Votorantim Fercal DF
Depoimento de Itamar Gomes Vitor
Entrevistado por Marcia Trezza e Tereza Ferreira
Fercal, 12 de junho de 2015
Realização Museu da Pessoa
VOF_HV016_Itamar Gomes Vitor
Transcrito por Karina Medici Barrella
MW Transcrições
P/1 – Itamar, nós vamos começar a entrevista. ...Continuar leitura
Votorantim Fercal DF
Depoimento de Itamar Gomes Vitor
Entrevistado por Marcia Trezza e Tereza Ferreira
Fercal, 12 de junho de 2015
Realização Museu da Pessoa
VOF_HV016_Itamar Gomes Vitor
Transcrito por Karina Medici Barrella
MW Transcrições
P/1 – Itamar, nós vamos começar a entrevista. Fala o seu nome completo.
R – Itamar Gomes Vitor.
P/1 – Qual a data do seu nascimento?
R – Vinte e sete de janeiro de 1964.
P/1 – E você nasceu onde?
R – Eu nasci em Sobradinho mesmo.
P/1 – Distrito Federal?
R – Distrito Federal.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – Meu pai é Saturnino Gomes Vitor e minha mãe Vitalina Maria Vitor.
P/1 – Que lembraças você tem de seu pai?
R – O meu pai, que eu me lembre foi sempre um homem muito lutador, batalhador, trabalhou aqui nessas fábricas no tempo que eu era criança, eu me lembro. Ele trabalhou tanto na Votorantim, aqui na Tocantins, como também na Ciplan. Aí nessas obras ele sofreu um acidente na Ciplan uma certa época, ficou impossibilitado de trabalhar e aí ele vivia, que ele mexe com serviço de pedreiro, pegando uns trabalhinhos de pedreiro onde a gente auxiliava ele. E depois ele se viu obrigado a vender o barraquinho que nós tínhamos e então nós fomos morar na área rural, da onde ele tinha vindo. Ele, desde a Paraíba, que ele é paraibano, veio aqui por indicação, sempre morando em roça, depois que casou que veio morar na cidade, trabalhar na cidade. Aí ele voltou pra roça, nós fomos juntos com ele e nós fomos morar no município de São Francisco de Goiás, a 64 quilômetros de Anápolis. De lá nós mudamos e fomos morar na região de Formosa, no Vale do Paranã, num assentamento. Isso pelo governo do estado de Goiás, pela Secretaria de Agricultura do Estado de Goiás, fez esse assentamento e levou algumas famílias pra lá, inclusive meu pai foi um. E de lá eu constitui família, casei-me, tenho três filhos. Depois saí de lá, fui pra Cabeceira, de Cabeceira voltei de novo pro mesmo lugar, depois fui trabalhar como vaqueiro, tratorista também.
P/1 – Então a gente vai voltar um pouco e você vai falar sobre cada uma dessas mudanças. Pra começar, o seu pai precisou vender onde vocês moravam. O que aconteceu que ele precisou vender?
R – Situação financeira já estava um pouco difícil. Então ele achou uma oportunidade de obter um pedacinho de chão, ele vendeu e comprou essa chácara, isso lá nessa região de São Francisco de Goiás.
P/1 – Quantos anos você tinha quando vocês voltaram?
R – Pra roça? Que eu saí de Sobradinho que fui pra lá? Eu tinha por volta de 16 anos de idade.
P/1 – Sua infância foi em Sobradinho?
R – Em Sobradinho, mas nas férias, as minhas férias todas, praticamente, foram na roça, na casa de meus avós que moravam ali perto de Alexânia. Então a gente ia todas as férias, era o meu maior prazer estar lá nas férias na casa dos meus avós. Era pescando, capinando, ajudando o meu avô, que meu avô é baiano, veio da Bahia, minha avó também, que é uma história muito interessante. Ele era 15 anos mais velho do que ela, no dia da mãe dela dar a luz, a minha avó, ele que foi buscar a parteira pra ela nascer. Depois quando cresceram ele casou com ela (risos). Uma história muito interessante. E ela morreu com 96 anos e ele foi com 110 anos.
P/1 – Nossa! Pais...
R – Da minha mãe.
P/1 – Como eles chamavam?
R – Ele era Raimundo e ela Maria José.
P/1 – Sua mãe nasceu na Bahia?
R – Minha mãe também nasceu na Bahia. Baiana.
P/1 – E onde seus pais se conheceram?
R – Foi no município de Barro Alto. Que eles moravam, meu avô foi pra lá e meu pai também mudou, veio da Paraíba e foi parar lá também e se encontraram e acabaram juntando os trapos, né? (risos) Casaram, constituíram a família, aí depois de casado eles vieram no início de Brasília, ele veio pra cá. (interrupção)
P/1 – Você lembra do seu pai contando de quando ele veio pra Brasília? Qual era a expectativa dele?
R – Segundo informação que ele sempre conta pra gente, ele saiu de lá porque lá estava uma situação muito difícil. E segundo ele conta, ele ainda era adolescente, ou pré-adolescente, que parece que ele saiu de lá de 13 pra 14 anos, ele saiu pra correr o mundo. Andou muito, andou no Nordeste, da Paraíba ele rodou no Piauí, Pernambuco, Ceará, ele rodou esse meio de mundo até no Maranhão, Rio Grande do Norte, rodou até chegar aqui no Goiás. Segundo ele, de lá ele veio, pra lá ele não quer voltar porque aqui ele achou muita coisa boa, aqui realmente a expectativa dele foi bem melhor do que ele tinha lá no Nordeste. Ele aprendeu algumas profissões e nos passou, ele é marceneiro, ele é serralheiro, ele tem algumas profissões, essas profissões nós herdamos dele, né? E como ele é muito curioso acho que os filhos também foram indo no mesmo caminho. E aí com essa vinda me lembro também dele contar que passou por muita dificuldade, passou fome, mas hoje, graças a Deus, está aí, venceu e está vencendo. Já fez 86 anos, um paraibano muito forte apesar de depois de muito acidente. Ele já sofreu vários acidentes, uma vez ele caiu da bicicleta, uma vaca deu um coice, o médico disse que ele jamais iria andar porque trincou a bacia. Mas pelo conhecimento que ele tem, pela medicina natural, hoje ele está andando, cantando pra todo lado, que o médico até se admirou como é que ele estava andando, que não era para ele andar mais, só de cadeira de rodas, mas está andando, graças a Deus. E esses conhecimentos ele passou também pra nós e passa até hoje.
P/1 – Dessa medicina natural?
R – Medicina natural. Inclusive nós lá de casa, pelo menos os mais velhos, dificilmente nós vamos na farmácia comprar um Doril. Nem meus pais, só minha mãe que agora está tomando por causa que ela fez uma cirurgia, mas negócio de remédio controlado eu nunca vi o meu pai tomar, pressão alta meu pai sempre quando vai medir a pressão é aquela pressão normal, é tudo tranquilo, então a gente aprendeu muito isso aí. E ele soube muito bem como educar a gente. Graças a Deus todos os filhos dele nunca deram dor de cabeça, nunca deram problema, sempre, graças a Deus.
P/1 – Quantos irmãos? Vocês são em quantos?
R – Nós éramos em oito, mas Deus levou um, ficamos em sete.
P/1 – Quantos homens e quantas mulheres?
R – São quatro homens e três mulheres.
P/1 – Eram cinco homens?
R – Eram cinco homens.
P/1 – E da sua mãe, as lembranças. Ela é viva?
R – Graças a Deus. Dia nove agora fez 79 anos.
P/1 – E desde a infância quais lembranças, memórias?
R – Minha mãe sempre trabalhou em casa, ela nunca trabalhou fora e é uma mulher batalhadora também, mulher forte, mulher com 79 anos que ninguém diz que ela tem 79 anos. Fez uma cirurgia agora recentemente, tem mais ou menos um ano, fez uma cirurgia, retirou o seio, que inclusive os médicos até falaram, admiraram, a recuperação dela foi tão rápida, até na hora de fazer a quimioterapia ela não sentia nada. Forte. Pra idade dela pensou que ela ia ter um baque, que ela ia sofrer. Nada, não mudou em nada. Ela não pode fazer mais alguns serviços como limpar a casa, lavar roupa, lavar louça, aquelas louças mais pesadas, a gente faz isso por ela, ajuda ela. E ela, graças a Deus, está se recuperando e está muito bem. Conta também quando veio da Bahia, quando trabalhava fazendo farinha, que ela diz que quando criança tirava dez, 15, até 20 sacos de farinha por dia, fazia rapadura, fazia tudo. Eu acho que foi isso que encantou o meu pai quando viu a baianinha lá trabalhando, fazendo rapadura ali (risos). Ele falou: “Essa daí que eu quero”. (risos) Até hoje é muito batalhadora. Gosta muito de passear, a velha gosta! Meu pai não, meu pai é mais caseiro, mas ela, tretou e rolou ela está conhecendo o mundo, né? Mas ela é uma pessoa também que trouxe uma educação muito boa pra gente. Um exemplo enorme que nós temos, graças a Deus, não posso me queixar dos meus pais, não, tenho orgulho de ser filho de um paraibano e de uma baiana porreta mesmo (risos).
P/1 – E você disse que adorava na infância passar as férias na casa dos seus avós. Mas e Sobradinho? É Sobradinho, né, na época já era Sobradinho.
R – Já era Sobradinho.
P/1 – Você lembra das brincadeiras lá quando criança?
R – Ah, lembro! Nós brincávamos muito com os meninos na rua. Nós tínhamos vários tipos de brincadeira. Igual eu tava falando, a gente mesmo na cidade, eu acho que era uma cidade muito pequena na época, cidade ainda era meio, a roça ainda estava impregnada ali, né? Não sei se Tereza lembra, mas era assim. Aí nós brincávamos, naquela época tinha muito, ainda tinha pé de maxixe nos quintais, tinha os quiabos, tinha milho, o pessoal plantava mandioca. A gente brincava com o maxixe fazendo um porquinho ou um gadinho, uma coisinha. Tinha lobeira, muita lobeira nas faixas verdes. A gente cortava as lobeiras, fazia pneu de trator, pneu de caminhão, fazia tudo. A gente fazia uns caminhãozinhos com as latinhas de quitute, que antigamente tinha umas latinhas de quitetute, abria, fazia a cabine com as latinhas de quitetute, com a latinha de sardinha fazia a carroceria, fazia até, vasculhava. Eu nem me lembro mais como é que era, só sei que a gente fazia que puxava uma cordinha acá, aquela latinha de sardinha vasculhava, tinha um carretel de novelo de linha que era de madeira, pegava aquilo e colocava por baixo do carrinho assim, no eixo do carrinho, por trás. Aí com a liga a gente torcia, torcia, torcia e andava sozinho, era o controle remoto (risos). Então tudo isso, estava até falando que hoje em dia as crianças não têm mais essas curiosidades de fazer isso, hoje é mais no notebook, é o tablet. E as crianças não têm aquele prazer que tinha antigamente, sei que era muito bom, a gente brincava.
P/1 – Vocês faziam o pneu dos carrinhos com essa, o que é?
R – Nós fazíamos os pneus dos carrinhos com as havaianas velhas que não prestavam mais, a gente cortava, fazia e um pedacinho de arame.
P/1 – O que é lobeira?
R – Lobeira é uma fruta que tem no cerrado. Uma fruta redonda, a gente pegava ela verde e cortava pra fazer o pneu do trator, cortava, fazia até os cortes, ficava igualzinho (risos). Aí a gente fazia isso tudinho. Me lembro que era muito bom, a gente brincava de algumas brincadeiras que até me foge o nome na rua com as crianças, jogava muita bola. Bola a gente brincava muito. Era bom demais! Muito bom. E tem um córrego até hoje, né, Tereza, que é o que a gente chamava Geladeira. A água era gelada, a qualquer hora que a gente fosse era gelada, mas a gente ia pra lá e tomava um banho, que hoje a gente não pode nem tomar banho porque está uma poluição que só vendo. Quando eu passo lá que eu olho praquilo ali, que eu lembro que na minha infância ali era limpinho, a gente pescava, a gente tomava banho, a gente brincava. Hoje a gente não pode, se entrar dentro daquela água já sai com o corpo todo cheio de sei lá quantas bactérias tem lá. Mas era bom demais, gostava muito.
P/1 – Você começou a trabalhar com que idade, Itamar?
R – Olha, se não foge a memória com 12 anos eu comecei a engraxar sapato pros outros, ganhar um dinheirinho. Já vendi jornal. Já fiz N coisas e daí pra cá não parei, sempre trabalhando, sempre lutando.
P/1 – Itamar, você quando ia pra casa dos seus avós o que você ainda guarda na lembrança dessas brincadeiras também, ou de alguma coisa que você fazia com seus avós?
R – O que eu mais lembro mesmo é quando eu chegava lá minha avó já pedia: “Ô meu filho, graças a Deus você chegou, vai pegar um peixinho pra nós”. Que tinha uma lagoa lá pertinho e tinha muita tilápia. Tinha não, tem até hoje. Aí ia lá pra pegar. E ela gostava muito porque eu já vinha da lagoa com os peixes limpinho, limpinho, limpinho, era só chegar, passar só mais uma aguinha e fritar. E ela gostava de um peixinho. E os meninos quando iam pegavam, mas não limpavam, eu já trazia limpinho, do jeitinho que ela gostava. E gostava também quando tinha muita fruta: goiaba, jaca, manga. Hum, meu Deus do céu, era muito bom. Inclusive eu era tão esgulepado por manga que um dia eu quase fui embora. Eu fui subir, o pé de manga muito alto, manga centenária, aí eu caí. Aí tinha um pau que tinha um nó assim e uma pedra de amolar que meu avô tinha bem assim e ela era assim, ficava pontuda, uma ponta assim. O nó pra cá e pra cá. Eu caí entre um e outro. Eu era criança, se fosse um adulto tinha pelo menos batido em um, eu não bati nem em um, nem no outro, só sei que eu me desacordei e vim me acordar no Hospital de Base. E aí, graças a Deus, só desloquei o braço, que vaso ruim não quebra, né? Eu não quebrei nada, graças a Deus (risos).
P/1 – Mas continuou subindo em árvore depois?
R – (risos) Não tem jeito, não. Aí tinha lá uma bica onde a gente tomava um banho que era uma nascente, até hoje tem essa nascente, a água cristalina mineral, boa, boa, boa, a gente tomava banho muito nessa bica que era a farra nossa. Tinha um cipó onde a gente balançava. É criança, a gente fazia tudo, ajudava o meu avô, mas brincava mais do que ajudava, né? E ele era muito paciente, muito calmo, muito tranquilo, eu acho que é por isso que ele não morreu tão cedo, chegou aos 110. Aquela tranquilidade, uma paciência, precisava de ver.
P/1 – E essa terra era onde mesmo?
R – No município de Alexânia.
P/1 – Goiás?
R – É, Alexânia, Goiás.
P/1 – E essas terras continuam? Você tem ainda?
R – Não, essa terra é do Bernardo Sayão, ele morava na fazenda do Bernardo Sayão. Só que tinha um pedacinho lá que o Bernardo dizia que ninguém mexia com o meu avô. Enquanto ele fosse vivo ninguém mexia, e ninguém mexeu mesmo, não. Agora lá está abandonado, está a tapera, depois que morreram. Eu passo lá, olho, aquela espécie de manga, tudo. Mas está lá do mesmo jeitinho aquelas mangas, aquelas coisas, só a tapera que acabou.
P/2 – Quem morreu primeiro foi seu avô ou sua avó?
R – Minha avó. Morreu com 96.
P/2 – E seu avô permaneceu morando nesse local?
R – Não, aí quando ela morreu minha tia levou ele pra sede do município, lá pra Alexânia. Aí ele foi morar em Alexânia.
P/1 – Itamar, e você depois, apesar de trabalhar com 12 anos, antes disso você frequentava escola?
R – Sim, frequentei até a sétima série.
P/1 – Que lembranças você tem da escola?
R – Eu me lembro que eu era muito apressado.
P/1 – Apressado?
R – É. Quando a professora estava escrevendo no quadro eu estava aqui, quando ela terminava de escrever eu terminava de escrever também. Eu me lembro que ela falava assim: “Quem terminar de escrever já está liberado”. Aí quando ela falava assim eu já fechava o caderno. Ela falava: “Já terminou?” “Já”. Ela estava escrevendo aqui uma letra eu já estava atrás dela assim, escrevia rápido. Não pra ficar livre, porque eu gostava muito de ler e gosto até hoje de ler, passei um bom período sem ler por causa que a gente vai ficando velho, as vistas vão ficando assim, mas depois eu uso óculos, graças a Deus continuo lendo, que a leitura desenvolve bastante.
P/1 – Você gostava da escola?
R – Ô! Não via a hora de ir pra escola.
P/1 – Você estudou direto, não teve nenhuma interrupção no estudo.
R – Não, quando eu parei foi de uma vez porque aí eu já tive que ajudar porque as finanças foram ficando cada vez menor. Eu tinha que optar, ou trabalhar, ou estudar. Se eu só estudasse eu não podia comprar as coisas pra mim, que meu pai não tinha condições. E conciliar as duas coisas não dava. E eu optei por para de estudar.
P/1 – Alguma professora ou professor te marcou, Itamar?
R – Teve se não me foge a memória foi a Herodias, não me lembro o nome dela, foi a mais dura, ninguém gostava dela. Ela era caxias, diziam os alunos que era a mais ignorante, era a mais ruim que tinha, ninguém gostava. Era a que eu mais gostava. Porque ela cobrava, ela não deixava por menos, tem que ser, tem que ser. Você fez o dever, fez, não fez, vai levar um zero. E gozado, é a que os alunos não gostavam e a que eu mais gostava.
P/1 – E você gostava por isso?
R – Por isso. Ela era dura, mas era carinhosa, era meiga. Ela era daquele jeitão duro dela, assim sabe, eu ficava olhando pra ela, ela falando. Mas eu olhava no olho dela assim, ela olhava pra gente assim como se dissesse: “Eu quero que vocês cresçam”. Pelo olho dela a gente via aquilo e os outros não viam, eu via aquilo assim. Ela falava: “Eu quero que vocês cresçam, quero que vocês sejam alguém na vida. Eu não estou sendo ruim pra vocês, estou sendo boa pra vocês”. Eu via aquilo, eu gostava daquilo.
P/1 – E só lembrando, Sobradinho no local que você morou foi aquele bairro planejado?
R – Sobradinho foi planejado.
P/1 – Seu pai foi morar lá?
R – Foi.
P/1 – Por que ele chegou a morar nesse lugar?
R – Ele já morou na Vila do IAPI, morou em vários outros locais, mas eu acho que foi o local onde ele pôde conseguir um lote, pôde adquirir um lote mais barato, talvez, não sei. Até hoje eu não tive a curiosidade de saber, né? Mas eu acho que foi por isso. Ou foi o governo que cedeu pra eles, se não me falha a memória foi o governo que cedeu. Aí como o governo cedeu ele foi morar lá.
P/1 – Ele já trabalhava nas empresas aqui?
R – Nessa época ele trabalhava nas construções de Brasília. Foi lá levantando, aí ele já trabalhou até no Hospital de Base, já trabalhou em vários locais. Anos depois é que ele veio trabalhar nessas empresas daqui.
P/1 – E você lembra de quando as empresas chegaram? A Ciplan, Tocantins?
R – Não, tem muito tempo, não tenho muita recordação, não. Eu era mais envolvido mesmo era com estudo e a brincadeira mesmo.
P/1 – Se mudou. Na verdade se quando elas chegaram se você lembra dessas mudanças na época.
R – Teve, teve. Muita mudança. Eu lembro que a gente vinha muito pro lado de cá e aqui tinha uma casinha aqui e outra lá nos cafundós do Judas. Quando chegaram aqui essas empresas, aí foi aglomerando gente. Hoje se brincar tem mais de 60 mil habitantes aqui na região da Fercal, né? Mais ou menos isso.
P/1 – Quanto Tereza? Trinta e cinco.
R – Trinta e cinco mil habitantes. Pois é, muita gente.
P1 – E você disse que teve mudanças porque aumentou o número de pessoas morando. Mas você lembra de alguma outra mudança?
R – Bom, teve mudança também na questão de... A maioria das cidades são cidade-dormitório, só vem pra dormir. Aqui na Fercal não, a maioria do pessoal mora na Fercal, trabalha na Fercal, vive na Fercal. A minoria é que sai. Isso é muito bom porque além dessas empresas, além das fábricas de cimento ainda temos usina de asfalto, tem essas pedreiras, tem tudo aí, então isso aí são coisas que eu acho que trouxe grande desenvolvimento. Tem algum problema com o meio ambiente? Sim, tem, mas são coisas que graças a Deus, pelo menos na Votorantim, como eu faço parte do conselho a gente nota, ela tem uma preocupação com o meio ambiente. Então essa preocupação, que a gente também tem, é que faz com que a gente cada vez mais confie nas empresas que se preocupam com isso, não só produzir, mas será que eu estou prejudicando a natureza? Eu prejudicando a natureza não vou prejudicar o ser humano? Isso é uma preocupação que a gente tem. Eu mesmo estou tentando incentivar lá no assentamento uma produção orgânica, uma produção de agrofloresta, uma produção que a pessoa não desmate, a pessoa preserve. Mas tira o seu sustento sem precisar meter o sarrafo e derrubar tudo, não precisa. Igual eu estava falando, lá na nossa região, a Tereza conhece, nós temos ipê, angico, jatobá, que uma pessoa não dá conta de abraçar. Aí eu vou pegar e vou derrubar uma árvore dessas, centenária? Quando eu olho assim que eu vejo, tem que derrubar? Meu coração dói. Deixa aí, fica quietinha no seu canto. É isso, tem como a gente produzir sem precisar desmatar, né? E aí essas empresas, pelo menos a Tocantins, e algumas outras empresas aí têm essa preocupação.
PAUSA
P/1 – Você falou, Itamar, falando do meio ambiente, que você participa de algum conselho. Qual a atuação desse conselho?
R – Bom, o Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional é já a preocupação com a questão da produção, onde a gente procura conscientizar o produtor na agricultura orgânica porque aí é para uma alimentação totalmente segura, né? E aí o conselho se preocupa muito com isso, para que haja uma produção ecologicamente correta e sustentável. E o Cotae, que é
Conselho do Território de Águas Emendadas, também tem uma preocupação onde busca recursos pra poder também incentivar a preservação e a produção orgânica também. E o Conselho de Desenvolvimento Rural é ligado do Cotae também, que um é ligado ao outro. Um conselho praticamente quase que um faz parte do outro.
P/1 – Agora o comunitário que você citou que faz esse diálogo com as empresas, fala um pouco de como é essa relação do conselho do qual você faz parte com as empresas, em relação ao meio ambiente.
R – É igual eu falei, no conselho nós já vimos algumas experiências, inclusive fizemos até algumas pesquisas sobre a questão da produção orgânica, a implantação de algum sistema dentro dos colégios para incentivar a produção, plantar árvores em vez de desmatar, plantar. Conscientizar que não só desmatar mas preservar também traz renda. Porque se as empresas hoje se preocuparem só em desmatar, extrair tudo que a terra tem, se não repor, e amanhã? Hoje nós já estamos tendo, graças a Deus na nossa região não, mas no país aí a escassez de água. E se acabar a água? O que será? Esse Contagem mesmo, quando nós chegamos aí tinha uma fábrica aqui que jogava muito resíduo, um frigorífico, jogava muito resíduo dentro da água. Era uma espuma que a gente não podia utilizar, aí nós brigamos, batalhamos, tiramos foto de peixe morto, levamos e brigamos até que fecharam a fábrica. Então o frigorífico fechou. E hoje, graças a Deus, a água é limpinha, pode-se dizer potável, hoje não vemos mais peixe morto, hoje tudo está... Aquela espuma que a gente via por cima da água quando nós chegamos aqui não vemos mais. Isso é muito bom.
P/1 – E em relação às empresas que trabalham com as pedreiras? Vocês do Conselho, tem um conselho comunitário do qual você faz parte, teve alguma ação já de vocês em relação a elas? Precisou ter?
R – Pra cobrar. Já tivemos algumas manifestações por conta da poluição que já surtiu muito efeito, graças a Deus. Porque se a gente fica de braço cruzado... Inclusive até mesmo ali a Ciplan, tinha o colégio, foi retirado o colégio por causa da poluição que é muito grande. E estamos lutando pra construção de um outro colégio, a Ciplan já cedeu até o espaço e até hoje ainda não conseguiu construir o colégio de novo. Mas sempre há alguma manifestação. Houve dano, tem que ter manifestação, porque se a gente deixar acabar, se a gente ficar de braços cruzados só assistindo, nós estamos assistindo à derrota nossa mesmo.
P/1 – Então, Itamar, voltando pros seus 12 anos. Você disse que trabalhava engraxando sapato, vendendo jornal. Tem algum episódio dessa época pra você contar?
R – Do tempo que eu engraxava?
P/1 – Ou vendia jornal, outros trabalhos que você fazia.
R – Bom, eu me lembro que o primeiro dinheiro que eu ganhei que eu comprei algo pra mim, se não me foge a memória, foi até um sapato que eu falei que eu comprei do meu bolso, não precisei do meu pai. Pra mim foi um orgulho. Aquilo foi uma maravilha, poxa, eu não precisei de meu pai! Eu não precisei nem um centavo do meu pai, eu peguei do meu, esse é meu, esse eu ganhei. Foi suado. Aquilo pra mim foi uma maravilha, bom. E quando eu vendia jornal, eu vendia muito jornal, mas eu lia também. Eu acho que eu vendia mais porque eu lia. Aí quando eu ia vender eu falava as notícias todinhas: “Está acontecendo isso, isso e isso. Tal, tal, tal, assim, assado”. Aí a pessoa perguntava. “Eu estou vendo aqui no jornal, no classificados tem isso, tem isso, tem isso”. Aí a pessoa se interessava e comprava o jornal. Só vender o jornal sem saber o que, eu vou vender um produto e não sei o que eu estou vendendo? Eu tinha que saber o que eu estava vendendo. Aí quando pegava o jornal, aí eu vendia. Vendia mais do que os outros que vendiam. Quando eu chegava na banca, eram poucos que voltavam.
P/2 – Esse trabalho que você fazia, Itamar, quando criança, ele intervinha no seu estudo?
R – Não.
P/2 – A favor ou em prejuízo do horário.
R – Não porque eu só fazia depois do período. Se eu estudasse de manhã, no ano que eu estudava de manhã eu fazia isso no período da tarde, e ajudava.
P/2 – Mas o fato de você trabalhar vendendo jornal, isso ajudava nos seus estudos?
R – Ajudava porque eu lia (risos), eu lia muito mais do que tudo, né? Aí ajudava muito. E o dinheirinho? Faltava um caderno, uma borracha, um lápis, uma caneta, eu mesmo comprava, eu não falava com o meu pai: “Pai, estou precisando”. Não. Eu mesmo comprava.
P/2 – E era bom pro seu aprendizado, porque você lia as matérias.
R – É. Meu aprendizado. Saber que a vida não é fácil. Tudo a gente tem que suar pra poder obter as coisas. Tudo era muito bom, até na escola. Era tanto que a matéria que eu mais gostava era a que o pessoal mais odeia até hoje, Matemática. É a matéria que eu mais gosto e a que o pessoal mais detesta.
P/1 – E você acha que gostava mais dessa matéria por quê?
R – Eu não sei por que, só sei que a Matemática sempre me chamou a atenção. Sempre, sempre, sempre.
P/1 – Como era a escola? Além da professora, essa que você contou, fala um pouco.
R – Eu estudei em várias escolas. Eu estudei na Quadra Três, que era perto de casa, que eu moro, nasci e morei até os 16 anos na Quadra Três. Não nasci em hospital, nasci em casa. Naquela época foi à custa de parteira. E depois fui pra Quadra Seis... Não. Pra Quadra Cinco.
P/1 – Em Sobradinho mesmo?
R – Tudo Sobradinho. Depois fui pra Quadra Cinco, depois fui lá pra Quadra Seis, depois fui pro ginásio. O último colégio que eu estudei foi lá no ginásio quando eu mudei. Foi quando eu mudei que a gente foi pra roça, que aí ficava, até me matricularam lá, mas eu nem fui porque eu tive que optar, eram seis quilômetros que a gente tinha que bater perna, mas meu pai comprou bicicleta pra todo mundo. Mas não dava que eu estudava um período e o outro período não dava pra trabalhar. Porque na roça ou você trabalha o dia todo, ou não trabalha. Hoje já está mais maleável, mas antigamente não.
P/1 – Itamar, aqui em Sobradinho, quando você foi crescendo, qual era a diversão dos jovens?
R – A gente brincava igual eu falei, com aqueles negócios, fazendo aqueles carrinhos.
P/1 – Mas quando você foi crescendo, ficando adolescente qual era a diversão?
R – Era uma bolinha. Não podia ver a bola que caquentava lá. Comecei até a brincar uma capoeirinha naquela época.
P/1 – Tinha uma escola de samba na época, em Sobradinho?
R – Tinha o Bumba Meu Boi, que era do finado Teodoro que veio do Nordeste pra cá juntamente com meu pai, conhecido muito do meu pai, então a gente frequentava muito o Bumba Meu Boi. Por causa disso, da amizade do Teodoro com o meu pai a gente frequentava ali. Agora, escola de samba, samba, carnaval, eu nunca fui chegado, não. Eu nunca gostei de carnaval.
P/1 – Mas e o Bumba Meu Boi?
R – O Bumba Meu Boi a gente estava ali, era uma farra ver aquele pessoal fantasiado. Nunca participei, mas estava ali assistindo, achava bonito demais da conta. O seu Teodoro é uma pessoa maravilhosa, é uma pessoa que, vou dizer, que realmente é uma história viva a de seu Teodoro, que infelizmente foi embora, né, mas era muito bom o Bumba Meu Boi.
P/1 – E quando ele foi, não continuou o Bumba Meu Boi?
R – Os filhos dele começaram a querer, mas eu acho que parou porque eu nunca mais ouvi falar, nunca mais vi nada, nunca vi manifestação mais.
P/1 – Itamar, quando você mudou pra roça, como foi pra você essa mudança?
R – Pra mim é como se eu estivesse, como diz o ditado, sair do inferno pro céu. Porque eu vivia na cidade, mas o meu coração era todo da roça. Todo, todo, todo, todo. Eu me lembro quando eu era criança eu via o meu avô plantando a mandioca, aí eu plantei uma mandioquinha lá no quintal. Aí ela nasceu e eu ficava olhando aquilo e perguntava a meu pai direto: “Quando é que vai dar a raiz? Quando é que vai aparecer mandioca?”. Meu pai: “Calma, meu filho, calma”. Aí quando ela estava grande já, mas novinha ainda: “Ó, já tá grande, pai, já tem raiz aí”. Ele falou: “Tem não, meu filho, calma meu filho, você está muito apressado”. Eu tinha pressa, quando eu plantava um caroço de milho, eu pensava que plantava hoje e já nascia amanhã. E aí era aquela dificuldade, não crescia. Era muito curioso. Gosto de mexer.
P/2 – Quando você mudou pra roça você já tinha constituído família?
R – Não, mudei com 16 anos pra roça, muito criança ainda, praticamente. Mas gostava, gostava mesmo.
P/2 – E o que seus amigos acharam? “Ó Itamar, você vai mudar da cidade pra roça”. Alguém chegou a te questionar?
R – Não. Não porque quando meu pai resolveu mudar foi rapidinho. Resolveu, pá, puf, não deu tempo nem de avisar pra ninguém.
P/1 – E pra que região você foi?
R – São Francisco de Goiás. Fica perto de Anápolis.
P/1 – E daqui você não voltava pra cá de tempo em tempo?
R – Não, a gente sempre vinha. De vez em quando, duas, três vezes por ano a gente vinha sempre pro lado de cá porque a gente deixou parente aqui. Tem os tios, primos, tem tudo aí, então a gente de vez em quando vinha.
P/1 – Mas você não sentiu falta?
R – Na verdade, se eu falar que senti, não senti, não. A única coisa que a gente sentiu quando a gente chegou lá, logo que chegou era no candeeiro, não tinha energia elétrica, acostumado com energia elétrica, água geladinha. Mas também ignorei aquilo porque tanto faz, tanto fez, né? Quando ia pra casa de minha avó era no candeeiro mesmo, era encostado, né? Depois nós colocamos energia, depois foi mudando. Hoje a roça, se brincar... Se brincar não, está muito melhor porque as mesmas coisas que a pessoa tem na cidade nós temos na roça. Tem geladeira, tem televisão, tem microondas, tem forno elétrico, tem batedeira, tem tudo. Então, qual é a diferença? Uma vantagem, não tem poluição sonora, não tem poluição do ar, não tem poluição visual, tudo.
P/1 – Só natureza, né, Itamar?
R – Graças a Deus.
P/1 – E nesse lugar você ficou quanto tempo?
R – Eu fiquei dos 16 aos 18 anos.
P/1 – E trabalhava?
R – Trabalhava.
P/1 – Você disse que tinha que trabalhar o dia todo, mas como era o trabalho então, Itamar?
R – O trabalho era na enxada, era na foice. Era fazendo cerca, era colhendo arroz, que lá tinha muita plantação de arroz, a gente cortava tudo no cutelo. Era colhendo feijão.
P/1 – A gente ouve que o trabalho do campo é muito mais puxado, sacrifica mais do que na cidade. E pra você como foi isso? Porque na cidade tinha esses outros trabalhos que você fazia, e lá?
R – É difícil, realmente. É um trabalho tão pesado, mas é prazeroso. Onde você vê o seguinte, você está plantando, você vai ter que capinar, você vai ter que cuidar, você vai ter que colher, mas você sabe que no fim de tudo aquilo ali você vai ter sua recompensa. Você vai pegar o milho sem agrotóxico, sem químico, você vai quebrar ele, você vai assar, você vai cozinhar, você vai fazer sua pamonha, você vai fazer seu bolo, você vai comer aquilo ali natural. Então você tem o milho, você tem o seu feijão, feijão novinho, feijão bom, que você mesmo bateu. O prazer de você comer aquilo que você mesmo produziu é bom demais, gente! O arrozinho, igual a gente fazia lá o arroz torrado, a gente pega ele maduro, quase seco, mas ainda não está seco, ainda tem um leitezinho, você tira aquilo ali no cacho e torra ele com casca e tudo e depois soca, é um dos melhores arroz que tem no mundo. Quero ver quem da cidade já comeu um arroz desse, muito bom!
P/1 – E você disse que ficou até os 18 lá?
R – Aí depois nós mudamos para a região de Formosa, no Vale do Paranã, pra baixo de Itiquira.
P/1 – Também plantando.
R – Plantando. Tanto no município de São Francisco como cá, no município de Formosa, o carro-chefe nosso era o arroz, eu me especializei em plantar arroz, era arroz. A gente plantava feijão, milho, mas enquanto a gente plantava, vamos supor, um hectare de milho e mais ou menos meio de feijão, a gente plantava dez, 12 de arroz.
P/1 – E vocês, tanto num lugar quanto no outro, a terra era do seu pai?
R – Era. Essa de lá era, essa de cá foi um assentamento feito pelo governo, onde o governo selecionou as famílias e levou pra lá, essa de Formosa.
P/1 – Por isso que teve a mudança.
R – É, por isso que teve essa mudança.
P/1 – Por que teve que sair da terra que vocês estavam?
R – Porque lá a terra era pequena, tinha um hectare mais ou menos. Aí quando ele conseguiu aqui parece que a terra de lá, se não me foge a memória, eram 20 hectares, então era maior, onde a gente poderia produzir mais e poder tranquilizar mais, né?
P/1 – E vocês vendiam a produção do arroz?
R – Vendia. O excedente. A gente tirava o da despesa, o excedente, o milho, o arroz, o feijão que excedia. Sempre o milho, o feijão quase não excedia não, mas sempre o milho e o arroz a gente tirava o da despesa e o resto a gente vendia.
P/1 – Itamar, a vida nessa época pra sua família era uma vida financeiramente tranquila?
R – Em finanças, na verdade, quando a gente mudou pra Formosa aqui, no começo foi difícil, foi muito difícil. Por quê? Não tinha muito ganho, mas financeiramente difícil, mas não faltava o que comer. Que nós tínhamos o arroz que já tínhamos colhido, nós tínhamos feijão, nós tínhamos milho, porco, galinha, ovo, o peixe. O Paranã, esso nos oferecia: “Toma o seu peixe”. A gente pegava o peixe, comia peixe sempre, de dia, de tarde, de noite, toda hora tinha um peixinho pra gente comer.
P/1 – Quem que oferecia?
R – O rio. O rio Paranã nos oferecia o peixe e nós iamos lá e buscávamos o peixe. Então, graças a Deus, pelo menos em questão financeira, eu sempre falo, eu não me preocupo com dinheiro, eu me preocupo com comer. Eu tenho a terra, eu tenho que comer. Aí a pessoa fala: “E não quer enricar, não?”. Eu não quero enricar, eu só quero isso mesmo. Pra mim está bom, eu comendo, bebendo, tendo saúde, pra mim está bom demais da conta. Eu tenho uma cana eu faço um caldo de cana, eu faço rapadura. Eu tenho mandioca, eu faço a farinha, faço um polvilho, de fome eu não morro. Eu tenho abóbora, eu tenho milho, eu tenho feijão, então vou morrer de fome como? Aí esses dias eu estava lá em casa olhando, cortei um cacho de banana lá, banana lá tem direto, a gente corta direto. Eu falo, se eu estivesse na cidade eu teria? Não teria. Então, graças a Deus a gente de finança a gente não preocupa muito. Se tiver dinheiro tá bom demais, se não tiver tá bom do mesmo jeito, porque comida não falta (risos).
P/1 – E você já estava com 18 anos e a convivência com outros jovens?
R – Sempre a gente se dava muito bem, tanto lá no São Francisco de Goiás. Porque São Francisco de Goiás, quando eu mudei pra lá, eu fui morar perto de dois tios, o tio Joaquim, a família dele é pequena, só 12 filhos, e o tio Manuel que eram dez filhos. Daí juntou com a gente era praticamente a família. Então foi tudo bem, todo mundo já se conhecia de muitos anos, todo mundo está ali, fizemos mais amizade. Aí quando eu mudei lá pra Formosa só tinha o tio Pedro, que também foi uma das famílias selecionadas e que também é uma família só de, se não foge à memória, de 13 filhos, que ele tem. Aí junta tudo ali. Família nordestina é só família pequeninazinha assim (risos), não é muito grande, não. A amizade com os outros, que a gente tem amizade até hoje, graças a Deus, amizade que nós fizemos tanto lá em São Francisco, como até hoje quando se junta amizade é aquela, todo mundo casado, mas a amizade sempre está aí.
P/1 – E pra divertir os jovens, como é que fazia?
R – Tinha um forrobodó, um rala-bucho de vez em quando, tanto lá como cá. Tinha o futebol, futebol a gente brincava muito. Agora, cá no Paranã tinha uma diversão que a gente gostava mais: bater tarrafa no rio, pescar, pegar um peixe. A gente caçava um pouco também, mas a gente limitava mais na pesca do que na caça. Quando a coisa estava feia que não tinha carne, a gente ia ter que matar um bichinho, mas só pro consumo, nada de matar por matar. Até mesmo raposa, lobo, essas coisas, a gente: “Ah, comeu uma galinha.” “Comeu, deixa comer. Eles não sabem criar, deixa comer, é deles mesmo, não tem importância, vai produzir, vamos pondo mais galinha pra chocar aí.” “A raposa vai comer.” “Deixa comer! Vou matar pra que?”
P/1 – E tinha tudo isso?
R – O que?
P/1 – Tinha raposa?
R – Lá no Paranã? Tinha onça, raposa, lobo, furão, esses bichos tudinho.
P/2 – Nessa época que vocês mudaram pra perto de Anápolis e depois foram pra Formosa, vocês continuaram estudando?
R – Eu parei de estudar quando eu fui, porque aí não tinha condições, quando eu mudei pra São Francisco, aí não estudei mais. Tentei voltar a estudar depois, mas a distância. Aqui mesmo tentei voltar, mas como a distância é muito grande, não tem transporte, eu só tenho tempo à noite, coisa e tal. No colégio, né? Mas estudar eu estudo direto, porque eu leio, eu pratico alguma coisa. Eu estou nesses conselhos, nesses movimentos todos e a gente tenta fazer alguma coisa.
P/1 – Itamar, você diz que foi casado. Conheceu sua esposa onde?
R – Lá no Paranã, lá em Formosa.
P/1 – Como foi o dia que você a conheceu? Você lembra?
R – Primeiro pra gente começar a construir as casas, que o governo deu as casas pra gente lá nesse assentamento, foram praticamente os homens, as mulheres ficaram pra trás. E aí, quando a gente fez as casas a minha mãe foi, o meu sogro mudou pra lá, ele também já estava lá, aí que levou a família. Aí que eu conheci ela, mas nem pensava, ela ainda era muito nova na época, eu nem pensava em nada. A irmã dela mais velha foi também, minha cunhada, aí meu primo se encantou com ela, casou com ela. Muito tempo depois é que a gente começou a se olhar e depois a gente veio casar também, né? E casamos, tivemos três filhos, graças a Deus.
P/1 – Qual o nome deles?
R – A mais velha, que é a minha primogênita, chama Roseane, tem 27 anos. O Jessé tem 25 anos, trabalha aí na Votorantim, está aí no quadro da Votorantim. E tem a mais nova, a minha caçula, é Rose Helen, tem 23 anos. A mais velha até agora foi a única que me deu uma neta, graças a Deus.
P/2 – A escolha do nome dos seus filhos teve algum motivo especial ou foi?
R – Roseane, a mãe dela disse que o sonho dela era ter esse nome. E quando Jessé nasceu eu gostava muito desse nome Jessé, aí eu falei: “Você escolheu o nome da menina, eu vou escolher o nome do menino, é Jessé”. Aí coloquei o nome de Jessé. A neném ela colocou pra ficar o nome compatível com o nome da irmã, aí ficou Roseane e Rose Helen, ficou assim.
P/1 – E como foi ser pai, Itamar?
R – Um dos meus maiores sonhos era ser pai, que eu sou apaixonado por criança, eu gosto de criança demais. Agora cedo mesmo, saindo de lá a minha irmã está com o filhozinho dela lá, dois mesinhos, fez ontem dois mesinhos, coisinha mais fofa do mundo. Mas quando eu peguei a minha filha nos braços foi uma emoção muito forte. E o prazer que eu tenho é que até hoje, graças a Deus, eu tenho um carinho muito grande por eles e eles têm um carinho muito grande por mim. Brinca comigo, faz a farra. Mas tem uma preocupação também. Minha filha mais velha principalmente. Eu passei por uma cirurgia e quando eu estava internado ela estava lá todo dia, todo dia lá, saber como é que eu estava, se eu estava precisando de alguma coisa. Graças a Deus, são muito preocupados comigo.
P/1 – E é netinho?
R – É neta.
P/1 – Neta.
PAUSA
P/1 – Itamar, a gente estava falando dos filhos, do casamento. Você casou com que idade?
R – Eu tinha 24 anos.
P/1 – Você morava ainda no mesmo lugar.
R – Lá.
P/1 – E depois que você casou?
R – Depois que a minha filha nasceu eu fui morar em Tabatinga, região ali de Planaltina, DF. Fui trabalhar como vaqueiro e tratorista também. Mas eu era um faz tudo lá, que eu fazia cerca, eu trabalhava no trator, eu era vaqueiro, eu mexia com a roça também, a gente plantava lá, fazia de quase tudo um pouquinho. Se precisasse fazer uma solda a gente fazia, se precisasse arrumar uma porteira a gente arrumava, então quase tudo a gente fazia um pouquinho.
P/1 – Por que você mudou pra lá?
R – Porque surgiu uma oportunidade de emprego, o dono da fazenda estava precisando de um vaqueiro e o rapaz que pegou uma construção pra fazer lá, fazer o estábulo lá, me conhecia e foi atrás de mim para trabalhar lá. Aí eu fui. E quando eu cheguei lá, meu irmão já estava trabalhando lá, já estava lá. Só que eu sabia que ele trabalhava, mas não sabia onde é que ele trabalhava, o meu irmão que é o mais velho. Ficamos trabalhando lá, trabalhei lá dois anos e cinco meses.
P/1 – Você já tinha trabalhado como vaqueiro antes?
R – Eu já tinha trabalhado de tudo um pouco. Vaqueiro, de tratorista, de quase tudo um pouco eu já tinha feito.
P/1 – E Tabatinga na época ainda tinha área grande, rural?
R – Ainda tem, até hoje.
P/1 – Tem?
R – Até hoje ainda tem. São grandes fazendeiros onde está aglomerado uma das, acho que naquela região é onde tem o maior número de granjas, tanto de galinha poedeira como de corte, é naquela região.
P/1 – E trabalhar como vaqueiro, tem alguma história nessa função de vaqueiro?
R – Eu gosto muito de mexer com gado, gosto. Na hora de ordenhar, na hora de cuidar, de tratar, de vacinar, pegar o bezerro, pôr o bezerro pra mamar, isso é muito bom. Muito bom mesmo, gosto muito de mexer com criação.
P/1 – Qual o segredo pra lidar com gado? Ou pra tocar, ou pra tratar?
R – Olha, o gado tem um segredo, se você mexe com o gado com grito, com pancada, é um gado assustado, é um gado que te dá mais trabalho, é um gado que as vacas não dão leite. Mas se você trata o gado com paciência, você vai tocar um gado, ele corre, você vai com calma, devagar. E o gado quando pega o trilho, você pode deixar que eles vão todo mundo ali, vai chegar onde você quer. Agora se você for com ignorância, se você for com grito, aí em vez de você juntar, você tem que ter paciência pra mexer com animal, tem que ter paciência.
P/1 – E com as vacas? Você diz que pra dar mais leite, se for com grito ela não vai dar leite.
R – Não. Você solta o bezerro na hora de ordenhar, deixa o bezerro mamar, aí você apeia o bezerro ali na mão da vaca. Na hora de piar a vaca você tem que piar com muito cuidado pra ela não assustar. Depois pia o bezerro. E um segredo: sempre ter um paninho limpinho quando você limpa com uma água morninha, que você limpa a teta da vaca com o pano limpinho com água morninha, ela solta o leite mais. Agora você vai com água fria, você vai ali, ordenha... E quanto mais rápido você ordenhar, melhor é, mais leite ela dá. Se você demora, aí ela diminui o leite.
P/1 – E essa produção mais industrializada, Itamar, você já mexeu com isso? Que ordenha com aquelas máquinas?
R – Eu nunca usei ordenha mecânica, não. Inclusive quando eu saí da fazenda, assim que eu saí, o dono da fazenda comprou umas ordenhas mecânicas. Eu até brinquei com ele: “Só foi esperar eu sair pra comprar uma ordenha? Só deixar eu sofrer?” Ele falou: “Não, porque mão de obra hoje está difícil. Pra encontrar pessoas que tiram leite mesmo é difícil”.
P/1 – Mas e pro animal?
R – Não traz danos, não. Porque quando chega um ponto que realmente o leite acabou ela já avisa. Já fiz curso em ordenha também, já aqui, para no futuro, não sei se no futuro vou precisar, ne, então a gente sempre faz.
P/1 – Não prejudica o animal?
R – Não.
P/1 – A própria máquina avisa?
R – Dá um sinal que o leite está acabando.
P/1 – Porque com tanto cuidado você falou, de pano, água quente, aí você imagina a máquina, a diferença.
R – É.
P/2 – Itamar, essas máquinas têm o bezerro. Os bezerros mamam antes da ordenha ou depois?
R – Tem que mamar antes pra vaca soltar o leite. Só que ele não tira todo o leite não. A gente tem que, por exemplo, se ela está uns dez litros a gente tira uns oito, dois são do bezerro, já deixa pro bezerro lá. Tem gente que arranca tudo, eu não, sempre deixo a quantia do bezerro. Ele já vai mamar o dia todo mesmo, né, mas já passou a noite sem mamar, aí já deixo o dele também.
P/1 – Itamar, e você disse que ficou dois anos nesse lugar.
R – Dois anos e cinco meses.
P/1 – E depois?
R – Aí eu fui pra Nova Betânia, trabalhar como chacareiro. A chácara era pequena, só dois hectares. Lá só tinha galinha, pavão, peru e um pomarzinho. É onde eu cuidava, plantei uma hortinha caseira, mexendo com uma coisa e com outra. Lá eu fiquei um ano.
P/1 – E sua esposa, os filhos, iam junto?
R – Todos juntos. Lá foi onde surgiu a oportunidade de realizar um grande sonho que eu tinha, ter meu pedacinho de chão. Com esse meu pedacinho de chão que era o meu sonho surgiu essa oportunidade e aí eu fui pra luta. Dispensei o meu trabalho, que eu não ganhava ruim na época, eu ganhava praticamente dois salários livres, praticamente. Eu tinha dois salários, mas eu tinha alguma produção de hortaliça que eu plantava, eu tinha os ovos, tinha um frango de vez em quando pra minha família comer, então praticamente saía quase que livre esses dois salários. Mas eu falei: “Não, vou jogar pra cima, vou arriscar”. O pessoal falou: “Não faça isso, não, você vai perder” “Não tem importância, se eu não correr atrás eu não vou conseguir”. Graças a Deus consegui.
P/1 – Você comprou um pedaço de terra?
R – Não, fui pra luta.
P/1 – O que significa, conta essa luta.
R – A gente foi pro acampamento dos trabalhadores rurais sem terra, nós ocupamos uma área só pra chamar a atenção do governo e nós ficamos um ano e cinco meses acampados. Nós ficamos à margem da BR-020, no caminho que vai pra Formosa. E de lá nós viemos pra cá, pra Contagem, para essa região.
P/1 – Antes, Itamar, você tinha essa vida como você falou, um salário livre. Você já saiu dessa situação e foi direto pro acampamento?
R – Direto pro acampamento.
P/1 – E como é que foi pra sua família isso?
R – Bom, inicialmente foi bem receptivo, mas depois ela acostumada muito com a, como se diz, a facilidade da vida, depois que a gente conseguiu a terra ela falou: “Chega, não quero isso”. O negócio dela, ela queria cidade, queria ir embora, então eu falei: “Se quiser ir vai, vai com Deus, Deus te acompanhe”. Na época eu tinha um gadinho, eu vendi um gadinho, comprei uma casinha pra ela aqui, ela mora aí até hoje, está bem, está feliz. Precisou de mim eu ajudo, não tem o que reclamar.
P/1 – Os filhos vieram com ela?
R – Vieram com ela.
P/1 – Eles eram pequenos?
R – A minha mais velha tinha sete anos.
P/1 – Vieram os três.
R – Vieram os três. Ela é uma excelente mãe, uma pessoa muito gente boa ela. Não é porque separou, coisa e tal que eu vou falar. Não. Muito gente boa, uma mãe carinhosa e dedicada.
P/1 – Mas durante o acampamento ela ficou.
R – Ficou firme o tempo todo.
P/1 – Como é a rotina nesse acampamento?
R – Quando a gente estava acampado a gente pegava serviço naquela região, daqueles fazendeiros ali por perto, a gente pegava o serviço e ganhava um dinheirinho. E logo que eu entrei no acampamento, eu não sei por que sim, por que não, me colocaram na liderança, acharam que eu tinha competência. Não sei por que sim, por que não, mas me colocaram ali (risos). E desde criança também sempre quando eu estava ou no colégio, alguma coisa, que eu tinha alguma coisa, sempre eu era escolhido pra poder estar ali na frente de alguma coisa. Eu acho que o pessoal simpatizava muito comigo. E até hoje é isso, quando eu estou lá quieto no meu canto, tem vez que eu estou até escondido, o pessoal fala: “O Itamar, coloca ele.” “Deixa eu quieto”. Mas aí, graças a Deus, tudo bem.
P/1 – Itamar, você falou: “Fui pra luta”. Como é que começou? É uma história que é importante registrar, esse movimento, ou você fazer parte. Como você ficou sabendo do movimento?
R – Eu estava lá em casa aí chegou meu pai e meu irmão, falaram: “Itamar, você tem um sonho de ter um pedaço de terra, né?” Eu falei: “Tenho.” “Pois está surgindo um movimento aí de uns tal de Sem Terra”.
PAUSA
P/1 – Você estava contando sobre como você ficou sabendo do movimento, como é que você começou no movimento.
R – Aí como eu disse meu irmão mais meu pai chegou lá em casa e falaram, como eu tinha um desejo de um pedaço de terra estava aparecendo um movimento aí e estava tendo reuniões. Ele disse o dia, no dia certo eu peguei o ônibus e fui até o local e comecei a participar. E eles falaram o negócio como é que era, que era luta, que não era fácil, que tinha que ir pra luta, acampar, tinha que lutar pra gente pressionar o governo pra poder ter o pedacinho de terra da gente. E aquilo, eu cheguei em casa e falei. Ela falou: “Bom, se você quiser nós vamos”. E eu fui. Eu praticamente fiquei sozinho no acampamento porque eu levei ela e deixei na casa da mãe dela e lá eu ia, naquela época era muito raro conseguir, porque a gente era estranho e o pessoal não queria dar serviço pra gente. Eu tinha uma bicicleta, eu rodava de lá do Posto de São Roque até lá no Paranã, era quase cem quilômetros, ia e voltava de bicicleta. Isso era toda semana, eu ia lá pra ver meus pimpolhozinhos, toda semana eu rodava. E não é um sacrifício porque eu gosto muito de andar de bicicleta, eu gosto.
P/1 – Mas uma vez por semana...
R – Tinha que ir lá ver meus filhos.
P/1 – E a rotina no acampamento? A convivência.
R – Muito boa. O pessoal é tudo gente boa. Era cozinha comunitária, não tinha esse negócio de cozinha individual, as mulheres se reuniam. Como me colocaram na liderança a gente corria atrás de trazer alguns benefícios lá pra dentro.
P/1 – Que tipo de benefício?
R – Cestas básicas, alimentação, qualquer doação que fosse favorável à gente, a gente corria atrás. E corria atrás também de pressionar o governo para ele liberar uma área pra gente.
P/2 – Como eram as acomodações nesses acampamentos e se era próximo de alguma cidade.
R – Nós estávamos a aproximadamente parece que a13 quilômetros de Planaltina. Acho que se não me foge a memória é isso aí. 13 quilômetros de Planaltina.
P/1 – Treze?
R – Treze. E a uns seis quilômetros da Taquara, que é uma currutelazinha que fica próxima ali.
P/2 – E acomodação, como é que era?
R – Era barraca de lona. Quando fazia calor, fazia calor que ninguém aguentava ficar debaixo. Nós ficamos lá um ano e cinco meses, até que, graças a Deus, nós conseguimos, surgiu essa área e nós viemos.
P/1 – Qual área?
R – Essa área aqui de Contagem, antiga Fazenda Empasa, e aí nós, graças a Deus, fomos contemplados com um pedacinho de terra.
P/1 – Que ano foi, você lembra?
R – Nós chegamos aqui em 92. Foi, 92 nós chegamos aqui nessa região.
P/2 – Como é que foi a descoberta dessa área?
R – Nós estávamos no acampamento e tem um grupo de pessoas aqui, o finado Ademar, eles já estavam nessa área. E aí ele chegou, nos procurou, que nós estávamos na liderança e falou: “Olha, nós temos uma área assim, assim e assado”. Nós viemos aí, olhamos, gostamos. Eu quando vi a vegetação falei: “Meu pai do céu, é tudo o que eu sonhei!”. Nós fomos ao Incra, mostramos a terra, aí
o Incra veio aí, fez vistoria, nós viemos com eles, fez a vistoria. Aí viemos pra aí. O Itamar Franco assinou o decreto, desapropriação, desapropriou e nos colocou.
P/2 – A divisão das glebas foi por sorteio ou...
R – Não.
P/2 – A pessoa chegava e falava: “Eu quero esse pedaço”.
R – Antes da divisão já definida nós cortamos na corda, como a gente fala. Mede uma corda, vai medindo e aí esparramamos todo mundo dentro da terra. Sabia que ali tinha parcela que ia dar mais de uma família, mas nós cortamos assim porque a gente já estava cansado de ficar só ali no núcleo ali, naquela sede onde era. Depois o Incra fez a demarcação e as pessoas praticamente já ficaram onde estavam. Onde estava, ficou.
P/1 – Tinha desavenças, Itamar, conflitos?
R – Não. Vamos supor, eu já estava aqui com o meu rancho, eu fiquei aqui, e os outros se esparramaram, escolheram os lugares deles, tudinho, eu vou ficar aqui, e acabou. Sem contenda, sem briga, sem discussão, nada.
P/1 – Mas quando foi medir com a corda não teve nenhum conflito?
R – Não, não, não. Chegava em acordo, vamos supor, medimos na corda, né? Aí você vai: “Eu quero ficar aqui”. Eu também queria ficar aqui, aí entrava em acordo: “Não, vamos fazer, você fica aí e eu vou lá pra frente”. Ficava assim, pronto, sem discussão, sem problema, graças a Deus.
P/1 – E durante esse tempo que vocês ficaram acampados, vocês tentaram outras terras?
R – Nós ficamos acampados ali no Pipiripau, mas aí nós buscamos outras opções, até que surgiu essa daqui.
P/1 – Ficavam buscando?
R – Ficava buscando.
P/1 – Agora, há um preconceito ou não com esse acampamento, com essas pessoas? Como é que era isso?
R – Hoje tem preconceito, mas antigamente quando nós iniciamos o preconceito era maior.
P/1 – Maior?
R – Muito maior. A gente não conseguia serviço na região. Depois que a demanda de mão-de-obra era escassa, eles foram conhecendo a gente e aí foi abrindo, foi abrindo, foi aparecendo, foi aparecendo. Quando os fazendeiros precisavam de mão-de-obra já encostava o carro lá: “Nós estamos precisando de tantos trabalhadores”. Aí era facinho. Graças a Deus, depois que viu que não era aquilo. Nós éramos marginalizados, nós éramos considerados como marginais, inclusive tem até um repórter aqui do Roberto Cavalcanti, o Perdigueiro, falou: “Um bando de marginal”. A gente foi tratado como marginal. E na época eu vou dizer pra vocês, se eu encontro com esse camarada, até poucos anos atrás, se eu encontro com esse camarada eu ia falar. Eu fiquei sabendo que um dia ele desceu lá embaixo, e eu não estava lá. Ele começou a elogiar, eu falei: “Isso aqui é aqueles bandos de marginal que você falou. Não é marginal, não, nós estamos atrás de algum lugar pra tirar o sustento da gente”. Tem muita gente que entra, eu vou dizer pra vocês, isso aí é o que acaba com a gente, muita gente entra já visando: “Eu vou pegar a terra hoje, vou vender”. Muitos venderam.
P/1 – Eu posso dizer que é a minoria?
R – No nosso assentamento foi a minoria praticamente. Venderam, mas também não tem nada, nada, nada. O que adianta? Eu não vendo, vou vender pra quê?
P/2 – E os filhos de vocês, das famílias que foram assentadas, eles sofreram alguma discriminação nas escolas? Chegavam para os pais, comentavam alguma coisa?
R – Ó, pelo menos aqui, que vinha estudar tudo aqui na Fercal, no Queima Lençol aqui, graças a Deus, não ouvi nenhuma reclamação, não.
P/1 – Itamar, quando vocês chegaram aqui você falou que era uma vegetação grande, bonita.
R – Quando eu era criança, né?
P/1 – Quando veio pro assentamento.
R – Ah, quando veio, a vegetação lá no assentamento era. Tinha mata. A primeira coisa que eu reparei, tinha aroeira, ipê, angico, copaíba, só madeira mesmo de cultura, madeira boa, madeira maravilhosa. Desmataram bastante, mas mesmo assim ainda tem lá, jatobá, você precisa de ver a vegetação. É muito bom, é bonito demais. Eu me encantei quando eu vi aquela vegetação.
P/1 – E já era o Movimento dos Sem Terra, não?
R – Era, nós éramos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
P/1 – Já era.
R – Já era. Desde o início.
P/1 – Você disse que tinha todas essas árvores, mas pra poder ocupar a terra teve que desmatar.
R – Pra plantar tivemos.
P/1 – E você que é tão atento ao meio ambiente, como é que funciona isso? Tem que desmatar, e aí?
R – Aí é onde doi. Mas eu mesmo abri pouco. Dos mais de 17 hectares e meio que eu tenho, eu abri quatro hectares de chão, só, o resto está intacto até hoje.
P/1 – Tem algum movimento em relação a preservar? Ou melhor, alguma coisa que vocês fazem nesses movimentos?
R – Hoje nós temos o incentivo de fazer agrofloresta, a produção ecologicamente correta. Nós temos esse incentivo. Muitos aderem, outros não, mas nós temos incentivo porque derrubar uma vegetação daquela, dá dó.
P/1 – E dá pra plantar pra se alimentar, pra sobreviver sem derrubar?
R – Hoje tem. Hoje temos muita experiência com agrofloresta. Você só raleia, você não vai derrubar tudo, você vai ralear, cortar algumas galhas para o raio de sol entrar e tem como produzir. Nós produzimos café, cacau, banana, mandioca, até mandioca, tudo hoje dá pra ser produzido dentro da mata, sem precisar desmatar.
P/1 – E quem oferece essa formação, esses cursos?
R – Hoje nós temos o Sebrae que tem isso, o Senai também, a Emater, então tem vários órgãos que oferecem alguns cursos e incentivo para tal.
P/1 – Você ainda faz parte do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra?
R – Não, eu saí do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Porque na época, até mesmo antes da gente ser assentado, nós afastamos, nós, o acampamento, porque eles estavam usando o nosso nome para usufruir. Alguns atritos que teve com a liderança do pessoal do MST, aí nós afastamos. Depois eu parti, o pessoal me conhecia, foram mais ou menos na faixa de três anos do pessoal lutando para que eu entrasse no movimento sindical, eu relutando pra não entrar. Mas aí foi um ponto que eu vi a necessidade, aí entrei no movimento sindical e desde 2002 estou no movimento sindical.
P/1 – Qual a diferença, Itamar, pra você, atuar no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra ou no Movimento Sindical dos Trabalhadores Rurais?
R – O MST não é reconhecido. Ele é um movimento, mas não tem documento, não tem registro, não tem nada. Já o movimento sindical tem registro, ele tem mais força, tem mais poder. Ele pode reivindicar um curso, pode reivincidar algum bem, ele pode reivindicar alguma coisa para o trabalhador, né? Onde ele tem mais força do que o movimento. O movimento só tem o poder de lutar, reivindica, mas não tem como assinar nada, porque não é reconhecido judicialmente.
P1 – E você como sindicalista, o que é que você conseguiu ou tem tentado conseguir?
R – É, tentado realmente. Nós temos ajudado muito as pessoas. Por exemplo, um assentado, sempre quando eles precisam conseguir um documento, ter acesso mais fácil ao Incra, que a gente sempre tem aquele acesso, a um órgão público. Por exemplo, o pessoal lá de Colinas do Sul, um exemplo que eu vou dar, eles estão precisando de alguma coisa eles me ligam: “Itamar, estou precisando disso, disso e disso. Tem como você ver pra mim?” “Tem”. Eles me mandam no e-mail o documento, eu imprimo, vou no Incra ou seja lá onde for. O pessoal lá Poça, o pessoal lá de... São Domingo é nordeste de Goiás. Ao invés deles virem pra cá o movimento sindical ajuda eles, eles mandam o documento pra gente, a gente vai e resolve pra eles. Só quando eles têm que vir mesmo, que têm que assinar, aí que eles vêm, mas facilita muito.
P/1 – Vocês chegaram, ocuparam o espaço, foram assentados. E depois, o que mudou, o que foi acontecendo pra chegar ao que é hoje?
R – Mudou bastante, porque é o seguinte, até nós descobrirmos qual é a aptidão da região...
PAUSA
P/1 – Itamar, eu perguntei pra você como foi o processo desde quando vocês se assentaram até hoje.
R – Bom, como eu estava falando, no início teve uma dificuldade muito grande porque até a gente descobrir qual é a aptidão da região, porque muitos vinham de criação de gado. Eu mesmo, plantação de arroz e mexer com gado. Então eu comecei a mexer com gado e tudo, outros mexiam com uma coisa, outros mexiam com outra. E descobrimos que o carro-chefe mesmo nosso, que a gente devia inicialmente plantar, que era mais fácil e dava mais renda era mandioca. Hoje o carro-chefe do assentamento é mandioca. Estamos mudando, mas foi luta. E quando nós descobrimos que era mandioca, aí nós pegamos rama de mandioca de tudo quanto é tipo de mandioca e fomos plantando, fomos plantando e fomos selecionando, fomos selecionando. Aí nós tínhamos muita mandioca branca e pouca mandioca amarela, o mercado absorve mais a mandioca amarela do que a mandioca branca. Aí nós fomos fazendo uma seleção, qual é a mandioca que produzia mais, qual a mandioca que chegava mais cedo, qual era a melhor. Nós chegamos a ter uma mandioca branca por nome de Vassourinha, ela tem um produção muito grande, mas uma receptividade do comércio pequena, porque é branca. Aí nós descobrimos junto à Embrapa, que a Embrapa nos auxiliou foi muito também, e a Emater, descobrimos uma mandioca amarela, o nome dela Japonesinha. Essa japonesinha produz bem, é rápida, cozinha bem, macia e hoje predomina a produção dessa mandioca no assentamento. Mas nós estamos também mudando, tem uns que estão mexendo com gado, tem outros que estão mexendo com fruticultura, ponkan, banana, maracujá, limão. E já está começando também uma piscicultura, já está tendo, e apicultura. Aproveitando como tem muita ponkan, como tem muito limão, a gente aproveita também pra criar umas abelhinhas.
P/2 – E a produção é vendida aqui em Brasília ou vocês vendem para alguma cooperativa?
R – A maioria da produção que sai daqui é vendida praticamente na feira de Sobradinho. Nas feiras, mercados, sacolões, mais aqui mesmo em Sobradinho. Mas vende também na Ceasa e algumas churrascarias também e restaurantes, é vendida mandioca, vendida massa. Não vende só mandioca in natura, não, vende a mandioca descascada, vende o polvilho, vende a mandioca ralada, a massa da mandioca e a puba, então se faz isso também. Vende feijão verde, vende abóbora, vende tudo isso aí.
P/1 – E a estrutura do lugar, como é que foi mudando? Infraestrutura.
R – Pela necessidade de crescer, de ver o que realmente o mercado quer. Aí a gente foi se adaptando mediante o que o comércio exigia, a gente foi se adaptando e estamos nos adaptando até hoje.
P/1 – E pras habitações? Já tinha luz, água?
R – Não. Quando nós chegamos tinha rede de energia porque era uma fazenda que tinha uma extração de areia, praticamente na sede. Aí depois que dividiu foi rapidinho também, chegou a energia. Mas como lá a área é dividida, 60% da área é DF, 40% da área é Goiás, chegou a energia no lado do DF, um ano depois chegou do lado de Goiás. Por causa da burocracia de fazer um convênio de Celg com a CEB, que a CEB é quem fornece toda a energia, mas tinha que fazer esse convênio. Enquanto não fez esse convênio, aí fizeram o convênio e colocaram a energia do lado de Goiás.
P/1 – Água tinha?
R – Água tem em Contagem, que margeia nas chácaras do lado de cá, e o Rio Maranhão, que é do outro lado. E algumas grotas também que tem umas secas e outra têm uma água, pouca, mas tem.
P/1 – Mas vocês conseguiam água encanada?
R – Água encanada nós conseguimos depois de muita luta com a Caesb. Nós fizemos uma barragem no Córrego Mentira, que é o nome do córrego, que é do outro lado, praticamente fora do assentamento, mas o fazendeiro cedeu, nós fizemos uma barragem, canalizamos, Caesb fez o reservatório aí distribuiu água pra todo o assentamento.
P/1 – Vocês participavam da construção de tudo isso?
R – A barragem foi feita pela comunidade porque é de difícil acesso, não chega carro. A maioria do material foi feito de lombo de animal. E pra descer, é meio acidentado, a gente descia com todo o sacrifício. A comunidade fez a barragem, cavou as valas, colocou a tubulação todinha até chegar no reservatório.
P/1 – Itamar, a gente está terminando. O que você gostaria de deixar registrado sobre toda essa sua participação? Você disse que participa do conselho, em relação à água, alimentação e continua como sindicalista dos trabalhadores rurais, o que você gostaria de deixar registrado da sua história sobre toda essa sua participação? Uma pergunta meio ampla, mas (risos)...
R – Bom, eu vou dizer uma coisa pra você. Muita gente até diria que já fez muito, eu digo pra você que eu ainda não fiz nada, ainda tem muito o que oferecer. Eu creio que as minhas participações não são só dentro dos conselhos, nas reuniões, tem que ser junto com a comunidade. Porque a gente tem que conscientizar a todos a necessidade não só da preservação ambiental, mas da preservação humana. Lutar pra ver se a gente vê muitas pessoas que deixam se levar pelas drogas, ver se tira essas pessoas desse mundo, tanto faz do álcool ou de qualquer outra droga sintética, tirar. Porque hoje o mundo está se acabando, mas nós temos uma comunidade aqui, a Fercal, que tem muito pra crescer, está crescendo e vai crescer. Mas tirar essas pessoas, conscientizar elas que realmente ainda existe um mundo melhor pra nós e vai vir. A gente tem que deixar pros nossos filhos no futuro, daqui a cem, duzentos anos, creio que realmente existe um meio ambiente pra gente preservar e, acima de tudo, preservar o ser humano também.
P/2 – Eu sei que você já fez muita coisa que foi relatada pela sua pessoa, o que você acha que ainda deve ser feito aqui, que você possa ter uma grande participação?
R – Eu vou dizer, participação da minha pessoa, eu acho que eu tenho muito o que oferecer, apesar da disponibilidade de tempo da gente ser muito curta. Mas eu acho que participando dos conselhos, dando sugestões e até mesmo ajudando. Igual você mesmo falou a respeito da conferência que vai ter aí, é uma coisa que a gente é muito falho, nós temos uma rádio comunitária e a gente não participa dessa rádio comunitária, eu nunca fui na rádio comunitária.
P/1 – Na rádio?
R – Na rádio comunitária. A usar a rádio como um meio de comunicação.
P/1 – Pode repetir? Você falou de usar?
R – Nós temos aqui a rádio, a gente não usa a rádio para divulgar, difundir o que realmente está acontecendo. Nós deveríamos usar mais. Eu acho que se a gente fosse, eu mesmo, eu nunca fui, mas se eu fosse lá orientar as pessoas, se eu pudesse chegar e ver uma pessoa cortando uma árvore e eu pegar e falar: “Não corte. Por que você está cortando?”. Ou jogar, como muita gente vê, eu pego um papel e jogo ele no chão, a gente orientar: “Não faz isso, não. Você joga isso daqui, isso aqui vai pra dentro do esgoto, do esgoto corre no rio, vai poluir, vai trazer consequência”. Tem que orientar, orientando os outros, acho que a gente pode fazer isso.
P/1 – Itamar, e lá hoje vocês ficaram juntos no acampamento um ano e meio, lutando. E hoje essa convivência? Muitos já mudaram como você falou, mas como isso foi acontecendo agora no assentamento?
R – Eu considero o assentamento uma grande família. E como uma família não vou dizer pra vocês que não tem desavenças, que tem. Tem desacerto, tudo. Inclusive hoje nós temos Associação das Mulheres dentro do assentamento, o que é bom, já ia esquecendo de relatar, que estão mexendo com panificados e estão crescendo, graças a Deus. E isso pra mim, eu sinto um orgulho muito grande em saber que as mulheres estão se levantando também pra crescer, pra não ficar naquela dependência que era antigamente, isso é muito bom. Hoje nós estamos tendo uma certa convivência até por, graças a Deus, dentro do assentamento porque se sou eu, quando eu preciso de alguém, eu só ligo: “Fulano, eu estou precisando de você pra isso e aquilo, você pode?” “Ah, não posso não, mas vou ver com Fulano”. Resolve. Então é uma família, pra mim é uma família. Não importa que seja de dez pessoas, que seja de cem, de duzentas pessoas. Pra mim é uma família. Considero todos como uma família.
P/1 – Já faz praticamente 30 anos que vocês vieram?
R – Vinte e dois anos.
P/1 – Você acha bom, ou não faz diferença, ou é ruim vocês ainda dizerem assentamento, no assentamento. Ou isso não faz a mínima diferença?
R – Pra nós não faz diferença. Nós fomos chamados até de Sem Terra: “Você vai lá pro Sem Terra”. Eu falo: “Gente, nós temos terra até demais”. Mas pra mim tanto faz chamar de Sem Terra, chamar de assentado. O que me chamam ou o que deixam de chamar não vai agregar nada.
P/1 – E os jovens, Itamar, nessa história toda.
R – Os jovens, a maioria saiu do assentamento. Hoje estão voltando todos, ou quase todos. Estão voltando. Nós estávamos contando, três anos atrás nós fizemos um levantamento, eu acho que a gente contava uns cinco, seis jovens. Ai nós fomos trazendo alguns incentivos, foi lutando pra ver se voltavam. Agora nós estamos buscando um projeto pros jovens junto com a Fundação Banco do Brasil que também nos apoia muito, nós contamos e deu mais de 40 jovens.
P/1 – E o que você acha que fez eles voltarem?
PAUSA
P/1 – Pode falar do seu avô.
R – Porque você está falando de apelido, que não se importa. O meu avô era muito calmo. Tranquilo. Um dia na hora do almoço, lá na Bahia, ele sentou-se debaixo de uma árvore, tinha um monte de folhas, sentou ali em cima. E aí ele está olhando pra um canto, olhando pro outro e os meninos pegam, viram, ele estava sentado em cima de uma cobra. É. E venenosa. Aí os meninos viraram e falaram assim: “Pai, sai daí, pai! O senhor está em cima de uma cobra”. Ele falou: “Deixa de besteira menino, já vi! Só estou caçando meio de pegar ela, se eu levantar de uma vez ela me pica”. Calmo (risos). Aí foi, pegou a cobra e matou com aquela tranquilidade (risos).
P/1 – Esse que viveu até 110 anos?
R – Cento e dez anos (risos).
P/1 – Itamar, só pra concluir: o que você acha que fez os jovens voltarem?
R – Olha, incentivo, muito incentivo que está tendo hoje. Como a produção aumentou e também aumentou a demanda, e eles lá fora não estavam ganhando hoje o que eles estão ganhando lá dentro. Porque eles começaram a produzir, se bem que o dinheiro que eles pegaram fora... (interrupção)
P/1 – Desculpa, Itamar, começa de novo. O que fez os jovens voltarem? Você disse que há um incentivo. Pode continuar.
R – Um incentivo a um ganho melhor porque hoje, conversando com alguns deles lá, hoje eles falam que o que eles estão ganhando lá dentro, eles não estavam ganhando aqui fora. Eles estão ganhando muito mais. Certo que parte desse dinheiro que eles ganharam aqui fora eles investiram lá dentro e esse investimento que eles fizeram conta também. Mas agora pergunta pra eles: “Você quer ir lá pra Tocantins? Você quer ir lá pra Ciplan? Você quer ir pra qualquer uma dessas firmas trabalhar?”. Eles falam: “Não, estou bem aqui. Eu estou muito bem aqui”. Eles trabalham, praticamente de segunda a segunda, porque de sexta-feira tem feira, sábado tem feira, domingo tem feira e no correr da semana é trabalhando pra poder produzir. Tem um tempinho de jogar bola, tem um tempinho de farra. Agora pergunta pra eles: “Vocês aí são infelizes?” “Não.” “Vocês querem trabalhar na cidade?” “Não”.
P/1 – Eles são felizes lá?
R – Qualidade de vida é melhor. É o que eles respondem. E eles gostam do que fazem.
P/1 – A gente está encerrando, Itamar, você quer falar mais alguma coisa que você acha que ficou faltando, muito importante?
R – Não, acho que a gente deve ter falado tudo, né?
P/1 – Tudo?
R – Entre aspas, né? (risos) Que se for falar ainda tem muita coisa pra falar, mas acho que o essencial, isso aí a gente já falou.
P/1 – E o que você achou de contar a sua história, apesar de já ter contado outras vezes, mas agora?
R – Olha, eu sempre falo, eu não canso de contar essa trajetória que nós tivemos e que a gente faz no correr da vida, é muito gratificante. É prazeroso contar. É prazeroso mostrar pras pessoas que através da luta, que através de toda essa batalha que nós tivemos, ela é compensativa, ela traz um prazer no futuro. Pode ser muito ruim hoje, arder ou sofrer, mas amanhã quando a gente olha pra trás a gente fala assim: “Gente, aquele dia eu tava pensando que tava sofrendo, não foi sofrimento, não! Foi bom demais, foi experiência”. Muito bom.
P/1 – Muito bem então.
P/2 – Muito obrigada. Essa contribuição, isso é muito importante para divulgar a vida aqui das pessoas da Fercal, que não só lutam por si, mas que lutam pelos outros também.
R – E a Fercal aqui eu vou dizer, é o que eu estava falando com a Tereza, ela que estava falando comigo, nós aqui da Fercal, qualquer movimento, qualquer coisa que acontece nós estamos juntos. Eu fui na Pré-Conferência de Segurança Alimentar e Nutricional lá no Samambaia. Eram previstas 200 pessoas, não foram 50. Acontece uma manifestação que fala assim, o pessoal da Fercal... Enche porque tem o interesse, é um pessoal unido que parece que vive no interior, pessoal que conhece mesmo. A Tereza conhece o pessoal aqui, conhece todo mundo lá, conhece muita gente. Tem gente que conhece uns aos outros aqui, né? Agora, nos outros locais... A conferência do Gama teve 60 pessoas.
P/1 – Em Fercal é diferente?
R – Aqui é diferente. Aqui pode saber, houve uma manifestação, o pessoal se reune mesmo, vai mesmo pra lutar pelos interesses.
P/2 – Não é por curiosidade, é pela participação e contribuição, né?
R – É. Participar mesmo, saber. Eu fiz parte dessa história.
P/1 – Obrigada, viu Itamar?
R – De nada.
P/1 – Parabéns pela história.
FINAL DA ENTREVISTARecolher