Todo Lugar tem uma História para Contar – Xambioá
Depoimento de Jaldo Bento Antunes
Entrevistado por José Wilson Costa e Marcia Trezza
Xambioá, 02/09/2016
Realização Museu da Pessoa
XMB_HV010_Jaldo Bento Antunes
Transcrito por Mariana Wolff
MW Transcrições
P/1 – Jaldo, nós vamos c...Continuar leitura
Todo Lugar tem uma História para Contar – Xambioá
Depoimento de Jaldo Bento Antunes
Entrevistado por José Wilson Costa e Marcia Trezza
Xambioá, 02/09/2016
Realização Museu da Pessoa
XMB_HV010_Jaldo Bento Antunes
Transcrito por Mariana Wolff
MW Transcrições
P/1 – Jaldo, nós vamos começar a entrevista, você pode falar o seu nome completo, por favor?
R – Jaldo Bento Antunes.
P/1 – Você nasceu em que data?
R – Quinze de abril de 1938.
P/1 – Onde?
R – Caracol, Piauí.
P/1 – Jaldo, você tem lembranças do seu pai, como ele era, o que ele fazia?
R – Sim, meu pai, eu tenho uma lembrança dele, ele era açougueiro, muito alegre e gostava de amansar animais, botar cavalo para esquipar, que não existe mais hoje.
P/1 – O quê que é isso?
R – É ensinar cavalo esquipar…
P/2 – Trotar.
P/1 – Ele fazia bem isso?
R – Fazia. Ele gostava, né?
P/1 – E com vocês, assim, você lembra que ele fazia o quê, com os filhos?
R – Nós não tínhamos muito contato, aí aos 12 anos, eu vim embora do Piauí e aí, a gente já não se viu mais.
P/1 – Nunca mais?
R – Nunca mais.
P/1 – Ele morava com vocês?
R – Não.
P/1 – Lá na terra que você nasceu?
R – Eu fui criado pela minha avó, pelos meus avós. Manuel Bento Antunes e Maria Rosa Bento Antunes.
P/1 – Fala de novo o nome dos seus avós.
R – É Manuel Bento Antunes, Maria Rosa Bento Antunes.
P/1 – E o seu pai, qual o nome dele?
R – Enoch Augusto Dias.
P/1 – Você teve irmãos?
R – Não. Eu tive irmão por parte de pai, mas eu não lembro deles, assim. Eu ainda lembro do nome, João Augusto e o outro é Irene e uma Terezinha, parece que era só, esses que eu me recordo, era só.
P/1 – E você disse que o seu pai era açougueiro?
R – Açougueiro.
P/1 – Mas ele não morava com vocês, com sua mãe, também?
R – Não. A minha mãe me deixou em poder de meus avós e veio embora pro Goiás. E depois dos 13 anos que ela apareceu lá e eu fui criado pelos meus avós, inclusive, eu não chamava ela de mãe, chamava de Dona Raimunda.
P/1 – A sua mãe?
R – É, Dona Raimunda.
P/1 – Qual o nome dela todo?
R – Raimunda Bento Antunes.
P/1 – Você ficou sem ver a sua mãe todo esse tempo, esses 12 anos?
R – Muitos anos. Eu não vi quando ela me deixou, depois ela voltou lá, eu já tava… aí eu lembrei dela e até quando voltou já para… já me trouxe aqui para Goiás.
P/1 – E essa convivência com os seus vós, eles que te criaram.
R – Foi.
P/1 – Que lembranças você tem do seu avô, da sua avó, como eles eram?
R – O meu avô era açougueiro, minha avó era doméstica e eu tinha o meu tio, Júlio Bento Antunes que ajudou a me criar.
P/1 – Seu tio?
R – É. E eu ficava ajudando ele no barracão, ele tinha um comércio e os meus avós moravam fora.
P/1 – A sua avó, ela era muito próxima de você, assim?
R – Era, nós éramos, tanto avô e neto.
P/1 – E você lembra dela como? Da sua avó?
R – Eu lembro da minha avó que ela… eu era muito peralta, mas tudo o que eu fazia para
minha avó… para os outros era ruim, mas para a minha avó tava bom. Eu me recordo que a gente… ela dormia numa esteirinha e eu sempre deitava do lado dela, ela gostava do pescoço da galinha, então, a metade desse pescoço era dela, a outra metade era minha e aí de quem ousasse pegar a metade que não era dela, que ela não gostava (risos).
P/1 – Era reservada para você?
R – Era reservada para mim.
P/1 – E as brincadeiras? Você disse que era peralta. Do quê que vocês brincavam quando você era criança?
R – Eu era peralta, brincava de bola, era zangado e quando os outros estavam brincando, quando eu chegava, tinha que arranjar uma vaga, senão, eu arrumava uma briga e eu era ruim demais, aí tinha que… (risos) Meu pai era meio zangado, eu não sei se… aí o povo tinha medo dele, aí eu fui me criando com aquele entusiasmo, né, que o meu pai… graças a Deus que… porque se eu tivesse sido criado… tinha sido bem pior, a gente sai do reduto daquele povo, a gente vive aquele desconhecido, aí a gente abranda as coisas, né?
P/1 – Entendi. Seu pai… você vivia no mesmo lugar que ele, na mesma cidade?
R – No mesmo lugar, mas nós não tínhamos contato.
P/1 – E seu avô, tem algum coisa que você acha que o seu avô ensinou para você ou sua avó?
R – Minha avó me cuidava demais. Meu avô não. Ele já tinha o serviço dele, então eu tinha mais contato com a avó.
P/1 – Certo. E com os tios, né?
R – Inclusive um tio que já tá também no andar de cima, com o nome Benício não queria que eu fosse, mas é que era ruim mesmo, aí ele ia caçar e eu ia atrás dele e ele não queria, mas o sapato dele era cortadinho assim, eu conhecia em cima das pedras no Piauí, naquele tempo, eu ia atrás. Até quando ele aceitava na marra, né? Aí um belo dia, a gente tava já muito tarde e ele resolveu me aceitar, aí me deu… era pólvora ou chumbo, era espingarda, me deu, a primeira coisa que eu fiz tirei um pouco daquela pólvora, botei no papel, botei separado. Quando chegamos já duas horas da tarde, já vinha bem… primeira coisa que eu fiz, aí a panelinha tava lá da comida de nós dois, primeira coisa que fiz, joguei o pacotinho de pólvora debaixo da panela, empipocou, derramou tudo… aí pega, como é que pega? Eu parecia… acho que nem de cachorro eu não pegava, eu era muito ruim. Ele me xingava de filho do diabo: “Vou fazer isso, vou fazer aquilo”.
P/2 – Jaldo, você disse que foi criado pelos avós, teve essa vida com os seus avós e hoje, você é avô. Você tem uma definição, assim, o quê que é avô?
R – O avô é um animal que os filhos amansam para os netos andarem montados.
P/1 – Tá certo. E você diz que veio… na infância, você trabalhou até vir para cá, você trabalhava?
R – Lá não, mas quando chegou aqui, com 13 anos, eu já trabalhava até hoje. E eu vejo o povo de hoje que ninguém quer trabalhar.
P/1 – E você então, quando a sua mãe chegou lá, conta pra gente desse momento assim, do encontro com ela.
R – Ih! Foi aquela alegria. Agora, na hora de me trazer, eu não queria, não. E nem meus avós. Mas aí, ela me trouxe, trouxe a minha tia, que hoje, mora aqui, tá viva. Aí, ela… aqueles… digamos, dos antigão, só tem nós dois, ela completou 90 anos esses dois dias, foi um festão, aí eu puxei uma brincadeira com ela, porque os outros já foram tudo, eu digo: “Tia, só tem nós dois pegando pra ver quem é que vai primeiro”, ela não gostou da brincadeira, eu senti, aí também… (risos), ela não gostou dessa brincadeira.
P/1 – Seus tios são da sua idade, praticamente? Idades próximas?
R – É, é.
P/1 – Mas aí quando você viu a sua mãe, você ficou alegre?
R – Fiquei alegre, mas na hora de vir embora, eu não queria vir. Fui criado com avó, foi difícil demais a minha convivência para vir de lá para cá, mas aí cheguei aqui…
P/1 –Como foi a viagem de lá para cá?
R – A gente veio de carro para Floriano…
P/1 – De ônibus?
R – É. De Floriano a gente veio de pau de arara para Santo Antônio de Balsa naquela época, não, de Floriano, nós viemos num avião da Cruzeiro, eu me recordo até hoje que não deixavam… eu gostava muito de torresmo, eles: “Não pode comer torresmo porque vocês vão de avião”. De Santo Antônio de Balsa vim de carro, de pau de arara até Carolina do Maranhão. Foi difícil demais essa viagem.
P/1 – Vocês levaram quanto tempo para chegar aqui?
R – Eu não lembro não, mas foram muitos dias…
P/1 – Muitos dias?
R – É, quebrava caminhão, atolava naquele mundo, São Domingo do Azeitão… Pasto Bons, era tanto lugar que tinha nessa estrada. Eu cheguei a passar 63 anos depois nesse lugar, mas não conheci mais nada. Agora, de Carolina do Maranhão para Chapada do Chiqueirão, nós viemos de avião, teco-teco.
P/1 – Outro avião, além daquele que você já tinha tomado.
R – É, de lá era um avião grande, daquele Cruzeiro que não existe mais, faz muito tempo. Aí, de lá, nós viemos de teco-teco, uns aviões que desciam aqui em cima dessas serras…
P/1 – Você já tinha andado de avião antes?
R – Não.
P/1 – Como é que foi a sensação?
R – Menino, eu achei bom. Eu lembro que eu era tão ruim que chegou em Santo Antônio de balsa, eu sumi e a minha mãe saiu me procurando: “Vocês não viram um menino assim, assim, assim?” “É um diabo vermelho que tem bem ali, não?”, aí ela desceu, eu tava na beira da balsa, os cabras já tinham desmanchado nas minhas costas que eu era brigão, eu cheguei e entrava logo em confusão, todo mundo queria dar uma… chama-se
briga redonda, em quem eu desse uma pancada, era diversão. Agora, quando eu dava uma, levava umas dez.
P/1 – Mas você que organizou isso?
R – Eu era ruim demais. Quando ela me pegou em Floriano, no Piauí, eu já tinha arranjado uma briga, quando ela me achou, aí eu fui amansando de lá para cá, mas eu era ruim demais.
P/1 – Como é que é essa brincadeira da roda? Fala de novo, Jaldo, explica.
R – Briga Redonda. Todo mundo que me batesse, tava batendo em mim, em quem eu desse uma pancada, era adversário, que eu não tinha amigo, mesmo, todo mundo era para dar uma pancada em mim, em quem eu acertasse outra, esse era adversário, que eu era só contra eles lá, no meio do Rio Balsa (risos), eu não aguentei, falou: “Dona, é um diabo vermelho?”, eu tava vermelho era de porrada (risos).
P/1 – E chegou até onde aqui da região? Onde você chegou com a sua mãe?
R – Nós chegamos em Carolina do Maranhão, aí chegamos na Chapada, no Chiqueirão.
P/1 – Onde tem a fábrica hoje, né, Tocantins?
R – Da Chapada nós viemos para Água Branca, Xambioá, fomos para Lontra, Araguaína… Lontra.
P/1 – Mas vocês ficaram um tempo lá no Chiqueirão?
R – Ficamos.
P/1 – E a sua mãe quis ir para lá por quê?
R – Porque ela morava lá, no garimpo. Aí, nós fomos para o Lontra, não era Araguaia, era Lontra, a gente trazia carga por dentro do Lontra para vir vender nos garimpos aqui. Eu cheguei a vir de Araguaína por dentro do Lontra de canoa, tanto vim como voltei de canoa. Depois, fui de barco, que hoje, não passa ninguém lá.
P/1 – Tinha um canal?
R – É dentro do Lontra, do rio Lontra. Passa lá naquela ponte.
P/1 – Não dá mais para passar?
R – Dá não.
P/1 – O que aconteceu, Jaldo?
R – Os desmatamentos, essas coisas. Hoje mesmo, eu já conversei com as pessoas que me conhecem há muito tempo e fomos verificar sobre umas pedras que tem no poço, se eu já tinha visto aquelas pedras lá. Digo: “Eu já vi, sim”, quando eu falei, tinha um cara que fazia… eu falei: “Quem de vocês acreditam que eu já andei na Fortaleza do Tênis de barco?” “Mas lá não tem nem igarapé, tem só…” Quem de vocês acredita que eu andei no cupuzeiro de barco?”, ninguém acredita. As castanhas… tinha Abobora e Xambioá, os dois se encontravam aqui, era Chiqueiro e aí, eram os dois, então aqueles barcos maiores ficavam no Chiqueiro e os barquinhos pequenos iam buscar lá para trazer, de lá, vinha de tropa, de dentro da mata pra lá, e de lá, vinha nas canoas. E eu mais um senhor de Herculano Souza, um velho que teve no Pará aí, muito valente, respeitado, eu, ele e outro subimos, chegamos no Chiqueiro, não tinha castanha, disse: “Vamos embora meu Chubinho”, digo: “Vamos embora”, cabra danado, novo, todo mundo quando é novo… aí, nós tiramos do motor, até lá foi de motor, jogamos no chão e fomos bater nessa Fortaleza do Tênis e foi nessa Abobora e dessa Abobora fui no Cupuzeiro por dentro do Igarapé e aí, já conversei essa história lá, mas: “Rapaz, por lá não tem mais nem água, não tem mais igarapé, não tem nada”.
P/1 – E assim em volta, mudou muita coisa? Em volta desse lugar em que você andou de canoa? A paisagem, assim.
R – Mudou porque o povo desmatou. A água não segura, aí foi secando tudo, tá secando tudo. Hoje, eu tenho certeza, não fui mais, mas o Rio Maria, Mariazinha, o Água Fria era madeira que a gente jogava a madeira, cortava as toras de madeira de quatro, cinco metros, elas eram jogadas soltas dentro do rio. A gente jogava no verão quando o rio enchia, aí as equipes tocando aquela madeira, chegava perto do Araguaia como se aqui fosse a foz do Araguaia, eles colocava um cabo de aço com um fileira de madeira aqui, aí as outras vinham batendo nela e batendo, batendo, batendo e fazendo aquela esteira. Chamava-se jangada. Lá fazia jangada que a jangada aqui nesse porto, onde nós estamos mesmo, aqui bem perto. Naquela época.
P/2 – Jaldo, você disse que veio lá do Piauí nessa viagem toda que você fez, aí chegou na Chapada do Chiqueirão. Depois, você disse que foi para o Lontra, que é Araguaína hoje, mas quando que você veio morar aqui em Xambioá? Aqui mesmo, ficou aqui? Lembra?
R – Não lembro, não. Eu até falando com a minha tia, quando nós fizemos nossa mudança lá, viemos de barco. Aí, nós trazia porco, arroz, tudo dentro. Lá num dito travessão lá, o barco furou e eu era rapazinho, mas tinha o piloto, furou e nós alagamos, os porco passou por cima de nós, na mata, o barco ficou no fundo do rio lá, do igarapé, eu nadava, ia lá, apanhava o arroz de dentro do saco lá para cozinhar e a gordura era castanha e coco. As castanhas de sapucaia e o coco é que era a gordura. Nós conseguiu arrumar lá e os porcos não foram embora. A onça não comeu ninguém, nós ajeitamos ali, não comeu os porco aí. Quando nós conseguimos tirar esse barco, o motor tava no fundo do rio, aí naquele tempo, a gasolina era em lata, o querosene era em lata, nós pegamos uma lata, abrimos ela e botamos um saco de estopa cheio de graxa assim nela assim, ia pregando de prego, fizemos um chiqueiro, botamos os porcos dentro, a carga tinha ido embora, ficou só os porcos e nós. Aí, eu me recordo que nós ia empurrando de vara. Chegou num lugar… prazer da vida dentro do Lontra, um senhor de Raimundo Ferro. Tinha aqueles tachão de índio, quando nós encostamos, abóbora era cozida em pedaços, assim, ele cozinhou um tacho de abobora daqueles para os porcos, né, simplesmente, nós deixamos os porcos dele com fome, porque nós comemos a abóbora (risos).
P/1 – Esse barco, ele parou num lugar… ele afundou num lugar que era no meio do caminho?
R – Dentro do rio.
P/1 – Sim, mas estava no meio do caminho?
R – Meio do caminho.
P/1 – Vocês não chegaram…
R – Mas não atrapalhou o coiso… e nós ficamos de um lado e ele do outro, mas o danado atravessava lá e apanhava e…
P/1 – Sim, mas vocês acabaram ficando… não chegaram no seu destino? Vocês ficaram pelo meio?
R – Ficamos pelo meio, até que conseguimos tirar o barco, fizemos esse processo todo de tapar o buraco, fazer outro chiqueiro e aí, já ficou mais leve que a carga, o arroz e a farinha foi embora todo coiso, aí o esteio também foi embora quase tudo, aí só nós e o porco, aí ficou mais raso e nós descemos empurrando de vara esse barco até esse dito lugar…
P/1 –Que fizeram abóbora...
R – Nós deixamos o porco do homem com fome.
P/2 – Jaldo, queria que você contasse pra nós aqui, como foi a tua experiência como barqueiro daquela balsa de ferro que nós sabemos que você foi o piloto oficial aqui, como foi que começou? Quando foi que terminou o movimento daquela balsa?
R – Aquela balsa…
P/2 – E aí, só um minutinho, quando você tiver falando sobre isso, eu queria que você falasse também sobre a grande cheia de 1980, que você foi por essa situação que você passou.
R – Eu não estudei porque não quis, mas minha mãe tentou, ela me mandou num barco para estudar em Conceição do Araguaia, um animal que só via tranque e lagoa no Piauí, mandou inclusive para Conceição do Araguaia num barco. Simplesmente eu me apaixonei pela coisa ruim e já fiquei… nesse barco, naquele tempo não tinha estrada, nós fomos para a antiga Leopoldina, Santa Leopoldina nas cabeceiras do Araguaia, buscar carga lá, era coisa do outro mundo, mais de mês viajando. Aí, foi só a conta de eu ficar aí que…
P/1 – Nunca mais foi para a escola (risos).
R – Aí me apaixonei por… aí pronto, foi minha perdição.
P/1 – Você nem chegou em Conceição do Araguaia?
R – Não, chegamos lá, porque lá tinha o bar que punha carga pra lá pra Conceição. E aqui, aí começou a minha “perdedeira”, comecei a viajar dentro do rio, aí viajava pra cá, eu cheguei… eu tenho uma história que… ele já morreu, até, porque naquela época, homem nenhum faz mais isso, nem eu mesmo, pegar boi no Porto Lemos que é longe daqui, aí amarrava na cabeça assim, um pra lá, um para cá, encostava aqui e levava para Marabá passando nessa cachoeira da Santa Isabel.
P/1 – No barco?
R – No barco. Aí, o seu Pedro Costa, primo do seu Edson Costa, que ele foi entrevistado lá, aí chega me dar um arrepio, eu desci: “Este moleque da Raimunda Borges tá muito saliente, ele vai morrer afogado na cachoeira da Santa Isabel”, aí eu fiquei triste com aquilo, mas aí eu deixei passar aí fui embora. A gente dormiu na Santa Cruz e eu encabulado com aquilo da cachoeira da Santa Isabel, de manhã, eu engraxei o motor, limpei as velas dele, troquei o pino, encabulado. Aí, uma das pessoas que fez aquela aventura mais eu foi aquele velho Hermógenes que morreu um tempo desse, pois ele estava junto no motor. Aí, eu segurei a lata de gasolina, seu Assis de Manuel Correa de um lado e ele do outro, era mesmo só nós três, meu nome era o Doido da Raimunda Borges. Aí segurei a lata assim, eu botei esse motor dentro da cachoeira, lá vai… quando chegou na última pancada de descida por nome São João, a água veio por cima e bateu acho que na reta do boi lá, o boi deu um coice, quebrou parte da porteira, caiu dentro da água, mas Deus sabe o que faz, em qualquer lugar que ele tivesse feito aquilo comigo, por cima da pancada do São João, aí nós tinha viajado todo mundo, mas foi na pancada, ele saiu seco, chama Seco Grande, aí eu fiz as manobras com ele, encostamos, era o porto da Santa Isabel, tinha obrigação de quem subia, quem descia, tinha a santa lá, casinha, a gente ia lá, rezava, pagava as suas promessas, fazia sua oração, deixava um dinheirinho lá e lá, eu arrumei, desci, aí quando você passa Santa Isabel só tem uma pancada violeta por baixo de Araguatins, por nome São João, São Bento. Aí, eu dormia por lá por cima do São Bento, só entrava lá de manhã, tudo arrumadinho e quando era três e meia, o Antônio Mãozinha que era o açougueiro falava assim: “O Doido da Raimunda Borges tá chegando”, aí eu chegava mesmo. O Doido da Raimunda Borges tá chegando.
P/1 – Agora pra gente que não conhece bem a história, quantos bois? Eram dois?
R – Não, eram oito, era quatro num porão, quatro no outro. Para botar aqueles bois dentro, o Zé conheceu um cabra aqui na _____00:24:16____, nós estava nós dois, nós éramos doidos demais, aí chegava o boi lá, aí disse: ‘Quem vai pilotar o cabra?” “É eu”, porque o boi tá aqui, se você pegar aqui com a mão, ele machuca você aqui. Ai, eu pegava no rabo dele aqui e chamava aqui, aí ele botava
a mão do cara lá, aí na calda dele, passava pra lá, ele rodeava, eu ia para lá, porque com o pé, ele pegava ele no lá. Aí, eu chamava pra cá, e ele botava a mão… aí, nós fazia a cadeirinha aqui e botava o cabra pra dentro. Quando batia dentro, nós rodava, um cabeça pra lá e outra pra cá, uma cabeça pra lá e outra pra cá, uma cabeça pra lá e outra pra cá. Aqui tinha esse velho, Albertino do Carmo que era velho doido, danado, Seu Feitosa do outro lado, seu Zé Forró, tem uns cabras respeitados, onde tá esses homens aí…
P/1 – Vocês iam juntos nesse trabalho?
R – Sempre nós íamos junto nesse trabalho, mas aí muitas vezes era separado, né?
P/1 – Sei, iam dois, outros dois…
R – A última que eu fiz, um tá no andar de cima que é o finado Xavier e o Albertino. O Albertino era o cozinheiro, eu era o piloto, dentro do carro da fazenda aqui e aí, tava a dona Belina que é esposa do finado, tá doentinha, que é amiga da minha esposa, Luzia que andava também. Por causa da minha mãe, aí nós fomos para a festa em Conceição do Araguaia, que naquele tempo, nós era rico e nós não sabia. Saía daqui e ia para festa, não sei quanto… quatro, cinco dias de viagem, queimando não sei quantas latas de gasolina para ir para a festa. O Senhor do Bomfim, quem que acredita que naquela igreja… você não viu o igrejinha, eu rezei de joelho no couro de boi ali e você sabe uma coisa, não sei se você lembra como é que era garimpo novo. Lá no Senhor do Bonfim, a gente entrava naquele igarapé do piranha, era 12 quilômetros, encostava aqui, tinha um barzinho aqui e aqui era só o mato roçado e gente assim, olha, como se fosse assim, um garimpo novo. Era no mato esse tempo.
P/2 – Com relação a balsa…
P/1 – Antes de falar da balsa…
PAUSA
R – A balsa tinha uns piloto e as políticas aqui era o contrário, apareceu o Manuelzinho Calado que teve farmácia aqui, mora em Araguaína, acho que ele faleceu um tempo desse, Manuelzinho Calado que é dono da farmácia Deus é Grande. Politicamente não, mas se você quiser um homem pra trabalhar que conhece parada dura, aí eu tenho, menos em política. Aí, eles aceitaram e vieram atrás de mim. Aí eu entrei na balsa. Aí comecei… conheci o rio para lá, comecei a trabalhar fazendo viagem para fiscalização. Vai pra lá, vai pra cá, quando resolveram tirar aquela balsa daqui, aí eu já ia sair do Estado, aí os fiscais juntaram todo mundo e me transferiram para pilotar a voadeira deles, do estado na fiscalização, foi quando a balsinha foi embora.
P/1 – Agora, essa balsa já foi? Não ficou mais?
R – Não ficou.
P/1 – Mas você ficou quanto tempo na balsa, Jaldo?
R – Foi um bocado de ano, até não me recordo. Eu trabalhei no Porto Lemos, no mesmo modelo, só diferente. Eu ia tirar férias do outro lá, ia tirar férias do outro lá… vinha pra cá…
P/1 – E essa balsa transportava alguém?
R – Ela transportava tudo. Que naquela época não tinha por os meios de transporte aqui, aí fizemos uma cerca nela e atravessa mudança, atravessa demais, gado, até gado nós atravessava nela. Ela… só tinha ela.
P/2 – Só. Não tinha esse movimento…
P/1 – Só tinha uma que ia?
R – Só essa.
P/1 – E você era o que dirigia ela? Que pilotava ela?
R – É.
P/1 – E quantas histórias você viu nessa balsa?
R – Muitas histórias… eu vou pilotando ela aqui e aí, o Donato botou o meu nome de Farofino que era achador de defunto, né? Ele disse que não acharam o Ulisses Guimarães, porque não me levaram, senão, tinham achado. Mas eu trabalhava no Estado, então eu que ia atrás do cara. Então, eu chegava lá, aí… história de defunto, se eu fosse contar aqui ia à noite toda, mas uma… morreu o irmão da Dona Adelina, que ele conhece demais lá em Porto Lemos pra baixo um pouco. Ele, na praia, o filho dele foi se afogar, ele caiu, caiu o funcionário dele. No final da conta, ele morreu, o rapaz morreu e o filho dele saiu. Aí um moço que ele conhece demais, o Arizão chegou… meu nome era Tucurão da Raimunda Borges, disse: “Tucurão, nós temos uma missão, nós vamos buscar o irmão da Dona Adelina” “Bora”, aí preparamos aqui tudo e saímos os dois. Chegamos lá, tinha uns acampamentos, tinha barco de toda coisa ali, chegou: “Morreu aqui”, aí pela minha experiência, se você mexer a água assim, você aquieta, se o cabra tiver ali, ele… voz do defunto. Aí, eu dei não sei quantas voltas assim que a terra levantou, aí cheguei lá onde tava, catei uma vara que tava lá, aí sai futucando, futucando, bem distante assim, e ele era um gauchão, a água só dava aqui. Aí eu arrumei uma confusão muito grande, cheguei, aquele povo todo lá, era muita gente, o cara rico, muita canoa, muito barco, muita rede de pegar peixão. Aí eu disse que o homem não tinha morrido lá, moço, isso foi ruim, foi confusão danada. Aí, do lado do Goiás, tinha um alto lá, tem um alto lá, disse: “Vão bora lá porque lá tem um homem que tava junto e ele tá quase em estado de coma, lá”, “Vamos bora”, tinha essa praia aqui e uma lá mais em cima. Quando eu vou indo aqui, eu olhei… “Fui eu que fiz o Araguaia e botei as pedras dentro também, vocês sabem disso, né? Só que aquela pedra eu não coloquei lá não”, aí os caras ficaram olhando, aí eu joguei a voadeira para lá, quando chegou perto assim, aí o Ari olhou para todo mundo, eu digo: “Eita cabra teimoso esse daqui, o cara morreu lá embaixo e ele rodeou por acolá e já vai descendo por aqui, esse é teimoso mesmo”, aí todo mundo já ficou calado, digo: “Pega na orelha dele aqui, eu já levo”, peguei o cara e fui descendo devagarzinho, aí quase que eu disse uma coisa, não disse de medo de apanhar, quase disse: “Vai tirando o couro desse aí que eu vou buscar o outro”, mas só tive vontade, mas não disse, não. Rodei, encostei ele lá, aí todo mundo… fica aquele… aí ele me chamou de sabichão, disse: “E aí sabichão, e agora?”, eu digo: “Qual é Ari?”, que o cara era moreninho pequeno e o gauchão era grande. “Esse já saiu, tá aqui, pode ir pra lá que daqui uma hora, o outro aparece lá”, aí foi aquele… aí quiseram botar o defunto na canoa, disse: “não, bota na canoa de vocês, sou chefe”, aí o Ari disse: “E aí, o quê que nós estamos fazendo aqui?”, eu digo: “Eu não sei o que nós estamos fazendo aqui, vou fazer o que você mandar” “Então embora lá para Porto Lemos”, digo: “Daqui uma hora o homem aparece ai”, porque ele é mais pesado, aí tem esse… eu digo: “Ele é mais pesado, aí quando o ferro estoura, aí o cabra vem em cima mesmo, não tem conversa, mas só que ele era bem mais pesado do que o outro.
P/1 – Quando o que estoura?
P/2 – A bílis
R – Chegamos lá, digo: “Ari, olha o homem lá”, chega me dar um arrepio aqui: “Tá vendo esse homem? Olha o bigode lá, o gaúcho vem dentro” “Que conversa é essa?” “Olha lá a quantidade de canoa que vem atrás? O homem vem lá dentro”, aí quando chegou, era o gauchão que tava dentro. E aí, arrumaram tudo e disse: “E agora?” “Você que sabe” “Vão bora?” “Vão bora”, nós viemos embora. Mas veio me buscar aqui pra vim buscar esse homem. Aí, morreu um cara em Araguanã e estavam dando muito dinheiro para pagar ele e eu peguei a balsa e vou indo. Tinha um primo meu todo metido, zangado, meu primo. Aí, eu vou aqui, digo: “olha o homem lá” “Qual é o homem?”, e cheio de gente, tava até umas cordas que eu tinha amarrado um gado, digo: “Olha o homem lá, o defunto”, ah moça, por quê que eu disse? Aí, virou aquele rolo assim: “Não pega”, digo: “Pego sim” “Tá morto, não é um bicho, é um corpo humano, tá só morto”, aí: “Não embarca”, aí: “Quem é o chefe aqui?”, era tudo de graça: “Quem tá pagando aqui?” “Ninguém” “Pois é, tá só é morto, mas eu não deixo ele ali não”, aí buzinei, o cara veio que já tá no andar de cima também, o finado Marcelino, disse: “Marcelino, avisa pra polícia que eu tô levando uma encomenda para eles”, aí fui lá mais ele com as cordas, com jeito assim para não rasgar, eu tava vestindo um shorts de nylon azul e o relojão preto trabalhando, aí levamos, chegamos lá, aí foi aquele sururu…
P/1 – Mas uma impressão difícil de ver, não é, Jaldo?
R – Só vou contar mais essa. O cara caiu de cima da balsa e o filho dele ficou em cima. Aí, de noite, morreu. Aí, de manhã, vou sair para vacinar com os funcionários. Aí, o Raimundinho tava lá, eu falei: “Do jeito que eu tenho um sangue doido por causa de defunto, vou terminar emendando o bigode mais esse cabra aí embaixo”, aí desci na voadeira. Aí, eu tenho a mania de… tinha uma árvore grande assim, com uma sombra, eu chamava de restaurante porta aberta. Aí, nós vamos com a nossa comida, digo: “Ali, nós vamos almoçar naquele restaurante lá” ”Qual é o restaurante?” “No restaurante porta aberta”, aí encostei na sombra, quando eu cheguei no ____00:36:47___ enxerguei a perna do cara. Aí eu digo: “Peão só fala merda, agora vamos com merda, mesmo”, duas enfermeiras: “Onde que é essa merda?” “Vem cá que eu mostro pra vocês”, aí joguei a voadeira para lá, cheguei, disse: “Olha o homem ai”, ave Maria, mas foi um sururu, digo… a canoa era pequena: “Eu não sei se ele pode com nós três, agora eu monto nas costas dele e vou embora, agora vocês vão ficar ai”, aí se aquietaram, aí eu peguei ele: “Deixa ele lá, tu vai deixar nós aqui?”, ”Não, se eu deixar ele aqui, ele entra bem nesses… daí não acha ele mais nunca”, aí, peguei no pé dele e de propósito, eu acelerava e deixava ele escorregando no meio da canoa. Digo: “Não solto não”, enquanto eu não botei as enfermeiras… vai ter medo de um defunto… enquanto elas não pegaram na perna dele, as duas com
mão, eu não tirei ele de dentro do __00:37:49___. Aí, ele ia com a mão meio aberta assim, chegou no remanso do Boto, encostei, disse: “Olha, vocês olham esse rapaz aqui, tem muita gente atrás dele, logo, logo, chega gente aqui atrás dele”. Aí, embalei ele assim, quando embalei ele com a mão aberta, baixou na canoa assim, digo: “Larga a canoa nojento, eu quero te empurrar para a fora e tu fica se agarrando na canoa para não sair?”, aí empurrei ele lá, vou subindo, enxerguei uma voadeira minha e aquele ___00:38:22____ e o filho do Zé Moura era polícia, e eu conheci a minha canoa e o piloto, aí cheguei, encostei lá, e o rapazinho filho do rapaz tava dentro. Eu não sabia, né: “E aí, cadê…” “Não, você não é o farofino?” “Vai buscar o caixão que eu já amarrei o cabra pelo chifre lá embaixo”, rapaz, e o filho do velho tava dentro, eu fiquei muito desarrumado. Aí, pedi mais gasolina e disse: “Quer ver o seu pai?” “Quero”, aí botei ele dentro, para me redimir. Aí desci, eu tinha tampado a cara dele e um defunto com três dias, para olhar para a cara dele, o cabra tem que ser duro. Aí, eu mandei fazer uma água de açúcar, cortou o limão, trouxe ele e fiquei… parei com ele aqui. Aí perguntei a ele: “Eu destampo a cara do homem?”, que era o pai dele, ele disse: “Destampa”, aí eu arranquei, rapaz, ficou só se tremendo de água de açúcar, botei. Aí ele cortou a perna da calca dele que tava de calça, aí tampou a cara dele. Aí, o ___00:39:41______ daqui a pouco chegou com o caixão. Aí, colocamos dentro. Não vou mais falar de defunto, se eu for contar as histórias de defunto aqui… não é à toa que me chamavam de Farofino.
P/1 – Mas eu nunca tinha ouvido histórias assim, a gente não imagina, né, que tem… deixa eu só te perguntar uma coisa Jaldo, porque depois passa, a gente… você vai falando os nomes assim dos rios e tudo, né, se você pudesse passar pra gente a ideia do que é navegar por esses rios assim, levando mercadoria, levando gado, levando… como é que é essa vida, né?
R – Essa vida era um vida que esses… até não precisa, mas não tem mais aquele material de homem, não.
P/1 – Por que, Jaldo?
R – Nós temos a cachoeira da Santa Isabel, a gente descia no Araguaia e entrava por cima de… onde mistura os dois, chama São João, que o Marabá…
P/1 – Que é o Araguaia e?
R – E o Tocantins. Aí, subia no Tocantins para Imperatriz para buscar carga, tinha que levar para lá e trazer.
P/1 – Essa cachoeira Santa Isabel…
R – Nessa estrada, lá, tem só o São Bento, agora quando chega na Santa Isabel, aí a carga até São João, a carga toda nas costas, por cima das pedras para botar do lado de cima. O motor tinha que puxar na corda, aí carregar em cima. E não podia também deixar… era um preguinho, se quebrasse o pino, também, adeus. Aí, passou o São João, logo perto tem um lugar pelo nome Três Bocas, essa tá valente, inclusive, agora. Tirava a carga todinha do barco para o chão, botava nas costas e colocava em cima da pancada toda e ele puxava na corda. Bota em cima. Tem o Senhor do papagaio que é esse, mas tem o senhor de Manguari grande. A carga toda nas costas e é quatro, cinco toneladas e ele na corda para o lado de cima.
P/1 – O quê que é na corda? O barco?
R – Puxar, tem que puxar ele. Que ele não funcionava.
P/1 – E tirava o motor também, né?
R – Não, só o motor ficava. Aí, um senhor de Sobradinho era outro… carga nas costas, que eu não sei não, porque agora mesmo, acho que mesmo naquele lado tá perigoso demais, a pancada tá muito grande. Aí, carga nas costas de novo. Até que aqui já bem perto do Remanso do Boto tinha uma pancada Sumauma, ave Maria, é carga nas costas e corda… aqui nesse São Miguel, a gente deixava assim, se era quatro toneladas, deixava duas no lado de baixo e vinha, tinha uma praia aqui… uma pancada perto, nós deixava ainda a metade, vinha deixar aqui, voltava para buscar outra carga lá para trazer para aqui. Toda carga… se fosse para Conceição do Araguaia, carregava carga nas costas no Correinha, carregava a carga nas costas no pau do Arcão, carregava a carga nas costas no Jacu, no Pacuzão e no João Com, tudinho, à corda e a carga nas costas, só para a senhora ter uma ideia.
P/1 – Nossa senhora! E quando era animal? Tinha?
R – Não, animal não… animal só para descer e era só eu que era… até que daqui pra cima para vir animal, dava pra vim, daqui pra baixo é que não ia.
P/1 – Não ia animal?
R – Tem até um piloto que tá vivo ainda, seu Joaquim Borges que matou um bocado de boi mais o finado Lazaro lá na cachoeira da Santa Isabel.
P/1 – Mas você carregou essa vez esses bois…
R – Não, graças a Deus, nunca fui para o fundo, não.
P/1 – Mas carregou outras vezes?
R – Carreguei outras vezes.
P/1 – E como fazia para passar nesses lugares? Cada vez era um risco?
R – Cada vez era um risco. Eu cheguei a trazer gado do Mato Grosso na perna do Javaé, que é da Ilha do Bananal para aqui para Xambioá, só que dava… viajava dois, três dias, aí tirava fora o gado para descansar, para comer, para beber, tudo, aí colocava dentro para trazer aqui para Xambioá.
P/1 – Mas tinha que passar por cachoeiras também?
R – Essa vez… última agora, tinha que passar por tudo.
P/1 – Então, e como fazia com o gado?
R – O cabra tem que sair dentro amarrado, se alagar, até logo.
P/1 – Aí esses não tirava?
R – Tirava só nesses lugar, aí depois, colocava dentro que aí não tinha mais onde tirar, não, vinha tirar aqui. Chegava tudo magro, caindo, mas era…
P/1 – A carga tirava para não molhar?
R – É, porque o barco não subia com a carga, tinha que carregar nas costas.
P/2 – De lá, do Mato Grosso, descendo, aí não precisava. Agora, aqui, quando vinha de Imperatriz, é subindo, então tinha que tirar porque o barco não sobe…
R – Não sobe e puxar o barco na corda.
P/1 – E gado não subia também?
R – Não, não subia, não.
P/1 – Ah tá.
R – Para a senhora ter uma ideia, aqui tem umas casas, naquele tempo, não tinha cimento, inclusive uma casa bem perto do porto, seu Costa ali, aquela casa ali é o cal. O cal comia a gente e nós carregamos na cachoeira da Santa Isabel o cal não era em saco, fazia o cofo de palha, forrado de folha, aí botava o cal, fechava para carregar nas costas e
aquilo comia. O arroz com casca no saco comia, aquele Ferreirinha mesmo, uma vez, nós levamos um embarcado de arroz, Ferreirinha velho lá, chegamos lá, todos os dois chegamos com o ombro comido. O arroz comeu o couro do homem. O arroz com casca. Para ir pilar em Conceição do Araguaia, 300 quilômetros…
P/1 – Quantas cachoeiras tem nesse rio Araguaia? Você sabe dizer?
R – Sei sim. A última pancada que tem no Araguaia subindo, a não ser lá nas cabeceiras é em Barreira de Santana e não é nem uma pancada. Tem uns desvios, mas de Santana… mas de Araguacema para Conceição do Araguaia tem três, tem o Caldeirão, tem o Rebojão e tem a Santa Maria Velha. De Conceição para baixo, tem um lugar pelo nome ____00:46:45____, essa não era tão forte assim, mas para vim para cá, aí tinha a primeira aqui, descendo é o João Com, era o Pacu, Jacu, Pau da Arcão e Correinha, aqui. Até aqui. Daqui, tem a pancada São Miguel, tem a Sumauma, tem a Chico Gordo, aí tem a Santa Isabel, eu não sei quantas pancadas, depois tem o São Bento já lá perto da Barra do Tocantins, onde encontra o Tocantins e o Araguaia tem a cidade e tem um travessão por nome de São João. Aí tem Bacabau, tem Lancha Velha e entre o Marabá e São Felix ainda tem um travessão que naquele tempo que o motor… a gente tinha medo por nome Pedra Vermelha. Essa era… aí já era no Tocantins.
P/1 – E vocês nessa vida, nessa lida tinha divertimento? Tinha…
R – A gente era feliz e não sabia, banhava…
P/1 – Por quê? Qual era o divertimento?
R – Sempre ia mulher junto…
P/1 – As mulheres iam junto nessa lida toda?
R – Ia. E para a senhora ter ideia, eu não sei se o Zé Wilson ainda lembra, o fogão era gasol desse tamanho e ele tinha só uma boquinha assim, a cabecinha e de gaxeta e ali tinha que fazer toda comida ali nele, ele era a querosene, quando estragava a gaxeta, tinha que pegar um pedaço da botina assim, o couro para fazer a gaxetinha dele lá, porque senão, até logo, tinha que ter um arame firme para desentupir o biquinho dele e ele ficava com a cabecinha vermelha, era o feijão, era o peixe, era o arroz, era carne, tudo era naquele fogãozinho. Tinha que fazer a comida ali.
P/1 – Uma coisa de cada vez?
R – É, de cada vez, só tinha a boquinha.
P/1 – Quando o peixe ficava pronto, o feijão já tava… já tinha esfriado. E as mulheres iam numa boa assim, tranquilas?
R – Ia, não tinha transporte, ia tocando o mundo aí, três, quatro dias dentro do rio.
P/2 – As estradas eram só o rio.
P/1 – Quanto tempo vocês ficavam nessa…
R – Três, quatro, cinco dias dentro do rio.
P/1 – Indo e voltando para os lugares… estrada de terra?
R – Não tinha. Era por dentro desses…
P/1 – Desses rios, né?
R – Ave Maria!
P/1 – E você…
R – Quer ver? Vou só lhe contar uma história, nós temos… fomos arrear madeira… os igarapés tudo seco, nós jogamos a madeira tudo dentro, aí deu uma chuva, mas chuva, aí nos soltamos esta madeira e a água foi… aí nós passamos 30 dias sem ver chão. Aí tem um barco que era o rancheiro, aí esse aqui conheceu o mergulhão Chico Porco, aquele senhorzinho velho ali, aí faz assim, eu pegava, ele botava no barquinho, aí tava um pau aqui, um pau aqui, outro ali, ali encostava o barquinho, o punho da rede, o punho da rede lá e do barquinho, jogava ele lá dentro, a noitinha, podia ser essa hora, só de manhã que eu ia pegar ele, as necessidades tinha que fazer lá, de dentro da rede.
P/1 – Quem era essa pessoa? Era uma pessoa?
R – A necessidade deles ele tinha que fazer lá, só pegava pela manhã…
P/1 – E você ficava onde, Jaldo?
R – Hein?
P/1 – Ele ficava ali e você?
R – O chefe ficava no rancheiro que era o barco que tinha com o rancho, com as coisas.
P/1 – E por quê que ele tinha que ficar ali?
P/2 – Porque era só água…
R – Porque não tinha chão pra gente acampar, não tinha chão, era só água.
P/1 – E você… o que é o rancheiro?
R – Rancheiro é o barco que carrega a comida, o fogão, as comidas.
P/1 – E não cabia dois lá?
R – Cabia até três, mas tinha o cozinheiro também que tinha que dormir lá, porque no dia seguinte, tinha que passar um café (risos).
P/1 – E como é que ia a madeira assim, toda solta, vocês iam carregando…
R – Ela ia solta, aí nós soltava os homens em cima, aí o barco ia atrás, aí tem uma tampa, i grampava assim, não passava, aí os caras tinham que vim, pular dentro, mexendo cabeça por cabeça para afundar para ter que desmanchar… aí, a esteira corria pro mundo aí, quilômetros de esteio de pau um atrás do outro aí, espalhado no mundo…
P/1 – É aquela esteira, né, que você falou? Era a esteira que ia, ela não ia solta? Iam as esteiras, né?
P/2 – As toras de madeira aqui, na frente aqui ficavam quilômetros dessas…
R – Tinha peão que montava em cima de uma tora, puxava assim, entrava lá dentro do mato e botava outra para fora para descer, descia todo mundo…
P/1 – Iam as esteiras, né? As esteiras de toras que vocês levavam?
R – É, as jangadinhas que a gente chamava. Aí, um dia, você conhece o seu Delfino? Tem até a avó dele aí, ele chegou a me dizer que ele era da equipe do Ademar e eu era do Moisés, era a minha equipe e a equipe do Ademar. Ele disse: “Eu estava lá naquele dia, eu lembro que nós chegamos num, lugar por nome Zé Américo, nós fomos pro chão, e fomos correr pelo chão, para pegar as abóboras do velho”, eu digo: “Rapaz, então tu tava mesmo” “Vou lhe mostrar como tava”, disse: “Você lembra de um dia que você jogou uma isca dentro do rio e amarrou no punho da rede do peão que tava dentro do barco? E de noite, quando o peão acordou, o peixe tava querendo jogar ele dentro do rio?”, aí eu fiquei… rasgaram até o mosquiteiro do homem, depois, o diabo do velho tava mesmo, aí ele provou que ele tava, era duas equipes, mas eu não pensei que ele tava lá, eu achei que não tinha muita gente mais viva naquela viagem doida lá nossa.
P/1 – E você… voltando um pouco para a sua história pessoal, assim, com essa lida toda, você casou em que época?
R – Eu casei… deixa eu ver…
P/1 – Não o ano, mas que época? Você já trabalhava com a balsa?
R – Quando eu casei, eu mexia com madeira, ainda. E aí casei aqui e aí sumi no mundo, não volto mais de dentro da mata, acho que eu sou casado, acho que eu tenho família, acho que eu vou ter que descer, aí desci. E desci bem na guerrilha.
P/1 – E como foi isso?
R – A gente não podia encostar depois das seis horas, deu uma hora dessa aí, eu cheguei, digo: “Não, vou encostar”, aí encostei, mas graças a Deus, não teve nada, não.
P/1 – E você teve filhos?
R – Duas. Uma que é casada hoje que tem a minha neta, nós estamos juntos, os três hoje, porque o meu sogro tem 103 anos e a minha esposa… mas eu tenho uma excepcional, uma criança, uma criancinha de 35 anos que não pode largar a mãe. Aí, é três meses que ela tá fora de nós, ainda tem mais dez dias e nesses dez dias, eu tenho que cuidar de tudo, sou cozinheiro, eu sou o barqueiro, tenho que trabalhar…
P/1 – Você continua como barqueiro?
R – Até hoje, graças a Deus. Eu já trabalhei hoje, um bocado de vez. Quatro e meia da manhã eu tô lá no porto da voadeira, pegando a vez, todo dia, todo dia.
P/1 – E o quê que você faz hoje? O quê que você transporta?
R – Gente. Carga nem tem mais, antigamente era gente e carga, agora, é só gente pra lá e para cá, gente que vai para o banco, gente que vem do banco.
P/1 – E para lá e para cá, onde?
R – Do São Geraldo, daquela cidadezinha ali para o porto.
P/1 – Porque tem a balsa lá…
R – Tem, mas não passa carro e demora, aí o povo vem mais é de voadeira.
P/1 – Entendi.
P/2 – Aqueles pequenos barcos que ele tem.
R – Lancha eu tenho.
P/2 – Queria que ele enfatizasse mais a questão da enchente de 1980. Como foi? Se você conheceu gente com problemas por causa da enchente, de moradia.
R – Muita gente, inclusive, nós. A minha mãe… porque ele enche bem devagarzinho , ele chegou batendo palma e a minha mãe zangada e eu: “Dona Raimunda, o quê que a senhora tá pensando? Os invasores aqui somos nós, ou a senhora que ele nunca andou aqui? Ali na Afonso Pena”, e ele foi tomando, nós fomos morar junto com o padre, o padre José Vicente, ficamos morando lá junto com o padre…
P/1 – Muita gente foi morar lá?
R – Muita gente. O banco era ali onde é o armazém Paraíba, ele foi lá para o Paulo VI. Aí foi quando surgiu aquele São Geraldo de dentro, porque esse de baixo, ali, essa cidade tomou toda, aí surgiu aquela outra cidade, lá é duas cidades…
P/1 – Por que será que teve essa cheia, Jaldo? O quê que vocês diziam na época?
R – Como é que é?
P/1 – O quê que vocês diziam na época? Por quê que tava acontecendo aquela cheia? Alguém via uma explicação?
R – Não, a gente só achou que foi muita chuva lá nas cabeceiras…
P/1 – E foi de repente, assim, como foi?
R – Esse rio é muito camarada, ele não enche de uma vez. Ele entra batendo palma, porque o Tocantins enche de uma vez e seca de uma vez, o Tocantins, a pessoa tá numa altura dessa aí, quando é de manhã, o chinelo dele que tava debaixo da rede já foi embora e ele já secou de novo, ele já encheu, já foi lá e já foi embora. Esse não, também quando é para secar, não adianta botar ele pra fora com a vassoura que ele não vai, não, é bem devagarzinho que ele vai. Ele é muito pantanoso. Aí, ele…
P/1 – Vai enchendo devagar?
R – É, vai enchendo devagar.
P/1 – E aí, todo mundo foi saindo das casas?
R – Tem que ir saindo, foi afundando, afundando, foi sumindo todo mundo.
P/1 – Nossa, e teve muito prejuízo, Jaldo?
R – Muito prejuízo. Um é mais… nem é muito prejuízo, até, porque é como eu tô dizendo, é bem devagarzinho que vem, a pessoa vai tirando as coisas, mas teve lugar que o povo não confiou, não tinha mais nem por onde sair.
P/1 – Teve gente que teve problemas assim? Morreu?
R – Não.
P/1 – Deu tempo de todo mundo sair?
R – Bem devagarzinho, vai lá. Também volta devagarzinho.
P/1 – E com a cheia, vocês continuaram navegando?
R – Navegando. Nessa época, eu já trabalhava na balsa, aí a balsa ficou amarrada lá onde era Alzira do Ferreirinha, lá pra dentro, nem as voadeiras não rodou. Naquela outra cheia menor, até as voadeiras nós ia lá naquele posto de gasolina, no primeiro posto lá que era um campo de futebol, até ali, nós ia de voadeira para deixar o povo lá. Ônibus pegar de lá, ônibus vinha aqui, aqui, derramava o povo, nós passava de voadeira de noite, de madrugada, toda hora, enchia as voadeiras aí dentro da rua e ia deixar lá e lá pegava para Marabá.
P/1 – Porque nas ruas não dava para andar.
R – Não dava, nem a balsa e nem na rua, não. Tinha que ser assim. Quando é muito alto como aquele hotel Araguaia ficava ali, aqui nesse hotel não entrava por aqui, não, entrava por lá, pelo fundo, por aquela outra rua, por aqui não entrava não. Era água mesmo.
P/1 – Jaldo, você gostaria de falar alguma coisa? A gente já tá terminando e assim, sobre a cidade que você veio desde criança e vive até hoje aqui em Xambioá, você quer deixar alguma outra história registrada, porque a gente já tá terminando…
R – Aqui, nós vivemos uma época que foi a época da guerrilha, que nós não tinha nada com isso, mas aqui era um ponto de apoio. Então, eu como barqueiro, os barqueiros mais velhos, aí nós tinha que trabalhar, né, então fomos inscritos os barcos para carregar o pessoal.
P/1 – Qual pessoal?
R – O Exército.
P/1 – Entendi.
R – Por meu conhecimento, mais tarde, eu trabalhei também com a Marinha. Aqui, era o General Bandeiras, nós andava por aqui, aí tinha o Doutor Jorge, esse era o único que ia no rio pescar mais nós. Aí, um belo dia, nós estava lá na ilha do Antônio da Helena pescando e tinha um voo naquele avião qualquer e ele se atrasou. Atrasou, aí o helicóptero sobrevoou nós, aí foi o helicóptero, ele metia a mão assim e mostrava os… aí atrasamos um pouco, aí quando chegamos no pé daquela ponte ali, separava ali, aí eles iam nos carrão preto pegar os peixe ali.
P/1 – Agora, você só levou mesmo o pessoal do Exército?
R – Só o Exército. Eu tinha amigos, tinha um amigo, só, Daniel. Esse Daniel era muito meu amigo, amigo de bode, de dança, de festa. Mas nunca que eu tava para saber. A última vez que eu vi ele, o Exército já tava aqui, eu já vi ele diferente, o cabelo meio amarelo, aí nunca mais eu vi.
P/1 – E ele era da guerrilha?
R – Ele era da guerrilha.
P/1 – E ele falava alguma coisa para você?
R – Nada. Cara alegre, ia, voltava, cabeludo…
P/1 – Mas ele vivia aqui muito tempo? Viveu aqui na cidade ou ele ficava vindo e voltando?
R – Não, ele não viveu muito tempo, não. Esse cabra viajava, vinha, tinha muita gente deles era no Pará, aí eles me destacaram para o Remanso dos Botos. Remanso dos Botos, o rio faz uma…
P/1 – Eles quem destacaram?
R – Aí eu já fui para a Marinha por causa do rio. E aí, o Remanso do Boto, ele é assim, e os motor não era os de hoje, eles eram diferentes e eles minaram assim, minaram do rio assim, para cá, quem tivesse aqui onde nós ficava, tava aqui, quem viesse de lá, voava pelos ares e quem fosse daqui pra lá, também. Só que eu não sabia de nada, quebrou o timão do meu motor, eu simplesmente peguei um facão, aí peguei o facão e…
P/1 – Sozinho?
R – Fui sair para cortar o pau, aí ele me deu um grito, aí se reuniram e resolveram me contar para eu contar para o outro barqueiro. Aí, eu fui para o Goiás, para tirar o pau para fazer o timão, aí eles foram obrigados a contar que não podia ir para lá e eu avisar para o outro também, era minado, se eu fosse, voava pelos ares.
P/1 – Nossa, minado?
R – Era minado. Aí quando eu saía com eles, chegava na Barra da Sicupira, nós se combinava, eles pulavam no chão e corriam assim, eu já sabia, o quê que eu ia fazer? Tinha umas capoerana no Porto do São José dos Claros, eu tinha que encostar o barco e não tinha que pisar no chão, eu tinha que ir por dentro da água e subir na capoerana.
P/1 – O quê que é capoerana?
R – É um pau. Pau alto que eu tinha que ficar num galho daquele, que eu tivesse visão lá onde eu tinha deixado eles. Eu tinha que passar o dia todinho lá em cima daquele pau olhando para lá.
P/1 – Por quê?
R – Para quando eles fizessem sinal, aí eu descia, pegava o barco e ia atrás. Aí, nosso rádio era o Papagaio Avançado e eu deixei no chão e eles não chegaram, aí já estava escurecendo, eu digo: “Vou atrás deles”, aí o cara do rádio: “Vai que você não volta” “Vou e volto”, me chega a dar arrepio aqui, aí desci: “Meninos, olha o barco, vocês erraram o barco, o barco…”, nunca parei de dizer do barco, passei bem no meio deles: “Pra onde tu vai, doido?”, aí eu risquei lá e voltei, aí nós viemos…
P/1 – E pegou eles?
R – Nós subimos, porque eu ensinei eles onde tava o barco lá em cima para nós vim para o acampamento.
P/1 – E você viu algum sofrimento ou alguma situação difícil? Com tudo isso, né, minas, todo esse aparato, você viu alguma cena que te marcou?
R – Não, esse grito, também uma vez… o major Noaldo, esse era do Exército, na pancada da Sumauma, motor apagou o fogo e nós descermos fui lá no rumo do paredão ele correu para tirar as botinas lá, empurrou ele assim, ele disse: “Ainda tem perigo?”, aí eu no impacto do susto, eu: “Nós já passamos da hora de morrer”, ele disse: “Rapaz, que conversa doida é essa?”, aí ficamos lá, eu tirei a agi do motor, das velas, nos achamos uma canoa, ele tinha muita força e eu também, desalagamos ela, botamos em cima do barco, descemos, deixamos num lugar, fomos para Santa Cruz, quando nós voltamos, botamos a canoa dentro e levamos para Remando do Boto. Lá, eles ficaram com a canoa, acho que o dono foi buscar, mas se não fosse o Noaldo, o dono também nunca mais ela ver ela, não.
P/1 – Agora Jaldo, eles pagavam vocês ou vocês eram obrigados?
R – Pagavam. Pagava sim.
P/1 – Mas vocês não tinham escolha, tinham, que servir eles?
R – É, que nós estava inscritos e era…
P/1 – Inscrito, como?
R – Era no caso, inclusive, chegaram, tinha piloto melhor do que eu, mas ele… tem um piloto velho aqui mesmo que até começou a me chamar de Xerife, porque qualquer coisa que acontecia com um barqueiro daquele que tava inscrito, eu que tinha que ir lá, os outros, não, aí eu ia lá para resolver a parada.
P/1 – Vocês que se inscreveram?
R – Dos inscritos que tava lá.
P/1 – Mas quem que inscreveu?
R – O General, a turma lá, os barqueiros, quantos barqueiros? Dez, era o Edson Costa, o Raimundo Claro, o Joaquim Borges, o Vicente Borges, eu…
P/1 – Mas quem que escolheu os barqueiros que iam fazer esse trabalho para o Exército?
R – Foi lá o General.
P/1 – Ele que escolheu?
R – Ele que escolheu, que era os que tinha mais conhecimento.
P/1 – Então, vocês foram… alguém indicou que vocês eram esses barqueiros bastante experientes e eles fizeram essa inscrição…
R – Essa inscrição, foi e aí de lá, ele: “Quem você acha que pode ser?”, eu digo: “Para onde é?” “Para baixo” “Fulano, fulano, fulano…” “Para cima” “Fulano, fulano, fulano…”, porque eu sabia todos eles…
P/1 – Alguém falou: “Não vou, eu não quero fazer esse serviço”?
R – Não. Todo mundo foi.
P/1 – Alguém se sentiu obrigado a fazer?
R – Não.
P/1 – Não?
R – Não. O João Pezão trabalhou, Zé Hugo trabalhou também.
P/1 – Então, a gente já vai terminar. Olha, eu queria ficar aqui até… até mais tarde… no tem como.
R – Mas aí tem que viajar, né?
P/1 – Não é só isso, é que a luz agora não tem mais… vai ficando escuro, né?
R – Vai ficando escuro.
P/1 – Tá certo? Apesar que lá dá, né? Se precisar…
PAUSA
P/1 – Pode falar
R – Eles não tiravam foto, não sei como eu recebi um foto que Comandante Fragata da marinha, Almeida tirou dentro da pancada, da cachoeira, assim, eu pilotando, até a camisa meio aberta assim, eu em pé, agarrado aqui, e eles mandaram para mim essa foto. Agora, não sei como que eu recebi essa foto, que eles tiraram de mim. Eles mesmos não tinha foto, não.
PAUSA
R – Eles me chamavam era… eu não tinha nome, meu nome ninguém falava, chamavam Xambioá e Charles Bronson do Araguaia.
P/2 – Porque tem o Charles Bronson, ator americano.
R – Era o nome que eles me chamavam, a turma da Marinha.
P/1 – Achavam o senhor bastante valente como ele, né?
R – Aí, eu tinha um amigo, ele já tá no andar de cima, nego doutor capitão Evaldo Neves da Costa, nesse dia, eu me senti morto naquela hora, ali hoje onde é o Paraíba, era a separação, nós tava bebendo, eu e mais ele, esse capitão e entrou um capitão da Aeronáutica com a cartucheira de bala, assim e revolver aqui assim, vai entrando de lá, eram só eles que estavam lá dentro. Naquele dia, eu morri, aí depois, eu vivi. E o capitão, o meu amigo falhou com ele. Aí ele enroscou: “Também sou capitão, o nosso povo da nossa cidade está assombrado, nós não tem nada com isso, aqui é um ponto de apoio, o senhor entra aqui parecendo mocinho de cinema”, oh, digo adeus meu mundo velho, aquela hora eu pensei que eu ia viajar, rapaz. Ele desarmado e eu também. Eram só eles que estavam lá dentro, lotado, lotado, esse que chegou nessa situação, ele era capitão da Aeronáutica, naquela hora ali… eu fui no outro mundo e voltei.
P/1 – Jaldo, você acha que o pessoal da cidade estava realmente assombrado?
R – Ficava todo mundo assombrado aqui.
P/1 – Por quê?
R – Porque aí, à noite, principalmente.
P/1 – Por quê?
R – Agora, eu sempre tive sorte, quando eu ainda não trabalhava com eles, ninguém chegava aqui de noite, eu cheguei essa vez de cima e eu cheguei com um cunhado meu, meu concunhado vinha bêbado, eles bateram a lanterna chegando da Santa Cruz de noite, o reduto lá não podia. Aí, bateu lanterna, ele xingou os homens para eu me agasalhar, parece que eu não era eu, até eu arrumar esse negócio aí…
P/1 – Mas por que à noite Jaldo que não…
R – Não podia chegar aqui, passou das seis horas, não saía e nem chegava.
P/1 – Quanto tempo durou isso?
R – Passou por um bocado de dias, um bocado de tempo.
P/1 – Quanto tempo durou tudo isso?
R – Não tenho mais ou menos assim…
P/1 – Um ano, dois anos…
R – Não foi esse tanto, não. Foi menos.
P/1 – Foi menos tempo.
R – Foi pesado, mesmo. Aí, quando aqueles aviões chegavam, eles pegavam o povo na rua, pode ser quem fosse, prefeito, quem fosse e botava para descarregar, tinha que ir embora, não podia ficar…
P/1 – Descarregar o quê?
R – Avião, aquele aviãozão grande. Botava para descarregar.
P/1 – Descarregar como, você diz?
R – A carga que vinha dentro, tinha que tirar todo. Botou gente para cavar pedra em estrada.
P/1 – Por quê?
R – Para ajudar eles, não tava fazendo nada, não podia ficar brincando, não. Era pesado.
P/1 – Tá certo.
P/2 – É verdade que eles fizeram um prefeito carregar pedra para fazer uma ponte?
R – (risos) Naquela época, era o velho, Manuel Pinho…
P/1 – Mas aconteceu isso mesmo?
R – Quem eles vissem, eles botavam para carregar pedra, não tinha negócio…
P/1 – Mas você viu essa história acontecer?
R – Não, não vi não. Só história. Mas eu mesmo, não vi.
P/1 – Entendi. Mas como era isso?
R – É porque tinha umas pedras lá e para passar os carros, que atolava lá, no posto fiscal para chegar naquela ponte, lá. Aí, avião também para não atolar, botavam os caras para trabalhar.
P/1 – E nessas viagens todas que você fez com eles, você viu algum guerrilheiro, Jaldo?
R – Não, não vi.
P/1 – Não?
R – Eu vi antes de quando começou, não vi mais.
P/1 – Você viu o Daniel, né?
R – Esse era meu amigo, a Dina que ficava… o Paulo jogava futebol ali, no porto daquelas voadeiras, mais os meninos ali, jogavam ali.
P/1 – E eles faziam algum mal assim?
R – Não, mal a ninguém.
P/1 – E eles falavam alguma coisa do que eles estavam fazendo?
R – Não, não falavam nada. Eles faziam só ajudar o povo.
P/1 – Como?
R – Lá no Pará, eles ajudavam muito o pessoal.
P/1 – Lá?
R – É.
P/1 – E eles falavam que estavam fazendo o que aqui?
R – Não tenho a mínima ideia, mas eles… a Dina receitava, fazia passe, dava remédio para o povo, ajudava, tava fazendo muita amizade, já.
P/1 – E eles ficavam aqui direto ou iam e voltavam?
R – Iam e voltavam. Eu vi ali hoje um de Ademar Ribeiro. Porque o Osvaldão não era nego feio, não, nego polido, nego caquético, nego dançando com a mulher, ele passava mais de palmo da mulher assim, mulher dando nele assim, era um nego polido, nego que tinha muita força para carregar saco de açúcar na cachoeira Santa Isabel.
P/1 – Ele ajudava?
R – Ajudava. Ele vinha por dentro.
P/1 – Jaldo, a gente vai terminar agora, a gente fala que vai terminar e não termina, né?
P/2 – Que o papo do seu Jaldo é muito bom, né?
P/1 – Muito bom. Jaldo, você quer falar alguma coisa que a gente não te perguntou pra gente terminar?
R – Não.
P/1 – Agora é a última fala, assim.
R – Não. Só desejar boa viagem para vocês e muita sorte.
P/1 – O que você achou de contar a sua história?
R – Eu me senti bem.
P/1 – Você já contou muitas vezes, né, a sua história?
R – Nem tanto assim, o tanto que eu conversei aqui e agora.
P/1 – O quê que você achou assim, de ter feito… contado todo esse tempo?
R – Me senti à vontade, aqui, não sei se foi a presença de vocês, do Zé Wilson que é amigo da gente, a gente se entende muito bem, eu me senti à vontade. Me senti muito bem.
P/1 – Então tá bom, a gente também gostou muito. Você viu que foi escurecendo, a gente foi ficando, né? Até agora. Então muito obrigada, Jaldo, parabéns por tudo que você já trabalhou aí nesse rio.
FINAL DA ENTREVISTA
Dúvidas:
R – Não, era oito, era quatro num porão, quatro no outro. Para botar aqueles bois dentro, o Zé conheceu um cabra aqui na _____00:24:16____, nós estava nós dois, aí chegava o boi lá, aí disse: ‘Quem vai pilotar o cabra?” – Página 08.
“No restaurante porta aberta”, aí encostei na sombra, quando eu cheguei no ____00:36:47___ enxerguei a perna do cara. – Página 11.
“Não solto não”, enquanto eu não botei as enfermeiras… vai ter medo de um defunto… enquanto elas não pegaram na perna dele, as duas com
mão, eu não tirei ele de dentro do __00:37:49___. – Página 11.
[…] aí empurrei ele lá, vou subindo, enxerguei uma voadeira minha e aquele ___00:38:22____ e o filho do Zé Moura era policia, e eu conheci a minha canoa e o piloto, aí cheguei, encostei lá, e o rapazinho filho do rapaz tava dentro. Eu não sabia, né: “E aí, cadê…” – Página 11.
Aí ele cortou a perna da calca dele que tava de calça, aí tampou a cara dele. Aí, o ___00:39:41______ daqui a pouco chegou com o caixão. Aí, colocamos dentro. – Página 11.
De Conceição para baixo, tem um lugar pelo nome ____00:46:45____, essa não era tão forte assim, mas para vim para cá, aí tinha a primeira aqui, descendo é o João Com, era o Pacu, Jacu, Pau da Arcão e Correinha, aqui. – Página 13.Recolher