P - Juana, a gente sempre começa perguntando o nome completo, o local e a data de nascimento.
R - Juana Nunes Pereira, Rio de Janeiro, 21 de março de 1977.
P - Juana, queria que você contasse um pouco do seu trabalho atual, o que te fez estar aqui hoje, enfim.
R - Eu sou coordenadora ger...Continuar leitura
P - Juana, a gente sempre começa perguntando o nome completo, o local e a data de nascimento.
R - Juana Nunes Pereira, Rio de Janeiro, 21 de março de 1977.
P - Juana, queria que você contasse um pouco do seu trabalho atual, o que te fez estar aqui hoje, enfim.
R - Eu sou coordenadora geral de mobilização e articulação em rede, da Secretaria. Trabalho, então, articulando os Pontos, criando ações e iniciativas para que os Pontos se encontrem, para que eles possam se articular em rede. Então, os editais, acompanho a Comissão Nacional dos Pontos de Cultura, a Teia. Então, são atividades para fazer com que o Programa atue em rede, em gestão. Ah, é uma infinidade de coisas que a gente faz para juntar a moçada e para que eles possam refletir sobre o Programa, sobre as ações que eles participam. E também o próprio significado da ação em rede. Então é muita mobilização na verdade, a gente está num processo que a gente está sempre em contato com os Pontos, sempre se comunicando com eles, e com as lideranças, principalmente da Comissão Nacional dos Pontos de Cultura.
P - E quando você começou? Conta essa história.
R - Eu fui Ponto Eu era do Ponto de Cultura Cuca da UNE, do Rio de Janeiro. Então atuava lá, fazia Faculdade de Artes, eu sou historiadora da arte. Então, eu estava atuando no Ponto. Aí eu recebi, em determinado momento recebi um convite do Célio para participar e trabalhar na Secretaria, um pouco pensando num recorte mais estético. E ai fui para trabalhar lá, a princípio para pensar a ação que hoje... a parceira que a gente tem com a Funarte, que é o Edital Interações Estéticas, que são residências artísticas nos Pontos de Cultura. Em que artistas do circuito contemporâneo, das artes, que não estão ligados ao Ponto de Cultura, passam de três a seis meses num Ponto de Cultura realizando um trabalho compartilhado. Então são prêmios de 15 a 90 mil reais. Então, nesse processo, na verdade eu comecei para fazer isso, e como eu tenho todo um histórico do movimento social, fui do movimento estudantil, então eu já tinha uma certa afinidade com essa idéia da mobilização, da articulação. Então, acabou que o setor que eu estava acabou virando uma coordenação geral de mobilização e articulação em rede. E aí veio o Ponto de Mídia Livre, eu comecei a acompanhar a Teia, a acompanhar a Comissão, os Editais de pequenos eventos em rede. Enfim (risos), aí vai surgindo. Agora o Prêmio Tuxáua, que é um prêmio para a pessoa física, quer dizer, são essas lideranças que existem dentro do Programa Cultura Viva que já articulam a rede de forma individual. Então a idéia era, de certa forma, reconhecer também esse papel do indivíduo dentro da rede. E como ele é protagonista e ajuda a construir essa rede, não só as instituições como os Pontões. Então esse edital está aberto agora até o dia 25. Então a gente vai criando formas de possibilitar essa integração e essa relação dos Pontos com os Pontos. Então tem, por exemplo, central de intercâmbio, que o Cultura Ponto a Ponto, em que duas pessoas de um Ponto vão para um Ponto diferente, e eles passam a trocar essas experiências. Então são essas iniciativas que a gente faz lá.
P - E que ano que você passou de Ponto a coordenador?
R - Eu estou há muito pouco tempo na Secretaria. Eu fui em março de 2008, vai fazer dois anos agora em 2010.
P - Então eu vou te perguntar um pouco, já que faz pouco tempo, o primeiro flerte, o primeiro olhar Cultura Viva que você teve. Ainda com o Ponto. Conta um pouco como é que foi isso, o que é que te trouxe, enfim.
R - Foi muito bacana, porque eu estava ligada ao Circuito Universitário de Cultura e Arte, os Cucas da Une. E toda a idéia do Cuca, bebendo nesta história do CPC, dessa experiência que o movimento estudantil teve, em relação com o os artistas, e em discutir a cultura brasileira, o Cuca, de certa forma, quer resgatar isso, mas de uma forma mais ampla. Que naquela época o discurso, ele já era... ele tinha um discurso ideológico no sentido de um pensamento sobre a cultura brasileira, mais em querer afirmar um espaço. O Cuca, ele pensa mais num processo de circuito, de relação e de discussão sobre a cultura brasileira, mas pensando também a produção do estudante universitário, e como essa produção dentro da universidade pode circular para a comunidade. Então, para o Cuca ser Ponto de Cultura e se relacionar com uma rede mais ampla dos Pontos de Cultura, foi para a gente um revelar que a nossa ação dentro da universidade podia se espraiar e se contaminar, e a própria universidade também se contaminar, ser como um processo virótico, por essa relação também da comunidade. Então foi natural o próprio processo dos Pontos de Cultura do Cuca, da UNE, se relacionar, e ir para a rede dos Pontos de Cultura, e participar. Então, em um primeiro momento foi de deslumbramento, de que a ação que a gente... e que essa ação em rede, no caso, para o Cuca, da UNE, era muito fundamental. E a gente percebeu que essa rede podia ser bem maior. E estava interagindo lá com outros atores. Então, para mim, o fato revelador disso foi a Teia de São Paulo. Que ali a gente pôde ter a dimensão de que o que a gente estava fazendo era parte de algo muito maior, que outras pessoas também estavam fazendo, e sonhando, e pensando as mesmas coisas. Então isso foi para mim, ali, o encantamento mesmo, de entender o que é que era.
P - E aí, fazendo parte do Programa, o que muda na maneira de trabalhar?
R - Bacana, porque a gente percebe... quando eu estava no Ponto, a gente: “Ai, é a parcela que eles não pagam...”, é atraso, todas aquelas dificuldades que a gente via na gestão do Programa, eu comecei a perceber de dentro o quanto era difícil gestar e fazer acontecer um Programa com as características do que é o Cultura Viva. E a própria característica da gestão. Porque há também o encantamento nas pessoas que trabalham ali na Secretaria. Porque é quase como um Golias, entendeu? Você fica ali lutando contra uma burocracia, contra um Estado, que foi feito para que a coisa não chegue na ponta. Então é uma luta diária para que essas coisas aconteçam. Então ali foi claro para mim o que... a gente achava que... e também no sentido da gente pensar o Estado. Porque eu também achava: “Ah, é falta de vontade política. Não se quer fazer.” E aí você começa a perceber os mecanismos que fazem com que não chegue a merenda na escola pública, porque o aumento do salário do professor é tão difícil. Você começa a perceber que tem sim problema de vontade política, mas mesmo com vontade política há muitos entraves. O Estado brasileiro foi feito por uma elite, que mesmo que o Governo mude, há que ter uma ruptura maior. Quer dizer, a relação para mudar a natureza desse Estado é uma luta ideológica que é para além de uma eleição. Quer dizer, precisa de muito tempo para ir mudar essas estruturas. Para você ter uma idéia, o cara que realiza, que gesta, que faz chegar o recurso, no geral os salários dessas pessoas são muito baixos. Os salários de quem fiscaliza, se você vai olhar para o TCU, para os advogados lá geral da União, se você vai ver, os caras têm salários altíssimos. Então é um Estado que foi montado para fiscalizar, e não para executar. E isso fica mais evidente quando a gente vê um Programa que lida com a população que nunca teve acesso a esses recursos. Porque quando você vai ver, ninguém está fiscalizando grande empreiteiro, mas faz questão de fiscalizar o cara do maracatu, porque ele não comprou alguma coisa da forma como de repente estava no plano do trabalho. Então, é muito difícil, mas é uma coisa que a gente tem que pensar. De que forma, como é estar nesse lugar, que se confunde. Que está dentro e fora desse movimento, da sociedade. Então eu acho que... para mim, inclusive, é um exercício diário. Porque, como eu vim do movimento social, estar no Governo e ter uma ação, eu fico sempre me policiando: “Calma aí, agora eu tenho aqui que me controlar, porque aqui já é espaço deles.” E eu aqui mesmo, querendo dar pitaco, tenho que me reservar. Então é bastante complexo. Mas é também uma felicidade enorme poder estar dentro desse processo, que é bastante interessante e criativo.
P - Juana, uma pergunta bem opinativa: o que o Cultura Viva... você está falando do processo, que é complicado, de gestão, complicado, mas o que ele traz de diferente para a cultura do país?
R - Primeiro, que eu acho que a grande sacada do Programa é justamente a ação em rede. Quer dizer, você na verdade reconhecer que existiam iniciativas em diversos lugares, protagonizadas por pessoas ou por grupos, e que de certa forma estavam lá, no seu lugar. A partir do momento em que você criou essa rede do Programa Cultura Viva, e que as pessoas começaram a perceber e a se reconhecer nos outros, ou seja, o que eu faço, o que eu sou, o que eu penso, o que eu quero realizar, outras pessoas também realizam, você acabou transformando esses sonhos e ideais, essas coisas que acontecem diariamente no Ponto de Cultura, e questões universais, e idéias nacionais. Quer dizer, não é mais só mudar a comunidade de Pirenópolis, é mudar a comunidade e a cultura brasileira, as políticas públicas de cultura no Brasil. Então, você na verdade pega uma potência e multiplica isso, de forma infinita. Então isso aumenta a conscientização nesses atores, sociais e culturais, que estão atuando nessas comunidades. Então isso eu acho que é o mais fantástico do Programa. E isso possibilita, e eu acho que isso a gente precisa também refletir, que a gente já ganhou, na verdade, a opinião pública, o governo em geral, para dizer que esse é um programa de acesso, esse é um programa que democratizou para aqueles que nunca acesso aos recursos do Ministério da Cultura, que possibilitou a multiplicação de ações. E o Estado, de certa forma, a partir dessa gestão compartilhada, está presente em diversos lugares. Eu não tenho como precisar, mas eu acho que poderia se fazer essa pesquisa. Depois do Bolsa Família, talvez o Cultura Viva seja o Programa do Governo que o dinheiro e o recurso
chegue em mais lugares do Brasil, para ações culturais. Mas eu acho que o mais importante, que talvez não esteja ainda tão em evidência, é que o que essas pessoas realizam, o que esses grupos realizam, também é produção de alta qualidade. Eu acho que isso que agora a gente precisa mostrar. E o Interações Estéticas veio um pouco para isso. Para colocar à tona, dar visibilidade à produção que esses artistas, que estão fora da mídia, que não têm um espaço no tal mercado cultural, possam estar presentes, possam ter também esse espaço. E pensar que esses 2 mil e 500 Pontos de Cultura que estão no Brasil, eles são também espaços de experimentação, de inventividade, de pensamento sobre a arte. Então, ocupar também o espaço da discussão sobre a cultura brasileira, sobre a arte, sobre o que nós estamos realizando. Por isso a troca, pensar em juntar um circuito de artistas que estão já de certa forma querendo discutir essa relação entre arte e vida, entre arte e sociedade, e que estão nos museus, estão nas galerias, e que estão também nas ruas, em ocupações, em intervenções públicas, happenings, com esses artistas dos Pontos de Cultura, e ver que samba vai dar. Quer dizer, que trabalhos, que resultados isso pode dar. Então, acho que essa busca pela linguagem, de pensar em revelar o que de importante para a cultura brasileira, e para a arte brasileira, a produção dos Pontos de Cultura pode revelar, eu acho que é o grande desafio também do Programa. Para a gente desmistificar, que não é um programa de ação social da cultura. É um programa de arte, de inventividade, é um programa que está valorizando o que as pessoas sabem fazer. E que isso pode ser visto, isso pode ser valorizado, isso pode ser redimensionado para o Brasil todo. E, com certeza, se o Brasil puder olhar e ver isso, vai reconhecer, vai se identificar como brasileiro, como produção brasileira, misturada, com outras referências, que essa é a nossa... é um pouco o nosso jeito de fazer, de ser brasileiro, de fazer arte, é nessa referência antropofágica, da mistura, do contato, da relação. Então isso a gente quer evidenciar mais. E acho que isso é um grande desafio para nós, no programa.
P - Juana, eu queria te perguntar desse cenário, desses desafios, quais as são as potencialidades do projeto que você acha que ainda não estão sendo utilizadas, na sua opinião?
R - Essa que eu acabei de falar, eu acho que a vertente artística, de linguagem, eu acho que isso pode aparecer mais, eu acho que a relação da economia solidária, quer dizer, essas relações também, de troca. Isso também é uma coisa que a gente está pensando em incentivar mais. As ações de comunicação, quer dizer, os Pontos de Mídia Livre vieram também para isso. Quer dizer, quando a gente coloca, e isso é bem inteligente no programa, do kit multimídia, quer dizer, os meios de produção, nas mãos de quem faz e produz cultura, agora a gente precisa também ter, na verdade, os meios de divulgação. Quer dizer, onde colocar? Onde essa produção escoa? Então eu acho que a gente precisa repensar essa rede de distribuição, nas televisões, nas TVs públicas. Uma TV púbica que possa abrigar a produção que é feita por cada Ponto de Cultura. É fortíssimo o movimento no audiovisual nos Pontos de Cultura.
Então, quer dizer, a gente pode fazer com que cada sujeito que tenha o direito de comunicar, e tenha o direito de se apropriar dos meios de comunicação, e fazer dele um meio de expressão. Eu acho que essa é a grande, também, batalha nossa. Os mídia livrismo, os Pontos de Mídia Livre vieram para isso, para fortalecer essas iniciativas, de TVs comunitárias, blogs, rádio comunitária, revistas. Pensar em como divulgar, em como ocupar esse espaço na mídia, e disputar esse espaço da discussão sobre a comunicação no Brasil. Então esse também é um campo de debate que a gente tem começado, iniciado. São 78 Pontos de Mídia Livre pela Brasil. E começou E existe toda uma rede de mídia livrismo que quer, justamente, criar laços com essa gente que não espera que as TVs se abram. Buscam esse espaço, buscam ter as suas formas de comunicação. Então isso também, você vê que vários tipos de movimento, várias lutas culturais, elas vão se identificando com o Cultura Viva, e vão entrando também. Então o Cultura Viva... o próprio programa tem essa sensibilidade de ir assimilando e reconhecendo essas iniciativas. Os Pontos de Mídia Livre não foi uma idéia que saiu do Governo, foi uma idéia que saiu da sociedade. Então o movimento de mídia livrismo veio: “Nós queremos ser Ponto de Cultura também”. Vamos fazer um edital só para o pessoal da comunicação, que atua na área da mídia livre. Então isso é muito bacana, porque as próprias ações do Programa Cultura Viva, ela é um pouco fruto disso, dessa relação, desse escutar a sociedade, que vai construindo as políticas, e transformando as próprias ações do Programa.
P - A última pergunta é a sua expectativa pessoal para o Programa, mais do que você falou agora, que é um desafio, potencialidade. Uma expectativa, um sonho, para o Programa.
R - Olha, para mim, apesar de eu ter participado de muitos movimentos, eu sou jovem ainda. (riso) Então, ainda tem muita estrada, como projeto de vida. Mas o que eu acho mais bacana, dentro do Programa Cultura Viva, e tenho essa experiência de trabalhar com o Programa, ter sido Ponto de Cultura um tempo e depois ter ido para o Governo, e para a Secretaria, para também atuar junto do Programa, me ressignificou um pouco a minha militância social. Isso eu acho que para mim foi o mais importante. Porque, quando eu era mais jovem, quando eu estava no movimento estudantil, e que eu pude viajar ao país, e atuar nessa área, eu me sentia protagonista da discussão política no Brasil. Eu me sentia realmente fazendo história. Participando, nas lutas contra o Fernando Henrique, as mobilizações. Então, nesse momento, apesar de ser um trabalho profissional, apesar de ser um trabalho no Governo, eu me sinto da mesma forma, com aquele mesmo frio na barriga, aquele mesmo entusiasmo de quando eu era uma jovem secundarista. Então o que eu quero, o que eu desejo, e é um desejo coletivo mesmo, é que o Programa se afirme como uma política de Estado, que esse movimento, que é novo, que ele continue realmente sendo novo nessas características. Que ele possa ser um movimento que junte arte e política. E que a arte é política por essência. E que eles e nós encontremos uma forma de que isso seja bacana, e que seja novas formas de participação política e social. Então, eu me vejo podendo contribuir com isso, no ponto de vista teórico e no ponto de vista da prática, exercitando isso. Acho que isso é o que mais me motiva, fazer esse cortejo continuar indo, caminhando e conquistando.
P - Obrigada, Juana. Foi ótimo.Recolher