Projeto Memória nos Bairros – Bairro de Itaquera
Depoimento de Lourdes Novelli
Entrevistada por Stella Franco e Marina D’Andrea
São Paulo, 26 de setembro de 2000.
Realização Museu da Pessoa
Código: MT_HV013
Transcrito por Marcília Ursini
P/1 – Então, dona Lourdes, para começar a en...Continuar leitura
Projeto Memória nos Bairros – Bairro de Itaquera
Depoimento de Lourdes Novelli
Entrevistada por Stella Franco e Marina D’Andrea
São Paulo, 26 de setembro de 2000.
Realização Museu da Pessoa
Código: MT_HV013
Transcrito por Marcília Ursini
P/1 – Então, dona Lourdes, para começar a entrevista, eu gostaria que a senhora dissesse seu nome completo, e o local e data de nascimento.
R – Meu nome é Lourdes Novelli. Eu nasci em Itaquera, nesta casa aqui, no dia 15 de maio de 1936.
P/1 – Certo. A senhora poderia nos dizer o nome dos seus pais?
R – Meu pai era Américo Salvador Novelli e a mamãe, Julieta Vacarelli Novelli.
P/1 – E onde eles nasceram?
R – Papai nasceu em Caieiras e a mamãe no Bom Retiro.
P/1 – Certo. A senhora conhece a origem dos seus avós?
R – Então, os meus avós eram italianos, né?
P/1 – Paternos?
R – Paternos e maternos.
P/1 – De onde que eles eram?
R – O meu avô por parte de pai nasceu na Calábria e a minha avó na Sicília. Meu avô materno nasceu em Nápoles... E agora a minha avó?
P/2 – E avó em Florença!
R – Em Florença!
P/1 – E a senhora chegou a conhecê-los ou não?
R – Eu só conheci por parte da minha mãe; o meu avô e a minha avó.
P/1 – Como é que eles se chamavam?
R – Antônio e Úrsula. Ursulina.
P/1 – E como é que eles vieram parar no Brasil? A senhora sabe essa história?
R – Olha, eu só sei que eles são imigrantes, mas, assim, história mais a fundo, não sei não.
P/1 – A data de chegada...
R – De chegada, não sei. Não sei.
P/1 – E, quando a senhora nasceu, seus pais já moravam aqui em Itaquera?
R – Então, meu pai veio morar em Itaquera, ele tinha oito anos de idade. Ai, meu avô, meu avô Paschoal, pai dele já morava em, veio de Caieiras, e foi morar no Iguatemi, que é Itaquera também. Era uma coisa só.
P/1 – O que é isso? O seu Silvio também comentou. Era uma chácara, um sítio?
R – Ah, isso daqui era tudo uma chácara só, um tipo de uma fazenda dividida por pedaços. Então, o papai foi morar na Fazenda Santa Etelvina. Era uma fazenda; morava com o meu avô e o meu avô mexia, tinha assim, carros de boi porque transportava lenha. Ele vendia lenha para as olarias e trazia as lenhas também, assim, na estação, que seguia essa lenha para as padarias.
P/1 – Na estação de trem?
R – Na estação de trem.
P/1 – Isso o seu avô?
R – Isso o meu avô já.
P/1 – E como é que... Ele vendia as lenhas para...
R – Ah, ele vendia lenhas...
P/1 – Para as padarias?
R – É, para as padarias. Vendia lenha. Antigamente, fazia também casa com madeira, né? Esse tipo de casa, assim, de pau a pique. Vendia essas lenhas.
P/1 – E a senhora sabe por que o seu avô mudou para esse bairro quando seu pai tinha oito anos?
R – Não sei, não sei. Eu sei que o meu avô veio de Caieiras morar aqui em Itaquera, na fazenda Santa Etelvina.
P/1 – E ele, ele... Ele morava na fazenda?
R – Morava na fazenda. Ele não era dono. Aí, depois, em 1918, o meu pai comprou todas essas propriedades que nós temos hoje. Papai é dono, assim, de uma boa parte de Itaquera.
P/1 – Sei.
R – Bem grande mesmo!
P/1 – E aí, começou a trabalhar com o quê, o seu pai? Qual era a atividade?
R – Então, o meu pai trabalhava com o meu avô, com negócio de lenha, né? Depois, eles montaram uma primeira olaria. Eu não sei a data, mas eu sei que o meu avô montou a primeira olaria aqui em Itaquera. Deve ser nessa faixa de 1918, por aí. Que meu pai, com 14 anos, já tinha, já começou a ter até alguma propriedade. Depois que ele comprou o restante.
P/1 – E, quando a senhora nasceu, foi nessa casa?
R – Eu nasci aqui mesmo.
P/1 – E como é que era a sua casa na sua infância?
R – Ah, a minha casa era uma casa boa. Era a casa bem feitinha, boa. Ah, uma casa bem confortável. Nós tivemos muito conforto, né? Papai trabalhava com tijolos, meus irmãos mais velhos... O meu irmão mais velho trabalhava junto com o papai e o restante das filhas não trabalhavam.
P/1 – Quantos irmãos ao todo?
R – Nós éramos em nove. Dois faleceram... Um casal faleceu ainda pequeno. E nós ficamos em sete. Em sete. Cinco mulheres e dois homens.
P/1 – E como é que era o cotidiano da família?
R – Ah, era muito bom, porque nós todas, assim... Era primordial aprender costura. Tinha que costurar e bordar, fazer crochê. Então, a mamãe ficava no terraço com a gente e nós ficávamos bordando, fazendo crochê. As minhas irmãs mais velhas fizeram curso de corte e costura, e elas mesmas faziam as roupas para elas e para nós. Então, a gente não saía, assim, de casa. Ajudava mamãe em casa. Cada um tinha uma tarefa, né?
P/1 – Quais eram?
R – Ai, então: não tinha luz elétrica. Tinha tarefa de cuidar dos lampiões, que era para acender à noite. Outros dois cuidavam de encher as tinas de água, barril de água, e ajudavam a recolher ovos também, iam pegar verdura na chácara, frutas. Mas, de trabalhar fora não.
P/1 – E qual era a tarefa da senhora?
R – Ai, muitas. Eu ajudava bastante a mamãe, mas eu gostava muito de sair com meu pai. Eu saía muito de charrete com o meu pai. Ele ia ver, ia receber, fazer serviço, assim, outros serviços e eu ia sempre com ele. Mas, assim, tinha leite, vacas de leite, muita criação. A chácara tinha muita criação. Nós tínhamos um cavalo também que era das meninas, mas a gente tinha muita galinha, peru, pato, porcos, cavalo, de tudo e muita fruta à vontade. A gente foi criado sem problema de precisar ir em mercado. Não tinha na época, né? Não tinha padaria também. O pão era feito em casa. Algumas coisas que o papai... Feijão, arroz, ele ia buscar na rua Santa Rosa.
P/1 – Ah, é?
R – É, aqui em Itaquera tinha um ou outro armazém, assim, pequeno.
P/1 – Lá no Brás, ele ia buscar?
R – Lá no Brás. Ia buscar no Brás.
P/1 – Na Zona Cerealista?
R – Cerealista, é. De lá que vinha também o milho, a alfafa para os animais, o farelo e... Na minha época, já tinha trem, assim, à vontade. Eu comprava, colocava no trem, descia na estação, depois ia com o caminhãozinho buscar.
P/2 – Quer dizer, as compras da rua Santa Rosa vinham de trem?
R – Vinham de trem. Em um trem de carga e desembarcava na estação de Itaquera.
P/1 – E a outra estação era lá no Brás?
R – Não, tinha ainda a estação Artur Alvim e outras mais. Eram pequenininhas, mas tinham.
P/1 – Entendi. Mas, vocês desciam no Brás?
R – Descia no Brás.
P/2 – Para ir comprar?
R – Para ir comprar. Aí, depois, carregava. Não sei qual o transporte que trazia para a estação, mas vinha essa mercadoria para a estação do Brás e do Brás vinha para Itaquera. Aí, em Itaquera, retirava. Era em trem de carga que chamavam.
P/1 – Trem de carga?
R – Trem de carga. E, também, os tijolos da olaria do papai também iam de trem. As carroças enchiam de tijolos, levava na estação, colocava dentro do vagão, até completar o vagão de tijolos. Aí, depois, esses tijolos seguiam para o Brás e do Brás tinham o destino. Não sei onde, né? Papai vendia, assim, não sei ao certo. Mas, eu sei que saía daqui para ir para a cidade.
P/2 – Como é que começou essa olaria? A senhora lembra ou a senhora já era...
R – Quando eu nasci papai já tinha olaria de muitos anos.
P/2 – A senhora nunca andou pelo meio da olaria?
R – Ah, andei, era bem gostoso.
P/2 – Como é que era?
R – Vendo fazer os tijolos. Ah, os burros rodavam uma pipa, onde saía o barro, e depois era feito em formas, em um tipo de mesa que trabalhavam duas pessoas fazendo os tijolos. Batia o tijolo na forma, aí punha no chão para secar. Depois, empilhava, para depois levar ao forno para queimar.
P/2 – E era uma produção grande?
R – Grande. Grande. Era uma produção bem grande. Papai tinha dois fornos grandes na olaria. Agora, não sei dizer quantos milheiros de tijolos cabiam dentro, mas era muito tijolo.
P/2 – Tinham muitos empregados?
R – Tinha. Papai tinha uma média de trinta e dois empregados.
P/2 – Onde eles moravam?
R – Na própria olaria eram construídas umas casinhas. Então, eles trabalhavam e tinham o direito da casa.
P/2 – Tipo colonos de fazenda.
R – É, tipo isso. Eles tinham o direito da casa.
P/1 – Dona Lourdes, e na casa de vocês, como é que eram as refeições? Onde vocês almoçavam?
R – Ah, nós tínhamos, assim... A minha casa era um sobrado. Na parte de cima eram os dormitórios e na parte debaixo tinha uma sala bem grande com mesas dessas... Mesas feitas de tábua, né? Três madeiras e bancos assim, em volta, compridos. Sentava meu pai em uma ponta da mesa, minha mãe na outra ponta e os filhos nas laterais. Os mais velhos, na ponta do lado da minha mãe e os mais novos com o meu pai. E era ele que fazia o prato de todos desde o da minha mãe. Fazia de todos os filhos, depois ele fazia o prato da minha mãe e o dele. E se a gente quisesse repetir, assim, alguma comida, e a gente perguntava para ele, e ele servia.
P/1 – Ele, então que...
R – Ele que fazia os pratos da gente.
P/1 – Puxa vida.
R – A minha mãe cozinhava que era um espetáculo. Não faltava uma leitoinha na mesa. Não precisava ser Natal, Ano Novo para a gente comer uma leitoinha assada. De domingo era uma comida especial...
P/2 – O que era?
R – Então, mamãe fazia um macarrão em casa, fazia brachola, assava frango. Era pernil e a gente... Mesmo carne de porco, tudo produzido na nossa chacrinha mesmo.
P/2 – Isso no domingo.
R – No domingo.
P/2 – E durante a semana, o que era?
R – Ah, a gente comia com fartura em casa. Tinha assim, muito frango, muita linguiça que mamãe matava... Papai
matava o porco e desse porco fazia o toucinho, fazia o torresmo e a linguiça, né? E os pedaços de lombo de porco, outros pedaços assim, assava e guardava dentro da banha. Então, durante a semana, a mamãe tirava dessas latas de banha a própria mistura para gente.
P/2 – Quer dizer, conservava na banha?
R – Conservava na banha. Era assim, de seis em seis meses matava um porco e abastecia a casa.
P/2 – E ia guardando?
R – Ia guardando. E frutas que colhia bem assim... A nossa sobremesa era muito doce à base de leite. E aí...
P/2 – À base de leite.
R – À base de leite, os doces, canjica, sabe? Bolo, assim tudo à base... Manjar, mamãe fazia muito em casa. Não faltava, todos os dias tinha sobremesa. O que você encontrava de doce de abóbora, doce de mamão. Então...
P/2 – Bolo.
R – Bolos, assim sabe? Mamãe fazia bolos, bolos enfeitados para a gente. A gente teve uma infância e uma juventude muito boa com muita fartura.
P/2 – Ela tinha empregada?
R – Não tinha empregada. Nós ajudávamos. A gente... Era tudo muito limpinho, o chão era tijolo na época. Não tinha ainda assoalho, era só nos quartos e o resto da casa era tijolo. Cada filho tinha uma atividade. A gente ajudava bastante na casa.
P/2 – Agora, a senhora se lembra, ou de ouvir contar pelo menos, como é que o seu pai decidiu fazer uma olaria?
R – Não sei. Não sei. Veio assim, do ramo aqui que tinha o que fazer, né? Os nossos terrenos tinham muito barro, argila, né? Então, eu acho que devido a isso é que o papai começou a produzir tijolos.
P/1 – De onde que tirava o barro, dona Lourdes?
R – Olha, de todos os terrenos daqui da redondeza. Aqui na própria...
P/1 – Mas, era perto do rio ou não?
R – Tinha um perto do rio e mesmo nessa redondeza, essa chácara todinha nossa tinha barro para tijolo.
P/2 – Quanto media essa chácara, a senhora sabe?
R – Não sei, mas era muito grande.
P/2 – Devia ser quase uma fazenda?
R – É quase... Bem grande, muito grande mesmo, mas eu não lembro.
P/1 – E o barro tirava com o quê?
R – O barro tirava... Os empregados limpavam por cima que é uma camada de areia, e logo depois, já vinha o barro. Tirava com a pá, colocava na carroça e levava para a olaria. Onde papai tinha olaria tinha muito barro e barro muito bom.
P/1 – Entendi.
R – Ele só parou a olaria porque os meus irmãos, depois de moços... Papai já tinha idade e aí ele parou de trabalhar com olaria e os meus irmãos não quiseram seguir. Tomaram um outro rumo, por isso que parou.
P/1 – Dona Lourdes, como é que você descreveria o seu pai e a sua mãe?
R – Ai, meu Deus. Meu pai era um homem, uma figura assim maravilhosa. Meu pai era muito bom, assim muito bom. Para ele ficar nervoso precisava... Nem sei o que fazer. Tudo para ele, ele dizia: “ Mas, si va la.” Tudo em italiano que estava tudo bom. Para ele não tinha coisa ruim. Ele era muito bom, muito generoso, sabe? Ele gostava de ajudar as pessoas. Ele fazia... Dava muita coisa assim para os outros. Mesmo quando ele tinha a olaria, muito tijolo para fazer cômodo e cozinha, ele dava para os outros. Ele era bom demais, demais. A mamãe era uma mulher mais severa, mais enérgica, né? Ela cobrava mais da gente. Ela cobrava bastante. Assim, ela cobrava bastante da gente, sabe? Ela cobrava para ajudar na casa. Ela queria que aprendesse a cozinhar. Ela punha a gente na cozinha para cozinhar, mas era uma mulher, assim dinâmica, muito trabalhadeira, sabe? De forno e fogão especialmente. Ela deixou muita saudade para gente. Muito boa. E a gente era muito feliz em casa. Nós éramos em sete. A gente não brigava, mesmo quando as minhas irmãs começaram a casar, para cada uma que casava o meu pai fazia a casinha e dava para elas morarem. Então, ficaram morando dentro aqui da chácara. E no domingo, eles iam todos almoçar. No sábado à noite, mamãe fazia canjica, pudim, arroz doce. Então, no sábado à noite, eles subiam. A gente fala “subiam” porque as casas eram aqui embaixo, eles iam para casa da minha mãe e montavam aquela mesa imensa. Punham os pratos e todos sentavam na mesa, os netos, os filhos e comiam ali junto no sábado. E, no domingo, almoçavam todos juntos. Mamãe fazia comida para todos.
P/1 – E vinha só família, ou vizinhos…?
R – Vinha assim também, os parentes. Os parentes do meu pai que moravam no Ipiranga. Eles vinham passar o domingo aqui também com a minha mãe. Eles diziam que vinham para chácara, né? A gente tinha sempre visita, né? E sem contar assim, políticos que vinham na minha casa. Ademar de Barros era amigo assim de almoçar na minha casa. Almoçava com a gente. Era muito amigo do papai. O doutor Elias Shammass, que na época era presidente da Câmara Municipal, vinha muito na minha casa com a família, visitar Nós tínhamos sempre visita e visitas muito boas.
P/1 – O dona Lourdes, tinha alguma profissão, assim mais para os homens, que era valorizada na família? Que enfim...
R – Olha, assim... Um dos meus irmãos, assim... Meu pai queria muito que um dos meus irmãos fosse advogado. E ele batalhou muito e não conseguiu. O meu irmão não quis.
P/1 – Não quis.
R – Não quis. E o mais velho começou a trabalhar paralelo com o meu pai, que mesmo depois de casado, era ele e o meu pai que tocavam todos os negócios, né? Mas, o meu outro irmão que papai dizia: “Você vai estudar?” E levava ele na escola, mas não tinha jeito. Ele fugia.
P/1 – Ele fugia.
R – Ah, ele não ia. Ele não queria. Só quem estudou mesmo, fui eu e uma outra minha irmã. Só. E o restante, não estudaram. Aprenderam costura, bordado, de tudo, flores. Nós sentávamos também numa mesa no terraço e as minhas irmãs aprendiam a fazer flores e passavam para a gente, né? A gente... Nossa, era muito feliz. Muito, muito, muito, muito.
P/1 – E a sua família era religiosa?
R – Católicos. A mamãe e o papai eram muito católicos.
P/1 – Então, os pais da senhora eram bem religiosos.
R – Bem religiosos. Tanto é que assim que papai colaborava muito com a
igreja...
P/1 – Qual que era a igreja?
R – Era a Nossa Senhora do Carmo. Ele colaborava muito. Ele trabalhava... Ele era da irmandade da igreja, sabe?
P/2 – Onde fica essa igreja?
R – Fica aqui no centro de Itaquera, na ladeira do Carmo.
P/1 – E vocês iam à missa?
R – Ah sim, todo domingo. Todo domingo, nós íamos à missa. Mamãe, o papai e nós todos. Todos na missa das sete horas. Todos nós. No domingo, a primeira coisa era a missa e nós íamos em procissão, festas da paróquia, a gente participava. Até hoje, nós somos católicos.
P/1 – Como é que era a festa mais importante?
R – Aqui de Itaquera, é a Nossa Senhora do Carmo, no dia 16 de julho.
P/1 – Como é que é? O que acontece?
R – Tinha quermesse. O mês todo, todo sábado e domingo tinha quermesse. Os moradores colaboravam dando prendas. E aí, tinha leilão de porco... E vinha porco no leilão, ia também cabrito, e outras coisas que o pessoal doava, outras prendas. Então era a festa do bairro. Era a única que tinha, viu?
P/1 – Ah, é?
R – Era a única festa de Nossa Senhora do Carmo. Todos esperavam a festa da padroeira. E tinha uma família, família Papalado. Uma família italiana que tinha uma casa aqui em Itaquera. Eles que trouxeram a Santa que é a Nossa Senhora do Carmo e eles que enfeitavam a igreja todo ano, no mês de julho.
P/2 – Trouxeram a Santa de onde?
R – Ah, essa Santa veio da Itália. A Nossa Senhora do Carmo veio da Itália.
P/1 – E dona Lourdes, o nome Parque do Carmo, igreja do Carmo, tudo é por causa da Santa?
R – É por causa da Santa. O Parque do Carmo é por causa da Santa e a Igreja do Carmo também. É uma igrejinha simplezinha até... Mas até hoje, ainda tem a mesma estrutura. Não reformaram quase, sabe? Ela está a mesma coisa.
P/1 – E a procissão saía...
R – A procissão saía com a imagem da Santa da igreja e percorria as principais ruas de Itaquera. Mas, era muita gente. Todos saíam de casa para irem à procissão. Era uma devoção assim muito forte.
P/1 – Entendi. A senhora com os seus pais costumavam viajar para algum lugar, ou não?
R – Olha, os passeios nossos eram assim; a festa de Nossa Senhora e Bom Sucesso em Guarulhos. Então aí, nós íamos para lá logo cedo... Festas assim de religião. Nós íamos para Aparecida do Norte, Pirapora, mas assim outras viagens não costumávamos... Papai não costumava sair para outros lugares...
P/1 – De que vocês iam?
R – Nós íamos para Bom Sucesso assim, pegava um caminhão nosso mesmo, colocava um toldo em cima, colocava tábuas fazendo banco e todos subiam. Sentavam e, iam tipo de uma romaria. Muitas pessoas de Itaquera faziam a mesma coisa. Saíam várias famílias na mesma hora e iam para Bom Sucesso.
P/1 – Onde que fica?
R – Em Guarulhos.
P/1 – Ah, em Guarulhos.
R – Em Guarulhos. Ainda existe essa igreja lá, a Nossa Senhora do Bom Sucesso.
P/1 – E passava o dia lá?
R – Aí passava o dia. Saía lá de casa, quatro e meia, cinco horas. Aí chegava lá, montávamos uma barraca bem grande e levávamos de tudo para comer. Assistíamos a missa, depois da missa a gente comia, participava da procissão e depois vinha embora.
P/1 – Certo.
P/2 –
E a senhora se lembra de outras festas do bairro?
R – A Festa do Pêssego. Depois começou... Aqui em Itaquera tinha colônia japonesa, começou a formar a colônia japonesa na produção de pêssego, ameixa... Pêssego, ameixa, verduras, legumes que os japoneses… Para as feiras de Itaquera, a verdura vinha todinha... Verduras e frutas vinham da colônia japonesa. Então, depois passou ter a Festa do Pêssego, em 1954, por aí, começou essa festa.
P/1 – A senhora foi à essa festa?
R – Eu fui em todas.
P/1 – Ah é.
R – É. Sempre que teve, eu fui sempre.
P/1 – O que a senhora lembra dessa primeira festa?
R – Ah, muito político.
P/1 – Ah é.
R – É. Com muita política, exposição de frutos, assim frutos especiais. Então, a produção da colônia fazia a exposição dos melhores frutos e vendiam barracas também, vendendo frutas. Tipo dessa Festa da Uva de Jundiaí era a Festa do Pêssego aqui em Itaquera. Muita gente vinha, muita gente mesmo. Só que a colônia acabou porque assim; os japoneses antigos, eles plantavam, trabalhavam na lavoura. Mas quando começaram a nascer os filhos, começaram a estudar e se formar engenheiro, advogado, médico e foram largando a produção que hoje ainda tem alguma coisa. Muitas chácaras de flores. Ainda tem goiaba, pêssego. Ainda tem, mas pouquinho.
P/1 – Dona Lourdes, tinha a rainha do pêssego?
R – Tinha a rainha do pêssego, mas brasileiro não conseguia ganhar. Vendia votos, a minha irmã foi candidata. Ela até pegou o segundo lugar. Eu também fui uma vez. Em 1956, eu fui também. Mas, brasileiro não ganhava. Só japonês. Porque eles cobriam, né? Conforme dava a apuração, eles se juntavam, os japoneses, iam lá e cobriam. Então, nunca ganhou uma brasileira. Era brasileira, filha de japonês, mas assim, nunca ganhou.
P/2 – E eles moravam nas chácaras?
R – Moravam na chácaras. Ainda tem essas casas, as chácaras, viu? Tem muita chácara ainda na colônia com casa antiga. Agora, ultimamente tem muita indústria. Lá tem muita indústria.
P/1 – Para quem que vocês vendiam os votos?
R – Ah sim, para a família, amigos, né? Antigamente, era comum isso. Todo mundo colaborava, comprava, né? Mas, a gente não conseguia não chegar junto com os japoneses. Eles não deixavam. Esse título era só deles.
P/1 – E tinha uma roupa especial, a rainha?
R – Eles davam todinha a roupa. Roupa muito bonita. Eles davam o tecido e a gente escolhia. Olha, era um vestido social, assim comprido, bem armado, tipo de organdi, failete, tecido bom. Eles davam até o colar, os brincos. Sabe, o sapato, todinha a roupa.
P/2 – Coroa, tinha isso?
R – Tinha uma coroa e as princesas tinham faixas. A rainha ganhava a coroa e aquela coroa ficava para ela. Todo ano, uma nova coroa.
P/2 – E como era assim? Era um palco?
R – Ah, um palanque, né? Um palanque e muito grande o local onde faziam a festa que hoje ainda existe. Lá é um clube na colônia.
P/1 – Nikkei?
R – Ah...
P/1 – Nikkei?
R – Deve ser. Eu não sei agora o nome. Antes, era no clube da colônia. Agora, eu não sei. Lá, eu sei que ainda existe esse clube que lá, ainda, eles dançam.
P/1 – E a senhora frequentou a escola?
R – Onde?
P/1 – Aqui, em Itaquera.
R – Em Itaquera, eu frequentei. Eu frequentei a escola primária, era o Grupo Escolar de Itaquera. Depois, passou a ser Grupo Escolar Álvares de Azevedo. Sabe a regional de Itaquera? Era na regional de Itaquera, o grupo escolar.
P/1 – Como é que chama aquela rua?
R – É rua Gregório Ramalho.
P/1 – Gregório Ramalho, a gente ficou tentando lembrar...
R – É Gregório Ramalho. Então, antes era ali na regional. Aí na regional era o grupo. Ao lado da regional fizeram... O primeiro ginásio que teve em Itaquera era de madeira. Eram quatro salas de madeira ali também no Grupo Escolar de Itaquera. Aí depois, construíram o Emília, né? O colégio Emília e o Grupo Escolar Álvares de Azevedo.
P/1 – Mas aí é ginásio também?
R - Depois começou o ginásio.
P/1 – No Emília...
R – No Emília e no primário no Álvares de Azevedo.
P/1 – E esse Emília, a senhora lembra o nome todo do colégio? Emília do que?
R – Emília de Paiva Meira.
P/1 – E era do estado?
R – Era do estado.
P/1 – E quais são as suas lembranças da escola, do período de escola?
R – Ah, boas. Boas. A minha primeira professora foi dona Claudina. Ela morava em Mogi... Toma um cafezinho?
P/1 – Eu aceito. Obrigada. A senhora estava contando da professora.
R – Então, a minha primeira professora foi a dona Claudina. Ela vinha de Mogi dar aula aqui no grupo escolar.
P/1 – É mesmo?
R – Uma senhora bem de idade.
P/1 – E como é que ela vinha de lá para cá?
R – Ela vinha de trem.
P/1 – Ah.
R – Ela vinha de trem. Descia na estação... A estação é quase em frente onde era o grupo, né? Ela vinha de trem. A escola era uma... Não tinha uniforme.
P/1 – Não.
R – Não tinha uniforme e serviam sopa para os alunos. Não precisava ser carente não. Todos os dias tinha sopa, quem quisesse tomar sopa. Mas, a escola era boa sim. Bem animada, com muita festa. Qualquer comemoração que tinha virava uma festa. Assim, a gente declamava, cantava... Era muito bom.
P/1 – E do quê a senhora mais gostava?
R – Ah, eu gostava de tudo. Era tudo muito bom.
P/1 – E como é que era a disciplina?
R – Olha, o pessoal era muito... Os alunos eram muito obedientes. Entrava alguém, punha o pé na porta, todos já levantavam e ficavam em pé na sala de aula. Era bem disciplinado. Tinha boa disciplina mesmo. Não é como hoje não. Hoje, é muito difícil trabalhar com criança. Naquela época era bem assim... Entrava em fila e saía em fila. Era bonito.
P/2 – Essa ligação... A senhora falou de outras coisas que aconteciam em outros lugares por perto, né? E essa ligação entre Itaquera com esses lugares próximos era feita de que jeito?
P/1 – Colônia, por exemplo.
R – Não tinha ônibus não. Não tinha ônibus para lá. Ou ia a pé ou tinha a sua própria condução.
P/1 – E era longe?
R – Era longe. Um quilômetro e pouco do centro.
P/1 – E tinha que ir andando?
R – É, tinha que ir andando. Tanto é que as estradas de terra... As estradas eram de terra e passava muita carroça de manhã que vinha trazendo o pessoal. Mesmo as pessoas da colônia para trabalharem, ou para estudarem, vinham todos de charrete ou carroça.
P/1 – E quando chovia?
R – Nossa, era uma tragédia. Muito barro, mas as carroças andavam bem mesmo no barro com os cavalos. Não tinha assim, problema. Depois, que começou a evoluir, começou a ter mais carros. Mas mesmo... A condução mesmo era carroça e charrete.
P/1 - Qual a diferença entre uma carroça e uma charrete? É tudo a mesma coisa?
R – A charrete... É a mesma coisa. Balança a mesma coisa, mas na carroça só cabem duas pessoas porque a carroça é de transporte, né? Era para carregar alimentos e a charrete também... Porque a carroça é de transporte. Era para carregar alimentos e a charrete também,três pessoas, mas já era só para carregar pessoas.
P/1 - Tinha essa diferenciação.
R - Tinha essas diferenças. As carroças transportavam verduras, alimentos, né? A pessoas vinham para vender na feira. E as charretes eram para passeios. O Largo da igreja ficava cheio de charretes no domingo, do pessoal que vinha para a missa.
P/2 - A senhora não tem essas fotos, né?
R - Isso daí, eu não tenho.
P/1 - Eles vinham de onde para as missas?
R - Vinham de charrete para as missas. O pessoal da redondeza toda vinha de charrete para a missa.
P/1 - E as charretes...
R - Ficavam todas no pátio da igreja.
P/1 - Estacionavam lá...
R - Estacionavam ali. Ficavam até a missa terminar.
P/1 - Entendi. Dona Lourdes, e o seu grupo de amigos da adolescência? Como é que era?
R - Ah, assim... A gente tinha um grupo bem grande, no domingo, a gente se reunia, ia na casa do outro tomar um chá. Conversar, sentávamos no terraço ou numa sala e ficávamos conversando. E depois, quando eu já tinha mais idade, eu acho que uns dezesseis anos... quinze, dezesseis anos, aí tinha um salão aqui no cinema de Itaquera, ia no cinema no Carnaval. Tinha baile.
P/1 - Como é que era o baile de Carnaval?
R - Ah, gostoso. Só famílias. Nas mesas, cada família alugava uma mesa ou duas e ia a mãe, o pai, os filhos, todos para o carnaval. E a gente ia as quatro noites. É muito bom.
P/1 - Tinha fantasia?
R - Ah, tinha. A fantasia, assim... Ah, fazia uns bloquinhos, né? De roupa igual, mas assim fantasia, fantasia mesmo não.
P/2 - E o carnaval de rua, como é que era?
R - Ah, o carnaval de rua, então eu cheguei a ver carnaval aqui em Itaquera... Hoje, é carro alegórico e na época eram charretes enfeitadas; era ninho do amor, só coisas assim. Não é como hoje, né?
P/1 - Era como se fosse um curso de charrete?
R - De charretes. É.
P/2 - E ficavam dando voltas?
R - Nas principais ruas de Itaquera. E ficava assim; ficava cheio de gente.
P/2 - Que período, mais ou menos, ficava rodando? Todos os dias?
R - Só saía na terça-feira de Carnaval. O desfile era só na terça-feira de Carnaval.
P/1 - E a gente está falando de que ano, mais ou menos, dona Lourdes?
R - Ah, em 1945, 1946, por aí. Eu lembro disso. E daqui para a própria... Aqui do nosso terreno, enfeitavam as charretes para sair. A gente mesmo colaborava. E não era assim como hoje, eram charretes com flores. Não era como esses carros alegóricos de hoje, lógico né? O máximo que eu cheguei a ver num desfile de Carnaval foi uma cobra que fizeram... Até foi um ano que saiu uma música da “cobra está fumando.” Então, o que eu vi uma vez, estava montado numa charrete. Era uma cobra.
P/1 - “A cobra está fumando” tinha uma música?
R - É, tinha uma música. Eu lembro.
P/1 - Não tinha um negócio da FEB?
P/2 - É, devia ser do tempo da guerra.
P/1 - Da guerra.
R - Eu só sei que era...
P/1 e P/2 - “A cobra fumando.”
P/1 - Símbolo. Devia ser na década de 1940.
R - É por aí. A única coisa que eu vi, mas não lembro assim o porquê daquela cobra.
P/1 - E da música, a senhora lembra?
R - Não lembro.
P/1 - Só o título.
R - Só o título.
P/1 - E o cinema, além da...
R - Aquele cinema era assim ó; o nosso divertimento era o cinema. Então, na terça-feira passava um seriado e a gente ia várias terças-feiras até acabar o seriado. Assistia o seriado e depois, um filme. E o jornal... Hoje, o Jornal Nacional, a gente ia ver jornal no cinema. Passava no cinema, o jornal, as principais notícias do mundo, né? Passava no cinema. E no domingo, o cinema tinha três sessões; tinha matinê, tinha a sessão às seis e a sessão das nove horas. Então, para poder... Não acomodava todo o pessoal numa sessão só. Então, tinham três sessões; a matinê das crianças e duas sessões à noite.
P/2 - E era muito cheio?
R - Ah, lotado. Tinha que ir logo para o cinema, senão, não pegava lugar. E lotavam todas as cadeiras e chegava até ficar gente em pé nas laterais. Bem lotado. O dono do cinema, do primeiro cinema foi o seu Antônio Cepeda.
P/1 - Cepeda?
R - É, Cepeda.
P/1 - E tinham praças também?
R - Ah tinha... Não tinha praça não. Ali perto da estação tinha só uma pracinha pequenininha. Itaquera não foi Itaquera de ter praças não. Não tinha praça. Era só no Largo da igreja e uma pracinha pequena perto da estação.
P/1 - Dona Lourdes, a senhora lembra dos filmes que vocês viam no cinema?
R - Ah, não lembro. Havia muito Gordo e o Magro, né? O Gordo e o Magro. Depois, Oscarito, mas não lembro assim de título.
P/2 - E o trem, a senhora se lembra dele?
R - Ah, o trem Maria-Fumaça.
P/2 - Como é que era o trem?
R - Era puxado à lenha, né? Colocavam lenha e ele era bem lerdo mesmo. Vagaroso para chegar até o Brás. Bem vagaroso.
P/2 - E lembra quanto tempo demorava para chegar no Brás?
R - Ah, mais de uma hora e meia.
P/1 - Era uma viagem.
R - Era uma viagem. É uma viagem. Aí, depois logo veio... Depois logo veio o outro trem elétrico, né? Logo em 1950 e alguma coisa. Não lembro ao certo, veio o trem elétrico.
P/2 - E como era essa diferença?
R - O trem elétrico ia rapidinho, trinta minutos de Itaquera até o Brás.
P/2 - E sempre cheio, sempre?
R - Sempre cheio. Sempre cheio.
P/2 - E se não fosse de trem até o Brás, ia como?
R - Aí depois, em Itaquera começou a ter ônibus. Eu acho que foi em 1950 e algum... 1956, por aí começou a ter ônibus que ia até o Parque Dom Pedro. Mas, pouca condução, viu? Pouca condução, mais era o trem.
P/2 - Mas, o bairro era auto-suficiente, quer dizer, não precisava estar saindo do bairro para...
R - Aí, o pessoal saía do bairro para ir trabalhar na cidade. Aqui, não tinha emprego não. Aqui não tinha. O pessoal pegava o trem para ir para a cidade. Para estudar também porque não tinha escola. Tinha o colégio Emília, né? Ginásio. Depois do ginásio, na época científico tinha que fazer lá para a cidade. Aqui não tinha.
P/1 - A senhora fez o Ginásio aqui?
R - Eu fiz no... Eu fiz aqui em Itaquera... Eu fiz o primário. O Ginásio, eu fiz em Suzano. O pessoal saía daqui, ia para Suzano que era o Liceu Santo Antônio. A maioria do pessoal de Itaquera é formada no Liceu Santo Antônio porque aqui em Itaquera não tinha. Depois é que veio a primeira escola aqui para Itaquera, foi O Castelo. Aí, que começou a ter escola em Itaquera, formação de professores, Ginásio, Colégio, né?
P/2 - A senhora diria que esse bairro Itaquera seria um bairro dormitório, ou não? Sabe por quê? O pessoal mora, mas vive em outro bairro.
R - Ah, mais ou menos assim. É mais ou menos.
P/2 - E Suzano é aqui perto?
R - Suzano é interior, né? É antes de Mogi das Cruzes.
P/2 - Então, mas também está ligado aos japoneses, não está?
R - Também tem japoneses em Suzano e tem em Mogi das Cruzes.
P/1 - Dona Lourdes, como é que era... Como é que eram os namoros na sua época de adolescência?
R - Meu Deus, não podia. (risos) Ficava muito assim, os pais não deixavam, né? Não tinha esse negócio assim, de namoro pela rua não. Era tudo dentro de casa, sentado. A mãe, o pai e os irmãos, isso até o dia de casamento. Até o dia do casamento.
P/1 - E o namorado tinha que pedir...
R - Ah, tinha que pedir. Ah, tinha.
P/1 - Quando a senhora começou
namorar, como é que foi?
R - Olha, eu já quando eu comecei a namorar, o meu pai e a minha mãe já eram pouquinho mais... Já estava um pouquinho mais moderno. Pouquinho. Eu dava aula em Mogi das Cruzes, eu conheci o meu marido e aí, eu já apresentei para o meu pai. Então, quer dizer, que não teve esse negócio nem de namorar escondido porque o meu pai ia me buscar. Eu chegava de Mogi das Cruzes às dez e meia da noite. E o papai ia me buscar na estação. Então, não tinha nem esse... Mesmo que o namorado viesse até em casa, vinha o pai, o namorado e a gente até em casa. Chegava no portão, “boa noite” e pronto.
P/1 - Nessa época, estava estudando ainda?
R - Quando eu já estava namorando?
P/1 - É.
R - Não, aí eu já estava dando aula em Mogi. Eu dava aula em Mogi. Já dava aula em Mogi.
P/1 - Esse era o primeiro emprego da senhora?
R - O de Mogi foi o primeiro emprego e do SESI.
P/1 - Entendi.
R - Como é que a senhora conheceu o seu namorado?
R - No trem. No trem, a gente se conheceu no trem.
P/1 - Conta para a gente essa história?
R - (Silêncio)
P/1 - Não... (risos)
R - Deixou muita mágoa.
P/1 - É, tá bom. Então, não tem problema. E como é que foi o seu cotidiano, assim depois que a senhora começou a trabalhar em Mogi? Dar aula.
R - Olha, você vê; eu dava aula em Mogi e à tarde eu pegava o trem aqui Itaquera, tipo meio dia e quarenta, né? E voltava só às dez e meia da noite. Lá é muito bom, um sindicato muito grande, sabe?
P/1 - Dona Lourdes, a senhora estava contando sobre o trem que a senhora ia para dar aula em Mogi, né?
R - O trem era de madeira. Na época, ainda era trem à lenha, né? Então, mas era de madeira. Levava uma hora e meia, por aí para chegar em Mogi.
P/1 - E como é que era trem de madeira... Era primeiro um que puxava...
R - É para a máquina que puxava a lenha, né? Era fogo, né? Fumaça. Os vagões eram todos de madeira.
P/1 - Quantos vagões?
R - Oito vagões em cada trem porque eram seis... Eram seis vagões de passageiros e dois vagões de carga que iam no trem.
P/2 - Que tipo de carga ia?
R - Aí, eu não sei o quê... Não sei. O que era despachado para a estação do Brás, eram várias coisas.
P/1 - Qual era a relação da senhora com a vizinhança aqui no bairro?
R - Muito boa. Muito boa. Assim, era diferente. Hoje, a gente sente falta porque os vizinhos... Eram vizinhos com quem a gente se dava muito bem. No Natal, um ia cumprimentar o outro, Páscoa, dia primeiro do ano, era muita amizade. Tornavam-se até compadre e comadre. Tinha muito compadre, muita comadre no bairro, né? E se davam muito bem. Hoje, a gente não conhece mais ninguém aqui em Itaquera porque com essas desapropriações para o Metrô, a maioria dos velhos de Itaquera foram embora. Foram desapropriados e foram embora. Moram em outros lugares.
P/2 - Sobre as desapropriações, a senhora tem algum caso para contar?
R - Olha, nós quase fomos desapropriados, mas não chegou isso não.
P/2 - Como é que foi essa ameaça?
R - Ah, eles vieram medir para construir. Porque iam construir uma estação, diziam, o Metrô. E eles vieram medir e chegaram mesmo até medir aqui em casa. Aí, eles fizeram três metragens e escolheram uma. E a gente deu sorte porque não fomos os escolhidos.
P/1 - Mas é essa estação...
R - Essa é a Dom Bosco? Essa é a Dom Bosco.
P/1 - Mas, aí não foi o Metrô?
R - Então, mas eles disseram que era Metrô. E tinha também, as placas escritas Metrô Pêssego, só que, depois, quando foi inaugurar é que falaram que era trem. Aí já passou, já não era mais Metrô Pêssego, já era estação Dom Bosco.
P/1 - E a senhora sabe por quê?
R - Dom Bosco? Porque nós temos a igrejinha de Nossa Senhora de Aparecida do padre Rosalvino. E ele é um batalhador. Ele tem a associação Dom Bosco. Ele recolhe pessoas de rua, ele tem curso dos meninos de rua, dá comida, tem curso profissionalizante para as meninas e para os meninos e esse curso chama-se Dom Bosco. Ele tem horta comunitária em que ele também ensina os meninos a plantarem. Então, esse curso chama-se Dom Bosco. Por isso que puseram Estação Dom Bosco.
P/2 - E como é que ficou o clima na sua família quando vocês estavam com medo de serem desapropriados?
R - Ah, foi tenso. A gente não queria sair do que o papai deixou para a gente não. Foi tenso o clima.
P/2 - Mas, era um pagamento... Não tinha previsão...
R - Não sei. Não tem previsão. As pessoas que eram desapropriadas foram desapropriadas e nem sabiam quanto iam receber. Não tinha base nenhuma não.
P/2 - Só para entender melhor, essa herança do seu pai foi o quê? A chácara foi dividida entre os filhos?
R - Foi dividida entre os filhos. Entre os sete filhos. Aí, tem também... Tem assim, tem herdeiro e tem uma irmã que quando pegou a herança já vendeu e foi morar em outro lugar. Foi morar no Tatuapé. Eu tenho uma outra que ela não vendeu as propriedades, mas ela mora no Aeroporto. Ainda que moram, dos sete filhos dois faleceram... Três faleceram, né? E nós ficamos ainda... Nós somos ainda em quatro. Uma mora no Aeroporto e três moram aqui em Itaquera. Eu e mais duas irmãs. Tenho duas irmãs que não saíram também daqui.
P/2 - Estão no mesmo terreno que herdaram?
R - No mesmo terreno que herdou. É onde a gente foi criada e nós estamos morando.
P/2 - A chácara era muito grande?
R - Era muito grande.
P/2 - E cada um ficou com um terreno enorme...
R - Enorme. Bastante tempo.
P/2 - Mas se esgotou a chácara dividindo para os filhos?
R - Papai também vendeu muito. Papai também vendeu porque os impostos também eram muito altos e o papai acabou vendendo boa parte. Mas deixou uma boa parte para nós também.
P/1 - Dona Lourdes, eu queria que você comentasse como é que era o comércio em torno da estação? No começo.
R - No começo, em frente à estação, tinha um açougue, um armazém, o cartório, uma farmácia e só.
P/2 - Isso na estação do Metrô?
R - Na estação de trem, ali onde é a regional. Na rua Gregório Ramalho, o comércio era ali. E tinha isso. Depois, teve em Itaquera um banco que se chamava banco Borg...
P/1 - Fechou.
R - Fechou. Aí depois, desse banco veio o Bradesco.
P/1 - E o comércio era assim de frente para a estação?
R - A estação fica assim embaixo. Tem a estação numa praça, aí sobe umas escadas para vir à rua Gregório Ramalho onde tem o comércio. Então, ali tinha o grupo escolar... Antigamente, tinha o grupo escolar, tinha um armazém. O único armazém e o cartório, a farmácia e o açougue. Era esse o comércio.
P/1 - E como é o local que a senhora mais gosta aqui do bairro?
R - Olha, eu sou tão itaquerense. Eu gosto tanto de Itaquera. Eu gosto de tudo em Itaquera.
P/2 - Mas, uma coisa que a senhora mais gosta?
R - Aqui? Ah, eu gosto daqui onde eu moro.
P/1 - É.
R - Eu gosto. Eu tenho um amor muito grande por aqui.
P/2 - E o que a senhora menos gosta?
R - Aqui em Itaquera, o que eu menos gosto? Ai, nem sei o que eu não gosto em Itaquera, tem tanta coisa...
P/2 - Tem bastante coisa que a senhora não gosta?
R - Ah, Itaquera, eles construíram... Assim, eu não tenho preconceito nenhum da COHAB. Não estava preparada para tanta gente morar em Itaquera na COHAB. Então, tudo que você vai fazer é tudo muito lotado. Hoje, nós temos muitos mercados, né? Mercados muito bons, hoje. Mas, aonde você vai é sempre tudo muito lotado. E você não conhece mais ninguém, assim.
P/1 - A senhora lembra quando foram construídas as COHABs? Onde foram construídas?
R - Ah, eu não me lembro.
P/1 - Mas, foi uma mudança...
R - Foi uma mudança radical. De repente, encheu Itaquera de gente. Então, não estava preparado nem trem, nem ônibus. Tudo faltava na época. Agora tudo que você pegar, uma condução é sempre... Já vem da COHAB, já vem cheio.
P/2 - Mas, quando estava construindo essa COHAB, a senhora viu?
R - Eu vi, mas não me lembro o ano. Olha, essa COHAB foi construída aqui no Jardim Morganti. Aí, a gente tem uma casa do projeto... Era uma fazenda.
P/1 - Qual era o nome...
R - Ali na Morganti.
P/1 - Nilo Morganti.
R - Nilo Morganti.
P/1- Ele morava aí?
R - Ele morou muitos anos aí, o Nilo Morganti. Hoje, a casa onde ele morava é o projeto Raul Seixas.
P/1 - Ah, eu fui lá.
R - Você foi, então...
P/1 - Cultura.
R - Casa de Cultura Raul Seixas. Era a casa da fazenda do Morganti.
P/2 - Mas, conservaram a casa?
R - A casa está lá ainda. Não mudou nada, nada, nada.
P/2 - É tombada? É muito antiga?
R - É muito antiga. Dizem também que nessa fazenda do Morganti tinha escravos.
P/1 - Ah é?
R - Eu ouço essa história de que tinha escravos. Tinha até pelourinho. Era fazenda de café.
P/1 - Café.
R - Café, eucalipto.
P/2 - E tinha pelourinho, não?
R - Tinha pelourinho nessa fazenda. Então, por isso dizem que era de escravos, né?
P/2 - A senhora conheceu?
R - Não, não conheci. Não conheci.
P/2 - E hoje, como é que funciona a casa de cultura...
R - Hoje, a casa de cultura, o que funciona... Lá tem um parque, tem sala de jogos, às vezes passam filmes, muitas escolas vão visitar.
P/1 - Tem grupo de terceira idade.
R - De terceira idade também.
P/2 - É um centro...
R - Tipo um centro comunitário. Tem cursos de flores, cursos de culinária.
P/2 - Quem que apoia, a prefeitura ou não?
R - Agora me pegou. Eu não sei.
P/1 - Eu acho que é.
R - Eu acho que é a prefeitura sim. Eu acho que é a prefeitura porque as escolas da prefeitura vão muito lá.
P/1 - Ô dona Lourdes, eu queria que a senhora contasse um pouquinho dessa história da iluminação do bairro que a senhora disse que em 1950...
R - Olha, quer ver. Foi em 1954, me parece que veio... Foi em 1954 que veio a luz elétrica aqui para Itaquera. Quem inaugurou a luz foi o Ademar de Barros... Que acendeu... Que ligou a chave da luz. Mas antes disso, deixa eu ver uma coisa; em 1940, a minha irmã fez cinquenta e três anos de casada... Em 1940 e alguma coisa, em julho de 1900 e... Eu não me lembro agora. Eu sei que era casamento da minha irmã. Ela tem cinquenta e três anos de casada. Vamos fazer a conta?
P/1 - Como é que é a conta?
R - Era há cinquenta e três anos atrás.
P/1 - Há cinquenta e três, a gente está em 2000, 1947.
R - Então, papai foi para o Rio de Janeiro numa comissão. Ele, o Antônio Cepeda, Domingos Mizoli, eles foram para o Rio de Janeiro e ficaram hospedados lá no Catete. E foram porque o processo estava engavetado, o processo da luz. E não saía do Rio de Janeiro, então essa comissão foi para lá e aí já voltara com notícias de que iria ser publicado em diário oficial. Mesmo assim, ainda demorou muito. Muito tempo ainda demorou. Em 1954, inaugurou a luz elétrica em Itaquera.
P/1 - E como é que vocês faziam quando não tinha luz?
R - Olha, os lampiões eram de querosene, o ferro era a carvão... É isso que a gente fazia, não tinha outra opção.
P/2 - E a rua como é que ficava?
R - Ah, hoje a gente diz escura, né? Mas, a rua era escura, não tinha nada. Só tinha mato também aqui.
P/1 - Tinha bicho, dona Lourdes?
R - Ah, tinha sim. Bicho normal. De vez em quando, aparecia assim veadinhos, né? Mas, outros bichos assim, tinha macaco, macaquinhos, muito lagarto, mas muito passarinho bonito. Passarinhos tinham lindíssimos. A gente podia ver coruja, coisa que hoje, ninguém vê.
P/1 - É verdade.
R - A gente à noite saía para ver as corujas. Tinha coruja branca e tinha corujas rajadas, né? A gente saía para ver as corujas. Tinha muita codorna. A gente comia muito ovinho de codorna que pegava nos ninhos no meio do capinzinho, assim no quintal. É muito passarinho bonito, canário, coleirinha. A gente conhecia assim muito... Tinha muito passarinho, periquito, tinha muito passarinho mesmo.
P/1 - E diziam que aqui em Itaquera tinha um ar muito puro?
R - Ar puro. O ar era muito puro, muito bom, muitas flores, muito ipê, muito bom o ar de Itaquera.
P/1 - E o rio Jacu, a senhora...
R - O rio Jacu...Ai que gostoso, eu tomei tanto banho lá. O rio Jacu passava dentro da olaria do meu pai. A gente tomava banho no rio... Água assim, branquinha. O rio Jacu foi muito bom até construírem a Cohab porque mesmo os meus filhos, eles tomaram muito banho nesse rio Jacu. Mas, depois que construíram a Cohab, eles jogaram todo o esgoto para o rio. Aí, poluiu.
P/2 - A senhora estava falando justamente da Cohab, a senhora lembra da bagunça no tempo da construção do conjunto, né? A senhora lembra de alguma coisa, assim marcante?
R - Não.
P/2 - Da construção?
R - Não, não lembro não.
P/2 - Tinha muito operário? Os operários...
R - Foi muito rápido que construíram, né? Muito rápido.
P/2 - Como assim?
R - Começaram a levantar, dali a seis meses você via, já estava bem alto. E é muito grande. Ela começa aqui em Itaquera... Aqui no conjunto José Bonifácio e vai terminar em Guaianazes, lá no final de Guaianazes. É muito grande a Cohab.
P/2 - São muitos prédios.
R - Muitos prédios. Muito, muito, muito. Segundo dizem, é o maior colégio eleitoral de São Paulo, né? A Cohab é o maior colégio eleitoral de São Paulo.
P/2 - E os Cingapuras?
R - Tem, mas os Cingapuras são recentes, né? De uns quatro anos para cá...
P/2 - Aí, encheu mais ainda.
R - Ah, encheu mais ainda. E também, aquelas casinhas do sem-terra, tem bastante em Itaquera. Está farto Itaquera de...
P/2 - E essas casinhas, há muito tempo que tem aí os sem-terra?
R - Do sem-terra tem um... Eu acho que perto de uns dez anos.
P/1 - Dona Lourdes, tinha enchente aqui no bairro?
R - Então, antigamente, a gente nem via enchente porque era tudo descampado, tudo brejo.
P/1 - Era brejo?
R - Era brejo toda essa parte até onde papai tinha olaria. Tudo aqui perto da estação também. Aí, enchia, mas a gente não tinha danos porque não tinha nada construído.
P/1 - Não tinha ruas.
R - Não tinha ruas, não tinha nada construído. Aí depois, começou... Teve uma boa época de enchente em Itaquera, mas agora, depois que construíram o rio Jacu não tem mais.
P/1 - Depois que canalizaram.
R - Canalizaram, não tem mais.
P/1 - Quando foi essa canalização, a senhora está lembrada?
R - Ah, eu acho que tem uns cinco anos, por aí. Que não tem mais. Não se ouve mais falar em enchente.
P/1 - E esses pedaços não eram asfaltados?
R - Não eram. Então, é isso que eu digo; na época não se sabia nem de enchente porque nada era asfaltado. Depois que asfaltaram, ali no centro mesmo de Itaquera, perto da estação, costumava a encher. Até uns cinco anos atrás. Até canalizarem o rio. Depois que canalizou o rio não se viu mais enchente não. Até que se vive em paz.
P/1 - Quando tinha essas enchentes, tinha...
R - Muito transtorno porque aí o comércio, na parte debaixo da estação, ficava coberto de água.
P/1 - Perdia tudo.
R - Perdiam muitas coisas. Mas, o pessoal perdia, passava a enchente limpava e ficavam lá. E no outro ano, tinha enchente, a mesma coisa.
P/1 - Nunca resolveram mudar.
R - Nunca resolveram mudar.
P/1 - Sei.
R - Agora, de uns dois anos para cá, não tem mais enchente.
P/1 - E a água, o abastecimento de água do bairro?
R - Antigamente, nós tínhamos... Era poço, né? Agora, água de rua tem há uns quarenta anos, eu acho que tem água de rua. Tem uns quarenta anos porque os meus filhos têm... É uns quarenta anos que tem água de rua. Quando eu me casei e vim morar nessa casa aqui já tinha água de rua. Tem uns quarenta anos de água de rua.
P/1 - E antes de ter água...
R - Era poço.
P/1 - Descreve para a gente como era o poço.
R - Ah, era um poço de casa, ele tinha assim uns quinze metros de fundura e um círculo assim... Era bem grande, a boca, né? Nós tínhamos quando veio a luz, antes de vir a luz, nós tínhamos um sarilho e tirávamos água do poço pelo balde para lavar a roupa, manter a casa, né? E depois que veio a luz, a gente colocava bomba elétrica e a água vinha direto para a caixa. Mas, muitos anos, foi tirado de balde.
P/2 - E aí, não precisava filtrar a água?
R - A água era de nascente, era água boa. Eu sei que fazia assim, análise da água e podia beber.
P/1-
E o Parque do Carmo? O que era lá? Era uma fazenda?
R - O Parque do Carmo era uma fazenda. Aí, depois dessa fazenda, foi loteada e ficou um bairro residencial.
P/1 - Entendi.
R - E ainda tem no Parque do Carmo, a casa da fazenda. No Parque do Carmo ainda tem a casa da fazenda. Hoje, lá no parque tem uma boa área que é de lazer, da prefeitura.
P/2 - É, o pessoal vem passear...
R - É, vem passear.
P/2 - Ibirapuera...
R - Tipo Ibirapuera. É tipo Ibirapuera. Tem lago, tem patos, é muito bonito.
P/1 - Mas, era um lugar onde vocês iam brincar quando crianças?
R - Não, não, não, não. Não íamos brincar.
P/1 - As brincadeiras eram onde?
R - As brincadeiras eram dentro da nossa chácara junto com os filhos dos empregados...
P/1 - Quais eram essas brincadeiras de criança?
R - Ai brincadeira... Olha, de roda. A gente brincava muito de roda. Brincava de lenço atrás. Pulava corda, pulava corda. Tinha balanço nas árvores onde amarrava a corda. Os balanços das árvores. E a gente brincava muito assim, de carrinho de rolimã. Aqueles carrinhos, bolinha de gude, e outros brinquedos que a gente tinha, como piruleta que ficava disputando quem embocava mais piruleta. Eram esses...
P/2 - O que é isso?
R - Piruleta é uma bola assim, essa bola tem um furo no meio. Aí, tem um pedaço de pau assim, uma linha que você joga assim para cima e ele...
P/2 - Se chamava bimboquê.
R - Bimboquê, né? Bimboquê é outro. Bimboquê é um que você aperta no pau.
P/2 - Você pega assim, tem um barbantinho e faz assim para encaixar no furo.
R - No furinho. Então, esse era piruleta.
P/2 - Tinha um de pauzinho também, que aperta assim...
R - Esse é o bimboquê. Piruleta é esse de jogar para cima.
P/1 - E peão era de menino?
R - Não, a gente também brincava de peão e de bolinha de gude. Era muito gostoso. Fazia o jogo dos buraquinhos na terra e a gente jogava bolinha de gude de palmo... Sei lá, a gente brincava muito.
P/1 - E pipa?
R - Ah, pipa tinha bastante pipa. A gente empinava muita pipa.
P/1 - Menina também?
R - Também. Não tinha isso.
P/2 - E balão nas festas juninas...
R - Muito bom, gostoso. A festa junina era muito boa. Soltava-se bastante balão. Fazia fogueira.
P/1 - Aonde?
R - No quintal mesmo da casa.
P/2 - Não tinha incêndio na época, com os balões?
R - Olha, eu nunca vi incêndio, viu?
P/2 - Agora tem...
R - Agora tem. Agora tem mais rede elétrica, posto de gasolina, mas na época não. Soltava-se muito balão.
P/1 - E aí tinha uns... As festas eram comemoradas dentro de casa, ou dentro da igreja...
R - ...Os vizinhos, né? E cada um fazia a sua festa. Fogueiras enormes, a gente fazia como... Mas, o que mais se comemorava era São Pedro.
P/1 - São Pedro.
R - Era São Pedro, no dia de São Pedro fazia-se churrasco. Era mais comemoração...
P/2 - Os balões eram médios, grandes ou pequenos?
R - Ai, de todos os tipos.
P/2 - É.
R - De todos os tipos.
P/1 - Está certo.
R - Porque precisava subir na árvore para segurar a ponta do balão.
P/1 - Ah é? Por quê?
R - Porque era muito grande, né? Para segurar...
P/2 - Para segurar...
R - A ponta para poder subir...
P/2 - Para poder chegar até...
P/1 - Aí, subia?
R e P/2 - Subia.
R - Ai, era muito lindo, como tinha balão.
P/2 - Coisas penduradas.
R - Pendurava lanterninhas também com velinhas, mas tinha muito balão, muito mesmo. Ficava um mês antes, a gente fazendo balão.
P/1 - Dona Lourdes, eu ouvi dizer que aqui no bairro tinha muito futebol.
R - Ah, tinha também, bastante. Tinha o clube Elite, o Democrático, Amor e Glória, Falcão o Morro. Aí, tinha muito... Ai, como é que eu vou dizer? Ai, tinha muito campeonato assim, né? E eles saíam para jogar também fora de Itaquera. Outros times também vinham para cá, também tinha muito. Além do futebol, tinha muito jogo de malha também.
P/1 - Como é?
R - Malha, bocha. Tinha quadras de bocha e malha.
P/1 - Onde que aconteceu essas...
R - No centro de Itaquera. No Elite tinha... No Elite, além do futebol, tinha jogo de bocha e jogo de malha. No Democrático também.
P/1 - E a senhora frequentava esses clubes?
R - Eu frequentava. Eu frequentava o Elite.
P/1 - O Elite.
R - O Elite.
P/1 -
Como é que era o clube Elite?
R - Ai, bom... Era muito família, né? Muitas famílias. O Elite dava muitas festas; baile da primavera, baile de debutantes, carnaval, festa da cerveja. Tinha muita comemoração no Elite. E festas bem familiares. Iam famílias, mãe, o pai e os filhos. Ali, a gente encontrava os amigos. A gente frequentava... A minha mãe não, viu? A minha mãe não gostava. Ela ficava em casa, a gente ia com o meu pai.
P/2 - Ele gostava?
R - Papai gostava. Ele gostava muito de uma festinha.
P/1 - Que bom.
R - A gente saía muito. Também, não saía sozinha. Saíamos só com o pai.
P/1 - O pai da senhora era super companheiro...
R - Muito amigão, muito bom, muito mesmo.
P/1 - Que joia. E o que mais mudou no bairro nesses anos todos que a senhora está aqui, dona Lourdes?
R - O que mudou? Aí, teve tanta mudança, né? Muita coisa melhorou, melhorou; tem muita muita escola agora. Agora tem bastante escola, mas Itaquera não tem um clube bom.
P/1 - A senhora acha que falta um clube?
R - Tinha o Elite... Um clube assim, um clube bom não tem em Itaquera. A única coisa que tem de lazer em Itaquera é o Parque do Carmo... É só o Parque do Carmo de lazer e o Parque Raul Seixas agora
P/1 - E o SESC?
R - Então, o Raul Seixas... O SESC é, o SESC e só. Só tem o SESC e o Parque do Carmo só de lazer.
P/1 - Se a senhora pudesse, tivesse uma varinha mágica e pudesse transformar o bairro, como é que a senhora gostaria...
R - Ah, eu voltaria no antigo.
P/1 - Ah é?
R - É, era muito melhor.
P/1 - Sem luz, sem água.
R - A gente era muito feliz, era muito bom. Era muito bom. Eu acho muito bom.
P/1 - Está certo.
R - Se pudesse voltar tudo, eu queria ser filha do meu pai e da minha mãe, só que eu gostaria de ser a filha mais velha porque eu sou a caçula e eu curti pouco. Eu tinha vinte e um anos quando o meu pai morreu. Então, eu curti... Eu acho que sinto que curti pouco o meu pai. A minha mãe até que curti bastante. Ela morreu com bastante idade, né? Papai morreu com setenta anos, mas eu sinto que eu curti pouco. Eu gostaria de ser a filha mais velha para curtir bastante. Para voltar aquele tempo bom.
P/1 - Dona Lourdes, e quem mora agora com a senhora?
R - Comigo, aqui na minha casa? Eu e meus dois filhos. A minha filha é a minha vizinha. A minha irmã, uma irmã é vizinha no fundo e a outra na frente da casa. Ainda, nós moramos com a família assim, perto.
P/1 - E como é que é a sua rotina, hoje? O seu dia a dia?
R - Ah, eu levanto cedo, vou trabalhar, depois eu chego do serviço, almoço... Eu sou muito família também. Aí, eu vou ver a minha irmã, vou na casa da minha filha e eu gosto muito de sair. Eu não paro. Eu faço serviço de banco, eu que faço tudo. Eu não paro.
P/1 - Está certo. A senhora tem netos?
R - Eu tenho três netos.
P/1 - Como é que eles se chamam?
R - Rodrigo, Andressa e Andrei. Então, eu curto bastante os meus netos também. A minha neta está na Espanha fazendo um curso.
P/1 - Ah é?
R - Ela volta só domingo. Eu já estou morrendo de saudades. Foi fazer um curso de quinze dias, né? Então, não vejo a hora que chegue.
P/2 - O que a senhora acha que poderia dizer de toda essa experiência de vida, geral assim?
O que a senhora aprendeu, tirou e concluiu, enfim?
R - Ah, eu aprendi muito com os meus pais. Eu gosto de viver o momento. Eu gosto muito de ter as minhas coisinhas tudo direitinho, mas a gente tem que viver o momento. Eu gosto muito dos meus filhos, vivo muito para eles. Eu tenho muitos amigos, mas muitos mesmo, sabe? Então, eu acho que eu tenho bastante amizade. Eu sou uma pessoa, assim até que feliz.
P/1 - E que sonhos a senhora gostaria de realizar?
R - Olha, agora eu só tenho um sonho.
P/1 - Qual que é?
R - Eu quero muito ir para a Itália porque quando eu era menina, o meu nonno e a minha nonna, eles falavam muito da Itália. Então, eu quero ir à Veneza, a minha vó passeava muito em Veneza e ela falava muito para mim, assim de Veneza, de gôndola... Eu tenho o sonho de ir para a Itália. No ano que vem, se Deus quiser, eu vou com a minha neta, quero conhecer a terra dos meus avós. Eu quero conhecer assim só a Itália. Não tenho ambição de ver outros países, mas queria conhecer muito bem a Itália. Esse é um sonho.
P/1 - Está joia. E a gente está encaminhando para o final da entrevista, tem alguma coisa sobre Itaquera que a senhora gostaria de deixar registrado, ou que a gente não tenha falado?
R - Não, não. Eu acho que não.
P/1 - É só isso?
R - Itaquera é maravilhoso. Eu saio de Itaquera empolgada e vou viajar. Estou fora de Itaquera, eu não vejo a hora de voltar. É gozado. Eu já tive propostas de mudar tudo de Itaquera, mas... Eu falo muito para os meus filhos que conserve isto para os meus netos e que vá passando de um para outro aquilo que o meu pai deixou porque é fruto de trabalho dele, né? Então, eu falo muito para os meus filhos; eu já passei tudo para o nome deles, tudo que o meu pai me deixou, eu já dei tudo para os meus filhos. E eu falo muito para eles que deixe para os meus netos e que os meus netos deixem para os filhos deles... Meus bisnetos e assim vai passando porque isso daqui foi uma terra comprada com muito trabalho, com muito trabalho.
P/1 - Dona Lourdes, então a gente agradece essa entrevista. Obrigada.
R - Não tem do quê.Recolher