P/1 – Primeiro vou pedir para você repetir o seu nome inteiro, a sua data de nascimento e o local onde você nasceu.
R – Meu nome é Miriam Abdo de Camargo Pinheiro, eu tenho cinquenta anos e nasci em São Paulo.
P/1 – Que dia que você nasceu?
R – 15 de abril de 1961.
P/1 – E qual que era o nome dos seus pais?
R – Meu pai era Naim Abdala Abdo, já falecido, imigrante libanês, que veio do Líbano para cá, quando ainda era menino, com doze anos de idade, uma história muito curiosa. E minha mãe Chafica Sauim Abdo, que também veio do Líbano para cá, mas com meses, e foi registrada aqui, também falecida.
P/1 – E qual que é a história muito curiosa do seu pai?
R – Meu pai veio do Líbano para cá, e são histórias que a gente não consegue esquecer. Ele veio fugido da guerra na época, então, ele sempre contava para a gente, que ele atravessou, na época da guerra, para fugir da guerra, e a mãe e o pai pediram que para que ele e o filho mais velho atravessassem uma parte do deserto para chegar em outra cidade para buscar alimentação. Então ele fala que foi uma época muito difícil da vida, porque atravessava com camelos o deserto, e muitas vezes tinha que tomar água do xixi do camelo, porque não tinha nem água para beber, e punha pedra na boca para formar saliva e conseguir beber, e quando conseguiram atravessar o deserto, chegou numa casa, assim, morto de sede, esfomeado… Uma vizinha, uma pessoa que acolheu eles, ele disse que deitava, assim, na torneira para beber a água, e foi quando ela ofereceu um prato de comida, que já tinha uns dois, três dias que eles não comiam nada. É uma história que ele conta que veio para o Brasil com um tio, mas morou pouco tempo com ele, aí, foi sem falar o idioma, então, um menino de doze para treze anos veio para o Brasil sem falar o idioma, viveu um pouco com esse tio que trouxe, aí, ele já começou a trabalhar, foi viver com uma...
Continuar leituraP/1 – Primeiro vou pedir para você repetir o seu nome inteiro, a sua data de nascimento e o local onde você nasceu.
R – Meu nome é Miriam Abdo de Camargo Pinheiro, eu tenho cinquenta anos e nasci em São Paulo.
P/1 – Que dia que você nasceu?
R – 15 de abril de 1961.
P/1 – E qual que era o nome dos seus pais?
R – Meu pai era Naim Abdala Abdo, já falecido, imigrante libanês, que veio do Líbano para cá, quando ainda era menino, com doze anos de idade, uma história muito curiosa. E minha mãe Chafica Sauim Abdo, que também veio do Líbano para cá, mas com meses, e foi registrada aqui, também falecida.
P/1 – E qual que é a história muito curiosa do seu pai?
R – Meu pai veio do Líbano para cá, e são histórias que a gente não consegue esquecer. Ele veio fugido da guerra na época, então, ele sempre contava para a gente, que ele atravessou, na época da guerra, para fugir da guerra, e a mãe e o pai pediram que para que ele e o filho mais velho atravessassem uma parte do deserto para chegar em outra cidade para buscar alimentação. Então ele fala que foi uma época muito difícil da vida, porque atravessava com camelos o deserto, e muitas vezes tinha que tomar água do xixi do camelo, porque não tinha nem água para beber, e punha pedra na boca para formar saliva e conseguir beber, e quando conseguiram atravessar o deserto, chegou numa casa, assim, morto de sede, esfomeado… Uma vizinha, uma pessoa que acolheu eles, ele disse que deitava, assim, na torneira para beber a água, e foi quando ela ofereceu um prato de comida, que já tinha uns dois, três dias que eles não comiam nada. É uma história que ele conta que veio para o Brasil com um tio, mas morou pouco tempo com ele, aí, foi sem falar o idioma, então, um menino de doze para treze anos veio para o Brasil sem falar o idioma, viveu um pouco com esse tio que trouxe, aí, ele já começou a trabalhar, foi viver com uma família alemã que acolheu ele, e ele na época começou a trabalhar, eu lembro que ele falava que estudava, que a vida dele era bem diferente da nossa, que tivemos outras oportunidades. Então, ele estudava e depois de dez horas da noite tinha que apagar as luzes de casa. E era uma família alemã que também já tinha passado pela guerra, então, só se comia os legumes da estação, da época, porque o custo era menor... E para ele continuar estudando ele tinha que estudar embaixo da luz do poste de rua, para poder ter acesso a luminosidade e estar estudando.
P/1 – Ele saía?
R – Ele saía de casa para estudar na rua, no poste. Ele fala que a vida era assim, ele tinha dinheiro e aí ele caminhava até o cinema, chegava lá e falava, fico até emocionada de lembrar, mas ele comentava que chegava para assistir o filme e pensava eu preciso guardar esse dinheiro eu não posso estar utilizando, então, ele tirava de um bolso, passava para o outro e falava: “agora está reservado”, foi assim que ele foi conseguindo guardar o dinheiro. Então, é uma época bem diferente, ele veio para o Brasil sozinho, sem condições, sem falar o idioma, foi crescendo, foi trabalhando, ele entrou num curso técnico, fez esse curso técnico em tecelagens, se tornou tecelão e montou uma indústria de tecidos. Então, uma passagem de vida, uma experiência que a gente nunca esquece, meu pai é falecido tem vinte e um anos isso, vinte e dois anos. Ele casou-se bem mais velho, meu pai casou com quarenta e cinco anos, quarenta e seis anos, eu nasci ele tinha quarenta e sete, minha mãe era bem mais jovem do que ele, então na época foi, ele não foi casado durante esse tempo todo, foi o primeiro casamento dele, mas ele primeiro construiu a vida dele, teve os negócios dele fez, e aí, ele se casou minha mãe era do interior de Ibitinga, conheceu a minha mãe em Poços de Caldas com uma prima.
P/1 – Ele estava passeando?
R – Ele estava passeando.
P/1 – E ela também?
R – Ela também. Mas eles tinham uns amigos que todos se casaram depois de quarenta anos de idade, então eram os amigos, assim, que viajavam juntos, que faziam as bagunças juntas e eles tinham um trato, ou as esposas se dariam ou eles largariam das esposas, das namoradas, mas teriam que conviver. E realmente foi uma turma que cresceu dessa forma, então, assim, muitas amigas que eu tenho até hoje, são amigas que eram filhas desses amigos, e todas as esposas se davam bem.
P/1 – Esses amigos são como se fossem seus tios?
R – São chamados de tios, são tios, e até hoje são minhas amigas, a gente convive junto, muitas delas a gente consegue conviver com os filhos juntos, outras nem tanto, mas a gente sempre se fala, então, encontramos em ocasiões sociais, mas são amigas de infância, então, a gente cresceu viajando junto, indo para a fazenda de um tio... Então, tem passagens de vida que ele conta também que eram bem engraçadas, o que eles faziam juntos, o que eles aprontavam juntos… Tinha uma das passagens que… Eles sempre alugavam barcos e saíam para pescar, e aí eles estavam nesse barco e um deles bateu a cabeça numa pedra e ficou preocupado com aquela cabeça, que a cabeça podia ter acontecido alguma coisa, e aí, eles: “Oh! Aidim!” Ele se chamava Aidim, “Que isso?” e um deles que é muito brincalhão falou: “Nós vamos fazer uma peça no Aidim”, e pegou uma lata de tinta vermelha e colocou dentro da caixa d’água do barco, e a hora que ele foi tomar o banho e abrir e caiu aquela tinta vermelha, aí, que ele ficou desesperado, achou que estava morrendo que não sei o que… Mas era assim uma turma super unida, que cresceram juntos, cresceram não, mas começaram a conviver de adolescente e foram ficando mais velhos, eram da bagunça, aí, foram casando todos depois dos quarenta anos de idade e todos nós convivemos juntos, viajávamos junto, tudo junto, muito interessante.
P/1 – E a sua mãe? Sua mãe era dona de casa?
R – Não, minha mãe era dona de casa, mas a minha mãe era assim, ela veio do Líbano para cá atravessando de navio, porque ela nasceu e veio com meses para cá, veio a minha avó e meu avô e ela juntos e foram para o interior e minha avó a mãe dela é de um lugar do Líbano numa família bem de vida, bem arrumada, então, veio para o Brasil, ela só andava de chapéu com essas roupas super chiques, foi parar no interior de São Paulo, Ibitinga. Então, minha avó faleceu no ano passado com noventa e dois anos de idade, mas a cidade conhecia a Dona Geni como uma pessoa que andava pela cidade com chapéus, sombrinha toda arrumada.
P/1 – Ela continuou...
R – Continuou mantendo a classe, a linha, mas num lugar, assim, totalmente diferente do que ela vivia, mas na cidade ela conhecida como uma pessoa sempre chique cheia de jóias, super arrumada, ficava sempre com o batonzinho dela arrumado, e minha mãe era filha mais velha de sete irmãos, uma faleceu e ficaram seis, só tinha um irmão mais velho, que é meu tio Jorginho, que é o apelido dele. Minha mãe sempre foi oradora de turma, uma pessoa, assim, super inteligente, estudiosa, e sempre meio ligada na política, então, quando ela tinha uns dezoito, dezenove anos ela veio estudar em São Paulo, uns vinte anos quase, veio estudar em São Paulo e entrou na faculdade de sociologia, e se meteu num movimento político, ela achava o máximo falar que era amiga do Fernando Henrique Cardoso, que conhecia a Dona Ruth Cardoso, se meteu numas coisas políticas e ela escrevia para uma revista que era Capricho, era Capricho mesmo eu acho, só que ela escrevia com o pseudônimo de Paloma, e uma vez um amigo do meu avô no interior falou: “Nossa! Como a sua filha escreve bem, como ela se coloca bem, nossa! Que menina inteligente, a Shafica a gente sempre sabia que ia se dar bem”, e aí, quando meu avô foi ler e viu que era artigos da amor numa revista, nossa! Minha mãe chegou no interior ele fez ela voltar, porque ele não tinha, “Como eu estou pagando para vocês estudarem em São Paulo e você escrevendo de amor, o que é que é isso, escrevendo de amor, de amor, você vai voltar para Ibitinga”.
P/1 – Mas ela chegou a terminar a escola de sociologia?
R – Não, ela parou ele fez ela voltar para o interior.
P/1 – Mas ela fazia isso para ganhar um dinheiro?
R – Fazia para ganhar dinheiro e ela adorava escrever, minha mãe sempre escreveu bem, se colocava super bem, mas teve que voltar para o interior.
P/1 – Depois ela nunca trabalhou com isso?
R – Nunca trabalhou e nem concluiu os estudos dela, aí, numa dessas viagens com essa prima dela, que é a tia Norma, ela foi para Poços de Caldas e ela conheceu o meu pai.
P/1 – Quantos anos ela tinha?
R – Na época ela tinha vinte e um anos, ela conheceu o meu pai ela tinha vinte e um anos, ela foi só casar quando ela tinha uns vinte e três, com os vinte e um anos que foi… As amigas falavam: “Olha! O Naim acho que está olhando para mim”, ela falou: “Acho que sim, acho que não” mas na verdade ele já estava olhando para ela e ela para ele, como ele era muito mais velho, ela achou que não ia dar certo, mas no final o meu pai ficou atrás dela e ela se apaixonou por ele e ele por ela. Então, meu avô no começo não queria o casamento, porque ele era bem mais velho do que ela, mas depois que o conheceu, o meu avô adorava meu pai, se deram super bem, e aí, eles casaram no interior.
P/1 – Se casaram em Ibitinga?
R – Em Ibitinga que é a cidade natal dela.
P/1 – Mas eles ficaram morando lá?
R – Meu pai já tinha indústria aqui, então, minha mãe mudou-se para São Paulo e veio morar aqui em São Paulo.
P/1 – Em que bairro eles moravam?
R – Eles sempre moraram aqui sempre nos Jardins, eu já nasci na Capitão Pinto Ferreira, que era numa casa. Uma passagem que a gente sempre se lembra da dona da casa, que era uma casa de aluguel, toda ás vezes que ela ia lá, porque na época ia receber o aluguel a proprietária ia pessoalmente na casa e tal, e ela sempre levava bala, doce, a gente não esquece, são passagens, eu lembro quando ela esteve no Canadá em Montreal, que ela me deu umas canetinhas cumpridas, eram todas coloridinhas a gente achava o máximo, minha irmã saiu usando a dela… O meu… Outro dia que eu fui desarrumar a casa da minha mãe, que faleceu no ano passado, eu achei a canetinha, óbvio que com a tinta seca, mas tem coisas que eu era bem pequena, então, provavelmente deve ter uns quarenta anos, uns trinta e sete, trinta e cinco anos atrás, mas são coisas que marcam, então, era bolsinha porta moeda, cada viagem que ela fazia para fora ela trazia sempre uma lembrancinha para a gente e a gente não esquece.
P/1 – E quantos irmãos você tem?
R – Tenho uma irmã só. Uma irmã a Márcia que é professora de geografia e dá aula no Colégio Bandeirantes, que é bem diferente de mim, ela adora viajar, conhecer o mundo, sempre foi assim mochileira, fazia mil coisas, eu sempre fui mais certinha, mais reservada.
P/1 – Você é a mais velha?
R – Eu sou a mais velha, eu sou a mais velha, a minha irmã sempre foi revolucionária, queria as coisas do jeito dela, e o sonho dela era viajar e conhecer o mundo, mas meu pai quando eu tinha acho dezesseis anos, dezessete anos, ele teve umas dores muito fortes a gente achou que era uma cólica renal muito forte, na verdade era um aneurisma. Então, desde os dezessete anos a gente convivia com a iminência de que ele poderia passar mal, ter um negócio e morrer de repente, e quando a gente tinha acabado de mudar para esse apartamento da Rua Caconde, quando ele teve isso e passou mal, e aí, ele foi operado de emergência na época era o Doutor Adib Jatene que ia operá-lo, ele foi internado numa sexta ia fazer a cirurgia na segunda, no sábado ele passou muito mal, a pressão dele caiu, a minha mãe era daquelas pessoas que era meio médica, apesar do irmão dela ser um médico, ela que medicava a família inteira, e eu lembro disso no hospital do coração, que a enfermeira entrou para tirar a pressão dele, e aí ela saiu apavorada… Minha mãe foi atrás para ver o que estava acontecendo, “Não foi nada”, minha mãe puxou a prancheta da mão dela e viu que a pressão estava baixíssima: “Ele está morrendo, a pressão está muito baixa”. “A senhora se acalme”... Ela mesmo do hospital ligou para o cardiologista clínico dela, que estava jogando tênis no clube, Doutor Michel Batlouni e ele foi correndo para lá e foi aquela confusão, porque o Doutor Adib estava na fazenda, não daria tempo dele chegar, então, teve que ser o assistente direto dele, que hoje o Doutor Paulo Paulista, um médico super conceituado foi quem operou o meu pai, e foi assim uma cirurgia de alto risco, porque o aneurisma já tinha se rompido, meu tio que era médico assistiu a cirurgia falou: “A cirurgia foi um negócio”, porque a pressão começou cair, cair, três, dois e falavam: “Pinça, pinça, tem que pinçar essa artéria, senão ele vai morrer”, na hora que ia abaixar para o zero, uma poça de sangue, o médico conseguiu pinçar exatamente a artéria importante, ele falou: “Foi Deus que pôs a mão, porque uma poça de sangue a gente não localizava”.
P/1 – Em que ano foi isso?
R – Eu tinha dezessete anos de idade.
P/1 – Você estava saindo da adolescência.
R – Eu estava no terceiro ano do segundo colegial, no Colégio Bandeirantes, então, aquilo foi um auê, porque foi uma cirurgia, lembro que ainda suturaram ele, acharam que ele nem ia sobreviver, ficaram umas garras, o corte era enorme na barriga, como uma garras de ferros assim, o médico antes de entrar para a cirurgia chamou a minha mãe, chamou eu e a minha irmã e falou: “Olha! Cirurgia de alto risco, as chances dele são mínimas, mas a gente vai abrir para dizer que não tentou, mas eram 30% de chance dele sobreviver”. No final isso... família árabe do interior, era o interior inteiro, o hospital era uma caravana de gente e todo mundo rezando bastante, e aí, conseguiu e a cirurgia, então, saiu como um sucesso, o médico falou: “não está descartado, porque a quantidade de sangue que ele tinha na cavidade abdominal a chance dele ter uma embolia, uma trombose era enorme”, então, a gente durante as quarenta e oito, setenta e duas primeiras horas, é alto risco. Então, foi uma coisa que a gente sempre conviveu com essa história, que era de saúde do meu pai. Logo depois disso, ele superou e ficou bem, quando apareceram outros aneurismas, mas eram regiões que não teriam como operar, eu lembro que o médico falava: “não tem como operar, uma região de acesso difícil” e eu falei: “e fica como?” “A hora que estourar morre” eu falei: “isso aqui pode estourar de uma hora para outra?” “A gente não sabe pode ser daqui três meses, seis meses, um ano, dois anos” e aí, a gente logo no início era aquela coisa, ele fazia “a” a gente já: “Ah, meu Deus vai acontecer alguma coisa!” Ele faleceu sete anos depois desse diagnóstico.
P/1 – Da primeira cirurgia?
R – Não da primeira cirurgia, do diagnóstico dos novos aneurismas, a cirurgia eu tinha dezessete anos, meu pai morreu eu tinha de vinte sete para vinte e oito anos, então, foram dez anos depois dessa primeira cirurgia. Mas ele me viu casar, viu a gente se formar.
P/1 – Então, vamos voltar um pouquinho, daí, eles se casaram você nasceu, como que era a tua casa de infância? Como que era, assim, o funcionamento?
R – A gente morava numa casa mesmo, era muito gostoso, meu pai sempre foi mais rígido, assim, árabe, sempre foi meio duro, mas muito carinhoso, extremamente carinhoso, e ele foi pai bem mais velho, então, ele era um melado com a gente, minha mãe também sempre foi uma pessoa dura, austera, mas ela sempre criou filhos independentes, filhos para o mundo. E era muito engraçado, porque das amigas delas ela destoava, elas faziam reuniões em casa as mulheres ficavam num canto conversando sobre família, filho, a maioria não trabalhava fora, então era sobre os afazeres domésticos, sobre costura, alimentação, comida, e ela sentava na mesa dos homens para falar de política. Na família era considerada o Delfim Neto da casa, e ela adorava falar sobre política e sentava no meio dos homens para conversar sobre sociologia política, e dar palpites, detestava ficar no meio das mulheres para falar de coisas que para ela eram futilidades. Ela sempre criou tanto eu, quanto a minha irmã, para o mundo, para a vida, para ser independente, e tinham passagens, eu tenho o cabelo crespo e eu detestava o cabelo crespo armado, e era eu e uma amiga, que era filha também desses amigos que eram juntos e tal, e a mãe dessa minha amiga fazia trança nela, fazia escova nela, minha mãe falava: “não têm essas frescuras, seu cabelo você tem que assumir como você é, você tem que ser bem”, aí, um dia ela cortou cabelo curtinho, porque por eu ser tímida punha o cabelo na boca, ela falava: “Se você não tirar esse cabelo da boca eu vou mandar cortar” e eu punha o cabelo na boca, “Se você não tirar vou mandar cortar esse cabelo” até que um dia ela me pegou com o cabelo na boca, ela me puxou pelo cabelo foi me arrastando rua abaixo até a cabeleireira, chegava na cabelereira ela falou: “Pode cortar”, meu cabelo era comprido, eu ficava com ele preso, “corta curtinho”. “Mas senhora Chafique o cabelo dela não vai ficar bem curtinho”. “Eu falei para ela não pôr na boca, ela não me obedeceu agora vai cortar o cabelo”. A moça cortou e ela: “Vai chegar na boca, corta mais” no final ela cortou bem Joãozinho, aí, aquilo para mim… Eu queria morrer com aquele cabelo, e ele crespo, armava, parecia que eu tinha levado um curto circuito, e isso eu fiquei mal, até que um dia acho que ela viu o que tinha feito, ela trouxe um disco, era um disquinho pequeno de vinil: “Olha só a cantora que cabelo lindo” quando eu fui ver era o Tony Tornado, (risos), “Meu Deus do céu! Esse cabelo, mãe isso não é cantora, é um cantor, esse cabelão assim”... Eu queria morrer, fiquei mais fraca, fiquei deprimida, com problema de autoestima, por causa da mãe e nada. E ela sempre foi assim, “Você tem que ser, você não é melhor do que ninguém”. Lembro que na época só usava roupa minissaia, então, ela começou a mudar a moda de vestir midi, ela fez um vestido ela que costurava para a gente, no meio da perna com uma sandália trançada, eu falei: “Eu não quero ir com essa roupa” eu e minha irmã, chorando, “Nós não vamos com essa roupa de beata, essa roupa comprida”, no final a gente pôs e como era o início da moda, todo mundo achou o máximo, porque as revistas na época tinha isso, moda acontecia na Europa, no Rio de Janeiro, muito antes de São Paulo, então, pegaram a gente com aquela roupa e todo mundo assim: “Nossa! Que linda! Como vocês estão bárbaras!”. Então assim, a gente via como mudavam as coisas e a minha mãe sempre foi desse jeito, ela era determinada, o que ela queria ela resolvia, e às vezes fazia a gente passar cada mico, porque ela tinha uma carteirinha e ela fazia ginástica no DEF, que era departamento de esportes.
P/1 – Aquele que é lá no Ibirapuera?
R – Aquele que era no Ibirapuera, isso mesmo. Se ela entrava num táxi e o táxi começava a dar voltas e enrolar ela falava: “Olha aqui! Eu sou do Departamento de Esporte e Cultura, você está me enrolando, me leva já para casa”. Ela baixava o barraco, chegava no final o cara não queria nem cobrar dela, e ela sempre tomava essas atitudes. Uma vez estava experimentando biquini na Rua Augusta, e aí, eu tinha visto um biquíni na vitrine que eu tinha gostado, e aí, a moça foi dando outros para experimentar, mas o da vitrine que estava mais barato não tinha, aí, quando ela descobriu que aquilo não tinha, que era chamariz, ela abriu a cortina com tudo e dava direto para a rua assim, e eu pelada, eu falei: “Mãe…” E ela: “Vamos já embora daqui, porque aqui não tem nada que combinaram com a gente que teria, como é que pode?” e eu passava esses micos assim com ela. De repente ela baixa o barraco ela resolvia e tinha que ser.
P/1 – E quando você era pequena, com quantos anos você foi para a escola?
R – Eu fui para a escola no Colégio Barifaldi eu tinha acho que cinco anos de idade.
P/1 – Como é que foi esse começo da escola?
R – O começo da escola foi muito legal, a gente tinha filhas também dessa turma toda, que a gente foi para a mesma escola, que era Doutor Jorge Barifaldi, que era um dos donos do Bandeirantes também, era uma escola na Rua Frei Caneca, e era uma escola pequena, eu lembro que a gente ia e ficava eu e essas três amigas, a Denise, a Cristiane, andando de mãos dadas, caminhando pelo pátio, contando a história da Catarina, que era uma maçã que tinha rolado e caído para um terreno baldio, que tinha perto da escola. E a gente paquerava muito um filho um desses amigos que era mais velho, então, a gente fazia cartas de amor para ele, coração com papel crepom, cada dia uma contava história e aquela que contava história, óbvio terminava com ele.
P/1 – Vocês iam seduzir contando história?
R – E a gente ficava contando história no recreio, muito engraçado, que era as três de mãos dadas, andando o recreio inteiro e sonhando com aquele príncipe encantado.
P/1 – Seduzir contando história! E vocês iam a pé para a escola?
R – Não, não, nós íamos de carro, minha mãe não dirigia, minha mãe nunca dirigiu, quer dizer, passou a dirigir depois que meu pai adoeceu, que ele não poderia dirigir muito e tal, então, ela teve que dirigir, então, a gente ia com essas tias e fazia revezamento, que ia todo mundo, e eu lembro que a tia Neuza tinha um fusquinha que tinha aquele bagageiro antigo, então, ia todo mundo atrás do bagageiro, e aí saía aquela briga de um com outro, mas era uma época super engraçada. E a minha mãe começou a dirigir depois, quando o meu pai adoeceu, que aí, também é um outro episódio, porque ela era muito ruim de direção, eles puseram um motorista para ajudar. O Senhor Hugo falava assim para o meu pai: “O senhor me pede tudo menos para eu andar de carro ensinando a Dona Chafica, porque é muito estresse é muito nervoso, eu não consigo”. Minha mãe quando começou a dirigir ela saía e ela não tinha vergonha, ela não conseguia subir rampa ela parava, chamava alguém: “Eu sou carta nova, não consigo dirigir por favor o senhor pode puxar o carro?” O cara subia ladeira para ela, e ela pegava o carro de novo, e uma das vezes uma senhora começou a buzinar atrás dela e a gente indo para a escola com esses amigos.
P/1 – Vocês moravam lá nos Jardins e tinham que subir toda aquela ladeira?
R – Isso, subia a Alameda Campinas, para virar na Paulista entrar na Frei Caneca, e minha mãe foi levar a gente… Estava com a Cristiane, Fábio, Fernando a minha irmã, e a mulher buzinando, andado e o carro tinha morrido e não saía. Ela não teve dúvidas: saiu do carro, sentou no capô e dizia: “Daqui eu não saio, daqui ninguém me tira”, (risos) nós queríamos morrer escondidas lá de vergonha e a mulher buzinando, e ela falou: “A senhora tem que ter paciência, eu não sei dirigir direito e não vou me estressar” até que um senhor ajudou a ela encostar o carro, e aí ela foi embora.
P/1 – Mas ela foi indo assim e uma hora ela aprendeu?
R – Uma hora ela aprendeu, nunca foi muito boa na direção, mas ela aprendeu mais velha, ela insistia e ia mesmo.
P/1 – E depois desse começo que era que nem se fosse o jardim de infância… o antigo primeiro você fez no mesma escola?
R – No mesmo colégio até a quarta série, quando nós terminamos a quarta série acabava essa escola, essa escola não tinha mais continuidade, e aí, eu fui para o Colégio Bandeirantes, a minha irmã já não, ela fez até a oitava série nessa escola, que em seguida abriu. Então eu lembro da Tia Josefina, que era da secretaria, Tia Mara que era diretora da escola, era um grupo pequeno, então, era como se fosse uma família mesmo, todo mundo conhecido, todo mundo amigo, muito amigo do diretor. Então, foi uma escola que deixou boas lembranças, foi muito legal. E de lá eu saí para ir para o Bandeirantes, que era uma coisa diferente, grande, eu lembro que o primeiro dia de aula foi logo quando tinha acabado aquele exame de admissão, o antigo exame admissional, então eu lembro que a gente chegou.
P/1 – Você já pegou passando direto?
R – Já passando direto, sem fazer o admissional, eu lembro que a minha mãe foi mostrar a escola antes, foi mostrar a cantina, o lanche, o que é que tinha de lanche e tal, mas o primeiro dia a gente chegou tinha um professor em cima de um tablado no alto, chamava Morivaldo, ele falava com aquela voz grossa, alta, eu lembro que estava eu mais essas amigas que também era a Cristiane e a Denise, a gente ficou assustada olhando ele berrando naquele microfone falando alto e distribuindo os alunos para a classe, na época o pátio feminino era separado do masculino, então, era separado as meninas das meninos. E estudei lá no Bandeirantes da quinta série até o terceiro colegial. Repeti um ano no Bandeirantes, que foi o primeiro colegial, podia ter saído com dependência ou para um colégio Barifaldi, que era no Jabaquara, que era do professor Barifaldi também, que era dono do Colégio Barifaldi Jabaquara e Bandeirantes, um dos donos do Bandeirantes, ou ter ido para o Objetivo, mas aí eu resolvi que eu queria continuar lá. Como tinha sido uma dependência só, em uma matéria, a média era boa, o colégio permitiu e eu acho que foi uma das melhores coisas que eu fiz na minha vida para amadurecimento. Mas eu lembro que o meu pai sempre falava, às vezes ele me via chorando num dia ele sentou e falou: “Filha eu ponho você no colégio para você ser feliz, para você estudar e ser feliz… Se isso aí está te trazendo infelicidade então vamos mudar de colégio”. Meu pai era esse tipo de pessoa, ele ficava com a gente, não dormia até a gente chegar, se eu tinha prova ficava estudando a madrugada inteira… Ele ia esquentar esfiha, fazer leite, café, levava para a gente… Mas era assim: combinou horário tinha que estar lá, podia até querer ficar mais, eu tinha que ligar, naquela época não tinha celular, então, tinha que ir no telefone ligar falar: “Papai quero ficar mais”. “Então, tudo bem, mais uma hora”. Mas aí quando desse uma hora tinha que estar lá, não podia passar que ele ficava uma arara de preocupado, assim, ele falava: “Eu fico aqui escuto uma freada de carro e eu já fico desesperado”.
P/1 – E vocês morando sempre no mesmo lugar?
R – Na época a gente morou primeiro nessa casa, aí, quando foi eu tinha uns doze anos de idade ela pediu a casa, e aí nós tivemos que mudar meio que correndo e fomos morar num apartamento, eu lembro que foi uma mudança que me entristeceu muito, porque eu saí da uma casa maior, era um lugar gostoso, que eu gostava, tinha a minha casinha de bonecas, porque eu era daquelas meninas que até catorze anos, quinze anos brincava de bonecas. Então, eu ia para o interior e passava as minhas férias todas no interior na casa da minha avó e as minhas tias, e aí, a gente brincava de boneca no coreto da cidade, levava os meus primos menores para passear na praça da cidade, era muito gostoso, eu lembro que eu mudei e o lugar era menor, foi uma coisa meio as pressas, então, era uma coisa meio triste, foi meio triste essa mudança, depois quando eu tinha dezessete anos eu mudei de novo para esse apartamento que eu morei até casar, que a minha mãe morou até falecer na Rua Caconde, aí sim era um apartamento maior, muito legal, na época o meu pai tinha vendido uma parte da fábrica e foi, aí, que ele comprou a casa própria que a minha mãe falava: “Eu não tenho casa própria!” e foi aí que ele comprou, nos outros a gente morava de aluguel.
P/1 – Miriam e o primeiro namorado? Porque você tinha esse namoradinho do coração que você contava história.
R – Nem era namoradinho, era uma coisa bem de criança.
P/1 – E depois?
R – Olha! Primeiro namorado...
P/1 – Ou primeiro amor?
R – Primeiro namorado eu já tinha uns quinze anos, namorado mesmo, ele era do interior.
P/1 – Que era o namorado que você tinha nas férias?
R – Nas férias, isso, eu namorei uns três namorados assim de interior, que a gente namorava por carta, então, era coisa da carta mesmo, de maneira que você escrevia tinha que esperar a carta chegar lá e respondia e você ter que esperar a carta chegar aqui. Um deles, esse primeiro foi do interior, o meu segundo namorado que eu namorei mais tempo também era do interior e ele veio estudar em São Paulo, fazer cursinho em São Paulo.
P/1 – Você estava ainda no ensino médio?
R – Estava no ensino médio, isso tudo no ensino médio. O terceiro namorado que eu namorei bastante, que eu fui muito apaixonada, bastante, também era do interior, também estava na época de vestibular e nós brigamos bem no meio do vestibular aquilo foi… Ele que terminou, porque os outros dois eu que terminei, então, a gente está bem, mas esse ele quem terminou eu lembro que eu sofri muito, foi muito triste.
P/1 – Ele que estava prestando vestibular ou você?
R – Eu, tanto que eu prestei odontologia e prestei para São Paulo, na USP, e segunda opção Bauru, que era onde que eu queria ir, porque ele era de Ibitinga e estudava em Bauru, então eu queria entrar em Bauru, mas não entrei de cara, entrei nas faculdades que eu prestei aqui menos na USP, meu pai falou: “Não”. E aí eu fui chamada para Bauru em abril, mas aí eu já estava cursando a faculdade aqui e meu pai falou: “Para eu pagar você morando lá, eu prefiro pagar faculdade aqui e você morando comigo” e aí, fiquei aqui estudei na antiga OSEC, atualmente a UNISA, que era a faculdade de odontologia. Na época em São Paulo só tinha a USP e a UNISA, as outras eram Metodistas, que era um pouco fora, Mogi que era fora, e Campinas que era na PUC de Campinas, que também era fora de São Paulo, mas não tinha mais faculdade de odontologia, só estas.
P/1 – E essa foi sua primeira opção? Como você decidiu ser dentista?
R – Olha! Eu desde pequena eu tenho uma história muito curiosa, que eu sempre achei que eu queria ser dentista, e uma dessas minhas amigas, que é a Cristiane, que andava comigo, ela sempre brincava junto, e tem fotos assim, eu tratando do dente dela, que na época o dentista tinha massa cor de rosa, branca, então, eu raspava o giz para formar o pó misturava com água fazia uma pasta e cobria todos os dentes dela com a pasta e ainda perguntava: “Você quer rosa ou branca?” e tapava a boca dela de giz. Ela falava que ia ser cabeleireira, punha eu num tanquinho, que a gente tinha, deitada e lavava a minha cabeça, então, eu sempre acho que gostei e não sei o porquê, talvez as dentistas que eu tive tratando e meu tio que era médico, que é meu padrinho, na época tentou fazer a minha cabeça para eu ir para medicina: “Você gosta da área, vai fazer”... Mas não teve jeito, eu sempre gostei. Eu fiz odontologia, que nem eu te falei, repeti um ano no Bandeirantes, que eu achei que foi bárbaro para o meu amadurecimento, na faculdade fui a melhor aluna.
P/1 – Você entrou direto? Acabou o ensino médio.
R – Sem cursinho, sem nada, eu entrei direto, eu já tinha dezoito anos quando eu entrei, eu fiz dezoito anos em abril e no final do ano, porque eu tinha repetido um ano… Eu lembro assim que a primeira prova que eu fiz na faculdade o professor falou: “eu tenho as notas para entregar” entregou de todo mundo. “E agora eu tenho um zero e um dez”, e a minha nota não tinha sido entregue, eu falava: “Zero! Não pode ser que tirei zero” mas dez eu tinha certeza que eu não tinha tirado, porque pela correção do Bandeirantes aquela nota jamais seria dez, aí, eu falei: “Meu Deus do céu não é possível que aqui é tão difícil que me deu zero”, e aí, realmente eu tinha tirado dez, aí, foi um estímulo… Eu estudava só o que eu gostava, eu sempre adorei o que eu faço, então era muito bom estudar odontologia, porque você só estudava as coisas que… Anatomia, patologia, tudo que eu gostava. Então, a faculdade para mim foi uma coisa muito legal, eu tinha uma experiência de boca ruim, então, tudo que o professor falava eu já tinha passado, então, foi fácil lidar com a faculdade, eu tive mais dificuldade realmente nas as cadeiras de prótese, prótese total e removível… Porque eu não tinha na minha boca mas o resto, assim, dor de canal, eu já tinha tido, sabia como era, dor no canal fechado com uma coroa em cima, eu já tive, então sabia como era, cirurgia de gengiva, eu já tive, então isso ajudou muito no aprendizado, experiência que eu tinha passado na minha boca mesmo. E eu adorava odontologia, não tinha ninguém na família que fosse dentista, um primo só que era de Londrina, e na época eu fazia estágio com ele aqui, mas assim não tinha ninguém na família que era dentista. A gente começou mesmo do nada, eu e meu marido, que também é dentista, que eu também conheci na faculdade.
P/1 – Você conheceu na faculdade? E aí, você começou namorar na faculdade?
R – Comecei a namorar na faculdade.
P/1 – Como é que ele se chama?
R – João Francisco, mas o apelido na faculdade era Júnior, que é o sobrenome de Camargo Pinheiro Junior, comecei a namorar, mas no segundo ano da faculdade, quando ele entrou ele era sócio num dos clubes que a gente era, mas eu não conhecia muito, minha irmã que conhecia mais, porque ele jogava vôlei e minha irmã também jogava e ele conhecia umas amigas minhas, que falavam: “Você tem que paquerar o Junior” e eu: “Imagina...” e na época ele namorava, então, ele não frequentava muito as festas da faculdade, eu já fazia parte do diretório acadêmico, das comissões de festas, comissão social, e frequentava um monte de festa e organizava um monte de coisas e ele namorava e praticamente tinha um grupo dele. Chicão, que era um outro amigo, Vicente, que tinham namoradas e que ninguém saia muito para as baladas. E aí, no segundo ano num projeto que a gente tinha, chamado Semana Pop da faculdade, calhou da gente ficar junto na mesma escola, porque a gente dava atendimento às crianças carentes das escolas da região, e aí, nesse projeto a gente ficou no mesmo grupo, e aí, ele começou a paquerar e quando eu vi a gente acabou ficando juntos… Ele namorava na época uma menina, e aí as namoradas dos outros amigos começaram a ficar pavorosas, porque como? Se ele tem outra na faculdade, os nossos também devem ter. Uma delas, a Doutora Fernanda, é casada até hoje com o Doutor Vicente, são amigos nossos, na época ela não podia me ver pintada, ela falava: “Se ele tem outra o Vicente também teria”. Mas não era o caso… A nossa história foi assim.
P/1 – Vocês se casaram quando se formaram?
R – Isso. Nós começamos a ficar juntos neste segundo ano, ele terminou com ela, isso foi em… A semana pop foi em maio, ele terminou com essa moça em outubro, e aí que a gente assumiu mesmo o namoro, e a gente fazia carona junto, a gente morava próximos. Então, a gente passou a fazer a carona junto, passou a ser dupla, porque na faculdade muitas atividades você faz em dupla, então, algumas cadeiras de endodontia, cirurgia, tinha que ter duplas, eu sempre fazia dupla com ele. Então, a gente fazia carona junto, ia junto, fazia monitoria junto, voltava junto, tudo junto, e tinha muita gente que quando a gente se formou que falava assim: “Bom! Agora você vai terminar com ela, porque você está com ela só para xerocar o caderno para ir bem nas provas”. E realmente eu era muito boa aluna, e ele no primeiro ano quase que pegou acho que dependência de uma matéria, pegou segunda época, não dependência, no segundo ano ele não pegou segunda época, pegou só exame, no terceiro pegou um exame só e no quarto ele passou direto sem exame, então, o pessoal: “Está vendo, começou a namorar e entrou no eixo, começou a estudar” e ele na verdade detestava São Paulo, porque ele era do Rio de Janeiro, morava aqui com os pais e no colegial ele foi morar com uma tia que era do Rio de Janeiro, ele também estudou no Bandeirantes.
P/1 – Mas vocês não se conheciam?
P/1 – Você estava falando que na época o seu namorado não gostava, detestava aqui em São Paulo.
R – Detestava, então, ele não gostava porque ele morava no Rio, ele estudou no Bandeirantes na oitava série, ele repetiu, fez um outro ano no outro colégio, foi o colegial fazer no Rio de Janeiro, que ele amava o Rio de Janeiro, ele tem uma turma de amigos, um dos melhores amigo dele é do Rio, e a tia dele com quem ele foi morar, irmã da mãe, ele ficou lá esses três anos morando. E quando ele terminou o terceiro ano que a mãe falou: “Agora você vai prestar vestibular em São Paulo, você vai voltar para São Paulo”. E foi quando ele entrou na faculdade. Mas ele detestava, porque era tudo muito diferente, o esquema, o clima, as pessoas, o Rio de Janeiro, tinha essa namorada aqui em São Paulo, mas foi horrível ter que voltar para morar em São Paulo. E aí, na faculdade, teve uma época que teve uma greve no começo de agosto, do primeiro ano da faculdade, que ele fala que foi o que fez ele entender que tinha que ficar em São Paulo, porque ele aproveitou a greve e foi para o Rio de Janeiro, mas só que como foi época de aula os amigos estavam estudando, estavam nas faculdades, ele começou a ver que o Rio era legal para ele na bagunça, nas férias, mas que se ele quisesse levar a sério ele tinha que tomar uma decisão, então, que era melhor ficar por aqui.
P/1 – Mas vocês já estavam namorando?
R – Não, ainda não, nós começamos no segundo ano, isso foi no primeiro ano. Foi aí que ele encontrou um senhor que era pai de um amigo dele, que era até do exército, não sei se era general, o que é que ele era, que conversou muito com ele, falou: “Olha! O que é que você vai querer para sua vida? Você tem que tomar decisões, essa vida da bagunça da adolescência é bárbara, mas agora você já está numa faculdade, você tem que pensar com uma cabeça mais racional”. Foi aí que ele resolveu realmente, ele entendeu melhor e aceitou melhor, a greve ajudou ele a entender melhor e aceitar melhor a faculdade aqui. Aí isso foi no primeiro ano, eu praticamente não tinha contato com ele, principalmente porque eu achava ele metido, ele entrou na faculdade e para não rasparem a cabeça dele para o carnaval, ele inventou que era modelo fotográfico, ele tinha um tio que tinha uma agência, ele tirou umas fotos dele e levou essas fotos. Então, as pessoas achavam que ele era, o apelido dele era maneco, que era manequim, era maneco, eu já achava ele meio entojado, se achando. E aí cortaram o cabelo dele justamente no dia treze de maio que é dia da libertação dos calouros, que descobriram que ele não era maneco, e aí rasparam a cabeça dele, mas ele falou: “Eu consegui o meu intuito que era passar o carnaval com cabelo na cabeça”. E aí, nós começamos a namorar em 29 de maio de 1971.
P/1 – Olha! Você lembrou!
R – Lembro. Nós fizemos trinta anos de namoro esse ano, começamos a ficar juntos, namorar mesmo… Ele terminou com a menina em outubro mais ou menos, e que a gente começou a namorar mesmo, mas ele era bravo, machista, ciumento. E aí começamos a fazer as duplas na faculdade, fazíamos carona de carro, e aí, quando terminamos a faculdade e uns amigos falavam: “Você vai terminar com ela agora, porque você está com ela só para passar de ano” as pessoas acho que não se conformavam. E aí continuamos namorando, ele entrou para trabalhar como dentista do exército, e nós montamos um consultório que a gente tem até hoje no Jabaquara, e é numa das salas que era de um prédio que meu pai tinha, que ele tinha alugado para um dentista, então, o dentista saiu e a gente aproveitou que tinha infraestrutura e montamos esse consultório, eu tinha outro emprego que eu ficava no período da tarde, e eu ia de manhã no consultório e ele ficava de manhã no exército a tarde ele ia para esse consultório. E aí, a gente começou a nossa vida profissional nesse consultório lá do Jabaquara, e aí, fomos namorando, cada carnaval era um impasse, porque eu achava que o meu namoro, meu casamento não ia durar o primeiro carnaval, porque todo o carnaval ele tinha que ir para o Rio de Janeiro.
P/1 – Você já estava casada?
R – Não, namorando, porque assim carnaval para ele ia para lá e essa prima dele de lá tinha um marido santo que falava: “Carnaval você tem que vir para cá” e ele usava essa desculpa para esposa dele deixar ele ir no carnaval que ele tinha que levar o primo que não sei o que e ele também ia para a bagunça, e aí, ia sempre para o Rio de Janeiro.
P/1 – Você não ia junto?
R – Não, imagina? Ele ia com os amigos para bagunça eu não podia ir, até que um dia ele encontrou uma menina da faculdade e disse que ele estava lá dançando e a menina falou para ele: “você não é o Júnior namorado da Miriam?” Ele falou: “Pelo amor de Deus até aqui vieram me achar”. Mas era assim, carnaval era sagrado, teve um ano que ele falou para mim: “Olha!” eu não viajava, então, eu ficava para cá com a minha irmã e minha irmã viajava muito, minha irmã sempre foi aventureira, já tinha ido para o Peru, fazia trilha do Machu Picchu, roubaram as mochilas dela e ela se virou comprou outra e foi e tal, a minha irmã falou: “Vamos viajar comigo?” E ele falou: “Você não vai viajar com a sua irmã? Vai para Ibitinga, que Ibitinga é melhor”, e aí, nesse negócio de vai para Ibitinga, que Ibitinga é melhor, eu lá no carnaval eu achei que tinha apaixonado por um outro moço, que era de Ibitinga, quando ele voltou, ele tinha que voltar num dia de manhã, demorou atrasou o voo, perdeu porque ele estava bebendo, ao invés de vir de ônibus veio a noite, eu falei para ele: “Eu quero conversar com você, eu acho que não tem nada a ver, vamos terminar” ele achou que eu estava blefando, porque ele tinha atrasado de voltar, e tinha chegado bêbado não sei o que, mas não eu achei que estava apaixonada por essa outra pessoa e tinha decidido que não queria mais saber dele. E aí nós brigamos, ele veio conversar comigo eu estava decidida, e foi aí, que eu acho que ele repensou, reviu, e como não deu certo com essa outra pessoa, nós voltamos a namorar, isso foi em fevereiro, a gente voltou a namorar em abril mais ou menos, março e abril, e aí, nós ficamos noivos em setembro. Aí, tinha outro carnaval depois do noivado, e ele falou que ia de novo para o Rio de Janeiro, e eu ia ficar eu falei: “Não vai dar certo esse casamento, porque todo carnaval ele some”, aí, dessa vez eu não fui para Ibitinga, mas fui para Florianópolis com a minha irmã. E aí, foi engraçado também, porque eu sempre viajava com os meus pais, eu não tinha mania de pegar mochila e viajar que nem a minha irmã, eu era mais fresca assim, ela falava assim para mim: “Nós vamos viajar não é igual com o papai, acha que você vai ficar num hotel com mordomia. É viagem de moçada, nós vamos pegar um mochila e vamos fazer isso, eu já vi uma pousada é aqui na Praia do Mole”, era uma praia que tinha lá na Barra da Lagoa, “eu já conversei com as pessoas, é muito legal.”
P/1 – Que ano foi isso?
R – Eu casei em 1986, foi fevereiro de 1986. E foi numa praia, e os nossos amigos vizinhos de prédio iam também para lá de carro e iam ficar na Praia da Joaquina numa pousada, e ela falou: “Nós não vamos ficar com eles senão a gente vai ficar preso, com eles não” chegamos lá, eu lembro que entramos dentro de um táxi, fomos de avião, quando entramos dentro de um táxi a minha irmã falou: “vamos para tal lugar” “a senhora tem certeza que a senhora vai para esse endereço? Então, está bom vou levar vocês” chegamos lá era uma espelunca, uma moça vestida com um short curtinho e eu falei: “Márcia o que é que isso? Que lugar esse?” “Não Miriam, é assim mesmo, a gente vai ficando, as coisas são assim”, e aí, quando abriu a porta do quarto era assim um quarto minúsculo a janela era um cortininha a cama o pé era de tijolo e tinha as fotos do Roberto Carlos na parede, tinha o Papa, eu falei: “Gente o que é isso? Tudo bem que é um lugar simples, eu não estou acostumada”... A sujeira… Tinha um cara vomitando no banheiro, o banheiro de porta aberta, era um banheiro comunitário, não era banheiro no quarto eu falei: “Márcia você viaja e fica nesses lugares? Como nós vamos ficar ilhada num lugar longe de tudo” e ela falou: “isso aqui está demais, vamos dar um jeito e vamos para a cidade, deixa a mala aí e vamos para a cidade”, e aí, fomos de ônibus para a cidade, chegamos na cidade os hotéis todos lotados, porque era carnaval, até que nós paramos num hotel e ele falou: “Calma a gente vai tentar localizar pela rede se alguém teve alguma desistência” mas ele viu que a gente estava tão desesperado que ele chamou a cozinheira que tinha uma tia para ver se tinha um quartinho na casa da tia no Centro para alugar, e a gente estava quase fechando com essa cozinheira deste hotel, quando em um dos quartos do hotel uma pessoa… O pai passou mal em Buenos Aires e ela teve que voltar e o quarto ficou liberado, e aí foi uma festa, porque o hotel era muito simples, mas era um hotel com banheiro no quarto, ar condicionado, então, assim uma coisa mais normal… E no Centro, que era fácil da gente se deslocar, então, foi um episódio que eu não esqueço, a gente já estava indo procurar os amigos na Praia da Joaquina, eu falei: “Faço qualquer coisa, mas nessa espelunca eu não vou ficar” e no final a gente ficou nesse lugar, foi muito legal.
P/1 – E o carnaval foi bom?
R – O carnaval foi ótimo, e aí, eu encontrei uma outra pessoa, conheci uma outra pessoa, porque o noivo, na época eu já estava noiva, estava no Rio de Janeiro, aí, eu conheci uma pessoa que jogava handebol no mesmo clube que eu frequento, então, conheci e a gente acabou ficando juntos e eu achei que ia acabar de novo o meu noivado, mas dessa vez eu não me apaixonei tanto para terminar o noivado. E aí, ele voltou e eu comentei que tinha passado o carnaval, e a gente ia casar em dezembro, ou a gente tinha que resolver essa situação do carnaval ou meu casamento ia durar de dezembro a fevereiro, que era o carnaval. E aí, eu casei realmente em dezembro, mas no carnaval ele mudou e realmente a gente nunca mais foi para o carnaval sozinho, se não, não ia dar certo a história.
P/1 – Como foi o seu casamento?
R – Meu casamento foi muito legal, muito emocionante, eu falo, pro meu pai foram duas grandes emoções, uma foi quando eu ganhei o prêmio na faculdade, de que eu mesma não sabia que eu ia receber o prêmio, e quando chamaram todos os formandos e tal, e para o meu pai que veio do Líbano sem nada, ter construído, ter uma filha doutora já era um orgulho enorme, aí, logo no começo a minha amigas falavam: “Você foi a melhor aluna você vai receber algum prêmio”. “Imagina”... E aí, antes de começar a formatura, um professor de odontologia legal entregou uma medalha, um certificado e chamou meus pais, fez um agradecimento e falou… E eu achei que já tinha recebido o meu prêmio, mas teve a formatura, chamaram os formandos, e aquela bagunça, todo mundo falando, e discutindo e na época tinha um pessoal que tinha roubado a comissão de formatura, então tinham cartazes, era um carnaval muito divertido, e aí quando eles interromperam, que eu achei que tinha praticamente terminado, chamaram para dar o prêmio para a melhor aluna do curso diurno e noturno, quando chamaram o meu nome, as fotos… Parecia que eu era uma Miss Brasil, que tinha ganhado o título de miss, e foi uma choradeira e meu pai, que estava na plateia assistindo disse que abaixou a cabeça e caiu num choro tão compulsivo, que o meu tio, que era médico falou: “Eu achei que ele ia ter um negócio”, passando mal, porque era muita emoção para ele, muita emoção. E aí, eu ganhei esse prêmio, ganhei outro do conselho regional de odontologia, por ter sido a melhor aluna, ganhei uma bolsa de estudos, na faculdade, na pós-graduação. Então, para ele foi uma emoção muito forte, como foi o meu casamento também, e eu lembro que no meu casamento, eu sou super detalhista, e perfeccionista, eu assisti quarenta e dois casamentos para escolher as músicas do meu casamento, e meu pai ia junto comigo mais do que a minha mãe, minha mãe ia para ver outros detalhes, ouvir as músicas do casamento ele ia e ficava lá no fundo, teve um casamento que eu chorei tanto com as músicas atrás que as pessoas olhavam e se perguntavam se eu não era apaixonada pelo noivo que estava no altar: “Porque que tanto que ela chora?”. Eu ouvia as músicas, fazia amizade com o pessoal do coral, tanto que era o coral da Ione que cantou no meu casamento, ela gostou tanto de mim e de meu pai, que ela fez até uma surpresa no casamento, ela pôs mais músicos e pôs um sino… Ecoaram umas músicas. Foi um casamento que quem assistiu sempre fala: não esquecemos do seu casamento pelas músicas, parecia aquela pompa e circunstância e eu não sei também como meu pai, foi outra grande emoção, não sucumbiu porque as músicas foram muito marcantes a igreja inteira chorava, assim, de emoção.
P/1 – Você tem formação religiosa?
R – Minha família é católica, mas nunca fui de frequentar igreja.
P/1 – Não é praticante?
R – Não sou praticante, teve uma época de mocinha, adolescente, a gente fazia o encontro de jovens do Colégio São Luiz, frequentava, que era muito legal, mas nunca fui de frequentar a igreja, minha mãe também não, minha avó sempre foi muito religiosa, também não era de ficar indo todos os sábados e domingos na missa, mas ela sempre rezou muito para a Nossa Senhora Aparecida, ela fazia as promessa e fazia a gente pagar promessa para Nossa Senhora Aparecida, ela sempre falava: “Alaua”, tipo Deus é grande, ele tem o poder, então, a gente sempre foi muito apegado na fé em Deus, principalmente, mas não de frequentar a igreja.
P/1 – Mas aí, você estava contando, teve o casamento, se pai quase morreu de emoção.
R – Porque minha mãe era mais prática, a minha mãe me acompanhou com a roupa, com detalhes, com bem-casados, ela fez a camélia de flor que ia em cima do bem-casado, ela que fez, eu lembro dessas passagens, a gente indo na costureira ver o vestido, indo na 25 de Março para comprar os fitilhos, as fitas, mas a minha mãe era mais racional e menos emoção, meu pai sempre foi mais do emocional, então para ele as músicas foram um negócio, assim, um negócio indescritível, então, foi uma passagem muito marcante.
P/1 – Vocês viajaram depois do casamento?
R – Nós viajamos, foi a primeira vez que viajei para o exterior, tanto eu quanto meu marido, e nós fomos para os Estados Unidos. Quando eu casei eu morava num apartamento que era um por andar, tinha uma moça que cuidava da gente, da casa, Emília, que sempre trabalhou em casa, tinha um monte de mordomia, e meu pai era o tipo da pessoa assim, quando eu me formei, fui melhor aluna, ele me deu o consultório, mas não me deu um carro, nunca tive carro, ele falava: “Eu não posso tirar o direito de saber que vocês saberem que vocês são capazes de poder comprar com o seu próprio dinheiro” então, o carro está aqui é meu, você usa quando precisar, mas o seu carro, você vai comprar com o seu dinheiro, quando você tiver condições e souber. Então, aquilo um monte de gente falava: “mas como, Naim tem condições, tem propriedades podia dar para ele” a mesma coisa quando eu casei, então, eu morava nesse apartamento de um por andar, e fui morar num quarto e sala na Avenida Paulista num prédio que tinha catorze moradores no mesmo andar, e não tinha garagem, e os amigos falavam: “Naim, você não vai...?” “Primeiro que eu não tenho dinheiro disponível para ajudar, e segundo não é esse marido que ela escolheu para ela? É isso que ele pode oferecer, então, eles vão ser felizes do jeito que vão ser, não tem que eu ficar dando, eles vão lutar, eles vão trabalhar e vão eles conseguir as coisas deles”, então, para muita gente eles achavam: “Como? Que absurdo! Naim deixar a filha dele morar assim?”. E para mim foi difícil mesmo, no dia que eu fui conhecer o apartamento.
P/1 – Vocês foram escolher juntos?
R – Não, o apartamento era da avó do meu marido, que tinha deixado para ele de herança.
P/1 – O apartamento era dele?
R – Era dele, e ele já tinha morado lá com a mãe, com a avó, e com o pai, o apartamento era pequeno, mas morou uma família lá, quer dizer, porque não poderia morar eu e ele? Só que o apartamento estava em péssimas condições de uso, estava alugado, eu lembro que o apartamento era escuro, uma cozinha, as moças estavam fazendo uma sopa com macarrão, aquilo me deu um baixo astral, uma tristeza, e minha sogra falou: “Não, Miriam, você vai ver, vai ficar muito legal, vocês vão reformar, vai ficar bacana” e realmente nós pusemos ele para baixo, fizemos ele super moderno, eu lembro que eu sentava e ficava com o pedreiro dizendo aonde ir pôr o azulejo decorado, era a época que usava uns azulejos decorados, e o apartamento ficou parecendo de revista, ficou muito legal. Mas foi chocante eu sair de onde eu morava nos Jardins, um por andar, e ir morar… Foi diferente, o apartamento depois ficou muito agradável e era uma delícia estar naquele apartamento, mas até ele ficar pronto foi difícil aceitar as mudanças. E aí nós viajamos para os Estados Unidos, na verdade, assim, foi a primeira vez que eu e ele fomos para fora, e ficamos viajando praticamente um mês, passamos até o natal fora, fomos para São Francisco, fizemos toda a costa oeste dos Estados Unidos, então fizemos São Francisco, fizemos Los Angeles, fomos para Las Vegas, Monte Rei e de lá nós fomos para Miami, Orlando e fizemos uma viagem pelo Caribe de navio. Então, uma viagem, assim, muito bacana, mas assim, com dinheiro contado. Tem um episódio de quando a gente estava em Orlando que a gente foi para...Passava o dia inteiro assim, tinha comido uma pipoca e uma fruta o dia inteiro, aí, saímos do parque cansados e meu marido dirigindo carro, ele falou: “Eu vou encostar, eu não estou aguentando, eu vou ter um negócio” na hora que ele falou isso encostou deitou no banco e dormiu, e largou o carro na minha mão, eu falei: “Meu Deus do Céu!”. Era carro hidramático, nunca tinha dirigido, e tive que levar, porque ele apagou de falta de açúcar no sangue, só acordou quando chegou na Pizza Hut, que era o que a gente comia. Isso também, quando a gente chegou nos Estados Unidos a gente nunca tinha dirigido carro, ele tinha dirigido um do tio dele, que era até na direção, mas hidramático, automático, a gente nunca tinha dirigido, aí, a moça viu que a gente estava em lua de mel, ofereceu um carro mais moderno, mais esportivo, do o que a gente tinha contratado, e sem custo adicional nenhum, pegamos o carro e fomos treinar no pátio do lugar que alugava o carro, e a primeira freada que o meu marido deu a gente quase saiu pela janela, porque brecou seco, e tiramos um monte de fotos com o carro, o carro realmente para gente era o máximo, as coisas chegavam lá antes do que aqui, então foi uma passagem bem interessante. Teve essa e na lua de mel teve uma outra, que todos os lugares que a gente ia já tinha alugado o carro e já estava acostumada, quando a gente chegou em Miami, o carro não era automático em baixo, era em cima, e aí, a gente foi dirigindo e quando paramos no saguão do hotel para descer o carro não parava de apitar, ele mexia aqui, mexia ali, e não parava de apitar, ele começou a ficar nervoso, irritado, e as pessoas no hall do saguão achando que ele era o motorista, queriam entrar no carro para ele levar, que era taxista, ele teve que voltar para o pátio, onde tinha deixado o carro.
P/1 – Quer dizer, onde desligava?
R – Na verdade no neutro, no de parada, só que para ele parar de apitar tinha que tirar a chave e ele não tirava, os outros não precisavam disso, então, ele ficava apitando, e aí, eu lembro que ele foi uma passagem que marcou, isso e quando a gente foi voltar de Miami para o Brasil, que nosso dinheiro tinha praticamente acabado, os voos estavam lotados, já era começo de janeiro, então, todo mundo voltando para São Paulo, não tinha muito voo, não podia perder o voo, a gente atrasado, e ele errou o caminho, o carro não chegava ele teve que fazer uma manobra, quando viu estava dentro do jardim do aeroporto, o carro pegou naquelas muretinhas de ferro que tem, quase fundiu o motor do carro, saiu fumaça e toda as vezes que chegava para entregar a chave do carro a gente tinha que pegar uma restituição em dinheiro no valor que a gente deixava.
P/1 – Como caução?
R – Como caução. Nossa! E a mulher demorava, quase perdemos esse voo, eu lembro que na época ele falava: “Se essa macaca filha da p.... nós vamos” hoje ele seria preso chamar desse jeito por desacato, mas chegamos e fomos as últimas pessoas as embarcarem no voo, porque e a gente tivesse ficado lá não tinha dinheiro nem para pagar hotel e na época não tinha cartão internacional.
P/1 – Era aquele dinheiro que tinha levado?
R – O dinheiro que tinha levado e os vouchers tinham acabado, então, tinha que voltar, não teve jeito, mas foram coisas que marcaram, foi interessante.
P/1 – E depois? Vocês voltaram? Você tem filhos?
R – Tenho um casal de filhos. Voltamos, e aí, fomos morar nesse apartamento da Avenida Paulista.
P/1 – E o consultório era aquele do Jabaquara que você falou?
R – Isso mesmo, ele trabalhava no exército, eu trabalhava num outro consultório na Avenida Paulista, moramos lá e sempre gostamos de dar muita festa, então, dava festas e era assim o apartamento: um dormitório, a gente tirou a porta da cozinha para a área de serviço para a cozinha ficar mais ampla, mas quando dava festas os homens ficavam na cozinha, esquentavam o salgadinho no forno e passavam para a sala. E até teve uma que a gente casou em 1986, quando foi em 1988, foi aniversário dele em setembro, não tinha lugar dentro do apartamento, então, tinha que ficar dentro do banheiro, em cima do boxe, dentro do boxe do banheiro, porque não cabia mais dentro do banheiro, e aí, um amigo falou: “Vocês precisam de mudar ano que vem, porque aqui não cabe mais ninguém” e no dia seguinte nós estávamos na casa dos meus pais almoçando e meu marido viu um lançamento de um apartamento que já estava pronto e você podia visitar. Era um apartamento de três quartos, que é onde eu moro até hoje. Aí nós fomos visitar, só que era um prédio que a construtora Mofarrej tinha construído para família e para alugar, só que o senhor morreu e eles resolveram vender os apartamentos, já tinham armários nos quartos e tal, e nós fomos ver, gostamos, embora fosse na Vila Mariana, mais distante tanto para mim quanto para ele… E a família dele morava… Mas que a gente começou a gostar e podia ser financiado, a gente resolveu entrar num financiamento com a cara e com a coragem, na época até um ex cunhado dele que deu a maior força para a gente comprar, e a corretora falava: “Vocês são jovens, podem trabalhar e vocês vão conseguir pagar” e foi aí que nós realmente compramos e pagamos o apartamento desse jeito, então, foi muito bom, foi ótimo, aí, mudamos para lá em janeiro de 1989.
P/1 – Você não tinha bebê ainda?
R – Não, aí, minha filha nasceu em 1992, porque até então não queria filhos e nós ficamos evitando durante quatro anos, aí, quando resolvemos a ter filho, o filho não vinha, aí faz tratamento, que é outra história. Fizemos tratamento para engravidar, na época tinha que fazer uma tabela que marcava a curva da temperatura, então, a médica fazia tabela e eu levava para ela, no primeiro mês ela falou assim para o João, meu marido: “João, você não podia falhar nesse dia, era período de ovulação, não está bem esse desempenho” ele falava: “Mas doutora essa tabela inteira, um dia?”. “Mas esse dia podia ser o dia, você não pode falhar”, então, um horror.
P/1 – Pressão.
R – Sob pressão. Aí, nós fizemos o tratamento, ela encaminhou ele para um urologista, e ele tinha um problema dos espermas que eram inférteis, que morriam rápido, então, tinha que coincidir o momento da ovulação com o momento da ejaculação, e aí, a gente começou a fazer um tratamento eu tomava um remédio para aumentar a ovulação e tinha que fazer um mapa, e nós resolvemos viajar, fazer uma viagem para a Europa, e o médico escreveu na ficha do meu marido: “Vão viajar, grande chances de engravidar”, e nós fomos para a viagem com o mapa, que viajava, andava, caminhava e ele brinca, meu marido falava: “Ela punha aquele baby doll e falava João, pelo amor de Deus, eu vou chamar o camareiro austríaco, vou chamar, porque eu não estou aguentando mais, carrego mala, viajo, dirijo e ainda tenho que comparecer”. E aí isso foi a viagem da Espanha, Itália, Áustria, na Suíça, e quando chegou na Suíça eu falei: “A temperatura abaixou”. Tipo assim, agora não precisa mais, ele falou: “Graças a Deus”, e aí, quando nós voltamos para o Brasil eu liguei para a médica, tinha cinco dias de atraso a menstruação ela falou: “Lê o mapa, como é que foi?” Eu falei: “Bom” e ela: “Você tem certeza? Não está burlando?” “É isso mesmo”. “Grandes chances de você estar grávida, pode fazer o exame”. Eu falei: “Imagina!” e fizemos o exame mesmo e estava grávida. E aí, foi um outro episódio a parte, porque eu engravidei da Bárbara, da minha filha, e eu tomava uns hormônios, como eu tinha feito tratamento, para manter, e passei muito mal na gravidez inteira, os três primeiros meses foram péssimos.
P/1 – Você tomava hormônio para manter?
R – Para manter o bebê. Aí, eu vomitei o primeiro trimestre, eu perdi sete quilos no primeiro mês de gestação, eu engravidei acima do meu peso, eu engravidei tinha sessenta e dois quilos, meu peso normal era cinquenta e sete, que eu tinha viajado e tinha engordado, aí, no segundo mês eu perdi sete quilos, mas eu não conseguia comer nada, tive uma anemia muito forte, achavam que eu era talassêmica. Fiz acompanhamento com uma hematologista, Doutora Terezinha Verrastro, era o auge da AIDS e ela falava: “eu não posso transfusionar você, porque nós não temos um banco de sangue confiável”. Se a gente soubesse, acharam que eu era talassêmica, enfim, falavam que tinha que tomar, então, três injeções de noripurum por semana, e dez mil unidades de vitamina B12 por dia, então, era assim, uma coisa cavalar, eu lembro que eu tinha que tomar um remédio, meu marido me acordava às cinco da manhã eu tomava um dramin e eu comia uma rodela assim de bolacha, de torrada, e eu comia aquilo para parar, para deixar aquilo parar até às oito horas da manhã tinha que ficar deitada sem mexer, e aí a moça que trabalha em casa comigo até hoje, a Maria do Carmo, que é a Cacá, me ajudava a acordar, me ajudava a dar banho, e eu comia, ela punha assim que era uma rodela de batata, um pedacinho de carne, não conseguia comer direito, ia vomitando para o consultório, não falava com os pacientes, porque aquilo me enjoava, a secretária que falava tudo e eu vomitava o tempo todo, voltava, tanto é que teve um dia que andando no pátio do prédio com meu marido, eu desmaiei porque a anemia era altíssima, e era uma coisa que eu tinha nojo de quem comia, e não podia sentir cheiro da comida, e se eu estava vendo um programa de televisão e aparecia uma família em volta da mesa eu vomitava, aí, aparecia a propaganda das ervilhas velouté, que eram umas ervilhas que saiam uma fumacinha “Ai que delícia!” Eu vomitava, e as pessoas iam me visitar eu tinha raiva, tinha vontade de ficar pelada sem roupa largada no sofá, e o meu marido ia lá e jogava o lençol e as pessoas olhavam e iam embora, ele pedia uma pizza para servir para as pessoas, eu vomitava com o cheiro da pizza, foi uma epopeia.
P/1 – E depois do quarto mês?
R – Aí, melhorou, mas eu tive enjoo até o nono mês, tanto que eu engordei no total, porque eu perdi e recuperei, seis quilos e meio a gestação toda, mas eu passei muito mal na gravidez dela. E aí, nasceu a Bárbara, que para mãe anêmica, era para ser uma criança bem pequena, então, eu tenho um amigo que é meu compadre do interior, ele falava: “Não, Miriam, filho cresce fora da barriga” ele é pediatra, “Nasceu com mais de dois quilos e meio e pronto”, e aí, quando passou da data, a Doutora Lana fez um descolamento da bolsa para induzir o parto normal, aí, baixou o batimento cardíaco, o bebê não está mais respirando, ela falou: “Miriam, calma, mas eu estou suspeitando realmente agora de uma circular de cordão”, na época não tinha o ultrassom morfológico, então, “vamos deixar, vamos ver como é que está e eu fiz a indução, mas com essa baixa de batimento, nós vamos já para a maternidade”, aí eu falei: “eu não estou com a minha mala”; “não tem problema, pode ir para lá... e a guia da internação, não está aí?” Eu falei: “não, ficou em casa”, “pode ir sem guia que eles vão te internar” meu marido falou: “eu só vou passar em casa e o zelador já pega a mala para mim”... “Vocês não entenderam? Vocês vão já para maternidade”. Saímos, a sala de espera lotada, imagina, até ela chegar lá vai demorar, até desmarcar esse monte de paciente, e no final a gente parou o carro no estacionamento do clube, que era o Clube Homs, fomos andando até a Promatre, atravessamos, quase que eu comi um sanduiche do Mcdonalds, chegamos na maternidade a médica já estava lá: “Vocês são irresponsáveis, onde vocês estavam? Se eu soubesse tinha posto no meu carro e trazia ela para cá”, e aí me colocaram na enfermaria e no meio da raspagem, a enfermeira falou: “Desce do jeito que está, a doutora mandou descer imediatamente” ela estava acho que preocupada, e já anestesiou e nisso o meu marido já tinha tomado anestesia, rapidinho a minha filha nasceu, e aí, ela falou: “Agora eu posso fazer as coisas com calma, graças a Deus ela só teve uma contração e realmente ela tinha uma circular com cordão e nó no pezinho, que podia entrar em sofrimento fetal se fosse dado continuidade num parto normal”.
P/1 – Mas aí foi cesária?
R – Foi cesária de emergência e rapidinho ela tirou, aí, ela falou: “Nasceu” eu falei: “Quanto tem?” eu entendi que eram dois quilos e 780, a Bárbara nasceu com três quilos e 780 gramas, era o maior bebê do berçário.
P/1 – E você não tendo comido quase nada na gravidez?
R – Nada, nada, depois que a gente descobriu eu tive uma hemodiluição gravídica, e ela absorvia todo o ferro que eu comia, então ela nasceu enorme.
P/1 – Então, na verdade a anemia nem foi por conta da falta de alimentação?
R – Não, foi porque ela absorvia tudo e ela nasceu enorme, foi o maior bebê do berçário do dia.
P/1 – E era a primeira neta dos dois lados?
R – Não,só do lado da minha mãe, a minha sogra já tinha os três netos, filhos da minha cunhada, mas era a primeira neta do filho, então, foi aquela festa, e família árabe.
P/1 – E como era? Tem algum ritual especial?
R – Ritual não.
P/1 – Algum costume especial?
R – Depois que nasce faz, chama morli, se serve um tipo de mingau árabe, chama-se as amigas da filha e, principalmente, da mãe, da avó e faz uma confraternização, onde vai todo mundo para conhecer o bebê e faz, parece um mingau doce, que vai algumas especiarias árabes, que é morli quando nasce o neto.
P/1 – E qual que é o objetivo disso?
R – Trazer sorte, saúde, energia, vitalidade, e aí vai todo mundo, mas a maternidade nós tivemos um dia que recebemos cento e oito pessoas visitando, então, quando chegava lá as enfermeiras falavam: “Nossa! Lá vai de novo hóspede para o quarto 518” alguma coisa assim, e eu lembro que no mesmo andar que o meu tinha uma médica, que era do PT e ela o marido e o bebê, na época o bebê não ficava no quarto, ficava no berçário, ela pediu alojamento conjunto e tinha sido parto normal, e ela morria de dores e ela falava: “Que bagunça é essa no andar?” E as enfermeiras falavam: “Paciente que recebe”. “E como ela não está com dor?” “Olha doutora ela não está com dor e foi cesária hein!” “Mas ela passeando pelo hall da maternidade?”. Eu lembro que eu tinha feito as camisolas e punha um laço combinado com a camisola, que combinava com a roupa do bebê, “Como ela está desfilando desse jeito? Foi cesária e está disposta?”, a enfermeira falou assim: “A sua médica que medica para não ter dor? Eu sei que você está ótima andando e a outra reclamando de dor” e não se conformava que um monte de gente ia visitar, então, era uísque, bebida, petit four, doce, era uma festa dentro do quarto. Foi engraçado que a primeira noite que a Bárbara nasceu meu marido teve um pesadelo, ele sonhou que tinha uns índios pegando ele e ele gritava: “uh, uh”, e ele não se mexia, eu não podia levantar da cama que tinha operado, para acordar eu tive que pegar uma maçã que estava do lado e jogar nele para ele acordar, (risos) ele achou que tinha uns índios atacando ele, era uma tribo indígena e tinha uns índios atacando ele, mas a Bárbara veio para encher de vida e luz a vida de gente, muito especial. Depois dela eu tive uma outra gestação que eu perdi o bebê e era uma moléstia trofoblástica, chamado de mola, que na verdade é uma má formação do óvulo, que agrega a parede do útero e forma como se fosse um tumor, e aquilo evolui como se fosse um bebê, que pode acontecer a quem não faz o pré-natal, pode até a barriga crescer e achar que é um bebê e é um tumor, mas eu tive um sangramento muito forte eu lembro que eu estava me arrumando...
P/1 – Interrompe a menstruação como se fosse uma gravidez?
R – Interrompe e você faz o exame de sangue e você está grávida, a taxa de beta HCG é altíssima, tanto que depois que você aborta você não pode engravidar durante um ano, até abaixar o nível do beta HCG, porque você não sabe se tiver de novo se gravidez ou é tumor, e é raro ter isso, é mais fácil ter uma síndrome de Down do que a Mola, que esta moléstia trofoblástica. Eu lembro que eu estava me arrumando, a Bárbara era pequeninha, estava a Maria do Carmo, que era a empregada, e a irmã dela que era a babá da Bárbara, e eu pondo a roupa para ir para a feira do bebê com o meu marido comprar coisas para o bebê que vinha, que ia nascer, e elas andando atrás de mim: “Eu tenho que falar um negócio para a senhora, a senhora está bem?” “Eu estou bem, fala o que é que foi?” “A senhora não está passando mal?” “Não o que é que aconteceu? Fala logo, o que é que você quebrou? Foi a máquina de lavar?” “Não, antes fosse” “Foi o ferro?” “Não” “Mas então fala!” a irmã dela falou: “Olha para seu short, a senhora não está sentindo nada?”. Todo borrado de sangue, aí, realmente eu sentei no bidê e saiu, esguichava sangue mesmo, eu liguei para a médica, tive que ficar em repouso. Era véspera dos dias das mães, aí, na segunda feira, quando eu fiz ultrassom, deu que realmente tinha abortado, só que a médica falou que pelo tamanho do útero, achava que é essa moléstia trofoblástica, fui numa outra médica, fiz outro ultrassom, que a médica exigiu que fosse, eu fui para a curetagem, a curetagem demorou umas duas horas e meia, minha família já estava desesperada, porque curetagem é uma coisa rápida, mas quando se suspeita de ser essa doença tem que raspar bem a parede do útero para não ter perigo de recidivar. E aí fui para o exame patológico e a médica falava: “Fica tranquila”. Meu tio quando soube dessa suspeita ficava ligando direto para saber qual o resultado do exame, depois que eu soube que poderia ser um tumor e esse tumor poderia ser maligno, teria que ir para a quimioterapia e muitas vezes tirar o útero, então, ela falava: “Fica tranquila, porque se for isso você vai para o Kenji”. “Quem é Kenji doutora?” “É o especialista em mola, e você já tem uma filha, já está ótimo com a Bárbara”, tipo assim, se você tiver que perder o útero e não poder ter mais filhos, ótimo, mas aí com toda essa dificuldade para engravidar eu tive que ficar um ano tomando pílula e realmente não podendo engravidar durante esse um ano, e quando eu parei o Guilherme veio espontaneamente sem tratamento, que foi o meu segundo filho.
P/1 – Essa gravidez foi mais tranquila?
R – Foi mais tranquila, tanto que eu engordei 15, para 16 quilos, porque essa eu comia achava que ia passar mal como a outra, enjoava comia e passava, enjoava comia e passava, então, eu engordava, e o Guilherme nasceu apesar de ter engordado esses quase 16 quilos ele nasceu com menos peso que a Bárbara, ele nasceu com três quilos e meio, e menor também 50 centímetros em relação a Bárbara.
P/1 – Então, Miriam você estava falando o seu filho nasceu.
R – Aí o Guilherme nasceu e a Bárbara, minha filha, era muito apegada comigo, não desgrudava para nada, os meus dois filhos eu amamentei no seio, ainda mais que faço ortopedia funcional dos maxilares, super importante, importância da prevenção, da alimentação, da respiração, então, era uma coisa que eu queria muito. Então, a Bárbara até uma coisa doentia, porque eu dava um banho nela, primeiro enrolava ela que nem um charuto, deixava só a cabeça, depois eu tirava lavando o corpo, e antes eu fazia uma massagem, que era shantala, para relaxar o bebê que ficava no meu colo. Então, assim, uma vez a minha sogra falou: “Eu vou ali e a gente vai sair ver umas roupas e tal, a Maria do Carmo fica com a Bárbara, você amamenta e a gente sai, está bom?” Só que, assim, ela almoçou em casa, achou que eu ia amamentar e dar banho, amamentar e sair, ela não sabia que o banho era um ritual de uma hora e meia, dá banho, lava, passa, era até, coitada da Dona Maria do Carmo está comigo até hoje, teve um dia que era assim, o banho da Bárbara só dava com a temperatura trinta e sete graus, e tem um barquinho que era um termômetro, se não cravava os trinta e sete eu não dava o banho, então, eu punha água fervida e água que já tinha que estar fervida, para amornar, para chegar na temperatura, teve um dia que ela esqueceu de deixar a água fervida esfriar e eu falava: “Como não tem água Maria do Carmo, vou ficar sem leite, não tem água?” Não podia pegar água da torneira, eu enchi tanto que essa coitada foi no supermercado comprou água mineral, falou: “Toma água, vamos dar banho nela” e aí temperava a água, enrolava que nem um charuto, então, assim, o banho era uma hora e meia com a massagem para depois poder sair e já estava na hora de voltar. E os dois sempre mamaram, mamaram um ano no peito, mamaram um ano e dois meses, mesmo assim que chega uma hora que você só dá de manhã e à noite.
P/1 – Eles têm uma diferença de quantos anos?
R – Três anos e quatro meses, porque a gente queria uma diferença menor, mas como eu tive esse problema entre as gestações da Mola, eu tive que ficar mais um ano sem engravidar, então, deu essa diferença de três anos e quatro meses. E a Bárbara muito grudada comigo, tanto que no dia que o Guilherme nasceu, que a gente marcou a cesárea, como eu já tinha tido uma e não vamos correr risco e tal, já deixou marcada, e era dia primeiro de novembro que ele nasceu, de manhã fui levar a Bárbara na natação, porque eu fazia aula com ela na natação, e aí, ela que quis que eu desse o banho e ela estava de cócoras dando banho e a tia falava: “deixa que eu dou banho nela, põe a Cidinha para dar banho” (que era a babá), eu falei: “não adianta” “mas vai nascer esse bebê hoje desse jeito” eu falei: “vai nascer mesmo, sete horas já está marcada” e ainda a Bárbara foi para a escola e eu fui buscar ela da escola para ir para a maternidade, e o Guilherme nasceu bem no dia que era o final de uma novela, então, os meus sobrinhos foram para casa para fazer companhia para ela, e ela só chorava, porque ninguém dava atenção para ela, só queriam ver o final da novela. E aí, no dia seguinte o meu marido não pode dormir comigo no hospital, porque teve que dormir com ela e minha mãe é que ficou comigo. Aí no dia seguinte ela foi na maternidade e levou, ela tinha uma coleção da Branca de Neve e os Setes Anões, e quando eu estava grávida do Guilherme a gente foi para os Estados Unidos para fazer o enxoval dele, e foi a primeira vez que ela foi para a Disney, e ela comprou essa coleção lá e tomava banho na banheira com ele e tal, e ela pegou a madrasta do sete anões, e a gente não percebeu e quando ela chegou no vidro do berçário ela pegava a madrasta e ficava assim para ele, para assustar (risos) na cabeça dela o irmão tinha acabado de nascer, mas esse episódio ela fazia assim, para assustar, levou só a madrasta, a Branca de Neve e os Setes Anões não. E foi isso...O Guilherme nasceu, nasceu em novembro, e ela ficou bem enciumada, mas que nem diz o Doutor Décio, que é o pediatra das crianças, eu falava assim para ele: “Doutor Décio, quando que passa esse ciúmes?” Ele falou: “Miriam, tem vez que não passa nunca, você mesma se a sua mãe fizer mais por um filho do que outro você não vai ficar enciumada? A mesma coisa não tem jeito, a gente aprende a conviver”, e aí, eu tive uma paciente que falava assim para mim: “Você imagina...” (que ela era psicóloga) “...Na cabeça de uma criança é como seu marido com você diz a vida inteira que te ama, que você é a mulher da vida dele, que você é maravilhosa, que você é tudo para ele, e de repente ele entra do nada com uma outra mulher e fala, fulana essa aqui é a fulana que eu gosto tanto você, que eu amo do mesmo jeito, maravilhosa, que vai dormir na nossa cama, dividir tudo com você, o que é que acharia?” “Pelo amor de Deus!” “Então na cabeça da criança não passa assim muito diferente, o universo que era só dela, de repente tem que estar repleto de outras coisas juntas”, então foi aí que começou a polêmica dos dois.
P/1 – Em que ano ele nasceu?
R – Ele nasceu em 1995, a Bárbara em 1992, e ele em 1995. Aí o Guilherme era diferente da Bárbara, a Bárbara não gostava de comer, era uma luta para comer, fruta a primeira vez que eu dei para ela, ela punha para fora, eu não me conformava, eu falei que eu fui uma mãe meio neurótica, porque no começo da Bárbara eu lembro que o pediatra passou uma vitamina com flúor para ela. Começou que ela nasceu foi para casa bem, primeira noite maravilhosa, a segunda noite essa menina chorou, chorou e não parava de chorar, e não parava de chorar e eu dava o peito, eu trocava a fralda e eu comecei a ficar agoniada, eu falei: “eu acho que é chupeta”, ela punha a mão na boca, eu que não queria jamais que a minha filha chupasse chupeta, eu punha a mão na boca para ver se ela parava de chorar, fiz meu marido ir na farmácia comprar as chupetas redondas, eu falei: “Vai ver essa chupeta chata, ortodôntica”, nada passava, meu marido foi trabalhar e ligou e minha sogra chegou em casa com a minha cunhada, era nove meia da manhã e eu não tinha ido ao banheiro, eu não tinha lavado o rosto, desesperada com a menina chorando, e aí a minha sogra pegou ela, acalmou na hora. Porque acho que de ver o meu estado, eu já tinha ligado para o pediatra do hospital e o pediatra falou: “provavelmente é leite fraco, prepara uma mamadeira assim, assim e dá para a menina” e eu falei: “Como ele pode saber se é leite fraco, se não viu?” Aí, eu fiquei desesperada, minha cunhada falou: “Vamos falar com o Doutor Décio” que era o pediatra dos filhos dela, e que eu liguei e ele me acalmou, ele falou: “Não, Miriam, calma, pode ser leite fraco, pode ser cólica, mas nada dá para a gente ver sem examinar a criança, então, traga ela hoje a tarde”. E aí ele me tranquilizou, fiquei mais calma, chegou lá ele pesou, controlou, depois não era leite fraco, provavelmente era uma cólica, ele me acalmou e ela tinha a hora da Ave Maria, que era a hora que ela chorava com a cólica mesmo, mas foi uma coisa que mãe de primeira viagem, eu achava que eu controlava tudo e que eu ia controlar também o bebê, a hora de chorar. Então eu aprendi muito com os filhos, a gente aprende muito com os filhos, que não dá para ter controle de nada. E aí, a Bárbara nasceu e depois veio o Guilherme, e o Guilherme já não teve tanta cólica, a Bárbara quando ia comer punha a banana para fora, não comia banana de jeito nenhum, o Guilherme quando deu a banana ele engoliu a banana, o Guilherme nunca gostou de bico, nem de chupeta, nem de mamadeira, de nada, o médico mandava dar suquinho com três meses, ele não conseguia tomar, e aí, eu dava de colher, eu me enchi, “Quer saber não vou dar nada”, aí, com quatro meses ele já tomava no copo, virando assim com a mão, e foi muito mais tranquilo. Tanto é que uma das minhas especialidades, eu fui aprovada para uma especialidade nova, que era de ortopedia pelo memorial, que é onde você faz o seu relato de vida dentro da especialidade como você chegou e mostra os seus casos que você tratou, e meu filho está lá. Como é a experiência de você dentro da ortopedia bem natural, que é você desde a amamentação, da alimentação, você ter uma boca desenvolvendo normal.
P/1 – E hoje ele não tem problema nenhum?
R – Não, nada. E foi dele, porque se ele quisesse a chupeta eu teria dado.
P/1 – Tem uma coisa genética?
R – Tem a genética e tem as funções, ele sempre respirou bem pelo nariz, sempre comeu coisa dura semi fibrosa, ele sempre manteve equilíbrio muscular bom, mamou dos dois peitos, em pezinho, da forma correta, engatinhou, então, esses processos todos que levam ao amadurecimento neurofisiológico, neuromotor, neuromuscular, que ajudam a desenvolver bem a boca, e ele é um caso bem típico do que a ortopedia fez.
P/1 – Porque depois que você se formou quando foi a sua vida? Você continuou estudando? Você voltou algumas vezes para estudar?
R – Então, eu me formei e de cara eu ganhei essa bolsa para fazer uma pós-graduação na faculdade na área que eu quisesse, na dúvida eu fazia monitoria de endodontia, mas eu gostei de ortodontia, e eu acabei optando por fazer ortodontia, e por coincidência a pessoa que tinha ganhado a bolsa um ano antes que eu, como a especialidade era de dois em dois anos, ele ia prestar junto comigo e também quis ortodontia, que também era uma das mais concorridas, eu falei: “A faculdade não vai dar duas bolsas ao mesmo tempo num vaga de doze alunos, a faculdade vai ter que bancar duas?” E aí, o Doutor Vellini, que era o professor da cadeira, falou: “Não, Miriam, se tiver eles vão ter que dar, você tem que ir bem na prova, você tem que passar na prova”. E aí eu fui bem, essa outra minha amiga que tinha ganhado antes de mim, que é a Doutora Maria Teresa também foi bem, e nós fizemos a especialização juntas, as duas na OSEC. Então, eu me formei em 1983, e entrei direto para a especialidade, sem experiência nenhuma, fazia estágio no consultório do Doutor Vellini, e fazia monitoria numa outra universidade onde ele dava aula, na UNICID, na Zona Leste, e fiz a faculdade logo que eu saí, então, quando eu me casei eu já estava especialista em ortodontia.
P/1 – Depois você fez outras especializações?
R – E aí fiz outros cursos e pelo memorial eu tive essa outra especialidade minha, que era ortopedia funcional, na verdade nenhuma das minhas especializações eu paguei, uma eu ganhei na faculdade e fiz o curso e a outra foi uma especialidade que foi aprovada numa reunião da Aneel 2001, então, quando aprovou, o conselho reconheceu como especialidade quem tinha muito tempo atuando dentro da área, você tinha que comprovar a sua vida e os casos clínicos que você tinha já resolvido pelo sua técnica, que foi o que eu fiz, e contar a sua história, suas memórias. Outra coisa bem legal que é a sua memória dentro daquela área, e foi feito um memorial descritivo, e aí, eu fui aprovada nesta segunda especialidade, então foi muito interessante. E continuo estudando até hoje, porque a minha área, acho que quase todas hoje em dia, você tem que estar atualizado, você tem que estar por dentro, e é muito bom, eu adoro o que eu faço, então, estudar passa a ser uma coisa muito prazerosa, então, eu fiz ortodontia, que a minha formação básica, desde a especialidade, depois comecei fazer o segmento para a área de ortopedia, hoje a ortodontia é uma ferramenta que eu uso para chegar nos recursos que a ortopedia orienta como sendo oclusão ideal a função, a filosofia de tratamento mesmo, mas era muito bom. Então, eu sempre faço curso de aperfeiçoamento, agora mesmo tem um curso que eu faço de um ano e meio de aperfeiçoamento dentro da área de ortopedia, e faço congresso, viajo, a gente está sempre em contato com essa vida acadêmica, nunca segui a área acadêmica de dar aula, nada disso, mas sempre estudei bastante, estudei e estudo, tanto eu quanto meu marido.
P/1 – Então, aí, seus filhos cresceram, como é que se desenvolveu a sua vida?
R – Aí, eu era mãe dentista, eu lembro que a minha mãe sempre falava assim para mim: “Miriam...” quando a Bárbara… Quando eu estava grávida dela “você precisa por alguém para trabalhar para você para te ajudar, porque você é profissional liberal, você não vai ter os quatro meses de licença para gestação e você não pode parar de trabalhar totalmente, seus pacientes, você não pode abandonar”, e aí, eu contratei uma dentista que foi minha assistente durante muito tempo, a Doutora Sara, e de lá para cá eu nunca mais deixei de trabalhar com uma assistente dentista, isso me deu condições de eu trabalhar um pouco menos quando eles eram menores, de fazer os meus horários e ter alguém que me ajudava com os meus pacientes. Então, acompanhei meus filhos durante o crescimento, nas festas de escolas, no pediatra, isso eu devo muito a profissão que eu escolhi, e o fato de eu trabalhar como profissional liberal no consultório, então, eu conseguia, eu amamentei, porque eu conseguia levar minha filha para o consultório, a babá ia junto, eu atendia um paciente, dava um intervalo, amamentava, voltava para o paciente, então, assim, eu trabalhava mais escalonado, mas com condição de estar cuidando do bebê, amamentando e acompanhando. Então, eu sempre trabalhei com a Doutora Sara, que aí depois casou e mudou para o interior, entrou uma outra dentista, que era a Doutora Marina, que também ficou comigo um tempão, ainda está comigo no consultório do Jabaquara, mas não como minha assistente, depois dela entrou uma outra Mariana na minha vida, que está comigo e é minha assistente até hoje, que hoje eu estou aqui, mas tem alguém lá atendendo para mim, que são os meus braços direitos, eu falo. E consegui conciliar, então, com isso acompanhei os meus filhos durante o crescimento, nas escolinhas que eles estudaram, uma escola muito legal chamava Espaço Aberto, chama ainda, porque ainda tem, que eles fizeram o rol de amizade, a gente era amiga das mães dessas crianças, muitas delas eu mantenho contato até hoje, e ela também tem contato com essas amigas, assim como meu filho, foram passando para outras escolas, mas alguns deles foram seguindo trajetos juntos, outros se reencontraram agora que ele está no Bandeirantes também, se reencontraram agora no colégio, então, é muito legal.
P/1 – E que outras coisas aconteceram de importante na sua vida?
R – Minha filha a Bárbara, eu sempre falo sempre deu, não trabalho, mas ela sempre teve uma vida muito intensa, com movimentos muito intensos na nossa vida. Então, teve uma época da nossa vida, que a Bárbara coçava muito o olho, começou a tratar com homeopatia, eu sei que ela foi parar numa psicóloga, numa psiquiatra, acharam que ele tinha déficit de atenção e outra achava que ela tinha além de déficit de atenção, que ela tinha transtorno obsessivo compulsivo, TOC, e começaram o tratar ela com medicação. A Bárbara sempre foi uma menina extremamente inteligente e muito além do que é das amigas da idade dela, então, começou que um dia ela foi para um psiquiatra, ela deu um nó, todo psicologia, psiquiatra que ela passava dava um nó na cabeça, e aí, teve um que era o Doutor Irani, que ele falou: “não quero conhecer os pais, não quero ver o relatório dela, eu quero só estar eu com ela presente para acompanhar o desenvolvimento dela, para não me influenciar” eu falei: “tudo bem” ele fez quatro sessões e na quinta ele chamava os pais, e aí, ele me ligou: “olha! Mãe eu quero uma sessão com você e o pai e com a Bárbara junto, porque o pai eu sei que é uma pessoa muito austera, muito rígida, muito ausente na vida da Bárbara e tal” eu pensei comigo: “ela já deu um nó na cabeça desse homem”, e aí, quando ele conheceu o pai e viu que não era nada disso, que ele tinha tomado um chapéu dela, e ela contava histórias assim, então, a cabeça dele, depois nós saímos a Bárbara entrou no carro e falou: “pai o que você achou dele?”. É óbvio que ele tinha achado que ele era um idiota, que não tinha percebido o que a menina fez com ele, e ela sabia que tinha caído a máscara dela, e aí, ele se seguro e disse: “Não, eu achei uma pessoa muito legal” “é legal, todos eles são legais”, porque ela tinha sacado, a partir disso ela não quis ir mais nele.
P/1 – Quantos anos ela tinha?
R – Ela tinha na época uns doze anos, e aí, ela falou: “Mãe eu vou falar uma coisa para você” ela dizia que queria uma psicóloga mulher que entenderia melhor ela “ela quer e eu acho que é um direito que ela tem e você procura uma mulher, mas eu vou falar para você, não deixe ela tentar manipular mais, se ela não gostar da mulher você fala. Ou é ela ou o Doutor Irani, porque vocês vão rodar São Paulo e não vai ter ninguém que vai dar jeito na Bárbara”, e aí, passou não sei o que, achavam que ela era filha única mimada pelas coisas que ela fazia, eu falei: “eu tenho um filho!”. No final a Bárbara passou esse episódio, e aí, passou com essa outra psicóloga ela falava: “Mãe você está gastando o seu dinheiro à toa, eu vou lá fico brincando de casinha pintando, bordando, eu faço o que eu quero, ela não vai resolver nada essa mulher”. Eu falava: “Bárbara, eu estou falando para você” e realmente não deu certo. Aí indicaram uma outra, psiquiatra, que era filha de uma linhagem, que o pai era psiquiatra, a avó era psiquiatra, ela era uma jovem, tinha uns trinta e seis anos e trabalhava na USP, e ia falar numa linguagem dela. Conhecemos a Doutora Sandra achamos ela o máximo, uma pessoa dinâmica e tal, a Bárbara foi e adorou ela, passado um tempo, eu acho que ela fez a cabeça da mulher, a mulher começou a ficar atordoada, achando que ela tinha isso, que ela tinha aquilo, e dava medicação, tirava medicação, dava uma outra medicação mais forte, e achava que tinha isso, depois que acho que ela tem isso, eu sei que ela fez um reviravolta na cabeça da mulher, que para eu encurtar o assunto teve um dia que ela deu um remédio e tirou o remédio, aí, a Bárbara teve uma alucinação fugiu da escola e ligaram para a gente, ligaram para mim e eu estava ocupada, não falaram que era urgente, no Colégio Bandeirantes o meu consultório é encostado no colégio, eu estou na Rua Estela, e aí, ligaram para o meu marido que estava no consultório do Jabaquara, e falando que ela tinha fugido da escola, a orientadora de classe falou que ela fugiu da escola, ela não parou, o bedel não conseguiu segurar, ela atravessou no sinal vermelho e essa menina fugiu da escola, acho que ela tinha na época uns catorze anos, e meu marido saiu do Jabaquara e chegou lá antes do que eu, que eu não sabia do que tinha acontecido, só que ele já estava praticamente na escola, que ela tinha fugido, que não tinha conseguido segurar a Bárbara, aí, o bedel já tinha pego ela na rua trazido de volta para a escola, ela falou que tinha uma pessoa grande e negra perseguindo ela, acharam que era alucinação e questionaram se ela realmente não usava droga, eu falei: “Não, droga nenhuma”. Só que ela usava as drogas que eram lícitas, que a ausência, supressão dela, como a médica tinha feito, porque aí começou a dar um problema na língua… Eu falava “Está aumentando a língua dela”, e aí, a psiquiatra falava: “Isso não tem nada a ver” eu sou dentista, não é bem assim, e aí, eu conversando com o homeopata, o homeopata questionou a psiquiatra, e a psiquiatra falava assim: “Não tem nada a ver” tipo assim, homeopata não sabe de medicação. Como essa homeopata é muito estudiosa, é uma clínica geral, ela começou a estudar: “Entra no mecanismo” enfim, que fez uma conexão, e a médica falou: “Pode ser que tenha alguma coisa a ver”, e a médica me ligou e falou: “Vamos suspender a medicação” e eu que achei que realmente era boa, fomos tirando, só que ela entrou nessa crise, que até num Centro Espírita nós fomos parar, porque era tanta coisa na cabeça, que a gente não via condição dessa menina melhorar, porque muita coisa muito louca e tal, e foi nessa época que a gente foi nesse Centro Espírita, que eu liguei para essa Doutora Sandra, e ela falava assim para mim: “Mãe, você que está deixando essa menina louca, nós vamos ter que interná-la, vou ter que internar para tirar a medicação”. Quando ela falou que ia ter que internar, aí, me deu um negócio, eu liguei para o homeopata:“Eu não quero, não é possível internar minha filha, não vou deixar” meu homeopata falou: “De jeito nenhum! Você vem para cá e nós vamos conversar” e isso foi quando levaram a gente para, ao mesmo tempo, paralelamente, outro psiquiatra. E nós fomos também num Centro Espírita que era em Curitiba, porque o negócio era assim, eu não era espírita, a família do meu marido era, mas agora o que… Me mandar eu vou, alguma coisa tem que dar de solução, e eu lembro que eu fui conversar com essa homeopata e ela falava assim: “Eu vou ligar para o Foguinho” que é um psiquiatra amigo dela, e aí, esse Doutor Francisco que é um senhor, que era da Paulista, não era da USP, ela falava com ela e tal… Ela me explicou que, porque ela quer tirar a medicação e ela sabe que se tirar a medicação vai entrar em síndromes alucinatórias, como se fosse uma droga, mas uma droga lícita, então, tem que internar para tirar isso sem a família ficar angustiada de ver as crises, e o Doutor Francisco perguntava para ela: “A família vai bancar tirar a droga em casa?” E a homeopata: “Vai que eu conheço, que é amiga pessoal da gente, vai que eu conheço, a família banca”. Então, marcou… Era na véspera de um feriado, a gente foi para Curitiba antes, chegou em Curitiba a entidade espiritual mandou parar de tomar o remédio, para esse, para esse, que ela vai, está boa, que não sei o que, que o que tem é um trabalho, um trabalho de magia negra, que não sei o que, e eu senti força na pessoa, voltei fui no psiquiatra, eu falei: “Eu não sei se o senhor acredita, óbvio que não acredita, mas eu parei de dar”. “Como a senhora parou?” “A entidade mandou eu parar” “Bom, se a senhora já parou vamos ver o que acontece”. Na verdade, ele ia tirar mesmo, mas ele ia abordar para mim que ia acontecer isso e tal, eu acho que ele deve ter falado “essa família é totalmente pirada”, e ele falava assim, porque a Bárbara manipulava ele na inteligência dela, jogava um contra o outro, ele dava algumas orientações, ele falava: “Vocês não podem deixar ela manipular, quando você põe a regra, a regra é boa para vocês, para a família, não é a regra que eu vou dizer que a escola vai determinar, o que é bom na casa do amigo, então, cada família tem sua regra, então, por exemplo, tem famílias que tem que dormir oitos horas da noite, outros podem dormir às dez, outros podem dormir meia noite, outros podem dormir a hora que quiser, Baby Consuelo e Pepeu Gomes não tem regra em casa e cada um é de um jeito, não existe certo e errado, existe que faz uma harmonia familiar, vocês viverem bem, o que não pode é ter isso, você dá uma ordem, ele tira da ordem, fica essa confusão, porque ela está manipulando vocês, então, vamos fazer isso, isso”. Porque tudo culminou num dia que ela chegou em casa e um menino ligou para ela dez horas noite, meu marido falou: “Você não vai atender, porque não é hora para um menino ligar numa casa de família”. Meu marido foi dormir quando chegou onze e meia ela falou: “Mãe eu quero ligar para o fulano” “Bom! Se seu pai falou que você não podia ligar, porque não é hora do menino ligar na casa de família, como é que você vai ligar para esse menino às onze e meia? Piorou Bárbara, não pode, não pode”. Ela foi lá e acordou o pai ele falou: “Se você está tão angustiada, filha, liga e fala só três minutos com ele”. Aquilo eu quis matar, porque ele falou eu fui a chata, eu disse que não podia e ele tirou a autoridade, a ordem, aquilo me deixou doida, eu cheguei para o Doutor Francisco e falei: “Doutor Francisco, por exemplo” e contei o episódio, ele falou: “Miriam você pode explicar a lógica, porque você já tinha dado a ordem que não podia, porque ela pode ligar onze e meia? Então, não tivesse dado, deixasse ela falar às dez horas”. “Não o senhor tem que entender ela estava angustiada, meus pacientes me ligam de madrugada” “lógico os seu pacientes com dor de dente” “Os meus ligam que estão angustiados, porque eu sou psiquiatra, se fosse uma dor do coração não ia ligar nem para mim, nem para o senhor, ia ligar para o cardiologista”. Então ele viu que o meu marido não ia aceitar muito o que ele falou e já mudou de assunto, e meu marido teve que sair e ele falou: “Olha! A vida é um jogo e a gente tem que dançar de acordo com o jogo, você está dando plateia para esse teatro e só existe teatro quando tem platéia, se não tem plateia, não tem teatro”. Então ele foi falando pequenas coisas que você começa a associar e que deu, no final, certo. Resumindo a história, a Bárbara deixou de ir nessa psiquiatra, que tinha sido aluna dele, ele foi da banca de doutorado dela, ele não se conformava, o que é que ela fez, que ela enganou a mulher daquele jeito, e uma pessoa que ele sabia que profissionalmente era muito boa, como é que ela tinha… Eu falo que eu não sei, eu acredito muito na parte espiritual também, ou mesmo como ele conduziu… Eu só sei que a vida nossa mudou depois que nós fomos nesse Centro Espírita, que a Bárbara mudou, e que esse Doutor Francisco entrou na vida dela, porque ele agiu diferente.
P/1 – E vocês frequentam até hoje?
R – Frequentamos até hoje, não com a assiduidade que a gente até gostaria, mas de vez em quando a gente vai para Curitiba e é muito bom. Esse Doutor Francisco ele falava assim para a Bárbara, foi o único que conseguiu que ela não dobrou, porque ele falava assim para ela: “O que você quiser você pode” e ela fazia para contestar, falava coisas absurdas, “Bárbara nada é impossível e não se pode, tudo a gente tem que avaliar, prós e contras, os benefícios e o que a gente vai ter que pagar por aquilo, então, você pode tudo, por exemplo, você quer assaltar um banco? Pode, quem disse que não pode, você tem o livre arbítrio, agora tem que pensar, você pode levar um tiro, você pode ficar paralítica, você pode ser presa, ficar na cadeia, você pode se dar bem, pegar o dinheiro e viver num paraíso fiscal, tudo são escolhas e tem um preço para pagar. Eu, Francisco, jamais me arriscaria para poder pagar esses riscos todos para assaltar um banco, você pode tudo”. E ela falava para ele: “que é que o senhor acha? Eu faço isso ou aquilo?”, e ele: “você vê os prós e contras e faz você a sua escolha” depois de mudar para esse diálogo com ela, ela mudou completamente, e aí, ela foi fazer um intercâmbio fora, ela amadureceu muito.
P/1 – Hoje ela tem quantos anos?
R – Dezenove anos de idade.
P/1 – E ela está fazendo faculdade?
R – Está fazendo faculdade.
P/1 – O que é que ela estuda?
R – Ela estuda administração e quis ficar numa faculdade cujo o enfoque é na área de financeira, para trabalhar com mercado de investimento, que eu acho que jamais ela fosse ter perfil para isso, na verdade ela estudou dois meses para entrar nessa faculdade. Ela quando quer ela é determinada e ela consegue.
P/1 – Miriam e quando que você ficou doente?
R – Não foi eu que fiquei doente, foi a minha mãe, adoeceu.
P/1 – Desculpa.
R – Foi a minha mãe que adoeceu, porque minha história de vida é assim, meu pai sempre era o doente da família, que requeria cuidados.
P/1 – Que vocês tinham maior cuidado, porque a qualquer hora podia acontecer alguma coisa.
R – E realmente quando o meu pai teve esse mal estar, que ele passou mal, a minha irmã estava viajando na Europa, ela ia ficar três meses na Europa e ela só viajou quando ela foi com o dinheiro dela, ela dava aula no Colégio Objetivo e o colégio deu para ela uma licença de três meses, como ela era jovem essa viagem para eles era muito enriquecedora, então ela poderia ir e voltar para lá, e ela nunca viajava com medo de acontecer alguma coisa com o meu pai. Se a gente for viver assim ninguém faz mais nada, e aí, era véspera de um feriado e meu pai falou: “não viaja” a gente ia para o Rio na casa desses parentes do meu marido, e minha mãe falou: “imagina ele está ótimo, pode ir”. E aí, acabamos viajando, no dia seguinte eu liguei minha mãe falou: “Nós fomos ver a fábrica”, que era onde meu pai tinha tecelagem, que ele alugava “foi ver ele está bem, está ótimo” no outro dia que era na quarta feira, já ligaram, eu tinha ido no supermercado com a minha prima, eles tinha uma casa em Itacuruçá e a gente ia sair de lá de barco e quando eu voltei tinham dito que era para eu voltar para São Paulo que meu pai tinha passado mal e estava no hospital e que era sério, quando eu cheguei tinha tido, realmente rompeu o aneurisma, só que dele não rompeu totalmente, ele foi esgarçando. Então, nós chegamos lá na quarta, meu pai faleceu num sábado, e minha irmã tinha ligado para ele no domingo, ligava todo domingo, quando ela ligou novamente ele já tinha falecido e já tinha sido enterrado, então, naquela época não tinha internet, não tinha celular, não tinha como localizá-la viajando outro lado do mundo, ela ficava em albergue, ela já tinha mudado de um para o outro e a gente não tinha contato, então, para ela foi muito difícil, porque ela soube da morte do meu pai ele já tinha sido enterrado.
P/1 – E ainda teve que fazer a viagem de volta.
R – Ela não voltou, porque a gente conversou muito com ela. Eu já era casada, mas fui ficar na casa da minha mãe até ela voltar, e falava para ela: “agora não adianta, vai vir e já foi enterrado, vai vir para a missa de sétimo dia? Então, fica”, mas ela conta uma história que foi muito difícil, porque ela recebeu a notícia lá e para ela foi muito complicado, mas ela não presenciou essa passagem, eu por outro lado, como não foi repentino vimos ele bem, e o meu pai, assim, no dia que ele faleceu foi num sábado seis e pouco da tarde, a visita na UTI era seis, eu dei bife acebolado para ele na boca, dei gelatina, estava com a minha mãe… Aí eu saí e entrou outro tio, ele estava numa semi intensiva, conversou com ele, meu tio saiu, entrou meu marido, meu marido saiu e minha mãe ficava direto com ele, entrou minha tia, e quando minha tia saiu falou: “Jorge” que era esse meu tio, “entra que o Naim não está bem” e foi realmente durante a visita do lado da minha mãe, junto com meu tio que ele faleceu, assim, acho que rompeu e ele morreu naquele momento, mas ele morreu, mas deu tempo de conversar, falar com a minha mãe, com a gente, não foi um aneurisma que rompeu e acabou. Então, isso foi em 1989, e era ele que era essa pessoa que sempre exigia mais cuidado, mais preocupação, a minha mãe ficou viúva com cinquenta e quatro anos, ela era bem mais nova que o meu pai, mas nunca mais quis casar, ainda tinha um vizinho nosso do prédio do décimo segundo andar, descia, esses dias eu fiquei com a minha mãe na casa dela, fiquei uns meses, ele descia com romã, levava para ela, fez todo, cercava minha mãe, mas ela falava que o amor da vida dela tinha sido o meu pai, que ela não queria saber de homem. Ela tinha um grupo de amigas muito grande e ela sempre viajava com as amigas, iam para teatro, para shows musicais, assistiam um monte de coisa e ela tinha uma vida culturalmente... E frequentava o clube, sempre muito bem. E aí, meus filhos nasceram e ela dedicou boa parte da vida dela para esses netos, ajudava a levar eles para o balé, para o inglês, pegava na escola, sempre acompanhou bastante eles de perto, a medida que eles cresceram passa a exigir menos da presença da avó, mas ela sempre viajava com as amigas. Até que teve uma viagem, foi no ano de 2008, que duas tias minhas tiveram tumor, uma teve um tumor muito sério na perna e grave, que a gente achou que não ia resistir, fez uma cirurgia enorme, ficou mal, isso mexeu muito com a minha mãe, em seguida uma outra irmã dela que é caçula teve um tumor de útero, também mexeu demais com ela, e minha avó, que era a matriarca, que tinha 1990, 1991 na época e tinha artrose, tinha muita dor, mas sempre muito lúcida, viajava, independente.
P/1 – Morava com a sua mãe?
R – Não, morava com essa tia mais nova, que sempre requeria um pouco mais de cuidados e tal, e minha avó sempre cuidando dessa filha mais nova, ela que cuidava, e foi aí que teve uma tia e outra, aí, minha mãe foi fazer uma viagem, que ela foi com as amigas para Praga, para Rússia e tal. Quando ela voltou dessa viagem, ela ficou meio que angustiada de largar as irmãs que estavam em tratamentos oncológicos, quando ela voltou uma das amigas chamou a gente e falou: “É melhor dar uma olhada da sua mãe, ela está muito esquecida, ela não está comendo, ela emagreceu muito”. E aí, a gente começou a achar que ela podia estar com um pouco de Alzheimer, foi aí que a gente começou a levar, foi para neurologista fez os exames não deu nada, ela às vezes comia, às vezes não comia, parecia que era anoréxica: “Isso engorda, eu não quero isso”. Teve uma época que ela teve uma pré-diabete, a médica deu um regime rígido e ela seguia esse regime e tomava um chá para emagrecer, a minha mãe sempre foi vaidosa, preocupada com a saúde, mas até então não tinha diagnosticado nada, até que ela continuou perdendo peso, não engordava e a médica falou: “Vamos pedir mais exames”. O médico do Alzheimer, o medo é que ela tivesse Alzheimer, que as amigas achavam que ela podia estar com Alzheimer, porque ela não queria… Até o homeopata falava: “Para sua a mãe o que é importante para ela, para muita mulher é beleza física, para ela é a parte cultural, então, para ela perder a mente dela para ela vai ser uma coisa horrível”. Então, o medo dela é que tivesse o tal do Alzheimer, e como o neurologista não fechou o diagnóstico e falou que em seis meses ia reavaliar para ver como é que ela evoluiu, às vezes é esquecimento, às vezes um pouco de depressão, que são sintomas que mascaram. E aí, em maio ela começou a fazer outros exames, porque perdia peso e descobriram uma mancha no baço, dessa mancha no baço foi feita uma tomografia, que descobriram mais manchas na região do pescoço e tal, e aí, foi que a médica me ligou, era véspera de um feriado, em junho, aí, internamos ela num hospital, meu tio tinha um hospital em São Bernardo, Hospital Assunção, ela foi internada lá. Ainda meu tio na hora quando soube ela era a irmã querida dele, ficou desnorteado, ele falou: “Se quiser eu já falei com hematologista ele pode examinar, você traz ela aqui”, eu estava no consultório eu falei: “Não tio, fica tranquilo que eu dou um jeito de levar”. Só que eu achei que era para levar na casa dele, que era ali no Paraíso perto do meu consultório, não era para levar para São Bernardo, e nisso ele falou: “Traz uma muda de roupa”. “Mas precisa de muda de roupa para examinar na sua casa?” “Não, você vem para o hospital se precisar ela vai ficar internada” e foi o que aconteceu, ela foi na quarta feira e ficou internada o feriado inteiro e revirando, pesquisando, fazendo exame e não saia diagnóstico, até que fizeram uma biópsia de um gânglio, que deu como inconclusivo, e todas as característica de que era um linfoma, mas sem mais características clínicas, que o exame de sangue dela era normal, não tinha gânglio infartados, não tinha baço aumentado, não tinha manchas arroxeadas no corpo, não tinha sudorese, todos os sintomas tipos de quem tem linfoma ela não tinha, e aí, não fechou o diagnóstico. Eu acabei viajando, porque minha filha estava na Austrália, achando que podia não ser nada, não sabia o que era, quando voltamos ela fez um mês da cirurgia, que ela poderia estar fazendo, e aí que deu que era um linfoma. E aí a outra lâmina foi levada para outro médico AC Camargo, fez o mesmo diagnóstico, que era um linfoma por células linfoma de baixa agressividade, mais lento, ele vai devagar. Então, ele não responde bem à quimioterapia, e aí que foi um sufoco, porque para ela receber o diagnóstico de que ela estava com linfoma foi difícil, embora num primeiro momento ela ligava para as amigas e falava: “Vocês estão vendo? Eu estou com linfoma, não estou com Alzheimer”. Na cabeça dela era melhor ter um linfoma do que ter um Alzheimer, então, as amigas estavam achando que ela estava louca por causa disso, ela não estava, ela estava com linfoma, e não com Alzheimer. Só que ele estava num estágio muito avançado e tentou-se fazer a quimioterapia e a resposta foi muito pequena, e aí, é um calvário que a gente passa, a partir do momento, minha mãe nunca tinha tido nada, minha mãe nunca tinha ido para hospital, a não ser para ter os filhos e para acompanhar o meu pai na doença, o resto… Ela faleceu com setenta e quatro anos, então, setenta e três anos ela nunca tinha ido para nada, fazer exame, nada e até brincava: “Quem procura acha, que história é essa de ficar correndo atrás?” e realmente quando ela foi fazer o exame que apareceu, que acusou isso.
P/1 – Então, Miriam você estava falando que no caso da sua mãe a quimioterapia talvez não tivesse eficiência, vocês tentaram outros tratamentos alternativos?
R – Na verdade, assim, ela estava internada e esse médico que acompanhou ela, o Doutor Paulo Bortolotti, que é uma pessoa muito especial, até na época ele queria encaminhá-la para outros médicos mais graduados, alguém mais especialista, especificamente em linfoma por células T, mas a gente resolveu que não, minha mãe queria ser tratada nesse hospital, que era do meu tio e com esse hematologista, foi uma pessoa que foi muito dedicado a ela. Ele foi que me falou: “existe uma chance fazer ou não a quimioterapia, é um impasse, você não fazer dá uma impressão que você, é uma escolha que você faz, só que você tem que ser firme, porque na hora que a doença avançar você não pode falar poxa, e se eu tivesse tentado”. E nós resolvemos que ela devia fazer, e ela também quis fazer. Então ela começou as sessões de quimioterapia, chegou uma hora que baixaram muito os glóbulos vermelhos dela, teve que interrompeu um pouco, foram tomadas aquelas injeções para aumentar a produção dos glóbulos vermelhos, ele mandou dar uma pausa, isso ela tomou umas, foi agosto, setembro, outubro e novembro, dezembro, tomou cinco sessões… Eram oito ela teve que parar, fez um trégua para estar recomeçando em fevereiro, e a gente achava que ela não ia chegar a ver minha filha voltar, porque a minha filha estava estudando fora na Nova Zelândia… Mas graças a Deus, a Bárbara voltou, tirei ela do hospital, porque era um entra e sai do hospital para fazer a quimioterapia, e passa mal e fica internada e tal, e tirei ela do hospital e foi quando ela ficou seis meses, que ela ficou bem, eu não digo que é bem, mas melhorou, ficou melhor, mais animada. E foi nessa época que o Doutor Paulo pediu um acompanhamento junto com psiquiatra e com acupuntura, que são tratamentos alternativos para ajudar a dar suporte nisso, e aí, ele encaminhou a gente para ABRALE, que era Associação Brasileira de Linfomas, que fomos muito bem atendidas, uma associação maravilhosa, que a gente só tem a agradecer eles tem um apoio psicológico junto, então, eu e a minha irmã fizemos terapia gratuita, dentro da ABRALE, e assistíamos as palestras e todas as orientações, que tinham para pacientes com tumores de sangue, seja ele linfoma, leucemia...
P/1 – Eles atendem os pacientes e as famílias?
R – E a família também, agora a minha mãe, como estava muito debilitada e era uma coisa mais complexa, porque a minha mãe quando fez o diagnóstico mesmo, ela começou o tratamento estava indo bem… E ela fraturou o fêmur, porque foram feitos os exames e na parte óssea dela estava tudo já tomado, e quando foi feito uma pulsão para ver o grau de estadiamento ósseo estava avançadíssimo, eu estava até num congresso na Praia do Forte, quando saiu esse diagnóstico, minha sogra que estava junto falou: “A cara que seu tio fez naquele dia, sua mãe morreu para ele, porque ele ficou arrasado”. E aí, onde ela fez estadiamento ósseo deu que tinha um grau de comprometimento ósseo muito grande, meu tio sempre foi bem claro comigo e com a minha irmã, ele falou: “Olha, a doença está assim, assim, as chances são mínimas, daí pode ficar pior, ela pode ficar paralítica, tetraplégica, graças a Deus, porque se ela estiver na quarta vértebra ela vai ficar daqui para lá imobilizada ou ter uma morte instantânea”. Então ele já pôs o quadro bem negro do jeito que era. E um dia ela estava no quarto, com a moça que morava com ela, empregada, porque ela não quis ficar na minha casa de jeito nenhum, não quis sair do espaço dela, que logo que foi feito o diagnóstico ela ficou em casa, porque a empregada dela tirou férias, e ela não quis, a minha filha ainda estava morando fora, tinha um quarto todo para ela, mas ela queria ficar no espaço dela e as amigas delas falaram: “Não tira ela da casa dela, deixa ela lá, ela quer ficar no canto dela”. E graças a Deus, ficou lá até morrer mesmo, e aí, quando fez esse estadiamento ósseo, o grau era muito acentuado, e aí, um dia me ligaram, ela tinha, andando no quarto, ela sentiu a perna quebrar e caiu, não é caiu e quebrou, ela realmente quebrou.
P/1 – Como se fosse osteoporose?
R – Exatamente, do mesmo jeito, ela falou: “Aquele osso de galinha que faz cleque”, e ela desmontou, a empregada conseguiu por ela na cama e ajeitar um posição que a perna doesse menos e aí eu cheguei lá liguei para o meu tio, meu tio já mandou uma ambulância para levar, meu tio é ortopedista, para levar ela para o hospital. Ele falou: “Vocês querem?” “Vamos para ir claro, ainda mais que fratura”, aí, meu primo que é o filho desse meu tio que operou, pôs a prótese, fez a cirurgia nela, para voltar para o lugar e fez a redução. E foi muito sofrido, porque é uma dor horrível de fratura de perna, ficou imobilizada, foi quando a gente precisou contratar as cuidadoras, porque ela tinha que ter alguém para acompanhá-la, e foi quando meu tio queria que andasse, por ele ela nem pisava mais no chão, porque o grau ósseo dela era tão grande que ela podia quebrar em qualquer lugar, esse meu primo falou: “Pai, não pode por ela numa redoma, ela tem que movimentar, se ela ficar na cama vai ter uma pneumonia e vai morrer do mesmo jeito, a vida continua, ela vai ter que andar e se tiver que acontecer vai acontecer, ela não pode ficar agora tratada numa bolha”. E ela, graças a Deus, conseguiu andar, voltou a andar, e nem a fisioterapia podia fazer direito, porque ela tinha o tumor, mas ela voltou a andar, saiu de cadeiras de rodas, andou com o andador, depois andou com a bengala, depois andava normal, mas ela superou bem a fratura em si, e não era nada perto do tumor, aquilo era água com açúcar, e ela falava para a gente: “Isso é a doença” e a gente falava: “Não mãe a quimioterapia deixa como se fosse uma osteoporose, fica mais fraca” ela falava: “Isso é a doença que está avançando”. Então, ela tinha essa noção, só que ela não falava muito com a gente, e aí, quando ela teve esse problema da fratura ela pirou e começou a ter alucinações: ela achava que tinha gente em casa, que ela não tinha mais dinheiro, que aquele apartamento não era mais dela, que ela não podia mais ficar lá, e começou realmente a alucinar, começou a falar que o meu marido tinha uma amante, que queria todo o nosso dinheiro, o dinheiro dela, e que ela sabia que ele tinha uma amante e ela começou a falar isso para minha irmã, e a minha irmã deu umas duras mesmo: “Você não fala isso nem brincando”. Teve um dia que estávamos em casa, eu, minha sogra, meu filho, a minha mãe e meu marido e ela falou: “Olha Junior, eu gosto muito de você, tudo bem, você quer ter as mulheres que você quer ter, tudo bem, mas não tira o nosso dinheiro, isso não é certo”, aí, meu marido ficou muito bravo: “sua mãe deve ter sempre pensado que eu era um oportunista, um aproveitador”.
P/1 – Aí, a família toda entrou no meio?
R – Aí, envolve, até minha sogra falou: “Chafica, por que você fala isso dele? Por que você não fala do Titio?”, que é o marido da minha irmã, “Não minha filha, aquele lá não tem, mas o Junior...” Ai ela começou a alucinar de um jeito que eu achava, “Ele está apaixonado por aquela mulher de pernas maravilhosas”, “Mãe quem é?” “Aquela, Hebe Camargo, você não reparou como ele está olhando para ela?”
P/1 – Aí, vocês perceberam que ela estava num processo de...
R – Aí, o meu tio achava que já tinha o tumor tomado o cérebro, aí, médico falou, Doutor Paulo isso é normal? “Nunca vi um caso assim, mas vamos fazer a coleta do líquor ” e examinar, colher o líquor para ver se não tinha tumor, o líquido encefálico, não tinha, mesmo assim na segunda vez que continuava com essas alucinações: “Vamos dar uma químio intratecal, fizeram uma quimioterapia intratecal para ver se não era o tumor no cérebro, meu tio pesquisava, meu primo, “podem ser as toxinas do tumor que deixam a pessoa meio fora de si”, achava que era tudo ligado a doença. Foi aí que a ABRALE me indicou um Doutor Vicente de Araújo, que era um psiquiatra, que examinou, fez uma consulta com a minha mãe, conversou muito com ela, ele falou: “Sua mãe está ensimesmada, típico de quem passou por um processo desse” e encaminhou ela para o consultório dele, que é nessa região: “Difícil de vocês virem para cá, eu vou encaminhar para a Doutora Regina Liberato, que é uma psicóloga oncologista, que acho que ela vai precisar desse acompanhamento” e medicou ela com remédio de psiquiatria para alucinação, porque ela não conseguia dormir, ela achava que iam tomar o dinheiro dela, que meu marido estava pegando dinheiro, tinha gente na casa, virou um quadro psiquiátrico mesmo. Foi aí que a gente conheceu a Doutora Regina e a Doutora Regina discutia com ele, com o médico, ela era a única que afirmava sempre que o que ela teve foi um choque de descobrir que ela estava com essa doença e que de repente que a vida dela ia acabar e que ela não sabia como é que ia ser o fim, porque o problema não é só estar doente, é como é que eu vou fazer essa passagem, “as minha amigas que tiveram tumor sofreram muito para morrer”, uma teve dor, tumor ósseo, berrava de dor, grudava no espaldar e mordendo uma toalha, e ela acompanhou isso de perto, a outra que era uma super amiga dela, foi sedada para poder fazer a passagem. Então, para a gente ela não falava, mas para a Doutora Regina ela falava que o medo dela não era morrer, era o quanto ela ia sofrer para morrer, para fazer essa passagem, e a gente falava: “mas, Doutora Regina...” ela falava: “não é Miriam...” e ela era a única que conseguia conversar com ela, porque conversava metaforicamente, então, ela falava: “Eu estou com medo” “Você não tem porque você já perdeu a sua vida” “Você é a única que me entende, ainda bem que você me entende”. A minha mãe sempre foi avessa a fazer terapia, falava que isso era coisa de louco, meu tio também que é médico, imagina… Aí ela foi na Doutora Regina meio à contragosto, mas como ela soube que a Doutora Regina também já tinha tido tumor de mama, já tinha passado por esse processo, tinha ficado careca, tinha usado peruca, ela se identificou muito, então, ela conseguiu fazer esse link com a psicóloga e conseguiu interagir bem com ela, então foi muito bom… Porque eu falo que se essa doença tem uma coisa que permite é fazer uma série de resgates. Então foi muito bom a forma como ela ajudou a conduzir a minha mãe e um monte de coisa que a gente conseguiu resgatar, principalmente, a minha irmã que tinha algumas dificuldades com a minha mãe e que foram feitas em vida ainda, então, é uma chance, a única coisa que permite do que quando alguém vai de repente é você poder limpar essas coisas, e isso foi muito bem conduzido pela Doutora Regina. Aí nós fizemos as terapias, e ela ensinava a minha mãe, porque a minha mãe enterrava antes de morrer, e a gente ficava naquela angústia, porque realmente são sabe o que ia acontecer e ela falava: “Temos que viver o dia de hoje, amanhã é um outro dia, a gente não sabe como vai ser, se eu não vou estar aqui, se a sua filha, sua neta”. Ela falou: “Pelo amor de Deus!” Eu falei: “É uma verdade, quantas pessoas que já não foram e que a gente achou que você iria antes? Quantas pessoas que você já ouviu da mídia mesmo, da imprensa, tal e tal, a gente tem que viver o dia de hoje, amanhã ninguém sabe que vai ser para mim”. Então, a gente viver intensamente hoje. Então, assim, a trabalhar, vamos preparar o natal, e era um evento que ela sempre fez na casa dela, começava a fazer… Vamos cozinhar juntos, então, vamos fazer um prato, vamos fazer isso, resgatar histórias da vida dela que ela tinha passado para minha filha, para todo mundo, e trabalhar com as coisas que estava deixando, isso foi uma passagem que eu falo que quem puder ter a oportunidade de passar por esse processo é dolorido para quem está lá, mas é muito enriquecedor na medida que acontece, então, eu lembro que já na fase que ela começou a piorar ela falava para Doutora Regina que tinha medo de sofrer.
P/1 – Até o fim ela fez a terapia?
R – Até o final, e a Doutora Regina falou para ela: “Eu prometo para você que eu não vou deixar você sofrer, eu faço o que for preciso, eu converso com o médico, eu mando interagir no momento certo, mas eu não vou deixar você sofrer”. Então, ela falava que ela pedia duas coisas, isso e para eu e minha irmã seguir no caminho do bem, “Isso é mais difícil Dona Chafica, porque elas são grandes, bem criadas, são bem educadas, mas se a senhora sofrer eu garanto que eu vou estar lá eu faço o que precisar para que isso não aconteça”. E ela fez todo esse caminho, ela ia toda semana, ela conversava, e aí a Doutora Regina ligava: “Agora eu quero sessão com as três juntas, que é para fazer as passagens e limpeza”. Então, a minha mãe tinha dificuldade de demonstrar carinho, de beijar, de abraçar, e minha irmã sofria muito com isso, porque ela achava… Eu já era diferente, eu sou mais seca nesse sentido, então, para mim eu acho que tem outras formas de demostrar o amor, mas ela queria alguém meloso, que beijava, então, para minha mãe à medida que ela foi vendo que estava doente, aí, que ela se afastou mais da gente, tipo assim, eu não quero que ela sofra, então, eu me mantendo mais seca e fria eu mantenho elas afastadas, e era uma luta para a Doutora Regina conseguir que ela desse um abraço na minha irmã e a Márcia querendo um abraço, era uma luta… E ela falava: “Na sua ausência ela chora, ela fala”, “Mas para mim ela não fala”, “É porque ela não está tendo, às vezes, a condição de passar isso, porque para ela, ela acha que você vai sofrer” e a Márcia falava: “Mãe, eu quero” no final ela conseguiu beijar, abraçar e demonstrar, e para a minha irmã isso foi muito importante, que era uma coisa que não estava bem resolvida na vida dela e melhorou com essa terapia de passagem como elas chamam. E aí minha mãe fez o acompanhamento com ela, aí, ela começou a ter um pouco de insuficiência respiratória, foi quando ela foi internada mais uma vez, e aí descobriu que o tumor tinha aumentado muito e talvez tivesse que ir para a radioterapia. Meu tio era contra, o médico achou que tinha que ouvir a opinião do radioterapeuta, porque se não ela ia entrar na insuficiência respiratória, ela saiu do hospital na quinta e para sair, no dia de sair, a temperatura dela aumentou… Eu falei: “Ah! Meu Deus, esse médico não vai…” Ela já tinha dado alta, a enfermeira chamando de volta, ele falou: “Não, eu prometi que ela ia sair, ela vai para casa dela, nem que seja para voltar daqui três dias”.
P/1 – Por que você queria que ela fosse para casa?
R – Queria que fosse para casa, porque é mais confortável, e ela estava um pouco melhor, aí, ela foi para casa no dia seguinte, eu levei ela na sexta feira no Hospital Santa Catarina, porque tudo isso era no hospital em São Bernardo, a nossa vida ficava mais complicada e ela queria estar lá, porque era hospital do meu tio, e bem nessa semana ela soube que o meu tio tinha vendido o hospital, então ela não queria mais, até então ela queria ficar lá. Aí, ela não queria mais, nós levamos no radioterapeuta e ele achou que valia a pena fazer umas sessões de radioterapia para diminuir o volume do tumor, aí a gente tinha decidido que essa semana seriam feitos os preparatórios para estar iniciando. E aí na sexta feira a gente almoçou com ela e eu e minha filha saímos um pouco mais cedo, porque ela foi ver a carteira de motorista, que ela estava tirando, fazer o exame teórico. E aí, no dia seguinte de manhã, porque todo final de semana depois que ela adoeceu ou eu ou a minha irmã dormíamos lá com a cuidadora, mesmo quando ela já estava melhor a gente sempre ia para lá, e aí, era o momento da gente estar juntos, sem marido, sem filhos, curtir mesmo a minha mãe, esse final de semana era o meu final de semana, como eu tinha uma festa à noite, eu fui correr de manhã, fazer ginástica, e liguei para ela e falei: “Mãe eu vou ao cabeleireiro, eu vou no almoço, fico a tarde com você, porque a noite eu tenho uma festa, mas eu durmo aí”. E era isso, falei com ela, estava bem, estava ótima, e contando que a minha sogra ia lá para bater papo, conversar com ela, e eu fiquei até mais tranquila, porque tinha mais alguém com ela. E aí, saí do cabeleireiro, quando eu saí me ligaram que era para eu ir para a casa da minha mãe, porque ela estava vomitando sangue, nisso eu já fiquei desesperada, liguei para o meu marido, e meu marido nunca chegava ou recebia notícia. Ele estava mais próximo era no outro clube, ele falou: “Eu estou mais perto eu estou indo para lá com meu filho” e quando ele chegou na casa ele já viu com a cara do zelador eles estavam esperando com a porta aberta e ele falou: “Melhor o Guilherme nem subir, fique no carro”. Quando ele chegou já estava morta, na hora que eu cheguei… A gente acha que já tinha vomitado sangue, conversou com a minha sogra até mais ou menos uma hora, e aí, ela foi com a cuidadora ia descer para levar a minha sogra lá embaixo ela falou: “Acho que eu vou cansar” a cuidadora falou: “A senhora vai cansar e não conseguir almoçar direto, não precisa a Dona Iracema vai”. Ela almoçou pediu uma fruta e comeu, escovou, porque ela escova o dente, fazia bochecho com os colutórios por causa da quimioterapia e ela falou: “Vou dar uma descansadinha” no que a cuidadora pôs ela deitada, foi para pegar o telefone, ela tossiu e quando chegou lá ela estava vomitando sangue, então, a morte foi instantânea.
P/1 – Então, aconteceu o que ela queria?
R – Aconteceu o que ela queria, e quando o médico pneumologista falou que o tumor estava muito grande, eu nunca pensei que eu iria pedir isso, mas se é para minha mãe ficar num balão de oxigênio sem respirar, Deus podia ter piedade e dar um infarto fulminante, que pelo menos ela apagava. A minha médica, que é homeopata, falou: “Olha, Deus foi melhor, porque ao invés de dar um infarto que dá dor, ela teve uma falência total, que é vomitar o sangue, explodiu, aí, acaba e a pessoa nem sente o que aconteceu”. Então morreu na cama dela, no quarto dela, na casa dela, conversando com as pessoas, sem estar dependente de alguém para tudo. Mas a terapia foi uma coisa muito boa, tanto para mim quanto para minha irmã, para as pessoas que acompanharam e eu tenho certeza que para ela também, de dar esse conforto, até que quando ela fez aniversário em junho, que a gente fez uma festa para ela e tal, meu tio estava lá e ele falou: “eu nunca imaginei, mas eu tenho que, realmente, tirar o chapéu para o psicólogo, porque o que ela tinha era mais psicológico que a doença em si”. Porque senão ela não teria recuperado, se não fosse do tumor, ela não teria melhorado.
P/1 – Sem nenhum tratamento específico.
R – Sem tratamento específico, isso mesmo.
P/1 – Miriam, quais são seus sonhos hoje?
R – Meus sonhos hoje?
P/1 – É.
R – Engraçado, que com isso que a minha mãe passou, porque ela faleceu, e aí, ficou uma tarefa difícil, que é você ter que desmontar as coisas dela, então, assim, que a fase final do luto, ela faleceu em outubro, dia doze de outubro, e o apartamento ficou, e eu e minha irmã tínhamos que desmanchar, cada hora uma não tinha tempo, “não posso”, na verdade você não quer mexer nas coisas… Até que a gente conseguiu vender o apartamento com ele ainda montado e a pessoa que comprou falou: “Vocês tem um mês para tirar, senão a multa é de mil reais por dia”. Então, aquela coisa, agora tem que fazer, foi bem em julho, que minha irmã como é professora tinha férias em julho, e eu tirei quinze dias para desmontar o apartamento da minha mãe, foi uma tarefa muito difícil, porque você mexe, revê a sua vida em etapas. Então, desde as coisas que a gente tira, muita coisa de fotografia, de carta, que você rememora as passagens, época de faculdade, festa de quinze, época que aconteceu isso, que aconteceu aquilo.
P/1 – Você achou até a sua canetinha.
R – Achei minha canetinha, achei tantas outras coisas, e até agora tem o grupo de odontologia, uma comunidade do facebook, que é da turma de odontosesc, que eu falei: tem tantas coisas que a gente colocou numas caixas fechadas levamos para uma sala, que é depósito, que é uma sala num prédio que a gente trabalha no Jabaquara até a gente mudar de casa para poder arrumar as coisas, então, tem muita coisa que está embalada que eu preciso escanear e colocar, porque é muito coisa de memória, coisas boas que a gente lembra, outras que, para a gente não sofrer, fechou, pôs na caixa numa segunda etapa… Vamos ver, porque eu morei lá nove anos, minha irmã morou mais tempo, então, tem as histórias de vidas nossas, não era só a vida com a minha mãe e com o meu pai, então, foi muito difícil, mas acho que a hora que a gente entregou a chave foi também um alívio, sabe? Como se “agora foi”, entendeu? Não fica aquela coisa presa, aquela energia, que não movimenta, aquela coisa meio parada. Agora um dos meus sonhos, que você estava perguntando, assim, a gente quer comprar, eu quero mudar de casa, minha irmã também quer, então, uma das coisas é comprar um outro apartamento, numa outra região que mudar um pouco para o lado onde eu fico mais próximo do clube, também do consultório, esse é um dos sonhos, mas acho que o sonho maior é ser feliz, eu acho que a busca que hoje a gente tem… E a gente sabe que para ser feliz não é nada só material, material é uma coisa que nem sempre compra a felicidade. Então, essa busca da sua paz interior, essa passagem que a gente fez com a minha mãe, de acompanhar a doença dela, de estar com ela, foi maravilhosa. E e a Doutora Regina falava: “deixa de sair mesmo, deixa de ir com o marido, deixa os seus filhos, esteja para a sua mãe integralmente, porque tem data e hora marcada, já está explicado o que vai acontecer, então, aproveite o máximo que você puder e usufrua da melhor maneira que você puder”. Isso foi muito bom, porque a hora que ela… Foi como se a gente tivesse feito tudo que estava ao nosso alcance, que era possível e não possível, a gente teve junto dela, ao lado dela, acompanhando com ela. Minha avó acabou falecendo antes dela, quando descobriu que a minha mãe estava doente, foram três filhas, uma atrás da outra, muito difícil, e minha avó super lúcida, então, a minha avó presenciava a minha mãe tendo essa síndrome, conversava com a gente e falava: “O que é que você acha dela?” Eu falava: “Vó, com a senhora eu tenho diálogo, com a minha mãe eu não conseguia mais conversar”, porque não saía mais. Então, assim, era falar da dor, da doença, está preocupada, mas ela já tinha se enterrado e já estava esperando a morte, então era muito difícil, e quando a minha avó acho que sentiu que ela não teria chance de recuperar ela deu um jeito de morrer, ela ficou doente, ficou mal, se automedicou, não quis ir para o hospital e quando foi já não tinha mais jeito, ela já tinha noventa e dois anos, muita dor de artrose, então, a gente acha que ela meio que achou um caminho para não ter que enterrar a filha, ela sempre falava: “Eu não quero um filho meu...”.
P/1 – E ela não enterrou?
R – Não. Porque a minha avó faleceu em março, minha mãe em outubro, minha mãe foi no enterro dela, que foi no interior, ela quis ir, quis acompanhar. Uma das coisas que a minha mãe achava, que a minha avó não era amorosa com os filhos, conseguiu resgatar isso tudo, porque minha avó passou a ser amorosa, e acompanhava a minha mãe na doença dela, ficava junto dela, ia visitá-la no hospital, apesar do meu tio proibir, porque ela tinha muita idade, ela fazia essa minha tia chegar do trabalho, pegar um táxi leva-la até São Bernardo onde era o hospital… Então teve esse outro lado de resgate, eu acho que foi importante. Agora o sonho é isso, a busca da felicidade, a gente quer ver os filhos bem, que os filhos encontrem o seu caminho, que eles sejam felizes naquilo que eles abraçarem, com as pessoas que eles escolherem para serem companheiros de vida, basicamente é isso, eu me considero uma pessoa feliz, lógico que a gente corre, está sempre atrás, a gente às vezes fala: corre, corre por nada… E eu aprendi muito com a doença da minha mãe, você não criar expectativa, você viver a sua vida hoje como se fosse o último dia, então quando eu começo a ficar muito irritada, muito nervosa, o trânsito, horário, compromisso, isso vai me levar ao que? Aonde nós vamos querer chegar com tudo isso, será que vai valer a pena? Porque daqui a um minuto eu não sei o que vai ser nem da minha vida, nem do outro, então, eu passei a mudar muito, eu que era mais controladora, queria as coisas muito rígidas, muito certinhas, passei a repensar uma série de coisas, que às vezes, a vida e os momentos é quem fazem. Meu marido teve um amigo, esse do Rio, que é muito amigo dele, que com quarenta e dois anos teve um infarto e ficou catorze dias em coma numa UTI, e aí depois que ele teve essa passagem, que ele disse que chegou do outro lado e voltou ele sempre mandava e-mail e falava disso, que a gente não sabe como é o dia de amanhã, então, deixa de guardar as coisas para um dia especial, dia especial é o dia de hoje, vamos viver esse dia, então, a gente depois que esse amigo dele enfartou com quarenta e dois anos a gente reviu a nossa vida. Começamos a trabalhar menos, a usufruir melhor do nosso dia-a-dia, a entender que menos coisas materiais são importante, o importante é o que você faz, o que você viaja, o que você vivencia, o que você curte, então, para ser mais feliz.
P/1 – Miriam, como é que foi dar o seu depoimento hoje? Contando a história da sua vida?
R – Apesar de me pegar totalmente de surpresa, que eu caí de paraquedas, eu não imaginei que eu ia fazer esse tipo de depoimento, como eu te falei achei que era uma coisa que eu ia falar sobre os tratamentos de pacientes oncológicos, como que é lidar.
P/1 – Que é uma coisa mais técnica?
R – Mais técnica, que eu achei que eram os mesmos passos, como é que foi fazer essa passagem da minha mãe? Como é que a terapia ajudou? Eu acabei falando da minha vida inteira, e totalmente de surpresa, mas eu achei que foi muito interessante… A gente... Acaba passando um filme pela cabeça e revendo um monte de coisas importantes da vida da gente. E eu falo, até quando desmontei o apartamento da minha mãe, era uma coisa que fiz com a minha irmã, que não tinha jeito, que era o que tinha que fazer mesmo, depois chamar as cuidadoras, algumas funcionárias deram um monte de coisas, mas o grosso quem fez foi eu e a minha irmã, e eu falo com o meu marido: “Feliz a gente passa por tudo isso, mas a gente tem história para contar e deve ser muito duro as pessoas que passam pela vida, e não tem história, não tem memória, não tem do que lembrar”, “Mas você fica revendo isso” eu falei: “Não, a gente lembra, é triste, mas tem coisa que é muito boa de lembrar”. Então é bom lembrar que você teve uma mãe assim, um pai assado, uma família assim, mas que no fundo como a minha história foi boa, eu tive amor, eu tive carinho, eu tive uma estrutura e uma formação. São coisas que enriquecem, que fazem a tua vida, meus filhos sempre adoraram escutar as histórias tanto da minha mãe, como do meu pai, e que não conheceram, mas que conhecem ele da história de vida, pelas histórias que a gente conta, e pelas coisas que eles vivenciaram com a minha mãe, isso foi muito importante.
P/1 – Obrigada, Miriam.
R – Eu que agradeço a vocês essa oportunidade.
P/1 – Obrigada por você ter vindo aqui contar a sua história.
R – Imagina, eu que agradeço.
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