechado o negócio!” Ele levantou, foi para o pai dela, falou o que tinha que falar, que ele gostava da nossa família, gostava da minha irmã que trabalhou lá, então tinha todas as informações para passar. Dez dias depois nós estávamos no noivado, vieram os meus amigos, que tinham viajado comigo para encontrar mulher para casar e conforme o trato, eles ficaram como padrinhos e eu me casei em de 30 dias.
P/1- Conta como que foi essa história dos padrinhos?
R - Já estávamos na idade, já tínhamos trabalhado dez anos, então já tinha feito mais ou menos uma vida estável, “já está na hora de casar, vamos para a Grécia”. Eu peguei a minha mãe, porque eu tinha que ter alguém que inspirasse confiança, que veio do Brasil ainda, daquela terra de macacos, que eles pensavam que era. Pera aí, eu vou levar a minha mãe para dar credibilidade, os outros foram sem acompanhamento, 15 dias depois fizeram o primeiro turismo na Grécia e depois quando chegaram eu já tinha encontrado a mulher para casar e conforme o trato eles viraram os meus padrinhos de casamento, os meus amigos. Coitada da minha mulher, 1965, comunicação com a Grécia três dias de espera no telefone, ela amando a família porque nunca tinha saído, nem para acampamento, saiu uma vez para acampamento voltou chorando em três dias. Amando a família e sem poder se comunicar, em 1965, logo no ano seguinte ficou grávida nasceu o primeiro filho, ela não aguentou mais, “eu quero voltar”. Eu trabalhando muito, não dava muita atenção para a garota de 20 anos, “você quer voltar, você sabe quem emite as passagens e o seu passaporte está aqui, depois não venha chorar”. Eu sabia que ela não ia fazer isso nunca, senão eu ia tratar de outra forma. Nasceu a menina, 1965, ela começou a sentir que o Brasil era uma terra grande, não quis ensinar muita coisa, porque também não me ensinaram nem para falar, nem para trabalhar. Ela não trabalhava, tinha a menina, logo ficou grávida do segundo filho, “para facilitar a gravidez eu vou trazer a minha sogra”. Então veio a sogra aqui, participou do nascimento do segundo filho, deu o nome do meu sogro, Michel. Em 1968, já tinha três anos de casado e com dois filhos, levei a família, conforme uma promessa, para eles verem os filhos e também para ela visitar os pais. E foi aí que nós descobrimos, que a Merula que era a primeira filha tinha talassemia, não conhecíamos, não sabíamos. Quando o médico falou que ela estava com talassemia, “o que é isso?” “As crianças não passam dos 16 anos, dos 15. Agora imagina, numa família que vive para fazer uma família bonita, saudável, falaram que essa filha não viveria mais do que cinco a 12 anos, aí virou uma tragédia grega, uma choradeira e uma gritaria generalizada. Eu mais positivo, “gente, pera aí, vocês estão chorando, ela não morreu hoje, vamos esperar ela morrer que aí a gente chora todo mundo junto”. E até hoje estamos esperando isso, 55 anos. Então tentei acalmar o pessoal e acho que consegui acalmar um pouco. Falei: pera aí pode ser atropelada, pode ser que ela viva mais do que o médico imagina, podem acontecer outras doenças, vamos chorar quando acontecerem as coisas, não adianta, você está navegando você vai enfrentar uma onda, não é porque vem a onda que você vai desesperar, calma, fica no seu leme e espera, muda de rumo para você chegar em outro, você está enviesado para ir para uma ilha, mas vem as ondas na sua frente, você não vai lutar contra aquelas ondas, tem a possibilidade de você virar o leme e chegar numa ilha muito tranquila. A vida é assim, cheia de pedras no caminho, que a gente mesmo planta essas pedras, porque o homem é cheio de vida, de energia, quer criar, quer progredir, enquanto isso ele se atropela, ele tem que saber, já que criou as pedras no caminho, tem que saber como superar. A vida é… como um marinheiro grego aprendi muito com o mar, é mais fácil comparar a vida a uma viagem, não de trem, de navio, de barco. Então precisa ter na vida aquela calma, aquela sabedoria de que as dificuldades existe para todos, vamos dar uma olhadinha para quem está atrás com outras dificuldades, para a gente levantar as mãos para o Céu e dizer, graças a Deus que é só isso. Merula está com um problema, mas desde pequenininha eu falava: graças a Deus o senhor me deu esse problema, quando era para chegar o terceiro filho, “será que vamos ter o mesmo problema? Vamos tirar a gravidez?” “Pera aí, ela está com problema, mas não dá alegrias? Se dá alegrias, vamos ter o terceiro. Na pior das hipóteses pode acontecer outra alegria igual”.
Graças a Deus veio saudável, tanto o segundo, como o terceiro. Mas sem desespero a gente enfrenta bem as ondas e o mar. A fundição, eu estava com quase 50 anos, 48 anos, não era aquilo que me agradava, 500 homens trabalhando dia e noite, mas não era aquilo que me agradava, porque eu era casado com três filhos, meu irmão também com duas filhas, o meu cunhado com mais três, quem é que vai administrar daqui a pouco? Então só está enfrentando um problema, como se enfrenta? Cortar o mal pela raiz. O que está atrapalhando a indústria? Mas ela dá a fortuna, você foi à Grécia construiu, pegou um barco, andou pelas ilhas, agora você vai jogar no lixo, no ferro velho? Mas ela está dando problema, porque vai dar um problema ainda maior quando crescerem esses filhos, sobrinhos, então fecha indústria, elimina-se o problema. “Mas é loucura!” Não tem problema! E o que vai fazer? Pegar uma pasta, você tem saúde, enfrenta a vida. “Os seus filhos estudam na escola graduada, você está gastando quase $ 8 mil por mês”. Tira ele da escola graduada e põe numa escola particular bem baratinha, se não puder pagar na escola particular, põe na pública. Então sempre existe solução gostosa, bonita, tranquila, você dorme e você já pensa no que vai fazer para o dia seguinte, não para daqui não sei quanto tempo, então a calma da pessoa, a tranquilidade que enfrenta as dificuldades e que dá uma vida gostosa. Meu irmão tinha o seu senso de viver, eu tinha outro, gostava de trabalhar muito e ele mais para andar de barco, pronto, não tem problema, ele viveu uma vida feliz e eu vivi uma vida feliz. Eu falava para os meus filhos… “segura seus filhos que faz bagunça, são três, estão me deixando louco”. E eu chamava a atenção, “pera aí vocês três, parecem crianças”. Um tinha cinco, outro tinha sete
e outro oito, a minha sogra ficava quieta, porque ela me chamava atenção porque os filhos faziam bagunça, mas essa bagunça tem que ter limite, quando eles estão dentro do limite, não faça que nem criança, porque tem que fazer bagunça como criança, mas exagerar, começar gritar, começar a fazer… pera aí, “eu não quero que ninguém me chame à atenção porque vocês ofendem, ou deixaram triste, façam o que vocês quiserem, são livres, mas não quero nenhuma reclamação de ninguém”. Foi o que o meu pai ensinou, eu peguei um livro uma vez, um diário do meu pai, durante essa guerra que eu citei, 1912, que ele serviu a guerra, primeira página que ele escreveu foi uma declaração, umas leis, de como homem… a bússola da vida, eu escrevi num livrinho meu também, a bússola da vida, como uma pessoa tem que ter palavra, tem que trabalhar, tem que ser honesto, tem que amar até os inimigos se puder ajudar, tudo isso estava na declaração. E repassei para os meus filhos, seja honesto, seja trabalhador, seja obediente às leis, trabalhe muito, seja honesto e ajude quem você puder. Quando cheguei ao Brasil me interessei pela escola e pela igreja, você quer saber alguma coisa sobre isso?
P/1- Vocês decidiram voltar para a Grécia, para morar em certo momento, conta um pouco dessa história, o que motivou o senhor voltar a Grécia?
R - 1965, quando eu casei, era um homem que veio de um país estranho, quilômetros de distância, sem comunicação, pelo menos antes de pegar a filha para casar e sumir, eu tenho que fazer uma promessa, “quando é que você vai voltar?” Eu disse: em cinco anos eu trago de volta a mulher e vocês vão ficar felizes. Meu sogro, “não, cinco anos é muita coisa, três anos no máximo”. Eu não ia pechinchar, “são três? Tá certo!”. Então eu tinha a promessa de três anos, promessa tem que ser cumprida, se levou dez anos até 1975, era o comprimento de uma promessa, uma promessa de um lado por causa da família da minha mulher, outra promessa porque a minha filha necessitava de uma assistência num país onde a talassemia era mais conhecida, mais perto da Inglaterra, onde eu poderia levar e fazer o tratamento. Então tudo isso! Tinha a indústria aqui que dava o meu bem estar, então por que não cumprir a promessa que era para voltar à Grécia em três anos? Volta em três anos, faça sua vida do jeito que você pode, entra para a politica para ajudar os outros, já que na vida a gente tem o prazer de ajudar os outros, porque não adianta ter o prazer para ter, este prazer pode ser momentâneo, pode ser muito pequeno sempre, nunca ninguém vai ter 100% do que ele gosta, tenho certeza que o (Onassis?) morreu pobre, necessitando mais alguns bilhões para poder respirar, então sempre na minha vida tive a metade também, quando ganhava um salário mínimo, aí se pudesse ganhar dois, quando ganhava mais que isso, metade era suficiente para mudar para a Grécia e foi cumprida a promessa para o meu sogro, a promessa de todo imigrante de voltar para a sua terra. Eu realizei. Agora,
deixei a indústria aqui trabalhando e o futuro dos meus filhos, que era brasileiro, eu não poderia poupá-los de uma país que eu achava, e tinha razão, eu acho, pelo o que apareceu até hoje, que eu tinha razão de pensar que o futuro dos filhos é onde eles nasceram. Então fiquei lá, me diverti, mulher se divertiu. Andei de barco, fiz tudo que era necessário e possível para um turista, vivi como turista durante cinco anos e eu como político, gostava, como eu falei, de me meter onde existe coletividade, aqui no Brasil com a igreja, com a coletividade, outras histórias, outro passado. Então isso me motivou, tanto para ficar, como para voltar. Agora aqui no Brasil, dizer que eu tinha este motivo, esta origem de alguém que trabalha para o bem próximo. Chegamos aqui não tinha igreja, mas alguns amigos tinham as mesmas ideias, então apareceu o doador, fez a doação da igreja, que até hoje nós temos e nós trabalhamos para dar o acabamento, a gente tinha o prazer de oferecer as imagens que deviam decorar, então fizemos as nossas ofertas, existe alguma imagem da família Anargyrou, da minha família, existe outros que não queria colocar a plaquinha. Nós trabalhamos muito para ter a nossa igreja, a minha irmã como era professora antes de vir para o Brasil, foi convidada para ser professora dos primeiros meninos que começaram a nascer aqui no Brasil, filhos de gregos. E o (Píssalas?)
o primeiro diretor Presidente da coletividade, ele que chamou minha irmã para ser professora, eu trabalhando na igreja e ela trabalhando na escola. A escola progrediu e alugaram na Alameda Campinas, pagando um aluguel de dois mil para ter a escola. E eu trabalhando na igreja, fui até Atenas em uma reunião do clérigo laico, o que quer dizer isso: entre padres e civis, então a nossa igreja me mandou em 1968, eu já tinha que fazer o turismo e eles falaram: aproveita e participa dessa reunião. Onde eu conheci o Arcebispo (Iacovo?), uma figura única, lá dos Estados Unidos. E disse para ele, "nós precisamos de mais de 700 participantes nessa reunião, de todas as igrejas da América”. E ele como Arcebispo, eu disse para ele, que no Brasil precisávamos dele. Então no ano seguinte, 1969, ele veio para o Brasil e me perguntou, “o que você queria?” Falou que precisava de mim. “Olha, estamos trabalhando, temos uma escola, mas não temos sede própria e hoje que vamos oferecer um jantar para você, você pode solicitar que muitos vão aparecer para doar”. As coisas sempre são difíceis para quem não tem cabeça, ou para quem não quer a coisa não sai. Falei para ele, “você vai passar vergonha”. Patrícios que também se interessavam pelo bem da comunidade, mas quando a cabeça não ajuda, não adianta, até o próprio cônsul, não vou citar o nome dele. Não entra nessa proposta, porque os anos são difíceis, os gregos não vão propor nada. E ele, muito esperto, muito educado, muito culto, disse: já que você tem tanta certeza que vão aparecer 110 para doar 500 dólares cada um e reunir já 50 mil dólares de cara, na primeira entrada, me traga depois da missa de domingo, lá no meu hotel, umas 5 pessoas para eu garantir que você está com a razão, vamos propor, vamos oferecer. E veio o próprio que tinha construído a igreja, Petros (Papatzanakis?), outro grande industrial de outra usina, veio o senhor (Aristides Íkotas?) que trabalhava com construções, que a filha dele hoje também está envolvida na direção da igreja,
_____ o Iglesias, que tinha uma indústria. E falaram para ele, “o que for necessário nós vamos oferecer, não só 500 dólares, mas tudo que for necessário”. Naquela mesma noite fomos aplaudidos, muitos, reunimos 150 mil dólares, numa lista, que como outras, poderia ficar esquecida e lembranças nos aplausos, que a gente deu para vários amigos, como por exemplo nosso amigo (Stavros Bilis?), que prometeu pagar “metade do terreno”. em Pirituba. Não queremos nem inteiro! “Metade na Praça da República você não vai querer dar, então me faça isso em dinheiro”. E ele falou: Então 60 milhões de reais que valiam 15 mil dólares. “Ótimo, agora sabemos quanto você está propondo”. Foi 150. Então para não ficar nos aplausos e ser esquecido, saí com aquela lista e fui até a indústria metalúrgica que eu tinha em 1969, na marginal, passei no mimeógrafo que era a álcool, os nomes e as propostas, fiz 100 cópias e no dia seguinte publiquei nas vitrines das lojas gregas dos bairros do Bom Retiro e
Brás. Aí a proposta não ficou esquecida nos aplausos, mas ficou pública e saímos com aqueles todos interessados em fazer a escola na coletividade e criamos a nossa sede própria, onde até hoje nós temos um belo prédio que sustenta a coletividade. Foi assim que eu me envolvi nessas reuniões. Agora, grego, quando são dois, são dois partidos, imagina quando são oito, dez, 12, aí tem tantos partidos quantos agora no Brasil, que temos 30 e poucos partidos, que na verdade não são partidos com ideias diferentes, são partidos com vontade de ter um cofre para poder comandar. Na parte dos gregos, na época, não era pelo cofre que não existia, mas era pela glória e como diz o ditado grego, “muitos renunciaram ao dinheiro, mas à glória ninguém”. Então como todo mundo na parikia [comunidade] queria ser o dono daquela escola, sabe de uma coisa? Vamos criar um instituto, que não seja nem igreja, nem coletividade, Instituto Educacional Ateniense. Então fizemos uma mudança, fizemos o nosso contrato de uma nova pessoa jurídica, precisava ser Instituto Educacional Ateniense, que comprou essa propriedade. No final, as crianças cresceram, não tinha mais tanta necessidade de ter a escola lá tão longe do centro dos gregos e resolvemos transferir para coletividade. Eu não sei se fiz bem, porque era eu e mais dois dos fundadores que tinham sobrevivido, transferir para quem? Porque era uma coisa amiga, se dá para igreja, é claro, você toda hora está na igreja, por isso você quer agradar aos padres, mas você parte dos seus amigos que a maioria tem a coletividade como base para ter a escola, a filantropia e tudo. Então para não discutir muito, os amigos preferem, a maioria, somos uma democracia, a maioria prefere transferência. E foi transferido para coletividade, com a minha assinatura e de mais dois sobreviventes dos fundadores. Espero não me arrepender, quando os nossos netos poderão administrar bem esse patrimônio. Mantendo uma parte para filantropia dos necessitados gregos, ou que sejam brasileiros, ou para manutenção da nossa igreja.
P/1- O que o senhor faz hoje?
R - Hoje eu estou contando o regresso, os anos que eu vivi e quanto me falta para completar 100 anos, então eu fico no espelho e falo: me faltam 12 para 100 anos, já é alguma coisa. O que posso fazer? Hoje eu coloquei roupas, porque aí o destino era na indústria, porque além dos meus filhos, um, o terceiro ficou nos Estados Unidos quatro anos, pensando em mudar para lá, conseguimos convencê-lo a voltar, falei pra ele: eu tenho propriedades e estava com a intenção de aumentar a indústria de fundição, está lá a terra, são bem na Dutra, você sabe o tamanho, é bem grande, e a construção civil está indo bem no Brasil, necessita saber onde vai construir para colocar as pessoas não em favelas, mas em casas decentes. Então ele começou a se interessar e está se envolvendo, uma vez que ele voltou, vendeu sua casa dos Estados Unidos, está trazendo o seu capitalzinho e juntos vamos construir mais alguns galpões ou mais algumas casas populares. Eu ajudo para não ficar parado. Alguém tem que dormir pensando qual é o problema que vai solucionar no dia seguinte. E quando vivi na Grécia, entrei na política, porque eu tinha que ter alguma coisa para pensar no dia seguinte. Os anos que eu vivi sem entrar na política foram os piores, mesmo estando na Grécia. Que todo mundo sonha, “um dia vou na Grécia ficar com um barquinho”, não existe isso, o homem pode pensar, mas por 15 dias, 20 dias suporta, no segundo mês, fala: pelo amor de Deus. Você pega um livro, você vai para a praia ler, o sol esquenta, você dorme dentro do carro, isso é vida? Isso é turismo, e satisfação? Muda para o Brasil correndo. Porque você me perguntou o que me motivou a voltar. Que eu vi que a política e para quem gosta de enganar o outro, eu vi de perto, então eu falei, antes de entrar… vieram os deputados, “agora no mole nós vamos ganhar dinheiro”. Eu falei: eu ganhei o que eu preciso, eu não vou entrar na política. “Não, que você tem tantos votos…” Quando eu vi de perto todas essas propostas, eu vi a minha vida tranquila, que não me satisfazia, voltei.
P/1- Como o senhor vê a sua trajetória? Quais as coisas que o senhor considera mais importantes na sua trajetória?
R -
Sabe, se não me engano, eu lembro que Apóstolo Paulo, quando já estava velhinho, ele disse para Jesus, eu fiz o trabalho que você me deu, agora só me falta receber a coroa de glória. Então agora, eu posso dizer, não prejudiquei ninguém, trabalhei muito, progredi bastante, não fiz muito dinheiro, porque eu não gostava de muito dinheiro, mas dentro da medida, do possível, dormi sempre com a consciência tranquila, não bebi muito, mas bebi pouco, não passei muitas noites fora de casa, mas eu passei algumas horas, eu fui em festas, eu fiz turismo, instrui os meus filhos, não forcei muito para ninguém mudar o seu rumo, tanto os filhos, como os amigos. Pode alguém dar uma orientação, uma dica, mas não pode achar que é a única que serve, que é a melhor possível, então o que a gente pensa é para o bem dos outros, mas também dentro de um limite, esta vontade de ajudar, não é vontade de ajudar escravizar o outro, então você faz aquilo que é possível para melhorar as coisas, mas não com aquela mente que você tem que ser o diretor da coisa. Como vivi esta vida? Agora sei que faltam alguns anos para completar 100, pode ser que chegue, pode ser… já terminei amanhã, eu falo para a minha mulher, “pelo amor de Deus, não quero nem choro, nem vela, alegria só”. Como sou cartesiano, nos últimos dias, se você ler o livro “Fédon”. Fédon chegou para Platão que escreveu todos os livros da vida, Sócrates, no Fédon estava morto no último dia antes dele tomar o seu veneno, Sócrates morrer, “vem cá Fédon, você estava presente no último dia do Sócrates, me diga, como é que foi? E o Fédon disse: “quem está chorando que saia, que eu não quero ninguém chorando, porque vocês pensam que eu vou morrer, não estou entendendo, eu vou mudar para um lugar melhor, ao invés de você ficaram contentes, que eu vivi, não presidi, ajudei, agora estou saindo, vocês pensam que eu vou morrer? Que ideia é essa? Eu vou para um lugar melhor, agora eu não quero que ninguém chore”. Eu não sei se um lugar melhor ou pior, Deus quem sabe onde eu mereço ir, chegar, mas o meu genro que é espírita, ele disse que se não foi suficiente bom, eu vou voltar na terra, eu falo pra ele: não, ao contrário, eu vivi tão bem, eu fiz tão bem que agora é a minha última passagem pela terra, agora eu vou para outro planeta.
P/1- Qual é o seu sonho hoje?
R - Meu sonho?
P/1 - Seus sonhos.
R - A satisfação de ver que esse país que me deu de tudo, que tenha uns políticos honestos, que pode de alguma maneira, um governante que possa dominar essa hienas que estão dentro do nosso parlamento, que eles comemoram a independência e a proclamação da república, mas o que é proclamação da república? Mandar embora um homem que se chama Dom Pedro II, um rei que durante 60 anos fez tudo pelo Brasil e para o Brasil, então a comemoração da república era mais nada do que esses poucos coronéis assumirem o poder, que até hoje escraviza o povo analfabeto, quando chega as eleições dá uma cesta básica para poder pegar o voto e permanecem no poder até hoje. Alguns têm coragem de se enfiar no meio dessas hienas que existem para poder arrecadar tudo que possível. Imagina 53 milhões de dinheiro dentro de uma sala para alguém que vai morrer daqui cinco, dez anos. Este é o meu sonho, que um dia esse parlamento tenha patrícios, tenha alguém que ame o Brasil, que ame a sua terra, o pobre. Quando eu falei para o meu professor, “vamos dar uma cesta básica, um dinheirinho para comprar cesta básica, quando terminava a faculdade de direito, professor era Montoro, mas outro professor também que era um dos principais, ele falou: não, não vamos dar dinheiro para os vagabundos que não querem trabalhar. Então esse é o espírito de quem tem cabeça, que tipo de cabeça? Transtornada, não tem o espírito de alegria, de servir o próximo, de servir o povo, infelizmente esse não é só um. Que esse país seja transformado por políticos que tenha amor ao próximo.
P/1- O que o senhor achou de contar a sua história para o Museu?
R - Eu agradeço a oportunidade, espero que para alguém sirva, Deus sabe que eu não deveria fazer essa gravação, porque não é alguma coisa excepcional, diferente de qualquer imigrante que chega com dois dólares, ou sem nenhum dólar, trabalha, trabalha, trabalha e alguns progridem, outros infelizmente não têm a sorte, não têm a capacidade, mas eu graças a Deus, eu posso me sentir vencedor dentro daquilo que eu necessitava. Espero que a minha vida sirva de algum exemplo. E por isso que Merula fez um livro para apoiar os doentes e criou uma associação e graças a Deus só recebe apoio de muita gente, porque ela se oferece para ser o exemplo para todos. Instrui os meus filhos de ser isso, eu aprendi e ensinei, a todos que ouvirem a minha vida, possa ter algum exemplo para poder imitar. Minha mãe falava: pague bem os seus funcionários e não precisa fazer caridade, então a nossa vida é essa. Que seja exemplo de algumas passagens. Muito obrigado pela oportunidade.
P/1- Nós que agradecemos! Obrigada!
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