Votorantim Fercal
Depoimento de Luiz Firmino de Souza
Entrevistado por Andréia Aguiar e Márcia Trezza
Fercal, 09/06/2015
Realização Museu da Pessoa
VOF_HV009_Luiz Firmino de Souza
Transcrito por Ana Carolina Ruiz
MW Transcrições
R – Dizem eles que eu nasci no dia seis de maio de 1933. Di...Continuar leitura
Votorantim Fercal
Depoimento de Luiz Firmino de Souza
Entrevistado por Andréia Aguiar e Márcia Trezza
Fercal, 09/06/2015
Realização Museu da Pessoa
VOF_HV009_Luiz Firmino de Souza
Transcrito por Ana Carolina Ruiz
MW Transcrições
R – Dizem eles que eu nasci no dia seis de maio de 1933. Diz que eu nasci nesse dia, né? Eu não vi. Se vi não entendi. Não entendia nada naquele tempo. Mas eu nasci no dia seis de maio de 1933.
P/1 – E quem passou essa informação pro senhor?
R – Foram meus parentes, meus pais, irmãos e tal.
P/1 – Seus pais, né? E onde o senhor nasceu, seu Luiz?
R – Quando eu nasci?
P/1 – Onde. O local. Qual estado?
R – Eu nasci em Tauá.
P/1 – Tauá fica onde?
R – Tauá fica lá nos calcanhares do Judas lá do Ceará.
P/1 – Do Ceará, né? Qual o nome do senhor?
R – Luiz Firmino de Souza.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – Francisco Firmino de Souza e Francisca Vieira de Souza.
P/1 – E o que o senhor lembra do seu pai, seu Luiz?
R – Lembro que ele era um homem alto, é até bem parecido e tudo, mas morreu.
P/1 – E da sua mãe?
R – Minha mãe era uma mulher baixa assim do tipo dessa daí e tranquila também.
P/1 – E o que eles faziam, seu Luiz?
R – Pelejavam com a vida.
P/1 – Esse pelejar eles trabalham com o que?
R – Pelejavam com a vida porque ganhava a vida assim trabalhando de qualquer jeito e tal e ia levando a coisa. Porque de gente pobre você sabe como é que é, é igual sua mãe, peleja daqui, peleja acolá, briga com um, arruma com outro e tal, mas gente pobre só vive de sofrimento mesmo.
P/1 – E o senhor lembra lá da sua casa, do local onde o senhor morava quando era criança?
R – Lembro. Eu me lembro de alguns lugares. Algumas coisas que aconteceram comigo eu lembro, mas muito pouco.
P/1 – O senhor gostava de brincar?
R – Toda vida fui brincalhão. Toda vida brinquei e acordei cedo e comecei a tratar da vida pra aqui, pra acolá trabalhando, né? Estudei. Eu estudei em Crateús. Crateús era minha cidade, a cidade que eu fui criado. Eu cheguei lá grandinho já, aqui com uns seis, sete anos mais ou menos. Estudei lá uns tempos e tal, fui embora pra Fortaleza, lá em Fortaleza eu danei por aquele sertão do Ceará lá, Iguatu, praquele mundo lá trabalhando nuns cantos e noutro e tal.
P/2 – Quando o senhor era criança o senhor disse que se lembra de muita coisa, né? O senhor se lembra de coisas assim, do que o senhor lembra?
R – Eu me lembro de pouca coisa do tempo que eu era criança porque logo eu fiquei adulto que eu comecei a trabalhar. Aí era adulto, eu fui vaqueiro, fui tudo na vida. O sertão do Ceará eu corria atrás de boi brabo e tal.
P/1 – E essa época que o senhor corria atrás de boi brabo o senhor lembra a idade que o senhor tinha? Era mocinho?
R – Dezoito anos mais ou menos.
P/1 – Uns 18 anos, né?
R – Dezoito anos. Agora quando eu completei a idade mais ou menos de 26 anos eu vim embora pra cá. Vim embora pra cá, cheguei aqui, fiquei aqui na Cidade Livre, carrapato, percevejo, tudo quanto era troço me mordendo, eu digo: “Uai, mas eu não vou ficar aqui, não, uai”. Saí doido no meio do mundo sem dinheiro, tinha acabado o dinheiro, vim parar aqui nessa pedreira aqui.
P/1 – A Cidade Livre era onde aqui em Brasília, seu Luiz?
R – Era lá no Bandeirante.
P/1 – No Núcleo Bandeirante.
R – Era. Eu fiquei lá na Cidade Livre ali numa pensão lá, eu ficava deitado assim olhando, as pulgas vinham assim andando no rumo da gente assim pra morder. Eu digo: “Que diabo é isso? É pulga e tal”. Aquela coceira também. Nunca vi daquele jeito.
P/1 – O senhor falou que com seis anos chegou pra estudar...
R – Não. Com seis ou sete anos mais ou menos eu comecei a estudar.
P/1 – Aí depois logo o senhor foi trabalhar, mas o senhor morava com os seus pais quando você mudou?
R – Morava. Eu morava com eles. Mas aí depois eu vim pro sertão do Ceará, larguei-os lá em Fortaleza e “simbora” pra cá.
P/1 – Ah, tá. Essas mudanças foram com os seus pais?
R – É. Aí fui trabalhar nas fazendas. Trabalhei muito...
P/1 – Com 18 anos?
R – É. Depois dos 18 anos.
P/2 – Seus pais trabalhavam em que, seu Luiz?
R – Meu pai vivia de negócio assim, fazendo negócio, comprando porco, galinha, bode, tal e vendendo lá na cidade, em Crateús, quando nós morávamos lá. Depois eu fiquei adulto, eu estudava numa escola lá, no colégio, aí fiquei adulto, larguei aquele negócio pra lá, eu digo: “Eu vou cuidar em trabalhar”.
P/2 – O que o senhor se lembra da escola? Como era a escola?
R – A escola era um grupo escolar. Era um grupo de muita gente e tal. Morreu uma estudante lá, estudante de 16 anos, e nós ficamos lá em cima de uma terra lá no cemitério assistindo aquele negócio e tal até umas sete horas da noite. Deu uma ferida brava na minha perna que eu gritei oito anos. Seis meses com essa perna doendo. O tornozelo assim enchia de pus aquilo, limpava aquilo, lavava, quando era no outro dia tava cheio de pus de novo.
P/1 – Aí curou...
R – Foram seis meses. Eu curei com Avitrin, essa eu lembro bem, Avitrin e tinha outro remédio, um Pó de Joana. Um tal de Pó de Joana que ele era um trem amarelo assim, a gente colocava em cima assim e colocava um ovo lá dentro, quebrava um ovo, cozinhava. Era bem aqui no tornozelo aqui, mesmo em cima aqui, aquele buraco fundo e a perna inchada assim. Fiquei seis meses.
P/2 – Mas o que foi que...
R – Foi no cemitério. Eu lá assistindo esse negócio dessa...
P/1 – Esse enterro.
R – Essa menina que morreu era uma menina filha de gente rica e tal e eles ficaram até de noite lá discursando e fazendo aquelas coisas. E eu lá, os alunos tudo lá em cima daquela terra. Custei a curar a perna com essa ferida. Eu fiquei pouco com o meu povo porque eu vim do sertão trabalhar, do sertão lá eu desandei pra cá pra vir ganhar dinheiro aqui em Brasília, cheguei e ganhei, foi a vida, eu fiquei com a vida comprida demais e sem opção pra voltar. Vim parar aqui, trabalhei com o de Roure parece dez anos. Dez anos eu fiquei no velho de Roure, ele que me deu isso aqui.
P/1 – Quem que deu pro senhor, seu Luiz?
R – De Roure.
P/1 – De Roure?
R – É. Ele que me deu essa área aqui.
P/1 – Que deu essa área pro senhor, né?
R – É.
P/1 – E quando o senhor chegou aqui?
R – Quando eu cheguei aqui eu não tinha nada.
P/1 – O senhor lembra o ano que o senhor veio pra cá, seu Luiz? O senhor disse que veio com 26 anos, né?
R – Lembro. Eu tava com 26 anos, 27 quando eu cheguei aqui. Foi em 1960.
P/1 – E o que tinha aqui na região, seu Luiz, quando o senhor chegou aqui?
R – Aqui não tinha nada. Aqui só tinha a pedreira ali e nós fizemos a estrada pra descer ali da outra estrada Carroçal, que era a Estrada Carroçal que passava aí. Nós fizemos a estrada de lá até aí na outra estrada. Fizemos a estrada, fizemos o britador, montamos o britador, montamos o silo, montamos tudo.
P/1 – Mas esse britador é de qual empresa?
R – Era do finado de Roure.
P/1 – De Roure? Qual era o nome da empesa dele?
R – Herlygenes de Roure. O nome da empresa dele era Fertil.
P/1 – Fertil. Ah, tá. O senhor fala que essa Fertil é aquela que era ali na Fercal ou era aqui no Queima Lençol?
R – Não. Ele era sócio da Fercal. Mas ele vendeu, quando eles venderam lá a Fercal ele foi e criou esse britador aqui.
P/1 – E era aqui onde?
R – O britador ali. Ali mesmo. Tem até uma pranchada ali, um paredão de pedra lá, tem a pranchada, tem tudo aí.
P/1 – Só pra eu entender, seu Luiz, lá era Fercal aí ele abriu outra aqui com o nome de Fertil?
R – Fertil.
P/2 – Era o mesmo dono?
R – Ele era dono de lá também. Ele era sócio de lá. Parece que eles eram nove sócios.
P/1 – A Fercal tinha nove sócios, aí ele abriu aqui a Fertil.
R – É. Aí eles venderam lá na Fercal, venderam pra Tocantins mesmo. Aí caíram fora, o de Roure ficou com essa pedreira aqui e os outros foram embora pra lá, acho que já morreram tudo. De Roure foi um que morreu em 74.
P/1 – E aí depois que o senhor veio pra cá, começou a trabalhar com ele aqui no Queima Lençol.
R – Comecei a trabalhar com ele aqui. Trabalhei com ele dez anos, depois fiquei aí que ele não me deixou sair daí mais. “Agora você não vai sair daqui, não”. Eu tinha que ficar porque ele morava lá no Plano, disse: “Se você precisar de alguma coisa, Luiz, você vai lá e fala comigo e tal, mas você não sai daí, não”. Porque ele tinha muita confiança comigo.
P/1 – Sim.
R – Se eu saísse ficava a toa aqui o lugar, né? Aí eu tinha que ficar.
P/2 – Qual o trabalho que o senhor fazia quando ele ficava lá?
R – Eu trabalhava no silo.
P/2 – O que é trabalhar no silo?
R – Trabalhava no silo entregando carrada de brita pra cidade. Entregava carrada de brita, fazia nota, fazia tudo.
P/2 – O que é silo?
R – Silo é um trem de armazenar pedra.
P/2 – Silo?
R – Silo. Armazenava a pedra e ficava ali, né? Aí chegava um carro, você o enchia de pedra. Abria as torneiras lá.
P/1 – E como que foi vindo o pessoal pra cá?
R – Esse pessoal aí vinha, aparecia assim, às vezes vinha da Bahia, vinha de todo canto aí, vinha gente. Chegava aí, fichava e tal e ficava trabalhando mais nós. Aí quando eles iam embora todo mundo, às vezes ele parava a pedreira e tal: “Você não sai daí. Fica aí”. Aí eu ficava. Quando foi no tempo que ele saiu mesmo da pedreira que ele tinha colocado as pedreiras pro... Vendeu a pedreira pra Ciplan, aí ele ficou parado. Parou. Colocou-me na Ciplan. Eu trabalhei na Ciplan 20 anos. 23 anos. Aí eu passei 23 anos na Ciplan.
P/2 – Qual o trabalho do senhor nesse tempo todo?
R – Eu trabalhava no Roc, trabalhava em serviço de topografia. Eu trabalhei muito tempo nesse serviço de topografia, trabalhei acho que cinco anos. Depois eu passei pro Roc, aí trabalhei o resto da vida.
P/2 – O que é Roc?
R – Roc é uma perfuratriz grande. Hoje tinha uma ali na frente do posto médico ali, um Roc daqueles que eu trabalhava.
P/1 – Ah, meu Deus. Que recordação, hein.
R – Eu passei por ele até voltei, larguei o carrinho lá e voltei, fui olhá-lo direito.
P/1 – Que gracinha.
R – Ele tinha só umas diferenças nas chaves, mas era o mesmo Roc que eu trabalhava. Ele puxa o conversor e ele mesmo fura a pedra e tira as hastes. As hastes, tem uns que tiram as hastes e colocam lá e tem outros que não. Esse aí é dos que não tiram, ele só desparafusa a haste, a gente pega e coloca lá. Queima as mãos, que a bicha sai quente de lá que sai fervendo. Quando a luva tá fraca a mão da gente vai...
P/2 – O senhor fica segurando aquilo?
R – Não. Tem que segurar pra poder pegar a haste na hora de tirar, né? Aí é a hora de você queimar, se a luva não tiver boa.
P/1 – Queima a mão, né? Seu Luiz, além da Fertil, qual era a outra empresa que depois veio pra cá?
R – Daí pra cá eu trabalhei na Ciplan.
P/1 – Teve a Ciplan e aquela...
R – Tem a Fertil, teve a pedreira...
P/1 – Pedreira Planalto?
R – Planalto. Mas a Planalto é o seguinte, eles colocaram o nome de Planalto, que aqui era do de Roure, a Fertil, aí eles arrendaram pra ele e colocaram outro nome, Planalto e tal, Pedreira Planalto. Justamente era o João Alemão e o Rafael. Rafael, coitado, era mecânico aí o João Alemão começou a tomar pinga, deu uma peitada lá morreu e o Rafael tomou conta. Tomou conta pra uma viúva e tal, a viúva era uma mulher muito bonita e muito chique, a viúva do João Alemão. Você não a conheceu, não?
P/1 – Não. Só ouvi falar.
R – É mulher bonita a danada. Ela veio por aí uns dias e tal, aí falou: “Rafael, você toma conta que eu não vou mexer com pedreira, não. Não tô doida”. Entregou pro Rafael, o Rafael melhorou de vida, subiu.
P/1 – E como que foram vindo essas pessoas que moram hoje aqui, seu Luiz? Como que foi vindo, devagarinho?
R – Vinham de todo canto. É como eu digo, vinha da Bahia, vinha do Ceará, vinha não sei da onde e tal, como o Chico Ceará mesmo morou ali.
P/1 – Foi.
P/2 – Brasília já tava construída nessa época que o senhor trabalhou?
R – Já. Brasília já tava construída na época das pedreiras aqui. Nós é que mandamos o material pra construir Brasília. Um dia eu fui na W3 ali, quando eu tava “serviçando” lá, trabalhei na Camargo Corrêa e fui pedir as contas. O sujeito me deu as contas e tal e eu andei ali naquela W3 ali procurando serviço. “Ali tem a firma do Fulano e tal”. Chegava lá: “Como é? Tá fichando aí?” “Não. Vai fichar amanhã”. Aí cheguei na rodoviária tava aquele buraco, buracão danado. “Que diabo que eles vão fazer aqui desse prédio?”. Entrei lá tinha uns barracões de tábua lá dentro, barracãozão grande, falei pro cara, digo: “Vocês não estão fichando aqui, não?” “Tá não. Hoje não. Mas segunda-feira você venha aqui, pode me procurar que você já tá fichado.” “Tá bom. Então segunda-feira eu volto aqui”. Saí de lá, quando cheguei aqui no Colorado ali, no Café Planalto ali, café da escurinha lá, é o Colorado que chama hoje, cheguei lá no café da escurinha, eu tô lá chega o Calixto. Calixto era chefe das máquinas da Camargo Corrêa. “Eu vou fichar 50 homens hoje, de hoje pra amanhã que é pra irem pro rio, outros ficarem aqui e tal”. Eu digo: “E eu não posso fichar aí, não?” “Pode. Então me dá os documentos aí”. Eu dei os documentos pra ele, disse: “O senhor não tem retrato, não?” “Tenho não.” “Então o senhor vai lá na Cidade Livre, pega esse carro aí...” uma F600, você vê como é que era fácil naquele tempo “Pega esse carro aí, vai lá na Cidade Livre e tira o retrato e traz pra mim amanhã cedo. Você dorme lá no acampamento da Camargo.” “Tá bom.” “O rapaz te leva e tira o retrato lá da Cidade Livre, volta e dorme lá, quando for manhã, cinco horas os carros saem pra cá, você vem”. Assim eu fiz. Cheguei, peguei ali na Camargo Corrêa, eu cheguei lá no Café Planalto, esperei-os, eles chegaram, chegou e disse: “Pode entrar nesse carro aí. Você vai trabalhar mais esse aí, mais o Estevam. O Estevam vai fazer os bueiros”. Os bueiros da estrada federal que descia lá do Café Planalto, até no Café Planalto não tinha estrada, tinha a Estrada Carroçal, a estrada de carroça. “Vocês vão fazer os bueiros tudo”. Aquele bueiro dali da Fibral, aquele bueiro tem mais de 200 manilhas de um metro, tudo de metro assim. Nós descemos essas manilhas lá e começamos a fazer esse bueiro, menina, e era pouca gente, parece que eram seis peões. E o velho, um baiano velho do pé desse tamanho ficava sentado em riba das manilhas só: “Põe dali. Põe de cá. Tira pra cá”. Eu digo: “Você tá tranquilo, eu vou embora que eu não gosto de ficar mandado. Esse velho fica só mandando aí e eu não gosto desse negócio, não. Eu vou embora daqui”. Aí quando foi um dia de manhã, nós estávamos trabalhando lá, chegou o seu Alfa. Sujeitão vermelho lá assim, olhando nós trabalharmos, disse: “Estevam, pega aqueles rapazes e trá-los pra cá pra nós levarmos eles lá na galeria pra fazer um serviço lá, que a máquina não deu conta de tirar a terra e tem que tirar uma terra de um lado e do outro pra nós podermos continuar com as galerias”. A galeria era aqui no Fiote. Aqui. Na subida da Fercal aqui. Chegamos lá na galeria ele disse: “Rapaz, vocês façam esse serviço aí, vocês tirem essa terra aí, das duas cabeças da galeria e tá tudo certo”. E ficou de lá de cima olhando. Eu tinha nojo do sujeito falar que eu não trabalhava, que eu tinha que trabalhar, ele mandar e tal. Eu pegava um serviço e fazia mesmo. Aí peguei de um lado lá e fui tirando terra e fui jogando dentro dos carros, o sujeito ficava parado: “Tira o carro daí”. Tirava pra lá, eu enchia o outro. Seu Alfa tá lá em cima olhando. Quando foi de tarde ele disse: “Olha, baiano, se você não achar ruim ficar aqui, você vai ficar aqui mais nós. Você pode pegar suas coisas lá no acampamento até amanhã e venha embora pra cá”. Tá bom. Agora eu to achando bom porque dormir naqueles alojamentos lá cheios de pulga, percevejo e tudo.
P/2 – Era lá que tinha pulga, percevejo?
R – Era. Aí nós dormíamos debaixo de uma lona, uma lonona grande armada e tal e nós dormíamos debaixo dessa lona. Ele disse: “Olha, Uai...” ele me chamava Uai “Olha, Uai, você vai dormindo aqui na lona até nós arrumarmos outro lugar pra ir trabalhar”. Aí ele arrumou pra ir trabalhar lá na Bahia, na estrada da Bahia, que é justamente essa estrada que sai daqui Fortaleza, Brasília. Ele arrumou pra ir trabalhar lá naquelas beira de rio perigosas lá, que dá maleita, dá o diabo. Aí o generoso foi e me colocou numa lista pra ir lá pro piso do rio trabalhar lá. Tava faltando um marteleteiro lá e eu era novo e tinha muita força, e era interessado no serviço, eles iam me levar pra lá pra colocar no martelo pra poder terminar o serviço lá do piso do rio que era justamente a estrada de ferro que vinha pra cá, Brasília. Disse: “Leva aquele rapaz pra lá, leva o Uai pra lá que ele é bom”. O generoso foi e falou: “Você não vai lá pra Bahia?” Eu digo: “Não”. Colocaram-me aqui nessa lista aqui do piso do rio e a turma me animando: “Lá é bom demais, rapaz. Lá a gente vai pra cidade lá e lá tem muita gente”. Aí nós fomos pro piso do rio. Dia de sábado pra domingo nós íamos dormir no piso do rio, dormia na pensão lá, ia lá praqueles puxa faca e tal e no outro dia ia embora. Mas eu cansei de ficar lá de noite furando pedra de noite com a luz acesa no compressor, furando pedra de noite que é pra eles detonarem no outro dia.
P/2 – Pra que?
P/1 – Detonar.
R – Detonar pra poder fazer os cortes da estrada de ferro.
P/2 – O senhor furava a pedra com o que?
R – Com um martelo. Metia o martelo pra cima lá e prruuuuu, furava até de noite.
P/2 – Era uma máquina que ficava balançando?
R – É. Com uma máquina, máquina balançando, aquela máquina aqui, o martelo. Quando nós terminamos lá viemos pra cá pro Catetinho. O Catetinho lá na estrada do Luziânia, que eles pegaram o Catetinho pra fazer. Aí disse: “Olha, você quer ir pra Brasília?”. Eu digo: “Eu quero ir pra Brasília ou então vocês me dão as contas e eu vou embora.” “Mas eu não posso dar as contas, rapaz, você veio de lá transferido pra cá e tal.” “Porque você prometeu pra mim que se eu furasse com o martelo, ficasse no martelo você me pagava como marteleteiro. Um marteleteiro ganha 32, eu ganho 18 cruzeiros por hora. Trabalhei a semana toda fazendo hora extra e tudo pra ganhar essa mixaria? Eu vou embora.” “Então faz o seguinte, nós vamos te transferir pra lá. Você vai lá pro Catetinho, a hora que chegar um carro aqui nós te transferimos pra lá, você vai embora pra lá”. Tá bom. Aí chegou um carro de tarde cheio de aço, aço de martelo. O cara disse: “Esse rapaz vai mais você lá pra ficar lá no acampamento do Alfa lá”. Tá bom. Aí saí mais ele, dormimos lá no cabaré, chegamos no outro dia aqui em Brasília. Aí fiquei lá no seu Alfa. Fiquei lá, eu digo: “Diga uma coisa, o que eu vou fazer aqui?” “Não sei, rapaz. Ainda não sei, não.” “Por que me mandaram pra cá? Eu pedi as contas lá e eles disseram que não podiam dar, não. Aí mandaram eu vir embora pra cá.” “Aguenta a mão aí que de tarde a gente vê o que você vai fazer”.
P/2 – Essa empresa era qual?
R – Era a Camargo Corrêa. Quando foi de tarde eles chegaram e disseram: “O negócio é o seguinte, você vai tomar conta da guarda porque os guardas daqui não tão valendo nada. Tem um doente de puiapei e o outro não aguenta ficar à noite. Você fica à noite aí pra nós que nós pagamos todo dia 12 horas pra você e de sábado pra domingo você ganha direto, 36 horas”. Fiquei de guarda. Ia buscar café pra turma lá no acampamento da Camargo Corrêa, quando eu chegava com aquele café dava pra todo mundo, quatro, cinco pães, seis pães porque tinha baiano doido que comia cinco pães de uma vez, mas sobrava.
P/1 – Seu Luiz, depois que o senhor trabalhou na Camargo Corrêa que o senhor veio pra Fertil?
R – Foi. Depois que eu vim pra cá.
P/1 – Depois que o senhor veio pra cá?
R – Eu cheguei aqui em 60.
P/1 – Aqui na Fercal? Aqui no Queima Lençol?
R – É. Aqui eu cheguei em 60. Aí eu vim pra cá.
P/2 – Esses lugares que o senhor falou ainda não eram na Fercal?
R – Não. Esses lugares são lá pro piso do rio praqueles mundos pra lá.
P/2 – Brasília já era construída, mas...
R – Brasília tava construindo, mas tinha, aquelas partes do ministério eles tinham construído antes. Tava construindo o 28. O 28 todo dia caía um lá de cima, morria, porque não tinha jeito, não tinha recurso naquele tempo.
P/1 – Vinte e oito era o que, seu Luiz?
R – É aquele 28 andares que tem.
P/1 – Ah, tá. O de 28 andares, né?
P/2 – Tinha muito acidente?
R – Tinha. Ali morria gente todo dia e eles ainda ocultavam ainda. Às vezes o sujeito vinha de lá do nordeste com uma malinha ali e tal, eles colocavam a mala dentro do coiso e enterrava lá pro lado do aeroporto.
P/2 – É mesmo, seu Luiz?
R – É. Naquele tempo era dura a vida. A polícia era Gerb, a Gerb pegava qualquer um que tava na polícia. Eu mesmo quando cheguei aqui pelejaram comigo: “Você vai entrar na polícia e tal, você tem caixa pra isso”.
P/2 – O que é Gerb?
R – A Gerb eram os policiais daqui de Brasília.
P/1 – Porque antes era PM... Hoje é a PM, agora antigamente era Gerb.
R – Aí eu digo: “Não. Eu não vou entrar em Gerb, não. Você é doido? Eu vou mexer com isso nada.” “Não. Mas você sabe ler?” “Sei ler um pouquinho, mas não vou mexer com polícia, não”. Eu não gosto de mexer com os outros.
P/1 – Seu Luiz, aí quando que o senhor casou, o senhor lembra? O senhor já tava morando aqui? Como é que foi?
R – É. Eu já tava morando aqui há muito tempo e tal.
P/1 – Nesses trechos você não casou?
R – Juntei-me com a Maria preta, uma pretinha que tinha aí, fiquei uns tempos junto com ela e tal e depois eu larguei, fiquei sozinho.
P/1 – Mas o senhor já morava aqui no...
R – Já morava aqui no Queima Lençol. Morava aqui. Essa pretinha ficou mais eu uns dois anos. Aí tinha ciúme demais e era aquela agonia danada, eu digo: “Não. Eu vou largar esse trem porque eu não aguento desaforo de jeito nenhum”.
P/1 – E o senhor teve filho com ela, seu Luiz?
R – Hein?
P/1 – O senhor chegou a ter filhos com ela?
R – Não. Ela tinha um filho e esse filho dela até morreu depois. Eu soube que ele tinha morrido. Aí depois eu fiquei por aqui meio a toa, trabalhando e tal, arrumei essa mulher que tava também meio jogada com um marido, o marido muito ruim demais e tal. Aí eu juntei com ela e tô até hoje.
P/1 – E o senhor conheceu a sua esposa onde? O senhor a conheceu onde?
R – Aqui mesmo. Ela nasceu e se criou no morro aí. Ela nasceu ali pro lado do Torto.
P/1 – Ah, tá. Ali no Torto.
R – Ali naquele povo do Valto, né? Aí veio pra cá, morava aí no morro, casou com o Nelson. O Nelson não dava certo com ela e tal, brigava e era aquela agonia danada. Eu digo: “Se você quiser passar fome mais eu, vamos embora”.
P/1 – Que coisa boa.
P/2 – O senhor conheceu e gostou dela?
R – Não tinha jeito porque naquele tempo era pouca gente aqui.
P/1 – Se tivesse muita gente ele ia escolher. Seu Luiz, vocês tiveram filhos, não tiveram?
R – Tivemos seis.
P/1 – Seis, né?
R – Seis filhos. Eu tenho o Marco, tenho o Leandro, tenho o Juscelino, tem a Julia. A Julia não é das minhas, quando eu juntei com ela, ela tinha quatro. Tinha essa menina que morreu, a Julia e a Tica e o Nilson.
P/1 – Ela já tinha, né?
R – Já tinha. Tinha esses quatro. Eu digo: “Não tem problema, não. Eu registro esses meninos”. E registrei tudo como filho.
P/1 – Então no total dá uns dez filhos?
R – Dava dez.
P/1 – Dez filhos é o que o senhor tem.
R – Porque tinha quatro e eu arrumei mais seis. Aí fiquei com esses seis meninos aí, um dia desse, um tempo desse morreu uma menina que é a Sandrinha. A Sandrinha é aquela bonitinha que tava aí.
P/1 – Na foto, né?
R – Na foto. Ela foi lá testemunhar pro marido dela, o marido dela era o Ronilson. O Ronilson é meio atrapalhado, ainda hoje é atrapalhado ainda, e essa menina não voltou mais aqui. Quando eu soube ela tava no hospital. Fui lá pro hospital, cheguei lá ela tinha morrido. Fui no outro dia, cheguei lá eles me levaram lá onde ela tava lá. Eu digo: “Mas me diga uma coisa, essa menina morreu por quê?” “Porque deu arritmia nela, não sei o que.” “Não. O negócio não tá certo, não. Vamos cuidar desse trem direito”.
P/1 – É. Uma filha, né?
R – Vamos ver o que aconteceu porque os policiais foram lá busca-la e eu tava lá. Eles chegaram, disseram que eram da polícia e tal e queriam saber do Ronilson, do marido dela. Ele não tava em casa. Ela disse: “Não, ele saiu aí, não sei pra onde ele foi.” “Você pode ir mais nós lá pra você testemunhar que nós estivemos aqui e tal?” “Eu vou. Pai, pega o meu menino, leva e entrega a minha mãe lá”. Que justamente é esse que ela tava falando, que tinha um ano quando ela morreu. Aí eu peguei o menino, trouxe aqui e me encabulei com aquilo. Eu digo: “Mas levar a menina sem necessidade nenhuma”. Fui ali e falei pro Marco, eu digo: “Marco, você não quer ir lá na delegacia mais eu, não?” “Rapaz, eu tenho que ir lá meio dia que eu tenho que levar o menino” ele tava tocando bali “Eu tenho que levar o menino aí a gente a pega lá, se ela tiver que fazer alguma entrevista lá, alguma coisa, a gente a pega lá”. Saímos daqui meio dia e o menino comeu aí male mal, nós saímos e eu numa agonia pra ver a menina. Eu digo: “Eu tenho que ver essa menina porque esse negócio não tá certo, não”. Chego lá, policial falou: “A menina tá morta e ia enterrar.” “Não. Não senhor. Não é assim, não. Vocês vão me explicar por que ela morreu, porque ela saiu boa daí. Entregou o menino e saiu boa e morreu assim de uma hora pra outra? Vocês vão me explicar por que ela morreu”. Aí ele ficou: “Mas nós não podemos explicar, coisa e tal.” “Pois coloca uma equipe médica, uma coisa pra ver como é que é. Hoje nós não enterramos ela”. Pegaram ela, levaram lá pro IML. Eu queria ir junto: “Não, mas não dá pra você ir não, ela vai lá que é pra fazer a perícia e coisa e tal. Fica tudo escrito, a gente explica pra você”. Nunca me explicaram nada. Eu ia lá: “Como é que é? A menina morreu de que?” “Acho que foi arritmia mesmo e tal”. Por resto eu me afobei com eles e não fui mais lá.
P/2 – Nunca deram o papel?
R – Não. Nunca deram o laudo direito, não.
P/2 – Nunca deram o laudo?
R – Não. Aí eu me afobei com eles porque eu não tinha recurso mesmo, né? O recurso era pouco pra cuidar com eles, e a polícia é muito sem vergonha.
P/1 – E o senhor ia sofrer mais não é, seu Luiz? Porque infelizmente ela não voltava.
R – Ela não voltava, né? Tinha morrido já. Eu larguei pra lá.
P/1 – Seu Luiz, quando o senhor morou aqui, casou com a dona Abadia, fala um pouco das suas festas, dos seus amigos.
R – Isso aí, festa e amigo a gente tinha demais aqui. Seu pai mesmo era meu amigo demais. Ele vinha, dançava lá em casa a noite toda e tudo. Nós dançávamos a noite todinha forró.
P/2 – O senhor fazia muita festa aqui?
R – Vish. Todo sábado era uma festa lá em casa. E era ali, a casa era lá na frente, uma casa de tábua que tem lá, tá lá até hoje. Ele ia pra lá e nós falávamos o forró pra cima.
P/1 – E o forró comia não é, seu Luiz?
R – Dançava forró mesmo. Pior é que no outro dia às vezes eu tinha que trabalhar aí não parava o forró, não.
P/1 – Ele ia trabalhar...
R – Só parava na hora de ir trabalhar. Nós dançávamos a noite todinha.
P/1 – E quantos netos o senhor tem hoje, seu Luiz, o senhor sabe?
R – Rapaz, eu não sei, não, mas tem mais de 20.
P/1 – E bisneto já tem também, né?
R – É.
P/2 – Tem?
P/1 – Bisneto o senhor tem também, né?
R – Não. Bisneto eu acho que... Deixa-me ver. Tenho, tenho.
P/1 – Da Paula, do Maurício, né?
R – É. Tenho.
P/1 – Ah, que bom.
P/2 – E quando tinha forró aqui, seu Luiz, quem que animava? Quem que tocava?
R – Era uma cabeça de paca. Uma radiola. Eu a chamo de cabeça de paca.
P/2 – Como é que chamava?
R – Cabeça de paca. Eu a chamo de cabeça de paca. Radiolinha velha que eu tinha, colocava ela debaixo do braço, saía aí fazendo forró no meio do mundo.
P/2 – Em outros lugares fazia também?
R – Fazia. Tinha dia que não tinha aqui eu ia pra esses interiores aí e o pau quebrava.
P/2 – E levava pra tocar na radiola, levava os discos?
R – Levava os discos.
P/1 – Ah, que coisa boa.
R – A nega Pró morreu esse ano retrasado.
P/1 – Foi, a Pró.
R – Aquela nega uma vez ela chegou lá em casa de noite mais o Dácio, não sei se o Dácio já morreu também.
P/1 – Que é Mosquito, né?
R – Não. O Dácio eu acho que ainda tá vivo, morreu foi o jovem, um negro irmão dele.
P/1 – O Mosquito, o senhor conheceu o Mosquito, o marido da Pró?
R – O Mosquito eu conheci.
P/1 – Ele tá lá na Boa Vista.
R – O Mosquito é um bosta na água, que ele não dançava forró, não dançava nada.
P/2 – Mas tinha o outro, como que chamava o outro?
R – O outro era o nego Jorge. O nego Jorge era meio influente e tal, chegou aí um dia de noite aí lá em casa: “Vamos embora lá, vamos lá na casa de minha mãe” a Pró porque minha mãe tá fazendo um forró, tá completando ano e tal”. A mãe dela era uma velhinha feinha. Feia demais a velha, disse que tava completando ano, era pra fazer a festa dela. Mas o nego Jorge: “Vamos embora. Vamos embora. Você vai a cavalo e nós vamos de pé”. Montou a cavalo aí, coloquei a cabeça de paca na sela, fui pra lá, lá no Mogi lá do outro lado dessa mata aí. Atravessamos a mata do Lobeiral e fomos pra lá pro Mogi. Chegamos lá, começamos a dançar e tal, só tinha a Pró e as irmãs dela, umas neguinhas feias. Eu digo: “Uai, esse negócio não vai dar certo, não, porque eu não gosto muito de gente feia. Eu me vou é embora.” “Não. Não vai não. Não vai não que nós vamos matar uma galinha agora e tal. Coloca pra tocar aí.” “Então bora tocar”. E tomando pinga na beira do rio lá, aqueles copões de pinga, nós colocávamos pra dentro.
P/1 – Eita lelê.
R – Tomamos pinga a noite todinha, menina. Quando foi no outro dia eu vim embora. Mas é sempre desse jeito. Aqui na Ciplan, quando começou aí, eu tava na Ciplan desde o início. Antes de começar eu já trabalhava pra eles, eu era fichado pelo de Roure e trabalhava com eles olhando essas áreas aí e tal, mostrando área, mostrando pedreira, mostrando tudo. Aí aqueles engenheiros iam embora, vinha outro novato. O novato não conhecia, aí quem é que conhece? O Luiz conhece, vai lá. Eu que ia mostrar essas áreas tudo pra eles. Quando foi um dia desses chegam eles lá da Tocantins, uns caras de lá que é o Divino, o Divino tava trabalhando lá, aí disse: “Rapaz, essa área aqui só quem conhece é o Luizão. Ele conhece aí”. Eles me chamam Luizão. “Ele trabalhou aí direto nessas medições aí, ele sabe”. Aí mandaram me chamar pra eu ir mostrar pra eles lá a divisa da Ciplan.
P/2 – Que divisa é, seu Luiz, que tem que mostrar?
R – A divisa do terreno, da área que a Ciplan manda, a área que eles mandam lá e tudo.
P/1 – A divisa da Tocantins com a Ciplan?
R – Com a Ciplan.
P/1 – Seu Luiz, antes era Fertil, demorou muito pra ser a Ciplan? Ficou quanto tempo pra ser a Ciplan? Porque o senhor disse que antes era Fertil, né? Depois virou Ciplan.
R – Ficou uns dez anos.
P/1 – Porque o dono vendeu. O senhor se lembra do dono que comprou que virou a Ciplan?
R – Os que compraram a Ciplan foi o Grupo Atalla.
P/1 – O Atalla, né?
R – É. Os Atallas.
P/1 – E a Pedreira Planalto, seu Luiz? Depois dela...
R – Aí a pedreira era da...
P/1 – Era do seu Rafael.
R – Ficou pro Rafael porque o de Roure arrumou a pedreira pra tocar pra ele. Era da Ciplan, aí ele arrumou com a Ciplan pra tocar a pedreira. Quando ele saiu que venderam a Ciplan, venderam da estrada pra lá.
P/1 – Foram espertos.
R – É. Ficou só da estrada pra lá, esse lado de cá não. Aí esse lado de cá ficou pro Rafael. Ficou pra pedreira, né? A pedreira que era do Rafael. Rafael pegou, vendeu essa pedreira pra outro sujeito, não sei quem, e esse outro sujeito vendeu pra outro não sei quem também e pronto. Aí eu já não mexia mais com pedreira, não sei como é que tá. Tem até hoje o acampamento dele lá.
P/2 – Seu Luiz, eu queria saber muito como que é esse trabalho na pedreira.
R – Na pedreira?
P/2 – É. O que o senhor foi aprendendo assim que o senhor entende bastante de pedreira?
R – Não, a pedreira tem muito serviço pesado, né? Marroar pedra, encher caçamba e tal, mas o britador é que faz a brita.
P/2 – A brita é aquela miudinha?
R – É. Aquela miudinha. Faz a brita um, brita dois, brita zero e tal, esse pozinho, tudo. É britador que faz aquilo.
P/2 – Mas o britador é uma máquina?
R – É uma máquina. É uma máquina comedora de pedra. Ela tem duas mandíbulas assim que ela quebra a pedra e a esmaga, sai só o pó com brita, com tudo. Aí vai dividindo numa peneira, fica a brita dois, brita três, brita quatro. Então divide.
P/2 – Divide?
R – Divide.
P/2 – Mas quem que mexe nessa máquina, opera essa máquina? Ela vai sozinha?
R – Hoje em dia ela fica sozinha. Ela fica sozinha porque as pedras vão caindo, conforme elas vão caindo aqui aí as correias vão distribuindo. Sai pedra Fulana, pedra Cicrana pra lá, pedra Cicrana pra cá. Tem uma peneira coando ali e as pedras vão abrindo, a pedra zero, pedra um, pedra dois e tal. Ela divide.
P/2 – Agora, quando o senhor começou a mexer com pedreira?
R – Quando eu comecei a mexer com pedreira era um britadorzinho daqueles que comem, paco, paco, paco, paco. E caía lá numa peneira, a peneira coava aquilo e ia caindo dentro do silo.
P/2 – Mas aí misturados? Os tamanhos misturados?
R – Não. Caía, as pedras miúdas só caiam logo quando chegava no início ali da peneira, porque tinha os buraquinhos. Pra frente iam crescendo os buracos, aí vai caindo brita dois, brita três, tal, cai tudo no lugar.
P/2 – E esse pequeno que tinha antes era a pessoa que manejava, não?
R – Era pessoa que manejava. Não. Manejava com ele só pra... Era um motor com uma polia grande assim tocando os queixos do britador lá, pau, pau, pau.
P/2 – Mas alguém que tinha que virar a manilha?
R – Não. Só era o motor que virava a manilha. Você ligava o motor e ele batia as mandíbulas assim.
P/1 – E o colégio, seu Luiz? O senhor lembra quando veio pra cá como que foi?
R – Não. O colégio era um saco. Você não conheceu o Geraldo Fogueira, aquele que morreu lá de Brasilinha?
P/1 – Não. Não lembro, seu Luiz. Não conheci, não.
R – Esse colégio era aqui em cima, ali onde morou o Dema, você alcança ele morando ali?
P/1 – Lembro.
R – Pois é. Ali onde ele morou, ali era o colégio.
P/1 – Que tinha a Vila Planalto, né?
R – É. O de Roure fez aquilo de tábua bem feito e colocou o colégio lá e trouxe professor lá do Sobradinho pra ensinar os meninos do Lobeiral. Os meninos vinham de lá do Lobeiral, atravessavam pra cá, vinha aqui pro Queima Lençol, estudavam aí. Ele dizia que não gostava de gente burra, não. Todo mundo tinha que estudar, tinha que aprender e tal. Ele fez esse colégio lá, depois ele fez esse colégio aqui, aqui na frente da Ciplan.
P/1 – Esse nosso aqui, né?
R – É. Ele fez o colégio, fez duas, três salas e tal, colocou as professoras pra ensinar os meninos aí. Agora depois desse colégio que entraram esses outros donos da Ciplan, esses outros donos que compraram, eles não queriam que ficasse o colégio aí. Aí queriam tirar o colégio porque fazia muita poeira e tal, só é parar com a poeira, porque eu moro aqui, eu não vou sair. Cansei de sair aqui de dentro de casa pisando na poeira aqui que atolava até o calcanhar. Atolava até o meio da canela de poeira que vinha de lá. Eu fiquei aqui esse tempo todo: “O Luizão vai morrer, que ele vai ficar aí e tal, nós vamos tudo embora”. Foi todo mundo embora e eu fiquei. Mas sempre testando com eles, brigando e tal pra eles largarem essa poeira, eles largaram. Aí não tem poeira.
P/2 – Qual empresa?
R – A Ciplan.
P/2 – Seu Luiz, quando ela veio pra cá, a Ciplan, o senhor já morava aqui?
R – Ô. Eu tava era antigo aqui. Já tava quase aposentando.
P/2 – E esse pó era de pedra ou de cimento?
R – Era de pedra, do cimento deles aí.
P/2 – Cimento?
R – Era. Ficava tudo coisa, fumaçada essas árvores aí.
P/2 – E aí os moradores foram embora, seu Luiz?
R – Foi um bocado embora. Essas meninas mesmo foram embora lá pro 18, foram pra outro canto e tal.
P/2 – Essas pessoas que moravam aqui elas viviam do que?
R – Viviam de pedreira, de trabalhar na pedreira. Quando não era na pedreira trabalhava na entrega de pedras, na entrega de brita.
P/2 – Em qual pedreira?
R – A pedreira da Ciplan, uai.
P/2 – Da Ciplan mesmo? Mesmo assim as pessoas foram embora?
R – Eles foram embora porque aí as pedreiras pararam, ficou só a Ciplan aí. Ficou essa pedreira aí, mas ficou pouca gente aí.
P/2 – E o cimento que eles produzem eles...
R – O cimento que eles produzem, eles produzem muito cimento.
P/2 – Mas vem de onde a matéria pra fazer o cimento?
R – Tudo daí. Só tem uma matéria que vem de fora que é o gesso. O gesso vem de fora.
P/2 – E eles têm outra pedreira ou outras em outro lugar?
R – Têm. Eles compraram outras pedreiras lá pro lado da... Eles compraram outras pedreiras ali pro lado do São Remo… esse mundo pra lá, mas eles não usaram elas ainda, não. É só daí mesmo.
P/2 – Aí o senhor ficou firme aqui e não saiu?
R – Eu fiquei firme aqui que o de Roure me deu isso aqui. Antes dele morrer ele me deu essa área aqui, que essa área aqui era uma área particular, era reservada pra cá, não era da pedreira. Aí quando a viúva veio pra me tirar daqui, ela chegou e tal, falou comigo, disse: “Luiz, todo mundo saiu, mas você não saiu?” “Não. Eu não saí porque o seu de Roure me deu isso aqui. Então isso aqui não pertence a pedreira, a senhora sabe disso, não sabe?” “Não. Não sei, não.” “Pois é. Pois aqui não pertence a pedreira, não. Aqui pertencia, era uma chácara, um condomínio que ele tinha aqui. Ele pegou e me deu, disse que eu podia criar minha família aqui e vai, morreu, não me deu o documento, não. Mas eu tô aqui firme e forte, a senhora pega e me dá um lote lá no Sobradinho eu vou embora pra lá”.
P/1 – Seu Luiz, e sobre o posto de saúde, quando que veio pra cá?
R – O posto veio depois.
P/1 – Veio depois, né?
R – Veio depois. O posto veio justamente no tempo da escola. No tempo da escola colocaram um posto de saúde aí.
P/1 – Foi, né?
R – É. Colocaram o posto de saúde, o povo lá dos Sem Terra vinha, faziam consulta aí e tudo. Mas as enfermeiras ficavam bravas demais que eram lá da Rua do Mato, não queriam ficar aqui. Então foi indo, foi indo, abandonaram o posto. Mas o posto ainda hoje tem guarda, o guarda fica lá de dia e de noite.
P/1 – Seu Luiz, quem cedeu a área do colégio foi o seu de Roure, né? E o do posto de saúde?
R – Do posto de saúde fui eu que dei.
P/1 – Isso. Foi o senhor que doou?
R – Eu doei. Eu falei com eles que podia fazer aí, se eles não quisessem fazer lá podia fazer aqui no terreno de cá.
P/1 – Quem veio pedir pro senhor? O senhor lembra as pessoas que procuraram o senhor pra construir esse posto?
R – Eu lembro. Tinha o diretor, um forte, mas eu não sei mais nem o nome dele.
P/1 – Não lembra o nome, né?
R – Não lembro, não. Ele me pediu: “Pode fazer?” “Pode fazer. Pode fazer aí nessa esquina aí, você pode pegar e fazê-lo”. Aí eles foram e limparam lá e fizeram, fizeram o posto de saúde.
P/1 – Tá certo.
R – Mas ainda hoje tá funcionando... Quer dizer, os guardas, né? Os guardas ficam guardando lá e tudo.
P/2 – Seu Luiz, e o senhor falou que foi todo mundo embora, mas o senhor permaneceu.
R – É. Eu permaneci.
P/2 – E nesse meio tempo ainda andava aqui e era só cimento?
R – Era só cimento. Cimento aqui enchia de cimento até a cozinha.
P/2 – E aí? Como é que o senhor fazia? A sua família.
R – Daí eu ficava aí, tomava banho e tal, tirava aquele cimento de dentro de casa e ia levando a vida. Sofria aqui. Eu trabalhei 23 anos aí na fábrica. 23 anos.
P/2 – E como foi? Teve algum movimento pra eles pararem, pra parar com isso?
R – Aí teve um movimento pra eles pararem com a poeira porque tava demais. Aí tinha os moradores aqui, tinha outros moradores pra ali que reclamavam e tal. Aí eles diziam que tava dando pneumonia no povo e não sei o que. Aí eles pararam com a poeira. Foram contornando, fazendo aquelas coisas até que amenizaram. Mas no tempo que eu trabalhava, Deus me livre, chegava aqui o pó tava aí. Eu tinha um carro velho aí, o carro ficou cinzento.
P/2 – O senhor teve algum problema de saúde com isso?
R – Não. Não tive. Eu tive depois, né? Porque eu fiquei diabético. Mas sou diabético, tomo cachaça, como tudo quanto vem na frente e tomo remédio e não tem problema. Você vê da hora que nós estamos aqui conversando eu não levantei pra coisa nenhuma pelo seguinte, porque quando o sujeito tá diabético e ele não tá aguentando passa duas horas ele corre pra mijar e vai mesmo ou mija na roupa. Eu já cheguei a mijar lá nas paredes lá no Sobradinho, porque eu entrei dentro de uma padaria lá e pedi a moça, eu digo: “Moça, você me arruma o banheiro aí que eu tô apertado e tal.” “Então tira o sapato e entra de meia só.” “Tá bom”. Rodeei pra fora e mijei na parede da padaria. Não tinha jeito. Porque era melhor do que mijar na roupa.
P/1 – Os seus filhos, seu Luiz, todos casaram, moram aqui? Como é que é? Mudaram?
R – Meus filhos é o seguinte, tenho dois casados, dois pra ali. Tem uns pra cá que casaram, largaram os homens, já estão com outros homens. A Tica já largou uns oito homens mais ou menos. A Julia largou um e tá com outro, é o Cleber. Aqui pra baixo tem um que tá casado o...
P/1 – O Marcos, né? Tem o Nilson.
R – O Marcos. Casou um dia desses, mas ele ficou muito tempo junto com a esposa. Tem outro lá pra baixo que é o Nilson, casado também. O Nilson é meu filho registrado, mas ele não é meu filho.
P/1 – E ama o senhor como pai, porque eles são encantados.
R – É. Ama como pai. O Nilson é casado também.
P/2 – Na sua época o senhor disse que tinha pouca gente, mas agora...
R – Na época tinha pouca gente aqui.
P/2 – Agora pelo jeito, né?
R – Pelo jeito tem muito.
P/1 – Seu Luiz, e como que o senhor vê o Queima Lençol hoje da época que o senhor chegou pra hoje? Mudou alguma coisa?
R – Hoje ele mudou, mudou muito.
P/1 – Melhorou? O que melhorou?
R – Melhorou. Melhorou, tem essa fábrica aí que funciona, solta cimento adoidado. Tem os britadores ali, funcionaram, esse ano soltaram muita brita, muita coisa. Tem uma fábrica de manilha ali que solta manilha direto aqui embaixo. E sempre tem serviço aí. Tem muito serviço.
P/2 – Agora quando o senhor veio pra cá era igual agora assim a paisagem?
R – Não. Quando eu vim pra cá era uma mata. Isso aqui era mata até chegar lá no córrego da Fercal. O córrego da Fercal descia lá atrás, nós íamos daqui caçar tatu e matar bicho aí nesse meio mundo. Nesse mato aí.
P/2 – Mudou muito então de lá pra cá?
R – Mudou. Mudou muito.
P/2 – O que é que mudou mais que o senhor percebeu?
R – Ficou melhor. O custo de vida, o jeito da gente viver e tal ficou bem melhor, porque naquele tempo era meio difícil as coisas e tal. A gente trabalhava muito e ganhava pouco. Hoje em dia ganha pouco assim como eu que sou aposentado, aposentado aí vão cortando, cortando o ordenado, cortando daqui um pouco tá no mínimo. Eu já to ganhando o mínimo, não sei nem o que eu faço pra escapar.
P/1 – É verdade.
P/2 – Mas o senhor disse que mesmo assim melhorou, porque antes quando o senhor mudou pra aqui era diferente.
R – Era. Quando eu mudei pra cá era diferente, o sujeito trabalhava pra escapar.
P/2 – Como assim?
R – Se não trabalhasse não escapava.
P/2 – Escapar do que?
R – Não ganhava o boião, a coisa. Tinha que ir embora.
P/2 – E agora o senhor acha, o senhor falou tá melhor.
R – Agora tá melhor, mas...
P/2 – No que o senhor acha que melhorou bastante? Além de as pessoas terem um salário.
R – Melhorou bastante pelo seguinte, porque agora tem muito serviço, tem muito estudo também que a pessoa querendo estudar agora pode estudar e tal. Pode estudar e subir bem na vida porque pode trabalhar de dia e estudar de noite. Eu tenho um menino aqui que ele trabalha todo dia num ônibus aí carregando estudante e de noite ele vai estudar. Ele chegou ali e rodeou por aí, eu acho que ele tomou banho e deve ter ido.
P/1 – O senhor disse que o senhor ia pra Sobradinho a pé, seu Luiz?
R – Cansei de ir.
P/1 – Mas na época não tinha ônibus quando o senhor veio pra cá?
R – Não tinha nada. Quando começou aqui não tinha ônibus, não tinha... Tinha uns caminhões que passavam aí carregados de brita ou de areia que vinha aqui da cachoeira, a gente pegava carona e ia pra cidade, mas às vezes pra voltar precisa vir a pé.
P/1 – Aí depois veio o ônibus.
R – Depois veio o ônibus pra cá e tal, ficou rodando aí. E hoje tem ônibus aí direto. Hoje não tá tanto porque entrou de greve.
P/2 – O senhor quando uma dessas vezes que o senhor voltou a pé aconteceu alguma coisa que o senhor nunca mais esqueceu?
R – Não. Nunca aconteceu nada, não. Cansei de vir de pé de lá aqui, não via nem uma alma perdida na estrada. Porque eles inventaram uma vila aqui nesse meio aqui, aquela vila que tem lá, aquilo eram uns peões que vinham trabalhar aqui na Ciplan e não tinham onde morar, eles eram baianos, tinham vindo com a família e tal, inventaram de fazer uns barracos lá na beira daquele posto d’água. Tinha um posto d’água lá. Eles fizeram um barraco lá e tal, aí ficaram com medo do povo ataca-los e coloca-los pra fora de lá, foram chamando gente e foram fazendo barraco, um pouco tava a vila lá. Eles tinham feito, o Cristóvão pra ganhar a política fez um colégio pra cá ali naquele morro, pra ensinar os meninos do Lobeiral e tal. Aí fez esse colégio e eles ficaram naquela beira do colégio ali, fizeram uma vila de casa e pronto.
P/1 – Ah, ali no Lobeiral que o senhor tá falando, né?
R – Tem casa de dois andares. É. Tem casa lá de dois andares.
P/2 – O senhor falou que quando vinha de Sobradinho passava lá?
R – Passava. A estrada é lá. A estrada que vem de Sobradinho.
P/2 – Mas o senhor falou que nunca aconteceu nada.
R – Comigo não.
P/2 – O senhor vinha sozinho?
R – Cansei de vir só, às vezes vinha com companheiro e tal.
P/2 – À noite?
R – De noite, toda hora. Não tinha esse negócio, não. Plantava o pé lá e vinha embora. Às vezes ficava tarde e não vinha mais carro, eu digo: “Não vai carro, eu vou embora”. Uma vez eu vinha numa bicicleta com uma feira na garupa... Comprei um saco de arroz e um bocado de coisa e tal aí o compadre Chico: “Não, pega essa bicicleta, vai nela aí”. Esse compadre Chico morreu no tempo dele. Faz tempo que ele morreu. Morreu ele, morreu a mulher, morreu todo mundo, só ficaram os meninos. Ele disse: “Compadre, você vai nessa bicicleta aí. Eu arrumei ela na delegacia, depois você a traz”. E eu amarrei esses sacos nessa bicicleta, menina, e vim de lá pra cá no escuro. Quando chegou naquele morro lá era muito alto o morro e essa bicicleta embalou comigo de cabeça abaixo, eu digo: “Não. Eu não vou morrer lá embaixo, não”. Lá embaixo tem uns buracos, um buraco que você não vê o fim, não. Eu digo: “Eu não vou morrer lá embaixo, não. Vou morrer aqui mesmo”. E toquei ela pra cima do morro lá e ela subiu um pouco, eu caí de costa lá no meio da serra. Menina, aí deu um trabalho pra eu arrumar essa bicicleta pra poder vir embora, porque ela enjangou o guidão, não tinha um troço pra eu voltar o guidão dela pro lugar e ela rodava e ia pegando no para-lama assim. Foi um sacrifício pra eu chegar aqui em casa, mas eu não morava aqui, não, morava lá embaixo. Eu ataquei com essa bicicleta empurrando ela com essa feira, a feira misturou tudo arroz com açúcar e tudo. E eu toquei com ela, quando cheguei lá em casa eu digo: “Ó, mulher, eu levei um tombo ali, eu não sei como é que tá esse negócio aí, não. Mas deixe isso aí, amanhã a gente olha”. Quando foi no outro dia ela foi catar arroz, catar feijão, açúcar, tudo misturado.
P/1 – Misturou, né?
R – Eu morava ali embaixo numa casa definitiva que tinha lá. Você lembra daquela... Não. Não lembra, não.
P/1 – De que?
R – De uma casa definitiva que tinha ali embaixo?
P/1 – Não.
R – Pois é. Você não lembra, não. Eram duas, uma caiu e a outra ficou, o de Roure fez aquela terraplanagem com carro da Serv-San. A Serv-San empreitou com ele aí e tal e colocou um trator aí, puxou, fez aquela esplanada lá embaixo. Ali o córrego tinha hora que batia no barranco, tinha hora que voltava e tal e eles tiraram o córrego por baixo assim, fizeram aquela esplanada ali. Ali naquela esplanada tinha duas casas, uma afundou, começou a cair, nós a derrubamos. E a outra ficou. A outra fiquei morando nela muito tempo, uma casona grande, mas não era do tamanho dessa, não, era menor. Morei nela muito tempo. A gente ficava lá nela e quando queria fazer as compras tinha que fazer na... Ou fazia lá no compadre Luiz Cego ou então ia pro Sobradinho comprar.
P/1 – Seu Luiz, o senhor tem alguma história das outras comunidades aqui da Fercal, alguma coisa pra falar? Lá do 18, aqui da Fercal. O senhor se lembra de alguma história?
R – Não. Do 18 eu tenho uma coisa pra falar de lá, é o seguinte, que lá no 18 não tinha nada. Lá no 18 nem o Mané Baiano não morava lá. Aquele povo ali eles moravam tudo na Rua do Mato, eles eram donos da Rua do Mato, porque o Cipriciano quando ele veio da Bahia, ele veio com umas cargas no jumento e se arranjou lá na Rua do Mato pra passar uns dias lá. Lugar muito bom, não tinha ninguém. E lá ele foi adquirindo família e foi largando a velha dele e arrumando outras e tal, o velho Cipriciano.
P/1 – Seu Cipriciano era pai de quem ali, seu Luiz?
R – Pai daquele povo quase tudo lá. É parente daquele povo tudo lá.
P/1 – Que veio pra Rua do Mato da Bahia.
R – Ele que criou aquele povo ali, o velho Cipriciano. Ele morreu um dia desses, ele morreu faz pouco tempo. Ele morreu eu acho que foi no dia que casou aquela menina, casou com aquele preto aqui da Ciplan, um neguinho que tinha aí que casou com a filha do Agenor. Não. Não era a filha do Agenor. Ela é filha de outra baiana, outra goiana que mora lá.
PAUSA
P/2 – Esse senhor que o senhor acabou de falar o nome, ele era dono de alguma empresa?
R – O de Roure era.
P/2 – Qual?
R – Dono da pedreira aí. Ele era dono da pedreira, era dono da Ciplan. Ele deu a Ciplan, deu essas terras pra Ciplan em troca de ações.
P/2 – Quando o senhor veio morar aqui ele já existia aqui?
R – Não. Ele não existia aqui, ele tava em Goiânia.
P/2 – E quando ele chegou como é que ele...
R – Quando ele chegou aí eu cheguei também. Nós chegamos juntos.
P/2 – E como é que ele conseguiu as terras?
R – Ele conseguiu porque ele comprou do Titonho. O Titonho e o Valto Alarcão, que era do Titonho e do Valto.
R/2 – Eles não conheceram, não, Valto Alarcão?
R – Não. Conheceram não. Ela nem conheceu o Valto e conheceu o velho Titonho?
P/1 – Não. Não conheci. Não lembro.
R – Ela não lembra dele, o velho Titonho, não. Ela era muito pequena, ela não lembra do Titonho.
P/2 – Quando o senhor chegou eles já estavam aqui, esses dois?
R – Já. O Titonho tava aí com um carro de boi, com quatro bois mansos, boião grande aí, com carrinho de boi como daqui ali. Ele andava montado nesse carro de boi pra cima e pra baixo, criava uns porcos. Tinha um goiabal ali naqueles lados ali da Ciplan, onde era a Ciplan, goiaba adoidado, mas nunca vi dar tanto bicho daquele jeito, só servia pra porco mesmo. Ali era uma descida assim, descia direto assim, esse mercedinho, carro comprido vinha de lá pra cá, quando dava um sereno lá no plano eles não subiam o barranco.
P/2 – Quem que não subia?
R – Os Mercedes. Mercedinhos. Mercedinho cara comprida. Bastava mijar no pneu dele, ele não rodava.
P/2 – Quem tinha um Mercedes desse?
R – Todo mundo tinha, o de Roure tinha, todo mundo tinha essas Mercedes. Mercedinho. Depois eles foram comprando Chevrolet e foram mudando as Mercedes pra Mercedes mesmo falada e tal, cara curta, cara comprida e tal, aí eles foram modificando, né? Mas o Mercedinho sofria demais aí, ficava urrando aí na beira do barranco, ele não subia, não. Ali de frente a Ciplan, porque ali era um buracão, buracão fundo mesmo. O córrego passava lá embaixo e tinha uma pontezinha lá por cima do córrego, uma pontezinha como daqui aí, pontezinha de pau. Mercedinha vinha de lá pra cá urrando, quando chegava ali ficava lá mesmo.
P/1 – Ô Deus.
R – Não subia. Aí quando melhorava um pouquinho eles iam lá pra cachoeira pegar areia ou vinha aqui pro britador pegar brita. Mas a estrada era um sacrifício, era um Deus nos acuda daqui pra lá.
P/2 – Agora já não tá mais assim?
R – Não. Agora não. Agora é estrada boa, é tudo asfaltada e coisa. O asfalto melhor que tem em Brasília eu acho que é esse aqui.
P/2 – Por quê?
R – Porque não tem buraco.
P/2 – Seu Luiz, e esse nome Queima Lençol, quando o senhor morava aqui já tinha esse nome?
R – Já cheguei aqui já tinha esse nome.
P/2 – E o senhor sabe por que tem esse nome?
R – Não. Eles falam que diz que eram uns boiadeiros que dormiam ali num emburuçu velho e grande que tinha ali em frente da Ciplan. Porque ali na frente da Ciplan tinha um arame, um arame antigo desse da roseta desse tamanho assim, e passava na beira da mata aqui. Os boiadeiros chegavam ali, se arranchavam, que eles vinham com boiada pra ir pra Anápolis, ir pra Goiânia e tal. Vinha daqui desse centro aqui, chegava ali era um posto de boiadeiro. Nego fazia o fogo e tal com medo da onça, começava a fazer comida e tudo, mas disse que uma vez um queimou o lençol tudo com uma fogueira lá, ele fez uma fogueira, queimou o lençol, o povo falava que era doença e coisa e tal, mas não foi, não. Aqui não morava ninguém. Quando eu cheguei aqui não tinha ninguém aqui, só tinha mesmo a pedreira ali. O resto tudo era pedreira, pra cá e tal. Aqui não morava ninguém, ninguém mesmo. O velho Alencar veio morar ali embaixo porque ele tocava uns fornos de cal lá no pé da pedreira da Ciplan. E pronto. E ele chegou naquela época que eu cheguei aqui também, que eles começaram a fazer uns fornos de cal aqui pra baixo e tal, e foram subindo, subiram pra lá que tinha pedreira, né? Fizeram a pedreira lá, fizeram o forno lá e queimava lá. Esse velho Alencar morreu com a perna cortada aqui. Foi cortando, cortando até que cortou assim, aí ele morreu.
P/2 – E esse forno de cal como é que era?
R – Esse forno de cal era o seguinte, eles faziam aqueles fornos no barranco e enchiam de pedra e colocavam fogo embaixo. Fazia aquele arco do forno, um arco grande assim com pedra mesmo, eu mesmo fiz muito, e ali naquele arco colocava fogo. Com cuidado porque aquela pedra quando ela começa a esquentar ela estoura. Se cair aí tem que desarranjar todinha, tirar lá de dentro e encher de novo.
P/2 – E pra que era esse forno?
R – Pra fazer cal.
P/2 – E como que era feito a cal?
R – O cal era igual o cimento. Pra fazer construção aqui em Brasília.
P/2 – E como é que fazia a cal nesse forno?
R – O cal queimava.
P/2 – Mas tirava de onde?
R – Metia fogo nele até a pedra queimar. A pedra desse tamanho assim, ela pode pesar do jeito que pesar, depois você arriba ela com uma mão, fica maneiro.
P/2 – Depois que queima?
R – Depois que queima. E depois que ela queima se você jogar água nela, ela pega fogo de novo. Aí vira aquele pó, aquele monte de pó.
P/2 – Aí vira a cal?
R – Vira a cal.
P/2 – Primeiro esquenta...
R – Primeiro você a queima e ficam aquelas pedras. Depois você quer a cal extinta pra trabalhar, aí tem que colocar água nela pra ela...
P/2 – Aí vira pó?
R – Vira pó. Aí é um pó terrível.
P/2 – Então o senhor acha que não teve essa doença que todo mundo fala?
R – Como?
P/2 – Não teve aquela doença?
R – Não teve essa doença aqui, não. Porque não tinha gente aqui, como é que teve a doença?
P/2 – Quem contou essa história? Alguém contou essa história do boiadeiro?
R – Eles contavam que era assim, tal. O velho Titonho mesmo eu cansei de perguntar pra ele, ele disse que não sabia, não. Porque ele tinha essa área de terra aqui que ele mexia lá pro lado de Sobradinho. Aí quando ele pegou essa área de terra veio pra cá. Ele morava ali de frente a Ciplan, ali na frente da Ciplan tinha um morrinho assim, ele morava lá numa casona de palha lá.
P/2 – E nunca teve essa doença?
R – Não. Não tinha doença aqui, não. Esse povo da mulher morava lá pro lado de Torto, lá praquele mundo lá. Vieram pra cá pra morar aí no morro aí.
R/2 – Eu nasci aqui foi no Queima Lençol. Na época que eu nasci aqui era município de Planaltina. Na minha identidade tá Queima Lençol, município de Planaltina.
R – Elas vieram morar lá naquele morro.
P/1 – Seu Luiz, e hoje o que o senhor faz?
R – Hoje eu só trabalho aqui na roça e trato de porco, galinha e bode. Bode só quando eu compro pra matar.
P/1 – E os seus sonhos, seus planos agora quais são? O senhor tem algum sonho ainda pra realizar, algum desejo?
R – Não. Não tenho muito desejo com nada, não, porque já tô de meio dia pra tarde.
P/1 – Novo, né?
R – Já tô de meio dia pra tarde, o plano é pelo menos sossego pra morrer sossegado.
P/2 – A gente já tá terminando, o senhor quer falar alguma coisa que a gente não perguntou, que o senhor quer muito contar pra gente gravar? Ou o senhor acha que já contou bastante?
R – Eu conto é a noite todinha porque se eu for me lembrando das coisas que já passei, aí nós atravessamos o resto da noite. Mas se vocês acharam que tá bom...
P/2 – Tá ótimo. E o senhor achou o que de contar essa história?
R – Hein?
P/2 – O que o senhor achou de contar essa história aqui pra gente, pra gravar.
R – Muito bom. Isso é muito bom. Eu já contei essa história a muita gente, sempre fico lá, uma pessoa me procura e tal pra falar isso e eu sempre falo a mesma coisa, porque o que eu sei é isso. Quando eu cheguei aqui não tinha ninguém, hoje tem muita gente, já morreu muita gente que morou aqui. Tem uns que estão até aleijados, coitados, o Zé Boca mesmo, né? Tá lá só...
P/1 – Triste, né?
R – O Zé Boca, o Mano. O Mano veio trabalhar aí na Planalto, ele era forte e tal, um dia nós fomos doar sangue lá no Plano, chegou lá eu ia doar pro senhor, o senhor ficou com a cabeça rachada. Ele sofreu tanto de um jeito que isso aqui assim dele a senhora olha tá comprido assim. Ele não morreu porque não tava na hora. Mas eu fui doar sangue pra ele lá no Plano, cheguei lá uma doutora ficou brava demais comigo: “Vocês vêm é doar sangue aqui e tal, doente e coisa e tal. E você tá doente.” “Eu?” “Sim. Você mesmo. Você vá ali, tira o sangue lá que o rapaz vai fazer exame e tal e não vai doar sangue, não”. Aí tiraram o sangue do Mano, o Mano tava bom. Tiraram o sangue do Mano e tal, disse: “Você vem aqui, daqui 15 dias você vem ver como é que tá o seu sangue.” “Tá bom. Se eu tiver doente são vocês que vão tratar de mim, porque eu já doei sangue demais aqui, já doei sangue lá no Sobradinho.” “Pois é, fica doando sangue doente e tal.” “Mas eu não sabia que eu era doente, agora que eu vou saber”. Aí vim embora. Vim embora, quando foi aí com 15 dias eu fui lá na pedreira e falei com o Dema: “Dema, eu vou lá hoje pegar o exame de sangue, vocês não vão pra lá, não?” “Não, hoje eu não sei se eu vou”. Ficou dando aquela dificuldade. Eu digo: “Porque eu tenho que ir lá no hospital ver o negócio do meu sangue lá.” “Você pega uma carona aí nesses carros aí, vai até no Colorado, lá no Colorado você pega o ônibus.” “Tá bom”. Aí peguei uma carona num carro, fui até lá, cheguei lá, peguei o ônibus, cheguei no banco de sangue era mais ou menos umas nove horas. Nove horas tá fechando, né?
TROCA DE CARTÃO
R – Cheguei lá a doutora olhou assim, a mesma doutora: “Você é um rapaz que tirou o sangue ali pra fazer exame?” “Sou eu mesmo.” “Diga uma coisa, esse povo aqui são muito a toa, eles não sabem trabalhar e tal.” “Uai, o que foi que aconteceu?” “Seu sangue tá bom demais, você tá com o sangue bom demais, o senhor pode vir doar amanhã?” “Não. Não posso, não. Eu posso doar agora que eu tô aqui, mas amanhã eu não posso vir que eu moro muito longe e eu não sou daqui nem vim pra ficar”. Que eu morava aqui já, né? Aí ela disse: “O senhor dá pra doar? O senhor já comeu hoje?” “Não. Não comi ninguém.” “Então toma um café ali, toma um suco aí e vamos doar seu sangue, seu sangue é bom demais. Pra quem era que você ia doar?” “Era pra um rapaz que tá aí internado, ele tá aí que ele quebrou a cabeça tudo, tá todo lascado aí, ele não saiu, não. Um tal senhor. Procura ele lá que ele deve tá por aí, mas eu não sei o nome dele, não.” “Pode deixar que a gente procura esse senhor”.
P/1 – Era seu sangue que é bom, né?
R – É. “Seu sangue é bom demais”. Aí eu deitei lá, com cinco minutos o sangue saiu, levantei, comi que nem um bicho lá e vim embora. Essa doutora saiu me atalhando no hospital até eu sair lá fora, disse: “Olha, faz o seguinte, uma hora você volta aqui pra nós conversarmos direito. Eu sou carioca, não sou daqui e tal.” “Tá bom. Uma hora eu volto aqui porque eu não tenho muito tempo de voltar, mas uma hora eu volto”. Nunca mais eu a vi.
P/1 – Então, seu Luiz, eu quero agradecer, a gente vai encerrar, viu? Muito obrigada.
R – De nada. Qualquer coisa vocês voltam aqui.
P/2 – Foi muito bom ouvir a história sua, viu? Obrigada.
FINAL DA ENTREVISTARecolher