Entrevista com professora Norma Neide ZF – Professora Norma, seu nome,data de nascimento e o lugar onde a senhora nasceu? NN – Norma Neide Queiroz de Moraes, eu nasci no dia 28 de fevereiro de 1934, tenho 80 anos. E nasci em São Felix. ZF – Quando que a senhora veio para a capi...Continuar leitura
Entrevista com professora Norma Neide
ZF – Professora Norma, seu nome,data de nascimento e o lugar onde a senhora nasceu? NN – Norma Neide Queiroz de Moraes, eu nasci no dia 28 de fevereiro de 1934, tenho 80 anos.
E nasci em São Felix.
ZF – Quando que a senhora veio para a capital? NN – Eu vim com 8 anos.
ZF – A senhora tem alguma memória especial da sua infância? NN – Tenho muitas, não é… ZF – Há alguma que a senhora queira compartilhar… NN – São tantas… (risos…) Eu me lembro… Eu fui, eu fui criada em Bananeiras.Bananeiras era um lugar muito… onde vinha naquela época a Usina de Bananeiras, que foi meu pai que construiu, não é? Que era de uma companhia, de Carris da Bahia, naquela época, que era inglesa e lá nós tinhamos uma casa imensa, muito grande, nós brincávamos muito, vivíamos muito brincando… E eu não pude ter a parte de criança, de estudar, porque eu, brincando com, isso eu me lembro bastante, com… chupando uma cana, bagaço, o bagaço de cana caiu nos olhos e eu fiz isso… (faz o gesto de esfregar os olhos com as mãos fechadas…). Aí lascou as duas córneas, então eu ficava com os olhos fechados… Vim para aqui, para Salvador, fiquei interna, aí, no Santa Luzia, naquela época, e, pra curar, tinha que ficar vendados os olhos, ficou os olhos vendados um tempão… Depois eu comecei a usar óculos escuros e tal… Então aquela parte de infância que os outros tinham, eu não tive…
Quando eu vim prá aqui prá Salvador eu fiquei, não quiseram me botar em colégio, porque achavam que eu ainda não tinha condição de ficar com colega e tal, aí me botaram numa escola, numa professora particular. Depois, naquela época tinha exame de admissão. Eu fui fazer exame de admissão no Instituto Normal. Enorme. Era por letra que chamava. Demorou muito de chamar o meu nome eu fiz um escândalo … Você vê que eu não tinha realmente condição, aí naquela época, Marta Dantas tava na banca, aí chamou minha mãe e disse a ela que eu não tinha condição de estudar ali, mas que o Colégio de Aplicação estava se formando e que ela ia me convidar para fazer um teste lá. Aí eu fui. Fiquei no Colégio de Aplicação, e cursei o ginásio todo, o colégio, tudo e fui fazer o meu curso de… na época que eu tava no Colégio de Aplicação eu já comecei a gostar de matemática, muito mesmo…
Aí fiz vestibular prá matemática.
ZF – Então a escolha da sua profissão foi já a partir do Colégio? NN – Do Colégio de Aplicação, que eu comecei a fazer muitos trabalhos em matemática, e achando uma maravilha. Foi na época que começou a surgir lógica, essas coisas todas e eu achando um negócio belíssimo, a lógica matemática.
ZF – Então a senhora não é pedagoga? NN – Não, eu sou licenciada em matemática. Bem diferente, né? (sorrisinho… voz suave…) Eu sou licenciada em matemática.
ZF – E quando a senhora começou a trabalhar, o que a senhora sonhava realizar? NN – Eu comecei a trabalhar no Central (Colégio Estadual da Bahia) desde o primeiro ano de faculdade, porque o Doutor Moura Bastos, que era nosso professor, foi ser Secretário de Educação, chegou na sala e disse: “olha eu vou deixar muitas turmas de noite, lá, quem quer?” Eu aí levantei (levanta a mão) e disse que queria ir. Aí quando eu cheguei lá no colégio, no Central, eu disse: “Meu Deus, será que eu vou acertar?” Mas adorei o Central, achei uma maravilha. Que o Central naquela época era fabuloso. Aí fui eu e Bela, Bela de física e eu de matemática. ZF – A senhora lembra que ano foi isso? NN – Hmmmm… minha filha, não. Não tenho a menor idéia. Eu sei que depois eu fiquei lá, depois de formada eu fui ser diretora do Central, depois vim prá faculdade da UFBa,
fiquei no Instituto, foi quando surgiu o Instituto de Matemática. Aí eu saí do Central e fiquei no Instituto de Matemática. Do Instituto de Matemática foi quando surgiu… eu trabalhava no Central muito, e muitas horas de aula, entendeu? Eu deixei a direção mas continuei trabalhando e ficava no Central e na UFBa. Aí surgiu… como é? … o regulamento para professor, até me convidaram para participar, daí eu vi que eu ia perder muito dinheiro,
se eu saísse. Aí o que é que eu fiz? Peguei os anos da UFBa, joguei pro Central e me aposentei pelo Central. Por que era uma aposentadoria muito maior. Porque naquela época, se eu deixasse passar o Regimento,
eu ia perder aquilo tudo. Porque ia tirar suplementar, ia tirar RTI, ia tirar aquelas coisas todas. Aí eu me aposentei pelo Central. Quando eu me aposentei pelo Central, fiquei na UFBa como serviços prestados, no Serviço de Seleção. Aí foi quando criou a Uneb, eu fui convidada para participar da Comissão de Implantação da Uneb. Eu estou na UNEB desde a implantação, fui da Comissão de Implantação. E não pertenço a UNEB, é serviço prestado até hoje. (riso)
ZF – Professora, a senhora se importa de falar um pouquinho sobre como foi ser diretora do Central? NN – Ah, foi uma maravilha lá no central, porque, eu me lembro tanto que, eu era, nós eramos muito ligados, os professores, porque nós éramos assim, se nossos alunos tivessem, a gente sentisse que eles não tavam acompanhando o que a gente estava falando, a gente marcava um horário de tarde, se ele estudava de manhã a gente marcava de tarde, se ele estudava de tarde a gente marcava de manhã, e dava aula de recuperação para eles conseguirem alcançar o que a gente tava ensinando. E aí nós conseguíamos bons alunos, que eles passavam nos vestibulares com as maiores naturalidades. Entendeu? E eu me lembro, um fato importantíssimo prá mim, foi quando nós fizemos a primeira Feira de Ciências da Bahia. Foi lá no Central, eu tenho retrato tenho tudo dessas Feiras. Foi lindo, lindo, lindo. Foi muito bonito essa Feira de Ciências, foi linda, eu me lembro muito disso, ah, foi tão bom, os alunos adoraram…
ZF – Se a senhora puder nos ceder essas fotos depois… NN – Ah, eu procuro, viu, prá mandar…
ZF – A senhora ainda era Diretora quando veio a Ditadura Militar? E mudou muita coisa? NN – Sim, era, era Vice-Diretora, foi horrível, horrível, horrível… A gente ficava na porta, eles (os militares) vinham prá porta, e ficavam, e queriam levar os alunos, e a gente não deixava, era uma agonia, um inferno. Um verdadeiro inferno. Ave Maria, Nossa Senhora, eu me lembro tanto… Olha, todo dia eu ia prestar depoimento, na… ali no, que era ali pertinho do Central, a Secretaria, o Exército… Era ali pertinho. Aí lá ia eu. Tantarará, tantarerê e eu nem dava ousadia, mas ia, não deixava os alunos nosso ir, era um inferno, viu? Teve um professor nosso que foi preso, tudo isso… Ah, foi muita agonia, muita agonia. Foi uma vida horrível, horrível, horrível...
ZF – Tinha muito estudante envolvido? NN – Tinha, tinha sim, tinha porque os estudantes lá do Central, todos os movimentos, naquela época, que surgiam, eram dos alunos do Central, engraçado… Não era das universidades, não… Naquela época tudo era do Central. Engraçado, os alunos eram muito… muito, muito ligados na questão de política.
ZF – A senhora disse que tinha dois amigos… um que era irmão de Milton Santos e… NN – Era, era Naílton e Augusto Silvani.
ZF – Então, nesse momento, a senhora não era militante, a senhora era mais protetora dos alunos? NN – Era, protetora dos alunos.
ZF –Mais alguma coisa que a senhora queira falar desse período? NN – Não, só que foi muito ruim, muita gente presa… Foi horrível, horrível, Ave Maria, aquela época foi muito ruim. Uma sobrinha minha, o marido morreu, eles mataram ele. Ela foi presa também. Uma agonia danada. Eu visitava muito ela. Foi horrível, foi uma época… Meu Deus, não quero nem pensar. Aqui na Bahia foi muito sofrimento. Aliás em todos os estados, não foi só na Bahia não.
ZF – E vocês davam proteção aos alunos e lá dentro eles reuniam, conversavam, dentro da escola… dentro da escola podiam conversar? NN – É, fazia tudo, dentro da escola, tinha um lugar, tinha um lugar certo, eles tinham uma sala de reunião prá isso. Claro… A gente protegia, a gente tinha que proteger os alunos… Ia deixar os alunos ser presos? De jeito nenhum. Era um inferno, tinha dias em que eu não almoçava.
Eu sofri muito… mas graças a Deus tô viva. Tô bem, tô ótima (sorriso).
ZF – Então tá… do Central a senhora foi para a UFBa, Instituto de Matemática, aí a senhora se aposentou pelo Central e depois a senhora foi convidada para a criação da UNEB… Então a senhora está na Uneb desde antes da Uneb ser Uneb? E como foi essa ida para a Uneb, o que siginificou para a senhora ir para lá? NN – Olha, foi muito importante, porque eu já trabalhava ali – quando eu tava no Estado – ali onde hoje é a Editora e o Teatro… ali nos tínhamos… começou aí… que era uma escola profissionalizante, um instituto profissionalizante. O que que a gente fazia? … foi quando começou aqui o centro… lá, em Camaçari, o centro industrial e não tinha os profissionais… Então a gente ia na firma, perguntava o que eles queriam, mandava uma psicóloga fazer o perfil e fazíamos o curso, da seguinte forma: vamos dizer, eles precisavam de 40 pessoas, de 20 pessoas, então a gente dava 40 vagas, 20 era para a comunidade e 20 era para eles. E assim nós fizemos vários cursos: soldador, mecânica de não sei o que… Era tanta coisa que tem, miúda, que eu não sei dizer assim, agora… fazíamos esses cursos e sempre a comunidade participava, então, resultado, a comunidade também ficava empregada, entendeu? porque eles precisavam sempre de mais gente. Eu me lembro de um soldador, de uma solda do tipo mini, que não sei quê, que nós vimos que as mulheres eram as melhores prá fazer isso. Pois menina, não foi verdade? Deu certinho, nós botamos as mulheres da comunidade, e elas foram e foram as melhores profissionais, porque as mãos eram mais leves para esse tipo de solda. Então as firmas faziam assim, elas ficavam em casa e quando elas precisavam elas mandavam buscar. Foi muito bom. Teve muita coisa. Acabou esse curso profissionalizante pra criar a Uneb. Que eu achei errado, mas…não podia fazer nada… (Professora Norma achou errado o fim dos cursos profissionalizantes e não a criação da Uneb) Também as coisas foram crescendo já iam fazendo cursos em outros lugares… Aí a Uneb foi criada, inicialmente pequena, não é… Porque a Uneb tinha um polo que ficava, que ficou sendo Uneb, foi em Juazeiro, Santo Antônio… e teve outro lugar, Barreiras… Camaçari… não?
ZF – Alagoinhas? NN – Alagoinhas, foi. Alagoinhas foi primeiro, isso mesmo. Depois foi criando outro, outros… Eu mesma participei da, quando eu já estava na Uneb… Prá Uneb eu entrei sempre na parte da Pró-Reitoria de Graduação… Então eu implantei… Direito em Juazeiro, implantei o polo de Xique-Xique, de Irecê, de… deixa eu lhe dizer outro que eu implantei… qual foi? (fica pensativa) Teve mais… Euclides da Cunha, Conceição do Coité… todos esses eu implantei. Eu fui trabalhar para implantar. A gente fazia uma pesquisa na comunidade, para ver o curso que a comunidade mais precisava e implantava esse curso.
ZF – Deixa eu lhe fazer uma pergunta, como foi essa transformação de matemática, de uma professora de matemática para uma especialista em currículo? NN – Sim, eu, eu, quando eu estava no Central, nós tivemos – porque houve uma mudança de currículo – nós tivemos um curso de currículo muito bom (com ênfase), nós levamos dois anos trabalhando em currículo, então eu me sentia muito bem em currículo, e até hoje eu me sinto bem, por isso, porque nessa época o curso foi muito bom mesmo. Muito bom… Nós fomos até… nós levamos três… dois anos, dois anos fazendo esse curso. Muito bom mesmo. Era um grupo bom aqui na Bahia.
ZF – Quem foi que deu o curso, quem promoveu? NN – Não me lembro… quem promoveu foi o Estado. Agora quem deu… os nomes, eu não me lembro, não eram aqui da Bahia. Eram do… daí do Norte, de Pernambuco, tinha um do Rio Grande do Sul e tinha outro de São Paulo. Mas os nomes eu não me lembro direito não.
ZF – Agora eu entendi como é que a matemática se transforma em uma especialista em currículo. NN – (grande risada) Isso mesmo. Aí eu ficava… nessa de ir criando os polos da UNEB… eu nunca tinha ido numa escola primária… Eu só conhecia o Central
e a Universidade… Nunca participei de uma escola primária. O dia que eu entrei em uma escola primária eu tomei o maior susto. Quando eu entrei, tô lá sentada, a professora só dava aquela “porcaria” de português, uma coisa horrível. Eu disse “Meu Deus” e as outras matérias, o aluno não aprende não? Aí eu vim, todo o dia eu fui, com a mesma professora, e sentava na sala… Aí um dia ela perguntou a mim: o que a senhora está fazendo aqui? Eu disse: não minha filha, é que eu quero falar com você e você ainda não teve tempo prá me falar. Aí ela saiu da sala e eu cheguei e fui e perguntei a ela, porque ela só dava português? Ela disse: professora, porque mal eu sei português. A senhora deve estar vendo que eu estou dando mal. Eu disse tá dando mal mesmo. Pois é, como é que eu vou dar outras… vou dar matemática que eu não sei, historia que eu não sei, vou dar geografia… não sei não… Aí eu disse Meu Deus… a gente tem que mudar isso. Aí voltei doidazinha, nunca mais… aí eu ficava… (faz sinal de que o assunto não lhe saia da cabeça…) … Aí eu vim aqui em Salvador, nunca me esqueço, eu fui nas escolas de Itapuã. Eu disse: eu vou em Itapuã. Aí eu fui. Quando eu cheguei lá, que entrei, a mesma coisa, a professora só dava geografia, geografia, geografia… (faz marcação batendo uma mão na outra) Eu disse, Meu Deus Nossa Senhora… tá errado, é Salvador a mesma coisa… Aí eu vim saber, essas professoras eram tudo primárias, daquele curso que fazia… Normal… Menina, eu tomei um susto… Eu disse não, não pode continuar isso assim… Aí eu fiquei pensando, como é que a gente vai considerar isso… Ainda não tinha vindo a Lei quando eu tava nessa agonia… De ser obrigatório ter o curso superior. Aí eu disse: Meu Deus não é possível… Aí bolei, sentei com o pessoal de pedagogia e tudo… me lembro tanto… Olha, isso aí foi importante, quando eu fiz o projeto, eu disse, eu vou fazer esse projeto e oferecer aos municípios… Aí fizemos o projeto, e, a gente tem que ser aprovado pelo Consu e pelo Consepe (1), na Uneb, aí quando eu mandei pro Consu e Consepe, me lembro tanto, a professora Elvira virou pra mim e fez assim: Norma, esse curso, está faltando alguma coisa. Eu disse: “o que é Elvira? Venha me ajudar.”
Elvira era uma professora de Guanambi. Aí ela veio e me ajudou. Era, a parte de letras, ela botou… como foi meu Deus… Que os meninos – de fato é verdade mesmo – , os meninos não sabem escrever direito. Então ela botou lá, era fundamentos… ela deu um nomezinho… Aí a gente botou. Aí o professor, também de… de… de onde foi meu Deus? Ele… Acho que de Guanambi… Ele disse, já que você está mudando, já que tem Educação Física, vamos botar Arte Educação. Aí eu disse ótimo, então vamos botar.
Aí botamos, acrescentamos, eles acrescentaram essas duas coisas no currículo. Menina, ficou… olhe, parecia… quando a gente fez a primeira avaliação, ah vimos logo que os alunos já tinham mudado, já eram outras pessoas, na primeira avaliação. E aí nós fizemos e, na primeira etapa… nós tivemos nove etapas… Se você quiser os números eu tenho um quadro, o mapazinho, tudo ali…
ZF – Depois eu vou querer… NN – Aí você vê quantos municípios entraram, quantas pessoas foram formadas, 13 mil e tantas, entendeu? E os municípios têm por etapa e os nomes dos municipios por etapa, também.
ZF – Eu observei que a evasão foi baixa… NN – Baixíssima. A maior foi 82 (de permanência) em um só. Porque sempre era 99% de frequência, 99% de frequência. Uma coisa linda, linda.
ZF – Então o que lhe inspirou o Programa Rede Uneb 2000 foi assistir, mesmo, as dificuldades dos professores em sala de aula? NN – A dificuldade dos alunos… E logo em seguida, porque foi em 99 (1999), saiu a lei do Mec pedindo que todos os professores (tivessem graduação), aí foi ótimo, porque os prefeitos puderam aceitar pagando pelo FUNDEB, pelos 40%, era ótimo, não saia do dinheiro deles (do orçamento das prefeituras), do Mec mesmo. ZF – Das ações desenvolvidas pela Uneb, que tiveram a sua participação, a Rede Uneb 2000 é a que a senhora considera mais importante? NN – Eu prá mim é a mais importante. Porque melhorou muito os municípios, hoje eu já tenho alunos da Rede Uneb… Quer dizer, se nós não fossemos prá esses lugares, eles não tinham condições de vir para cá estudar. Eu me lembro muito da formatura em Seabra. Seabra é uma cidade turística, gente. Não tinha uma escola para se fazer a formatura porque não cabia. Fizemos onde? Na praça pública. Até os mendingos estavam lá sentadinhos, apreciando. Cachorros e tudo. Eu achei tanta graça. Achei tão bonito. Fiquei foi encantada. Porque não tinha. Hoje Seabra cresceu, tá uma beleza. Então você vê o crescimento. Porque os alunos ajudam a crescer o município e quando você tem um desenvolvimento melhor, muito melhor para o município. Muito, muito. Ave Maria, eu acho que a Rede Uneb foi assim… E baseado na Rede Uneb foi que os prefeitos
e o próprio Estado, quando viu a Rede Uneb, aí pediu para eu fazer um curso, pago pelo Estado, de Letras, Geografia, História… porque física e química não existia no interior, física, química, tudo isso eu fiz, e chamou PROESP, foi pago pelo governo. Aí, já no fim, os municípios já queriam também fazer, foi porque quando o Estado acabou, aí os municípios queriam fazer, aí fizeram, que foi PROLIM. Foi o Município que pagava, geografia, historia, letras, essas coisas,física, química... Em Senhor do Bonfim a gente fez tanto curso… Ave Maria… com o Departamento de Senhor do Bonfim, foi M A R A V I L H O S O… Eu me lembro, Ave Maria, quando eu fui visitar uma escola, né?… Que disse: “ Norma vá ver, prá você ver.” Os meninos botaram tudo… eles fizeram os desenhos – a arte-educação – fizeram desenho, isso foi a Rede UNEB, fizeram desenho, em arte-educação, sobre a escola, a história da escola, e fizeram e botaram tudo na frente da escola… Ah menina, todo mundo quis, as outras escolas também copiaram, mas foi uma agonia. Eu disse é, tá certo… Tá muito bom. Ficou lindo. Olha, tinha municípios que nunca tiveram a história do município. A partir da Rede Uneb é que foi fazer a história do município. Isso é uma coisa muito boa, gente. Muito bom.
ZF – Chegou a ter alguma formação de Educação Física? NN – Teve educação física, teve.Educação física, em vários lugares, educação física, teve física, química, matemática, geografia, história e letras, esses todos tiveram.
ZF – Quem foram as pessoas que estiveram mais diretamente envolvidas na criação do Programa? NN – Ah, ó, teve tanta gente… todos os departamentos, eu, antes de fundar, eu perguntei aos departamentos se queriam participar, inicialmente acho que foram uns oito, depois todos os outros participaram. Acho que foram uns oito não me lembro.
ZF – Eu digo na criação, quando a senhora estava concebendo? NN – Inicialmente, quando tava concebendo, era eu, Lurdinha, Maristela… Foi quem mais… Era tanta gente que eu acho que nem… é um crime até eu ficar dizendo… depois eu procuro esses nomes todos e lhe dou, viu?
ZF – Se a senhora tiver alguma foto… NN – Tenho, tenho… Tenho várias fotos delas, de nós todas. Tem gente que não tá mais trabalhando na UNEB, entendeu? Mas foi uma equipe muito boa. ZF – Quais foram os maiores desafios que vocês encontraram? NN – O maior desafio, primeiro o prefeito, quando mudava de um prefeito para o outro. Aí era um inferno, pro outro prefeito aceitar, e não sei que, porque as vezes eram inimigos, as vezes os alunos que estavam fazendo era inimigos deles… Ói menina, isso no interior é difícil, viu? Aí eu parava o curso, conversava com eles, dizia a eles que a UNEB não tinha cor, qualquer partido era partido, e o que a gente queria era a melhoria do município, não sei quê… aí ficávamos ali, tarará, rarará, até que ele aceitava. No fim ele ahhhhhh (dá um suspiro, faz um gesto de expansão), no dia da formatura, que ele ia aparecer era uma beleza, parecia que ele nunca tinha feito nada.
ZF – Esse foi o maior desafio… E as maiores conquistas? NN – As maiores conquistas é os alunos se formarem, ter um índice baixíssimo de evasão e a gente ver o crescimento do aluno e do município, isso é prá mim uma maravilha. Eu vejo hoje aluno fazendo doutorado, que antes não podia fazer… E às vezes… muita dissertação de mestrado avaliando a Rede Uneb, eles fazem sobre a Rede Uneb, sobre a parte da Rede Uneb, o que eles fizeram de pesquisa… que a extensão era muito boa, os seminários temáticos… Ave…nós fazíamos muitos seminários temáticos, e os seminários temáticos eram eles que escolhiam… Ave Maria, uma maravilha isso, isso era muito bom.
ZF – Eu já lhe perguntei antes e a senhora disse que são várias, mas teve assim alguma história, algum acontecimento que lhe marcou de um modo mais especial? NN – Menina, são tantos acontecimentos que marcaram… as estradas, as coisas ,os carros que quebravam na estrada, o avião que a gente ia tomar… porque o avião era aqueles pequenininhos, era tão engraçado, que quando eu ia entrava eu dizia: “não quero que tenha buraco na estrada”. Daí o comandante dizia “Ah pró, hoje vai ter por causa do tempo.” Era um inferno. Às vezes parava em um lugar porque não podia mais continuar… E quando vinha de estrada mesmo, porque a maioria era de estrada, era… carro quebrava. Olha, nos quebrávamos tanto carro… A Polícia Rodoviária é que era ótima comigo. Falar a verdade a polícia já me conhecia. Diziam: “Ô pró, ainda não compraram carro novo prá senhora?” Ficavam assim, brincando comigo, não é? Botei todos da polícia que me coisou (multou?) e eu mandava lá prá eles verem que eu não estava brincando… Porque a gente não podia mais viajar naqueles carros velhos. Que os carros estragaram muito. Porque o que a gente viajava, minha filha… não era graça. ZF – Então isso foi parte dos desafios… NN –
Também as coisas que eu mais adorava era as avaliações, porque os alunos é que falavam.
Quando eu comecei as avaliações eu fui altamente criticada pelos professores: “Norma, que absurdo, aluno não sabe avaliar professor.” Eu disse: “quem é que sabe?” “Quem sabe são eles que tão lá, na ponta. Vocês não sabem avaliar não, professor. Professor tem que ser avaliado é por aluno.” Porque eu fazia um (faz um sinal como se fosse uma ficha), para os alunos avaliarem os professores. Ah minha filha, no início, na primeira avaliação foi uma crítica geral. Na segunda em diante todo mundo ficava assim: “Norma, em que lugar eu estou? Onde é que eu estou?” (sorriso) Todo mundo queria tá lá em cima. E melhorou muito o nível dos professores também. Entendeu? Foi ótimo, porque nessas avaliações a gente fazia assim, fazia avaliação e depois
tinha uma hora (um momento), um dia inteiro, para todos os professores de matemática, todos os de geografia, todos os de história que iam dar aula naquela etapa, se reuniam para fazer o programa, o programa do semestre. Ficava ótimo! Ficava muito bom, porque os alunos todos também estudavam, porque queriam estar sempre na frente, porque na hora da avaliação, que a gente fazia o gráfico, via qual era o município que estava na frente… Ninguém queria ficar embaixo, era um inferno. Eu dizia: Ah, estudem mais, estudem mais. Isso era muito bom, menina. Essa competição é produtiva.
ZF – Os alunos que também são professores devem se sentir bem nesse processo de retroalimentação… NN – É… Uma maravilha, foi muito gostoso, viu? Eu aprendi muita coisa. Eu aprendi também muito com a (Escola) Família Agrícola, porque a Família Agrícola, quando me pediu, eu disse: “Eu não tenho condições de dar esse curso para a Família Agrícola.” Porque eles trabalham com a Pedagogia da Alternância, e eu, eu disse: “meus professores não sabem Pedagogia da Alternância”, como eu não sei. Aí minha filha, ele disse: “Eu trago Perrenoud para dar uma aula prá vocês.” E trouxe e deu aula prá gente. E Perrenoud me deu muitos folhetos, muitos artigos, e tudo em Francês. Aí eu peguei aquele professor, que foi diretor lá da Uneb… Como era o nome dele, Meu Deus? Foi primeiro, um dos primeiros diretores, reitor…
ZF – Soares? NN – Soares. Oxi… Soares, ô minha Filha, traduziu tudo. E a gente fez um seminário, com Soares e os meninos, com os professores todos e aí ficou todo mundo bom. Daí eu disse: “agora eu posso enfrentar”… porque antes eu não podia, porque, como é? Porque os professores deles, sabem muito a pedagogia da alternância, não sabem matemática, não sabem português, mas sabem a Pedagogia da Alternância, porque estudavam na França, isso aquilo e aquele outro. Como é que eu ia dar? Pros nossos ficar lá embaixo? Não!!! Os nossos têm que ficar em cima… (estar em condições de desenvolver a atividade). Pronto, depois de Perrenoud deu tudo certo.
ZH – Passados esses anos todos, de implantação da Rede Uneb e dos outros programas especiais de formação de professores, que avaliação a senhora faz dos programas, com relação aos objetivos que a senhora tinha lá quando eles foram criados?
NN – Ah, eu acho que eu alcancei os meus objetivos, que era os professores se dedicar não só a um tipo de disciplina como a todas as disciplinas. Isso na Rede Uneb, nos outros, melhor ainda, porque nem tinha, não tinha professor, quem dava matemática era médico (riso), e assim por diante, né? Quem dava geografia era o mesmo que dava história. Até hoje professor de geografia é difícil, você sabe? E agora que eu vim descobrir. E eu disse, Meu Deus por que essa dificuldade? Aí depois eu disse, é a Uneb que é culpada. Só tem poucos cursos de geografia. Só tem curso de geografia em Santo Antônio, em Alagoinhas e em outro município aí acho que é Irece , ou… acho que é Irecê (2). Só, mais nada, pode uma coisa dessas? Não pode não, tem que fazer mais cursos de geografia por aí.
ZF – A senhora ajudou a implementar outros cursos de formação de professores, a senhora até já falou um pouco sobre eles… NN – Já, Prolim e Proesp… ZF – A senhora quer falar um pouco mais sobre eles? NN – Não, não tem porque é a mesma coisa, só que era de disciplinas, né, disciplinas afins… Agora esses programas foi quem deu origem a Plataforma Freire. Foi muito bom. Agora, eu não quis entrar na Plataforma porque eu estou muito velha prá isso. Estou com 80 anos, não quero mais, não enfrento mais essas viagens, e ainda com esses cancêr malditos… Eu não posso mais tá viajando como eu viajava… Porque eu gosto de ficar vendo as coisas, de ficar controlando, e não deixando… (faz sinal com as mãos como quem diz, ao “Deus dará”)… ZF - De acompanhar? NN – É, de acompanhar. Não dá certo. Quando você deixa de acompanhar não da certo.
ZF – Na sua avaliação, esses programas especiais, eles tiveram alguma repercussão, provocaram alguma mudança, nos cursos de oferta regular? NN – Eu acho, em alguns sim. Acho que sim, pelo menos em estágio. Na avaliação de estágio, em seminários temáticos. Isso tudo despertou muito. … Na extensão… eu acho que despertou, ajudou a despertar.
ZF – Então os programas especiais mudaram os cursos de oferta regular… NN – Despertou, é, acho que despertou.
ZF – E agora, no presente, o que a senhora está fazendo? NN – Olha, eu estou pensando, já estou quase finalizando – apesar de estar doente e não poder ir lá – eu peço para as meninas para virem aqui.
Elas vêm e trabalham comigo aqui, dia de quin… quarta-feira. É num projeto que eu já tô… assisti muito seminário, li, ó prá ali, quanta coisa. Tá vendo tudo aquilo ali? Tudo ali é coisa que eu tirei no computador (internet), tirei nos seminários, li tudo, que é sobre Educa… Licenciatura em Educação Inclusiva. Por que o que é que se observa? Eu, nessas minhas andanças, vi muitos alunos com deficiência, principalmente autismo… e ninguém tem condição… Outro dia eu tava vendo, eu entrei em uma sala, a professora atrás da porta (faz gesto de contenção do corpo, braços cruzados sobre o peito). Eu disse: - “O que é isso?” – “Eu não sei lidar com esses meninos, não.” E os meninos lá quebrando tudo. Eu aí chamei a diretora e disse: olha, tem que tomar uma providência, porque isso não pode ser assim, não pode colocar todo mundo em uma sala só. Disperse eles por sala. Vamos ver um psicólogo, um pedagogo, um psico-pedagogo prá ver o que é que pode fazer… Prá ver… isso foi no interior, agora não sei qual foi o resultado (faz gesto de “que que eu posso fazer?”, com as mãos). Não é? Porque eu nem… Mas eu acho que melhorou, porque as outras professoras também acharam, não é? Que queriam dividir… … Isso, o MEC gastou uma fortuna com as salas multifuncionais, tá quase, 90% tá fechada. Porque não tem quem… eu fiz uma pesquisa… não tem, porque essa pesquisa eu fiz assim, repare, é obrigado agora, nesses últimos cursos que eu fiz, em ter educação especial, no currículo, aí eu botei… eu não tinha (professor) para ir no interior, longe, educação especial… aí o que é que eu fiz, eu fiz uma vídeo conferência, através de video-conferência… Uns meninos ótimos que fizeram… E nessa vídeo conferência, uma das provas para eles dar nota foi eles fazerem uma pesquisa como estavam os alunos incluídos nas escolas. E como estavam os centros multifuncionais. 90%..., nessa “coisa” a gente viu 98%
das escolas multifuncionais do estado (3) não funcionavam, não tinha quem… E as escolas funcionando ao “Deus dará”, porque ninguém para tomar conta dos alunos… Então eu to fazendo esse, tentando esse curso, não é? Li muito, como é que a gente vai fazer… Tô vendo que não vai ser muito fácil, porque, os Departamentos, os municípios… minha idéia é: cada prefeito me manda 5 alunos. Por quê 5 alunos? Porque depois… eu vou fazer um currículo bem forte, contendo todas as deficiências, não é? Para eles aprenderem tudo (faz sinal de força e foco com as duas mãos fechadas e juntas). Porque –
não manda incluir os alunos? – Uma sala pode ter 3, 2 ou 4 ou 5 (alunos com tipos diferentes de deficência). E o prefeito fica com 5 (professores especialistas). Um para cada deficiência. Os alunos que vêm, no último semestre, eles já estão habituados a ver as deficiências, já estudaram, já estão sabidos, já tão doutor, ele faz a monografia em uma delas, cada um faz em uma, então o município vai ficar bem servido. Mas isso não vai ser fácil prá nós. Porque eu tenho que arranjar mestre ou doutor prá essas monografias nesses interiores, e, independente disso, professora de estágio para acompanhar esses estágios desde o primeiro ano, desde o primeiro semestre. Em cada município (aponta cada um dos dedos da mão), não sei como vai ser, porque em cada município… em cada departamento, se tiver mais de… os departamentos vão ter que só ter 3 ou 4 municípios, porque uma professora não pode acompanhar tantos. Não vai ser fácil, eu tô preocupada com isso, mas vamos ver como eu vou fazer.
ZF – Começa devagarinho… NN – É, vamos começar… É eu disse, só vamos começar com 50 alunos, mais do que 50 eu não quero. Porque é um piloto. Porque depois aí já vai tendo, não é? Mais… Agora as meninas (dizem) “Ah Norma você pode fazer um bocado de coisa com video-conferência…” Sim, vamos fazer mas eu não acho viável muito. Muitas coisas não pode, é melhor vendo. É! Então vamos ver como é que faz. Tamo aí…
ZF – E o futuro, professora Norma? NN – É isso o futuro… ZF – O que a senhora está aprontando para o futuro… NN – É isso, fazer esse curso e pronto. Dar continuidade a ele e encerrar minha carreira aí, não preciso mais. (faz sinal com as palmas das mãos juntas e olha em direção ao céu). Se eu conseguir vou ficar muito feliz, porque com 80 anos… daqui até eu encerrar esse aí… vai ser uns 86, 85… Tá bom! Prá mim tá bom! ZF – Que mensagem a senhora deixaria para os novos professores? Ou para os atuais professores? NN – Ah, que sempre, sempre (ênfase na voz e no movimento das mãos juntas, espalmadas e em movimento) pesquisem as dificuldades de seus alunos, para que possa resolver. Que isso é o mais importante, prá mim é. A coisa mais importante é você tentar resolver a dificuldades de nossos alunos. Eu sempre tive um pensamento assim. E isso eu acho o mais certo.
ZF – E para a comunidade da UNEB? NN – A Uneb que cresça, pode crescer, mas crescer vendo como vai crescer e que ela continue… prá mim a Uneb é uma instituição que dá abertura para você fazer essas coisas todas, que tem instituição que não dá essas aberturas para fazer essas maluquices todas que eu faço – como diz o povo. Que eu começo com as maluquices e depois dá tudo certo. Mas a Uneb sempre ajuda a gente nisso. E, outra coisa, a Uneb se estende pelo interior todo e isso melhora muito o Estado da Bahia, eu acho, que a Uneb dá muita força para a melhoria do Estado da Bahia. Você vê, Juazeiro é uma maravilha. Quanto Juazeiro cresceu? A Uneb, de Juazeiro, quanta coisa ela fez? Muita pesquisa boa, muita coisa boa. Eu acho. Todo o lugar que tem Uneb tem coisas boas, você pode ver que alguma coisa cresceu. Eu acho, e quero que a Uneb continue em vários lugares aí… vá crescendo mais… vá crescendo mais… (faz sinal de expansão com a mão e sorri) e o Estado ajudando.
ZF – A mensagem para os nossos colegas da Uneb é que… NN – Cresçam e vejam as dificuldades de seus alunos (sinal de “por favor” com as mãozinhas juntas).
ZF – Mais alguma coisa que a senhora gostaria de dizer? NN – Não.
Agradecer (de novo as mãozinhas juntas) a todos da Uneb, que todos me ajudaram em tudo. Desde os motoristas que eram meus maiores companheiros, de viagem, tudo, até os professores, doutores, reitores, todos me ajudaram. (mãos juntas em sinal de ênfase). Eu não posso dizer que eu pedisse auxílio que eu não fosse atendida. Isso é muito importante na Universidade. A gente, por isso que eu pude fazer o que eu fiz.
(termina a entrevista… mas depois ela dá uma declaração linda!) Professora Norma Neide está em pé e nos diz: Mas é uma coisa boa, né? Trabalhar é bom. É isso que eu digo. Eu não sei como é que pessoas jovens se aposentam e ficam paradas. Parecendo… eu não. Não quero negócio de parada não. Eu digo pros meninos, quando morrer já vai ficar enterrada lá… ninguém vai lhe olhar, não é? Vai ficar parada a vida toda. Vamos andar!!! (ênfase!) Andar prá frente! Ninguém anda prá trás, você ande prá frente, olhe sempre prá frente. E eu acho a educação uma coisa boa, viu?
(1) Conselhos Superiores da Universidade (2) Os cursos de geografia da Uneb são em Santo Antônio de Jesus, Caetité, Jacobina e em Serrinha. (3) Salas Multifuncionais.Recolher