Infância
Minha mãe correndo atrás da molecada o tempo todo, sete para cuidar, seis meninos e uma menina. O pai trabalhando em banco, passou a vida toda trabalhando em banco, entrou num banco como office boy, passou pelos diversos cargos internos, terminou como diretor da área de finanças do banco, enfim, se aposentou e ele tem quarta série, minha mãe também tem quarta série. Meu pai sempre fora de casa durante o dia e a mãe administrando a molecada. Nunca tivemos problemas muito significativos em termos de carência porque as condições salariais do pai nesse período, eram confortáveis para o conjunto dos sete filhos, sem regalias, sem privilégios, mas jamais faltou nada (enfático) para a família em termos de alimentação, vestimenta, propriamente, né? Eu me divertia muito no interior de São Paulo, casa com quintal grande, casas com quintais grandes, eu morei ... na adolescência fui morar em Brasília, então se você perguntou da minha infância, era uma festa no interior de São Paulo.
Eu sou o segundo, tem o mais velho, depois sou eu, depois a única mulher, depois mais alguns rapazes. Entre o mais velho e o mais novo são quinze anos de diferença. Então, Deus mandou um filho, dois filhos, tantos filhos, cristãos também, católicos. Sem cuidados relativos a controle de natalidade, apenas as orientações da igreja católica, né? Portanto, um certo nível de alienação, de ignorância com relação a questão da reprodução. É isso. Mas uma família muito unida, feliz, tranquila. E a vida é bela.
Na verdade, eles (os pais) se casaram em Promissão no interior de São Paulo, mudamos imediatamente para Paranaguá, nasceram os dois primeiros, os dois primeiros em Paranaguá. Depois voltamos para o interior de São Paulo, próximo a Promissão, uma cidade chamada Cafelândia, nasceram ali mais três irmãos, depois fomos para Penapólis, ali também num raio de 100 kilômetros, uma cidade da outra, noroeste de São Paulo, aí...
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Minha mãe correndo atrás da molecada o tempo todo, sete para cuidar, seis meninos e uma menina. O pai trabalhando em banco, passou a vida toda trabalhando em banco, entrou num banco como office boy, passou pelos diversos cargos internos, terminou como diretor da área de finanças do banco, enfim, se aposentou e ele tem quarta série, minha mãe também tem quarta série. Meu pai sempre fora de casa durante o dia e a mãe administrando a molecada. Nunca tivemos problemas muito significativos em termos de carência porque as condições salariais do pai nesse período, eram confortáveis para o conjunto dos sete filhos, sem regalias, sem privilégios, mas jamais faltou nada (enfático) para a família em termos de alimentação, vestimenta, propriamente, né? Eu me divertia muito no interior de São Paulo, casa com quintal grande, casas com quintais grandes, eu morei ... na adolescência fui morar em Brasília, então se você perguntou da minha infância, era uma festa no interior de São Paulo.
Eu sou o segundo, tem o mais velho, depois sou eu, depois a única mulher, depois mais alguns rapazes. Entre o mais velho e o mais novo são quinze anos de diferença. Então, Deus mandou um filho, dois filhos, tantos filhos, cristãos também, católicos. Sem cuidados relativos a controle de natalidade, apenas as orientações da igreja católica, né? Portanto, um certo nível de alienação, de ignorância com relação a questão da reprodução. É isso. Mas uma família muito unida, feliz, tranquila. E a vida é bela.
Na verdade, eles (os pais) se casaram em Promissão no interior de São Paulo, mudamos imediatamente para Paranaguá, nasceram os dois primeiros, os dois primeiros em Paranaguá. Depois voltamos para o interior de São Paulo, próximo a Promissão, uma cidade chamada Cafelândia, nasceram ali mais três irmãos, depois fomos para Penapólis, ali também num raio de 100 kilômetros, uma cidade da outra, noroeste de São Paulo, aí nasceram, nasceram mais dois, um dos quais faleceu ali com dois meses em Penapólis e aí o caçula nasceu em Brasília. Do interior de São Paulo, de Penapólis fomos para Brasília. Moramos dois anos lá, em plena ditadura militar, 69, 70, 71, esse período. Depois viemos para São Paulo e não mais saímos de São Paulo.
Bom, eu começo a me lembrar de alguma coisa morando em Cafelândia, eu me mudei para Cafelândia com quase um ano, morei seis anos em Cafelândia. Ali eu me lembro que havia um gramado muito grande na frente da minha casa que por sinal ficava nos fundos do banco onde meu pai era contador e era (gagueja) no fundo do banco, mas paralelamente ao terreno do banco e da minha casa tinha um gramado que fazia parte do jardim da minha casa, uma gramado imenso que a gente usava ali, tal. Quintal muito grande também. Ali eu me lembro de uma bola que nós ganhamos, é.., muito bonitinha de plástico, colorida, eu me preparo para receber a bola no gol no fundo da casa, meu irmão chuta, eu nem sequer consigo encostar a mão nessa bola, ela cai num armazém, num depósito de (gagueja) de bebidas que tinha no fundo desse quintal, nunca mais achei essa bola, então eu vejo aquela bolinha passando por mim assim, mas nem encostei nela. Meu irmão pegou, mandou eu ir para o gol, preparou, chutou e eu nunca mais vi.
Aí também eu me lembro de ter mijado na cabeça do Rogério, um coleguinha vizinho, eu e meu irmão nos articulamos. Um subia na árvore, o outro chamava o Rogério para debaixo da árvore, falava para o Rogério olhar para cima, a hora que ele olhava, a gente mijava na cara do coitado.
Nessa casa também, eu me lembro muito bem de uma melancia cortada, éé, e feita uma careta, né? Faz uns buracos e coloca uma vela no fundo da melancia e tal e na escuridão disseram para a gente, eu, meu irmão, mais uns colegas buscar não sei o quê no fundo da casa. Saímos correndo, como eu falei era um terreno bastante grande. Saímos correndo, na hora em que entramos assim no fundo da casa, voltamos na mesma velocidade em que entramos, que era noite e tinha aquela melancia com a vela acesa dentro e era evidentemente um monstro, né? Aí voltamos correndo.
Eu me lembro de nessa situação ter tomado uma surra boa também porque não era para subir no telhado do vizinho e eu subi no telhado do vizinho uma ocasião, e como minha casa ficava no fundo do banco, meu pai saía pela porta do fundo e entrava na porta da frente de casa eventualmente durante a tarde. Aí eu tentei me esconder atrás de um muro de 10, de 10 centímetros de altura. Aí eu não consegui me esconder, ele saiu ali, me viu, aí eu tentei virar para ele e falar assim: “Pai, você sabe qual a diferença entre o bule e o padre?”. Aí ele falou: “Não, não sei não. Mas vem aqui contar pra mim.” Já foi tirando a cinta e aí eu falei: “É que o bule é de por café, de poca fé e o padre é de muita fé”. Ele devia estar com algum problema lá no banco, ele veio espareicer um pouco em casa, me deu uma surra boooa pra caramba, né? É...eu fui uns dos que mais apanhei na minha família, também era um capeta mesmo, o que não vai justificar, mas pode explicar um pouco aí.
Nessa casa ainda, eu me lembro da Alaíde. (parada) Não sei o que vocês querem que eu conte. É isso? Eu me lembro da Alaíde, empregada da minha mãe, ela, às vezes, ééé, à noite, não sei que meus pais iam fazer, talvez ir a missa, não sei. Não, eles foram ao cinema e ela ficava cuidando da gente e ela queria sair para o jardim ali a noite para namorar, para paquerar. E nessa ocasião éramos quatro irmãos apenas e eu morrendo de sono, eu tentava segurar a cabeça para não dormir ali assim, mas andando era chato.
A Lulu era a cadelinha. Ah, nessa época, eu tive uma, talvez até por causa da Lulu, não sei. É (gagueja), é. Eu tive nupinge, nupinge é uma doença de pele, no couro cabeludo, muitas feridas. Eu me lembro que a minha mãe, eu me lembro claramente, ela raspava minha cabeça com aparelho de barbear, gilette, e sabonete e às vezes pegava umas casquinhas assim. Foi uma situação muito dolorida, parece que eu fiquei com isso aí uns três anos mais ou menos. Aí depois foi usado um produto Violeta Genciana, se não me falha a memória, parece que se acomodou, nunca mais tive problema e tal. Deve ter sido entre os 3 e 5 anos, mais ou menos, nesse período aí.
Ali a gente tirava muita fotografia, porque o Chicão, de um bar próximo, era um japonês, ele estava montando um estúdio fotográfico ali. Nós estamos falando do final da década de 50. Eu nasci em 55, portanto eu saí em 61 de Cafelândia. Para descarregar, as fotografias eram feitas através de filmes, e às vezes, precisava aproveitar o filme, então nas últimas fotografias, precisava descarregar a máquina, então ele vinha ali em casa, pegava a molecada e fotografava. Nós temos muitas fotos ali desta época e fotos grandes, inclusive sem que a gente, sem que meus pais é, é bancassem finceiramente isso. Acabava de descarregar, acabava fazendo seus testes ali, né.
Então, nós estamos em Cafelândia. Eu tenho uma foto onde eu estou, entrei numa caixa de sapato, fui muito magro até me casar, é, eu era bem magrelinho assim, aí eu entrei na caixa de sapato e amarrei na tartaruga e uma das fotos é a tartaruga puxando, enfim, simulando puxar a mim dentro da caixa de sapato. O casco da tartaruga era muito grande, muito duro. Alguém falou para mim que era tão duro, tão duro que nem uma jamanta poderia quebrar o casco da tartaruga e eu fui testar. Coloquei a tartaruga no meio da rua, embaixo da roda de um caminhão que quebrou o casco da tartaruga. Eu estranhei, mas não tive nenhum tipo de preocupação ecológica ou coisa que o valha, né, enfim. Naquela época até, na minha época até usar estilingue para, atiradeira pra atirar em passarinho era absolutamente normal na minha idade. Então não cabe umas discussões nesse momento assim.
Ah, tem um caso interessante aí, havia o meu padrinho e um padrinho do meu irmão, eles eram candidatos a vereador na cidade e portanto esses padrinhos eram, eram compadres de meus pais. E, em determinado momento, se não me falha a memória, foi na eleição de 60, não tenho certeza, era Jânio, Jânio vem aí, com a vassoura na mão, tal. Mas aí tinha a eleição municipal também e eles eram candidatos a vereador, aí não tem problema, um vota no Laurindo, o outro vota no Aparecido, meus pais votam, né? Aí foram votar, só que quando foram votar não combinaram quem votaria em quem, no final das contas os dois votaram no Laurindo, na urna do Aparecido não apareceu um voto pra ele. Ficou muito bravo, é interessante que nessa eleição houve empate para prefeito, não sei como é que foi resolvido depois, um dos poucos casos de empate em votação direta assim. Não que eu tenha refletido na ocasião sobre isso, sobre empate, etc, mas eu me lembro da discussão. “Em quem você votou no Aparecido ou no Laurindo?” e tal. Aí o pau comeu, aquela situação grotesca, o Aparecido veio cobrar.
Tem uma coisa interessante, tinha o bairro da Penha, do Penha em Cafelândia. Eu me lembro que a gente descia a região do centro da cidade, onde eu morava, passava por um córrego e subia em direção a esse bairro, era um outro aglomerado urbano ali e tal. E eu me lembro de algumas coisas interessantes ali. Primeiro: eu tinha lá um amigo, filho do S. Aguiar, cujo nome eu não me lembro, não me lembro do nome do meu amigo (pausa), Ernesto, se não me falha a memória. Eu me lembro de uma ocasião, a gente tava na casa dele a noite assim, saímos para fora assim na rua, o camarada pegou um pau de uns dois metros mais ou menos e arrebentou o pau nas costas desse meu amigo, ele chorou muito e tal. Eu fiquei muito perturbado, me pareceu muito violento, mas também depois, muito tempo depois, eu vim a me lembrar que se tratava de bambu. Portanto bambu podia arder, mas não quebraria nada também nesse amigo aí. Mas, aí na região do Penha, não era o caso desse amigo, mas tinha uma situação ali que era assim. Às vezes, a gente ia para lá, minha mãe ia com os quatro filhos ali para aquela região, na casa de amigos e ali a gente sempre tinha assim um café da tarde gostoso na casa desses amigos, etc e uma ocasião a gente deixou de ir para lá, aí eu fui procurar saber o porquê e portanto estou aí com 3, 4, 5 anos mais ou menos, não sei dizer, e eu me lembro que a gente deixou de ir para lá porque a (gagueja), tinha acontecido o desemprego naquela família, por isso que a gente não tinha mais aquele café da tarde gostoso que eu adorava, me lembro como é que era a situação. Não que eu não tivesse na minha casa, tinha sim, mas ali parece que tinha alguma coisa interessante, eu gostava muito de ir às tardes lá. E era amigo da minha mãe e tal, nem tinha criança nesse local. E essa questão do desemprego, ela pegou pesado porque chegou um momento aí, a minha formação cristã por um lado, essa história do “amar ao próximo como a si mesmo”, isso na sequência, né? Quando eu estou saindo ali de Cafelândia indo para a escola, aí me surge a seguinte idéia: eu deveria estudar bastante, ia ser um cientista, alguma coisa assim, para acabar com o desemprego e eu estou aí com mais ou menos 6, 7 anos de idade. Eu devia estudar bastante para acabar com o desemprego. Eu nunca tive desemprego na minha família. Como eu falei, meu pai entrou no banco e se aposentou nesse banco aí, tal, não tivemos dificuldade. Mas aí essa história do desemprego lá que não me permitia ter aquele café da tarde gostoso, com aqueles amigos, me levou a me preocupar com isso. Aí então eu falei, vou estudar bastante para acabar com o desemprego, muito bem.
Bom, de Cafelândia mudei-me pra Penapólis. Aí logo tivemos um irmãozinho que faleceu com dois meses de bronquiolite, me lembro como se fosse hoje. Ahhhh. Dali, a gente chegava até nadar um pouco no rio chamado Maria Chica, mas aí já estava iniciando o processo de urbanização e portanto poluição mais significativa do rio como esgoto mesmo tal. Aí a gente já começou a parar de ir lá.
Uma coisa que me chama muita atenção aí é o seguinte: 1º, a três quadras da minha casa tinha um pátio de manobras de trem, muitos vagões de café, de, de (gagueja) de arroz que a cidade também tinha uma atividade agrícola importante sim. Então a gente ficava no pátio dos trens lá e subia em cima dos vagões. Às vezes, quando começavam a andar um daqueles trens a gente até pegava uma rabeira, umas caronas no trem, tal. Tinha um vizinho que era filho do prefeito, ele tinha uma bicicleta pequena, duas rodas, e a gente descia a rua da minha casa assim que não estava asfaltada ainda, tava em preparação, tinha pedregulhos, cascalho. E a gente descia assim, a gente parava no, tava com problema no freio, a gente parava a bicicleta no pé, parar no pé significa meter o pé entre a borracha da roda e o garfo. Então a gente metia o pé. Geralmente aquela bicicleta rodava lá, a gente saía com os peitos no cascalho assim, todo arrebentado e voltava, fazia tudo a mesma coisa e tal, chegava todo ensanguentado em casa, mas era a única bicicleta diferente ali. Luiz Paulo chamava o filho do prefeito.
Tinha um garoto lá, muito pobre, que falou para mim que - ele chamava todas as menininhas de Leda - ele era sujinho, fedido, chato, falava palavrão de monte. Aí uma vez ele falou para minha irmã, ele falou assim: (imitando o menino) “Leda, Leda, eu te xingo de nome feio”. Aí eu me atraquei com ele lá, eu dei umas, quando eu tava atracado eu mordi a cabeça dele, mas eu tive um nojo de morder a cabeça dele porque ele era muito sujinho, muito pobre, enfim. Depois eu fiquei com nojo. Nem sei como é que terminou a briga lá, talvez um ou outro com os olhos roxos, qualquer coisa assim, eu me lembro desse rapazinho, mas ele era meu amigo. A gente brigava, mas era meu amigo esse garoto aí.
Eu nadava bastante, eu aprendi a nadar no clube da cidade, sozinho assim. É, disputei alguns campeonatos, tinha até uma boa marcação na ocasião.
Eu acho que eu estava aí na 4ª, 5ª, 6ª série e a gente fazia cirquinho no fundo do quintal. Então, a gente fazia cirquinho, a gente treinava a nossa cadela pastora alemã chamada Heroína. Porque a gente colocou primeiramente o nome de Herói no cachorro pastor alemão, posteriormente a gente percebeu que não tinha pênis, então a gente mudou de Herói para Heroína. E essa cadela tinha que fazer as acrobacias de palco no cirquinho. E meu irmão ficava ensinando ela a pular varetas, pular uns negócios, pular arco, etc e ela fazia tudo direitinho. Mas na hora da apresentação do circo ela não fazia. Meu irmão chorava para que ela, na frente do público ela não pulava, não fazia, enfim, não fazia o que tinha que fazer na frente do público, só nos ensaios. E aí numa ocasião, a gente fazia o circo, e a gente fazia o circo na casa dos colegas em diversas ocasiões. E na casa da Ana Maria, ela morava uns 100 metros da minha casa, a gente tava fazendo um cirquinho, que aliás, tinha um macaco que mordeu a perna do meu irmão mais velho, Humberto, esse que chorava por causa da Heroína, mordeu aqui no calcanhar dele e arrancou um pedaço ali, teve que fazer enxerto, uma situação difícil. Um macaco que deixaram lá de estimação amarrado num galho. Ele passou perto e mordeu.
Mas a tabuinha, a tabuinha. A tabuinha é o seguinte: às vezes as brigas entre os filhos não era de um contra o outro, era muitos contra muitos. Ela tinha que largar o arroz e feijão que estava fazendo ou parar de limpar a bunda de um menor lá e espantar a briga. Ela usava uma tabuinha que era do tamanho de uma régua assim de 50 centímetros, só que grossa, de madeira. Essa tabuinha ela deixava sempre sobre o armário na cozinha. Quando pintava assim alguma briga lá, a molecada gritando, ela passava a mão naquela tabuinha e espantava todo mundo e tal e a coisa se acalmava. Eu tomei muitas dessas tabuinhas nas costas, na perna, em tudo quanto é lugar. Uma das coisas que a gente não podia fazer era subir no telhado da casa e eu fazia isso. Uma ocasião, a minha mãe falou: “Onde que está minha tabuinha?”. Uma ocasião não, em várias ocasiões a minha falava: “Onde que está minha tabuinha?” e não achava. Acontece que o meu irmão pegava a tabuinha e jogava em cima da casa. Eu subindo na casa, achava a tabuinha, descia com a tabuinha na mão e entregava para minha mãe. Eu tô com 11, 12 anos aí...entregava para minha mãe. Na hora minha mãe chegava: “Onde é que tava?”, “Tava em cima da casa.”, “Como é que você conseguiu essa tabuinha lá em cima da casa?”. “É, eu peguei (gagueja).” “Ah, então me dá essa tabuinha aqui”. Ela pegava a tabuinha e descia a tabuinha em mim porque eu subia em cima da casa. Quando eu estava me recobrando da surra, o meu irmão vinha e descia o cacete em mim porque ele tinha escondido a tabuinha para minha mãe não bater na gente. E eu fiz isso e fiz mais de uma vez isso sempre porque, embora apanhasse bastante, eu era muito cioso da obediência, temor aos pais na verdade, né. E eu não afrontava de jeito nenhum.
Juventude
Não posso esquecer de falar da Ana Elisa, minha primeira namorada. Eu namorei a Ana Elisa mais ou menos um ano e meio. Ana Elisa Caté Marangoni. Até hoje, ela não sabe que eu a namorei, uma menina linda, eu a amava e a amo até hoje, mas ela nunca soube. Parece que se formou em Psicologia, está no Rio de Janeiro atualmente. Eu nunca mais tive contato. Ela era colega da minha irmã na escola.
Fui para Brasília, aí já estou com 14 anos, em Brasília eu estudei no Centro, Cemade, centro de ensino médio, era uma cidade satélite, uma grande cidade satélite chamada Taguatinga lá, a maior das cidades que tem lá. Estudei lá, namorei a Lúcia, nossa a Lúcia, linda a Lúcia. Era namorada de um vizinho meu. Ela tinha a minha idade e o vizinho era uns três anos mais novo do que eu e ele namorava ela, era uma coisa assim esquisita, ela portanto com uns 14 anos e o garoto com uns 11, uma situação assim esquisita. Eu era amigo dos dois, nunca intervi em absolutamente nada. Aliás eu namorava a irmã dela, aí depois eu comecei a namorar a Lúucia. Lúcia Maria Romão. Ah, tá Tem umas questões assim. Quando eu saio de Penapólis com .. 12 anos para ir para Brasília, esta época da adolescência aí, ela é importante porque você está com os amiguinhos, já está se interessando pelo outro sexo, enfim e pelo menos comigo se deu assim e aí isso é cortado. Porque eu tenho que sair com a família para muito longe, 1100 kilometros e também não dá para ficar voltando a torto e a direito, a gente até voltava algumas vezes, mas foi muito, era muito difícil. Isso foi um corte importante. E aí de 12 até 15 anos mais ou menos, esse período de final dos 12 anos, final dos 15 anos, nesse período é o período que eu vou morar em Brasília, que eu estou namorando essa Lúcia aí e aí também volto para São Paulo. Então nesse período aí, essa quebra é pesada. Porque fica difícil você retomar o contato, que você está com a família toda, não pode ficar lá também, lá com a namorada e tal, adolescente, enfim. Isso aí foi significativo.
Escrevia, manuscrevia carta de monte, manuscrevia pra caramba mesmo. É, mais de uma carta por semana e ela respondia todas elas. Um ano e meio depois eu consegui voltar lá, estou aí com 17 anos talvez, e aí tinha um camarada lá meio que se engraçando por ela lá e para mim ficou muito claro a impossibilidade da minha presença, os 1100 kilômetros de distância. “Isso aqui, acho que não vai dar em nada”. Fiquei muito p... da vida.
Uma ocasião, eu chego assim na escola, na sala de aula, um cheeiro de goiaba forte pra caramba, né? “Nossa Senhora, quem está comendo essa goiaba podre?”. Aí vira uma moça: “Ah, sou eu, mas não está podre não.” “Tá podre sim”, “Essa goiaba está podre.” Para meu padrão que só comia perfeita no interior, né, tá podre sim Pintou aí uma brincadeirinha, uma briguinha e tal, como é que é? Uma relação de amor e ódio. Aí depois eu percebi uma moça muito gentil. Ela era secretaria do departamento de marketing da Masterferson que faz tratores, né? Produz tratores, é lá no Campo Limpo. Aí ela vinha assim, dessas pessoas gentis que pega as apostilas, distribui pros colegas, porque um professor pediu e tal, muito solícita e tal. Papo vai, papo vem, eu tava namorando uma garota que tava fazendo, entrou também ali, essa era da minha comunidade daqui de Santana, fazendo serviço social na PUC mesmo. Ela tava namorando um camarada lá na Zona Sul também e aí como é que a gente vai fazer aqui, né? Vamos fazer assim: separa e junta os trapos aí. Namoramos um tempão, nos separamos um pouco e depois a gente acabou se casando, namoramos mais do que ficamos casados juntos. E...tivemos um filho.
Experiência escolar
Eu tinha um vizinho que era filho do prefeito, que aliás, por acaso, foi meu professor de história ali na, eu me lembro na 5ª série ele me ensinou a tal da, “o governo do povo, para o povo e pelo povo”, né? Depois ele, isso era em plena ditadura já, plena não, o início da ditadura em 65 ali, Dirceu Gastão dos Santos Peters, me repetiu em história na 5ª série. Era bonzinho e tal comigo, mas eu fui reprovado aí nessa ocasião
Quando eu terminei a 4ª série, eu não fui para essa escola porque não atingi uma certa pontuação. Porque tinha exame de admissão, inclusive. Então eu fui para a escola da Fátima que era no outro bairro um pouco mais distante, era distante do centro, mas era estadual também. Aí eu estudei nessa escola. Quando eu fiz o exame de admissão ali para a entrada no Instituto de Educação que aliás era daquelas escolas que, colegas meus que continuaram estudando lá saíram de lá e entraram sem fazer cursinho diretamente em ITA, por exemplo, em POLI, por exemplo. No meu exame de admissão tem uma situação interessantíssima. A diretora da 1ª a 4ª série, Dona (tentanto lembrar) Alzira, ela era amiga da minha mãe e ela fez o seguinte: ela participou da correção do exame de admissão. Como você sabe, o exame de admissão é um vestibularzinho de 4ª pra 5ª série, do primário para o tal do ginásio na ocasião. Aí eu fui fazer o exame e ela participou da correção e tinha uma redação, eu fiz a redação. E na minha redação, eu desenvolvi o tema de tal forma que a moral da história era o quem ri por último, ri melhor. Só que os professores falavam para a gente não copiar, plagiar os enredos dos outros, etc, as produções dos outros, tal. Então eu vou pegar a história do quem ri por último, ri melhor, mas vou mudar. Aí eu mudei. Então eu terminei minha história dizendo assim: moral da história – quem goza hoje, amanhã será gozado. Aí achei que estava muito bem, depois caiu nessa diretora, caiu no ouvido da minha mãe, caiu no ouvido da família e até hoje. E aí depois a expressão gozar lá naquela época, já misturando com a questão da sexualidade, então tinha essa conotaçãozinha estranha. Mas tiraram o maior pelo de mim, fazem isso até hoje e eu também acho isso muito interessante. Tive que aprender a ler ali, essa Dona Alzira foi para cima de mim para fazer a leitura, eu fiz a leitura mesmo, doía o cérebro para ler direito, mas eu li, me lembro muito bem, passei nesses exames aí.
Me lembro de uma situação de verdadeira tortura, cárcere privado, onde nessa escola que eu fiz a 5ª série que, aliás, eu repeti, que era quando o Dirceu Gastão participou da minha retenção também, eu era muito (confuso) displicente, negligente, tal assim. Gostava mais de brincar do que outra coisa propriamente. E aí eu.. Uma ocasião seguraram a mim e mais uns oito colegas numa sala quando terminou o horário de aula, terminava talvez umas onze e meia, a outra turma começava uma e meia, mais ou menos, e a gente ficou esse período todo lá trancado numa sala e um colega teve diarréia. Ele teve uma diarréia pesada, tirou uns pedaços de caderno, papel de caderno, colocou no chão, fez um estrago lá, foi uma coisa insuportável. Ficamos trancados na sala, é. E eu não tinha participado da molecagem que nos levou a punição, né? Isso na 5ª série, 11 anos, né? Mas eu me lembro da m... amarelada que o colega, nunca tinha visto uma diarréia daquela tipo lá. Foi uma coisa assim horrenda, né?
Ah, eu me lembro claramente que escreveram na parede da escola desse Instituto de Educação que ficava no centro da cidade, escreveram lá, éé, uma coisa que uma colega minha chegou e disse, olha o que escreveram lá na parede: “Abaixo a dentadura”, (imitando a colega) “Que é isso? Não tem cabimento e tal”. “Aonde isso?”, aí eu fui ler lá, aí eu li. Num primeiro momento eu li realmente “Abaixo a dentadura”, a colega tinha falado, já estava sugestionado. Mas eu fixei um pouquinho melhor assim e vi que não estava escrito “Abaixo a dentadura”, tava escrito “Abaixo a ditadura”, né? Aí depois fui tirar um pelo em cima dela, gozar a colega porque ela falou dentadura. “Ela falou dentadura” (falseando a voz, imitando a si mesmo), “E na verdade não era isso.” Mas aí eu já estou indo para a 6ª série, né, eu refiz a 5ª série, tô indo para a 6ª série. É isso. E aí aconteceram algumas movimentações relativas assim a essa história da ditadura, não entendia absolutamente nada nessa ocasião.
E aí é interessante porque logo na sequência eu saio do Cepavi, que é aqui no metrô Santana, uma escola pública chamada Cepavi, é Colégio Estadual Padre Antônio Vieira. Esse Colégio Padre Antônio Vieira, eu saí de lá e entrei na Fatec em terceiro lugar sem cursinho, para você ter uma idéia, né? Eu lembro que eu falei do Instituto de Educação que o cara saía de lá de Penapólis e ia para o ITA, POLI, os cambau. Eu saí daqui em 74, fui direto para a Fatec em terceiro lugar diga-se de passagem e não era nenhuma sumidade não. Eu me lembro claramente assim que no segundo semestre de 73, quando eu vou fazer o vestibular lá no final o que a gente discutiu de física, de português, de matemática praticamente apareceu no vestibular da Fatec, aliás achei que, eu tinha o meu irmão mais velho fazendo engenharia na Mauá, no interior, no ABC e eu comecei a fazer então o curso achando que a vida era, entrei em terceiro lugar, tá tudo certo.
Formação
A minha formação todinha foi durante o período da ditadura, então não tive formação política nenhuma, a não ser uma formação de direita, da igreja católica mesmo, tinha muita atividade assistencial. Eu era muito bom para fazer essas coisas, eu recebia... Mas já aqui em São Paulo, eu recebia tapinha nas costas, era jovem, né, por fazer boas atividades assistenciais assim e as senhôras (ele fala fechando o “o” para ironizar) de Santana gostavam disso e eu achava bom tomar uns tapinhas nas costas, mas não entendia também como é que funcionava aí. Pedia auxílio em termos de outras formas de intervir na sociedade para acabar com essas histórias de miséria e tal, não sei o quê, pá pá pá, mas não me ajudaram em nada disso.
E aí, a gente tava lá no circo, é uma coisa muito interessante na minha formação. Isso é uma coisa pesada. É...não sei que cargas d´agua eu levei assim uma balinha, um pirulito, mais de uma balinha, mais de um pirulito e estou ali no circo. Nesse dia eu não ia fazer atividade, a não ser vender os ingressos. Já tinha vendido, até já tava dentro e tal. Aí alguém vira para mim e pede um pirulito. Aí eu falei: “Ah, não, eu comprei e tal”, então como é que eu vou fazer?. Aí a pessoa falou que pagaria para mim o pirulito. Aí eu falei: “Ah, então tá”. E preços naquela época, eu me lembro de uma nota de 5 cruzeiros, eu me lembro então que custava 5 cruzeiros o pirulito. Aí eu dei um pirulito para uma coleguinha minha, a platéia tinha mais ou menos umas 15, 20 pessoas. Aí eu dei o pirulito, ela me deu esses 5 cruzeiros. Aí outra pessoa pediu também, eu peguei e dei um pirulito também, me deu os 5 cruzeiros. Outra pessoa pediu lá, não sei se era uma bala e tal, me deu um cruzeiro e tal. Aí eu fiquei com talvez esses 11 cruzeiros assim e outras pessoas pediram balas e pirulitos. Aí como eu já conhecia o que ia ser apresentado no circo, então eu falei “eu vou dar uma saída de fininho aqui, eu vou até o bar” que ficava ali há umas 4 quadras mais ou menos da minha casa e portanto da casa da Ana Maria aí, “eu vou lá, compro e trago pro pessoal”. Que que eu fiz? Eu fiz isso mais ou menos umas 5 vezes. Saía do circo, da peça, ia até o bar, voltava, comprava lá tantos pirulitos, voltava, vendia. Ia novamente, voltava, vendia. Na terceira ou quarta vez que eu fiz isso... Não, na terceira vez que eu fiz isso, eu percebi que eu comprava por 5 cruzeiros e vendia por 5 cruzeiros. Ia lá, comprava por 5 cruzeiros e vendia por 5 cruzeiros. Aí, alguém falou para mim que eu não podia fazer aquilo, tava errado, “você tem que vender por um valor maior”. Aí na quarta vez que eu fui lá, eu peguei e vendi por um valor, fui lá para fazer a compra e vendi por um valor maior. Só que aquilo me fez tão mal, mas tão mal de vender por um valor maior que eu me via roubando efetivamente. Aí eu falei: “não, não vou fazer isso não”. Aí eu voltei uma quinta vez lá e nessa quinta vez o preço era 5 cruzeiros, eu vendi por 5 cruzeiros essa última viagem, aí depois acabou a peça e eu fiquei tranquilo. Vou para o ceú, não vou cobrar um valor maior não. Isso para mim foi interessante porque é o seguinte. Eu sempre achei um absurdo isso daí, só que era alguma coisa, era um feeling que eu tinha ali porque não, enfim, não conhecia outras coisas. Mas para mim era um absurdo, para mim não custava nada ir até o bar, voltar e vender para o colega, fazer uma gentileza para alguém que está assistindo ali a peça do meu grupo de circo, né, do qual eu participava. Então cobrar o valor a mais para mim era um absurdo. Eu sei que eu fiz a quinta e talvez a sexta viagem sem cobrar nada a mais e eu fiquei contente com isso. Depois só tive concepções assim a respeito da usura, do juros, etc posteriormente e até hoje isso interfere na minha vida porque às vezes eu faço negócios assim com pessoas e eu não faço a cobrança de adicionais, por exemplo e me chamam de bobo (ri). E eu sou bobo nesse aspecto.
Enrolei bem nesse curso de engenharia porque realmente não dava. Aí quando pinta essa história aí do sistema capitalista aí, tal ficou complicado. A mentalidade dos professores nessa área aí era a mentalidade da exploração mesmo da mão de obra mesmo em favor da tecnologia e do capital a qualquer preço, estamos conversados, e eu não tava entendendo como é que era isso, enfim...
Houve um momento em que eu falei assim, essa área de engenharia aqui tal não serve. Tem lá outros fazendo lá, problemas deles lá. Então eu achava que é o seguinte. Ah, tá. Lembra que eu tava falando que eu manuscrevia muitas cartas para a namorada? No curso de engenharia você faz muito, muitas plantas, projetos na mão, na mão, tá? Hoje em dia você faz no computador, você faz um monte de projetos, tem que fazer letra de forma nos projetos, papel vegetal, tudo de forma. E aí nesse meio tempo é que eu estou perdendo a tal da Lúcia, então estou deixando o escrever de lado, manuscrito. Quando eu fazia o curso de engenharia, escrevia, fazia os projetos com letra de forma, etc. Quando eu largo aí eu fico tentando retomar minha escrita manuscrita. Nunca mais resolvi meu problema da escrita. Entre escrever de maneira manuscrita anteriormente que fica ali nas cartas, por exemplo. Aliás, essa época eu escrevia muito poesia, muito poema, etc. Tudo bem que eu cheguei a escrever poema exaltando o soldado brasileiro, escrevi poema exaltando Caxias, por exemplo, tá? Mas enfim ditadura militar, não dá para discutir aí. E aí o que que eu faço? Eu faço o seguinte. Quando eu deixo o curso de exatas, eu tento retomar a escrita manuscrita. Não consegui e não resolvi essa questão até hoje. Hoje a minha situação é a seguinte: quando eu tenho que escrever para alguém ler, primeiro que eu não escrevo muito, eu digito. Se eu tiver que escrever para alguém ler, eu escrevo para a pessoa entender, do contrário eu faço assim e isso é ilegível.
Lembra que eu falei que eu era muito bom em fazer atividades assistenciais? Eu estou inclusive estudando na Fatec e estou com uns 19 anos, 20 talvez e aqui na igreja de Santana, perto do metrô Santana, ali não era uma igreja de passagem como é hoje por causa do metrô, nem tinha o metrô propriamente, tava em construção ainda. Então a gente ia, a igreja de Santana era uma comunidade de bairro. Que que eu fazia? Eu era, como é que se fala? Coordenador da Pastoral da Juventude lá de Santana e aí, por exemplo, jogaram para mim a responsabilidade de fazer a arrecadação de cesta de natal. A igreja costumava arrecadar alguma coisa perto de 800 cestas por ano, no final do ano, para distribuir para o pessoal. Eu assumi isso aí pra mim, no primeiro ano que eu mexi com isso aí, eu arrecadei 4700 cestas, a primeira vez. Eu era bom para organizar o pessoal, para ir buscar essas coisas. Eu colocava a garotada na rua, os jovens da Pastoral, eles iam buscar mesmo. Aí também tinha material escolar. Porque você sabe se hoje a garotada recebe material escolar, naquela época muita gente não estudava porque não tinha material escolar. Então eu também arregimentava o pessoal, a gente ia buscar, caminhões de material escolar, era muito bom para mim. Se eu fazia atividades assim na paróquia, na comunidade. Era assim, por exemplo: quermesse sem gastar um tostão, vendendo coisas a preços tipo assim, 10 centavos de real, por exemplo, oferecendo gratuitamente quentão, chocolate e pipoca, por exemplo e ainda tinha lucro, para você ter uma idéia. Bom, é aí que eu pergunto para o meu diretor espiritual, quer dizer o padre lá da igreja, eu pergunto assim: “Escuta, não tem outras formas de fazer essas lutas contra a miséria, a carestia, etc, etc?” E a resposta que eu recebia do finado padre Ivo era que não, que essa era a única forma mesmo, né? Eu não aceitava muito isso, mas eu acreditava muito no meu diretor espiritual. E aí eu começo a perceber o seguinte: tem o tal do grupo de base na Igreja Católica inclusive com relação a ditadura e tal. E a minha atividade era alienada, de direita, assistencialista. Só que eu não tenho consciência de absolutamente nada disso. Então eu começo a perceber que tem alguma coisa errada. Eu uma vez tomei uma atitude estranhíssima, né? Por sorte não virou uma tragédia. O pessoal que trabalhava comigo, os jovens que trabalhavam comigo em Santana eram assim uma quantidade muito grande perto do pessoal da região. As outras igrejas aqui da Zona Norte faziam encontros semanais, dominicais com 20, 30 pessoas. Eu fazia com 80, 100. Por exemplo, tem assim encontros, sabe retiros que o pessoal faz de fim de semana? O pessoal fazia encontro e retiro assim com 120 pessoas, eu fazia com 300, 400. Então tinha lá umas forminhas de mexer com isso. Só que é o seguinte, eu era só o líder da alienaçãozinha de classe média. Por isso que tinha a típica atividade que eu propus eram atividades assim quase que pioneiras exclusivamente, não havia comprometimento nenhum. Inclusive, essa região aqui, tem uma região aqui chamada Filhos da Terra, aqui atrás, tudo ocupação, o pessoal ocupou, levantou prédio, levantou casa, etc. Essa minha irmã e um outro irmão também que é engenheiro, mais novo que ela também. Eles começaram a mexer, estavam na comunidade de Santana, mas começaram a mexer com a parte desses grupos engajados na luta contra a ditadura mesmo. Eles eram meio alienados, mas mexiam junto com trabalhador e tal. Minha irmã fez um projeto para a Alemanha pedindo, um projeto chamado, o que seria uma ONG naquela ocasião, chamado Pão para o Mundo. Então esse pessoal fornecia verba para atividades educacionais trabalhistas, né, consciência política para trabalhador no 3º mundo. A minha irmã pegou o projeto tal, ela estava começando a estudar biologia lá na Universidade de São Paulo nessa ocasião, fez o projeto, conseguiu a grana e montaram a Associação dos Trabalhadores da Zona Norte. Isso é final dos anos 70. E desse grupo aí surgiu os Filhos da Terra que começaram a vir para essa região, ocuparam essa região aqui, inclusive agora faz parte desse CEU aqui. Isso é só uma coincidência que eu estou falando porque a minha região é o centro de Santana, né?
Aí então, uma ocasião o que que eu faço, ia ter lá uma atividade na Praça da Sé, isso era 78, se não me falha a memória, uma atividade na praça da Sé onde iam lá diversos movimentos do custo de vida e aquilo lá quem tava acompanhando sabia que ia ter porrada, a polícia ia baixar o cacete, gás lacrimogênio, cães, etc. E foi exatamente o que aconteceu. Eu marquei de levar o pessoal para lá, só que eu não sabia que haveria nada disso, era uma atividade apoiada pela Igreja. Vamos lá então. Coloquei lá umas 80 crianças, jovens, né, entre 11 e 16 anos mais ou menos e nós fomos para lá. Só que eu e mais 6 pessoas assim de 17 a 25 anos mais ou menos, nós fomos juntos e a gente saiu na praça da Sé, metrô já da praça da Sé e a garotada errou o caminho e desceu na estação Liberdade do metrô, fora do foco. A meia dúzia maiorzinha que saiu na praça da Sé, chegou lá e bomba de gás lacrimogênio, porrada para tudo quanto é canto. Imagina eu que era o coordenador da Pastoral da Juventude de Santana jogar 80 jovens de classe média da região de Santana lá naquela porrada. Não tinha a menor idéia do que rolava, né? Enfim, aí nesse momento, “tem coisa errada nessa história, tem coisa errada”. Coisa de louco, coisa de louco. Eu não sou alienado assistencialista? Então aquilo é coisa de baderneiro, né? Esse é meu raciocínio. E ... claro já revi tudo isso. Já refleti, etc. É outra análise hoje. E aí eu comecei a ir largando a Pastoral de Juventude, larguei o curso também da Fatec tal. Aí eu falei assim: “Poxa, mas depois de 3 anos largar o curso, que que a família vai dizer?”.
Então vou fazer medicina, aí fui fazer o vestibular, era Fuvest, né? Aí eu fiz a Fuvest, precisava de 72 pontos para medicina no vestibular, eu fiz 70 pontos, 71 pontos, eu fiquei fora por 1 ponto. Aí eu falei : “Ah, então eu acho que não vai dar”. Então que que eu vou fazer? E aí eu tô vendo a minha irmã mexer com trabalhadores, aí começa a pintar o Partido dos Trabalhadores com esse fim também, tem o pessoal que vislumbra isso também. Aí eu falei não, deixei a Pastoral da Juventude tal e comecei a me interessar por essas questões sociais mais gerais. E aí me lembro que nesse momento já tinha ouvido falar de sistema capitalista, tá certo? E aí então eu falei não dá. Tem um monte de coisa que eu já devia conhecer e não conheço e não posso explicar porque havia a diretriz governamental mesmo ao nível da alienação e tal, então tudo bem, eu sou fruto disso. E aí então eu vou fazer ciências sociais. Aí eu fiz vestibular na PUC e na USP, passei nos dois e aí comecei a fazer os dois. Comecei a fazer os dois, mas aí eu tinha, como eu moro em Santana, como eu moro em Santana, aqui está a PUC na Monte Alegre e aqui está a USP. Então para ir para lá e para ir pra cá, começava a ficar mais, né? E tem outro detalhe também, independente dessa questão da distância. O currículo oferecido pela PUC até o começo dos anos 80 era melhor do que o da USP na minha avaliação. Aí eu vou fazer aí...Por dois motivos, né, porque eu estou mais identificado com o da PUC e a questão da distância aí também. Aí então eu larguei um, aliás eu não larguei, eu mudei para Geografia lá na USP. Aí fui fazendo firmemente a PUC. Aí depois comecei a trabalhar, então eu, eu continuei só na PUC.
Em meados da adoslecência, quando eu volto de Brasília para São Paulo com 15,16 anos ali tal, tinha o programa da televisão chamado Ferreia Neto repórter, que era um réporter de ultra-direita da Rede Globo mesmo, exaltava os militares a torto e a direito, papapa. Mas ele fazia uma coisa interessante que era o seguinte, uma das formas de ele fazer essa exaltação era fazendo reportagem e filmagem do pessoal da Força Aérea, da Marinha e da Aeronaútica que iam lá para as barrancas do Amazonas oferecer assistência médica e tal para as comunidades ribeirinhas, etc e usava aqueles aviões Catalina. Aviões Catalina, vocês não devem conhecer, mas imagina um Hércules da Força Aérea, né, aquelas hélices enormes, mas é um pouco menor e é um avião forte mesmo. E ele ia para essa região e fazia aquelas reportagens de tv. Por quê? Porque por um lado você está fazendo a assistência, coisa que me tocava pela minha formação cristã e por outro lado, a paisagem era linda, mostrando o Brasil ali, é uma coisa linda, né? Aí eu fui fazer, olha só, eu fiz dois concursos para a Academia Militar das Agulhas Negras, tá? Não passei em nenhum dos dois. Fiz dois concurso para a Academia da Força Aérea em Pirassununga, passei nesses dois concursos, mas eu fui ... desligado por emoafetividade, afetividade de sangue. Para a carreira militar não era interessante. Se você é uma pessoa muito ligada a família e tal, você não serve para ser combatente. Agora espero que não tenha mais essa imbecilidade, tá certo? Mas em plena ditadura isso era razoável. Aí eu fiquei 15 dias lá no Rio de Janeiro fazendo uma série de testes, encaminhamentos, etc. Aí depois eu fui desligado por esse motivo. Aí me ofereceram fazer intendência porque eu tava fazendo avição, né? Intendência, parte administrativa, contabilidade, etc. Ah, não quero não. Aí eu larguei fora.
Então eu fui. Fui para a PUC e fui para a USP. Aí estou fazendo o curso de Ciências Sociais, comia, engolia toda a bibliografia proposta. Aquela que é utilizada em sala de aula e a bibliografia complementar. Ruminava tudo aquilo lá. Em determinado momento, eu fiquei muito puto da vida. Isso é uma fragilidade minha enfim, nós estamos em uma certa discussão e para mim ficava muito claro que determinados colegas não tinham preparado os textos, né? Só que a minha posição era a seguinte. Eu fazia determinadas falas a partir da bibliografia, o pessoal, alguns colegas faziam falas onde claramente mostrava a ignorância mesmo e tal, né? Eu percebia isso, então eu procurava dizer o seguinte: não é isso que está sendo colocado no texto para que a pessoa pelo menos dissesse é ou parasse de falar ou parasse de argumentar ou coisa que o valha e disfarçasse pelo menos. A pessoa, as pessoas, mais de uma, insistiam em tentar transparecer que tinham providenciado a bibliografia. Aí eu ficava puto da vida. Vocês vão me desculpar, mas vocês não leram p... nenhuma do que foi proposto aí. Pode parar com, isso é uma farsa. Pode parar com isso daí. Esse tipo de atitude minha...Eu me lembro que na época tava passando uma novela chamada Sexto Sentido na televisão enfim, provavelmente na Globo. E esse Sexto Sentido falava exatamente nesse feeling, né, que se tem, um outro sentido tal. A crítica do pessoal que não tinha lido p... nenhuma mesmo era, eles não tinham lido absolutamente nada mesmo e eu jogava pesado em cima disso. Então eu chutava o balde, vocês não leram absolutamente nada mesmo e ponto final. E vocês tão com, assumindo uma postura de farsa mesmo e tal, não sei o quê. O sem-vergonha do professor - porque o pessoal me acusava de sexto sentido – que que é? Tá advinhando que, você tava lá com a gente e tal, não sei o quê. E não era essa a questão. Só que o sem-vergonha do professor...O que ele devia ter feito? Devia até, digamos, até colocado panos quentes, faz parte do papel dele também, mas jamais concordar com a postura do sexto sentido. Porque a posição do professor e de mais de um professor era no sentido de estar concordante com o pessoal que me acusava de ser advinho, de dizer que eu tinha o sexto sentido e por isso eu sabia que eles não tinham lido.
É uma conivência. Acho que acharam engraçadinho. Isso é minha avaliação inicial. Achavam engraçadinho, então pegavam um bode expiatório e procuravam detonar. Só que posteriormente, enfim, já fui lecionar em nível superior também, não é o que me dá tesão enfim, meu negócio é adolescente mesmo tal. Aí depois eu percebi, eu tenho impressão que alguns desses professores eram incompetentes, provavelmente nem eles tinham providenciado a bibliografia de maneira adequada. Faziam citações a partir de outras citações, quando eles preparavam as aulas, etc, nem conheciam a bibliografia, por isso que agiam dessa forma. Pelo menos uns dois ou três acho que agiram dessa forma mesmo. Enfim...mas aí também não dá para discutir. Mas isso teve um reflexo em mim, digo que é uma fraqueza minha, uma fragilidade minha. Quer saber de uma coisa? E para mim era uma dificuldade enorme colocar a bibliografia em dia, era uma dificuldade enorme. No curso da Fatec, por exemplo, se eu lesse no total um livro por mês, dois livros por mês, Cálculo, Densidade Aplicada, Resistência de Materiais, Sistemas Mecânicos, os cambau lá. Se eu lesse no total 2 livros por mês acho que era muito. Agora ali na PUC era por semana assim, em cada disciplina, no mínimo uma quantidade relativa a 100 páginas, no mínimo. No mínimo, um livro por semana, por disciplina. No mínimo. A bibliografia da aula, sem considerar a bibliografia complementar e eu ruminando aquilo.
Então eu tava trabalhando nessa época aí da PUC na Pamplona com Estados Unidos, no Jardins lá embaixo, né? Aí eu fazia o seguinte, eu subia a pé até a avenida Paulista, na Avenida Paulista, 6 horas da tarde, pegava o ônibus lotado, atravessava a avenida Paulista, caía na Doutor Arnaldo, Cardoso lá, como é que é o nome, Cardoso de Almeida, né? E chegava ali na PUC. Isso demorava 1 hora. Eu ia com sacolinha com marmita na mão e material escolar, ônibus lotado, segurando no...Não, a marmita, a sacolinha da marmita aqui segurando no ferro e lendo aqui em cima do ônibus de pé. E eu passei um bom tempo fazendo isso. É que eu estou me referindo ao esforço que eu tive que fazer para fazer as leituras para dar conta da bibliografia, entendeu? Aí então como alguns professores agiram dessa forma, Ah, quer saber? Isso aqui é uma cambada de enroladores, esse pessoal da ciências sociais mesmo, né? Aí depois eu comecei a entender outras posições políticas, ideológicas, que para mim aquilo ali era tudo novidade. Se eu tinha uma militância política anteriormente, era uma militância política e social de direita, absolutamente alienada, né? Para quem ficou sabendo de sistema capitalista de produção no terceiro ano de faculdade, realmente é uma coisa, enfim. Aí eu falei, quer saber duma coisa, não vou colocar essas bibliografias em dia nesses termos não. Aí eu passei a mal colocar a bibliografia da aula só. Aí eu fiz o curso nessas condições e enfim...
O meu problema com ela era o seguinte: “Olha Sônia, na medida em que você tem perfil ideológico...”, eu estou começando a conhecer nela e ao mesmo tempo a sociedade, porque eu estou em mutação nesse momento também, certo? “Olha, você realmente vai desembocar no Partido dos Trabalhadores, não tenho a menor dúvida sobre isso, só que eu acho que seria interessante a gente fazer o seguinte, como a questão da política é muito apaixonante e tal, a hora que você meter os peitos aí direto e tal, e você é uma pessoa apaixonada, você vai levar isso adiante mesmo e tal, acho que seria melhor o seguinte, a gente negociar como fazer essas inserções, agora deixar simplesmente acontecer, a gente é inteligente, a gente pode pensar como é melhor fazer. Ou a gente vai junto nas atividades ou cada um para o seu lado, não tem problema nenhum, mas vamos negociar como é que a gente vai fazer isso, vamos nos filiar ao Partido dos Trabalhadores, vamos trabalhar nele, não vamos, como é que é melhor a gente fazer isso”. “Ah, vamos fazer isso mesmo”. Só que ela fazia essa fala, eu sou 5 anos mais velho que ela. Então, ela fazia essa fala de concordância, só que a paixão política a levava para diversas instâncias, inclusive para as instâncias de delegada do partido, depois ela acabou trabalhando com muitos outros parlamentares. E é uma pessoa muito politizada, enfim. E fez concurso na Camara Municipal, é funcionária da Camara Municipal, presta assessorias nas tais das CPIs aí, etc e assim por diante. Mas essa situação dela ter adentrado assim sem aquela negociação que a gente estava fazendo levava a que ela assumisse determinados compromissos que eu sabia que refletiriam na nossa relação. Principalmente quando viesse um bebê, a gente tinha que negociar, quem cuida qual horário, etc. E o que acontecia é que ela saía, ia para as reuniões, as reuniões iam pela madrugada afora. Até que ponto essas madrugadas afora não eram reuniões é outra discussão, mas na maior parte das situações era isso aí mesmo. E isso interferia na relação. Até que a gente acabou rompendo a relação.
E aí tem essa questão relativa a PUC. Tive muitos contatos ali, com Octavio Ianni, por exemplo, Florestan Fernandes também. A atual reitora Maura Pardini deu aula para mim também naquela ocasião. Então eu fiz um interstício, a gente trancou matrícula. Depois continuamos, nos casamos, tal, ficamos um tempo juntos. Aí ela arrumou um... depois que a gente se separou, ela arrumou um marido aí, tá com ele há bastante tempo, parece que é uma relação bastante estável.
Prática Docente (Experiência Profissional)
Como é que entra a história do professor de história? Em 87, uma colega minha que se formou comigo na PUC, ela fez o seguinte. Eu moro aqui na zona Norte de São Paulo, ela morava na região da zona Sul e tinha uns filhos lá e tal. Parece que vinha outro e ela teria que abrir mão de umas aulas de sociologia lá no Capão Redondo, Parque Fernanda, é...quase que Itapecerica da Serra, sudoeste de São Paulo, né? Não, é bem sul lá, quase...Capão Redondo, Jardim Ângela, bem longe. Bom, 37 kilometros da minha casa até lá, daqui até lá são 47. Bom, aí ela virou para mim: “Ah, você não quer umas aulas de sociologia?”. Falei “Quero, onde tem?”. A gente estava terminando, você sabe que sociologia era muito picada a aula de sociologia porque não se desejava, né? E aí então a gente ficava caçando aula de sociologia. Ela: “Tem lá, tem 15 aulas”. Quer saber duma coisa? Tô indo para lá. Aí eu estou trabalhando na Fundação Seade, então eu saía do centro da cidade, aqui na Cásper Líbero e ia até essa escola fazer as aulas de sociologia. Eu fiquei 10 anos nessa escola. Algumas vezes acontecia o seguinte: digamos dava 15 aulas de sociologia e tinha lá 4 aulas de história, em duas turmas, por exemplo, isso em nível médio. E aí o que se fazia? Ao invés da gente trazer outro professor para cá, o pessoal de história, geografia, sociologia, são matérias das ciências sociais afinal de contas. Então o cara que dá aula de história, dá aula de geografia, que dá aula de sociologia e vice-versa. Aquela coisa ali assim. Eu falei: “Olha, não estou a fim não, mas já que é para colaborar com a escola...”, porque fica difícil arrumar um professor para vir dar 4 aulas só, né? Está legal. Então ao invés de dar 15, eu dou 19, não tem problema. Então eu passo a dar aula de história também, né? Quando eu volto aqui para zona Norte em 96, 97, eu faço o seguinte. Eu arrumei aulas, aí só com educação portanto, tá? Eu arrumei aulas de sociologia no estado, na minha rua, na Alfredo Pujol e arrumei aula de história na prefeitura como contratado. Fiz lá um contrato de 6 meses e comecei a dar aula de história para ensino fundamental. Foi numa escola chamada Noé de Azevedo, até fica aqui relativamente próxima. Então eu entrei em 96 nessa escola. Em 97, eu tinha feito concurso, aí eu me efetivei no Marcílio Dias. Fiquei lá 9 anos. Aí o que acontece? Então eu estava dando aula de sociologia no estado como OFA, ocupante de função atividade, é o tal do Act, Admitido em caráter temporário. É o professor não concursado. Por quê? Porque quando teve o último concurso de sociologia foi na década de 90. Na década de 90, eu estou com empresa privada, mexendo com outras atividades, eu não estou interessado em fazer concurso na educação, entendeu? Então o que aconteceu? Eu fiquei 20 anos lecionando sociologia no estado sem ter concurso para sociologia, então eu nunca pude fazer concurso para sociologia. O primeiro concurso de sociologia que aconteceu foi no começo desse ano, no final do ano passado. Mas aí eu já estava fora do estado. Aí então o que eu fiz? Eu fiquei durante 9 anos dando aula de sociologia no estado como OFA e dando aula de história na prefeitura como admitido, concursado. Em 2001, 5 anos atrás, 6 anos atrás, porque na prefeitura tem o seguinte; quando você faz concursos públicos na educação, isso conta ponto para sua carreira, coisa que não tem no estado, por exemplo, né? Então o que o pessoal, os professores fazem na educação aqui? Tem concurso? Faz o concurso, se passar você ganha ponto, né? Então eu fiz isso. Professor é o tipo de funcionário público que pode ter dois cargos públicos, um de professor e um de técnico ou dois de professor . O mesmo vale para médico. Todas as outras carreiras não podem ter 2 trabalhos em serviço público, tá? Aí o que eu fiz? Eu fiz o seguinte; tenho o meu cargo de professor de história no Marcílio Dias e estou dando aula de sociologia no estado. Aí eu fiz concurso para a prefeitura. O que aconteceu? Passei. Aliás, passei numa meia dúzia de concursos. Só que eu passava, mas não assumia. Eu preferia ficar com um cargo de titular na prefeitura e o cargo de OFA no estado dando aula de sociologia. O que aconteceu? Então eu fiz diversos concursos, mas não assumia, porque eu não posso ter três, não se pode ter três cargos de professor no serviço público, somente dois. O que eu fazia? Eu abria mão desses concursos, sempre abrindo mão, sempre abrindo mão. Quando chegou o começo do ano passado de 2006, eu montei um horário tal, acontecerem uns erros burocráticos. Esses erros burocráticos me levaram a ter que tomar uma decisão e a decisão que eu tive que tomar e que era mais prática para mim seria o seguinte; deixar o estado e assumir o último cargo de concurso que eu tinha feito na prefeitura para professor de história. O que eu fiz? Assumi esse cargo, então eu tava com um cargo de professor de história titular na prefeitura e tive que assumir outro cargo. O outro cargo era de adjunto. Você sabe o que é professor adjunto na prefeitura? Professor adjunto é o seguinte é aquele professor que ao invés de ficar vinculado a uma escola, ele fica vinculado a coordenadoria de ensino. E da coordenadoria de ensino, precisa dele naquela escola, ele vai para lá, o outro professor adoeceu, vai para lá e assim por diante. Ele não fica na unidade, ele fica na coordenadoria. Então eu fui compelido, constrangido na verdade a assumir esse cargo de concurso, só que de adjunto, não de efetivo. Então, eu passei o ano passado com o cargo de efetivo na prefeitura e um cargo de adjunto, muito ruim aliás. Aliás, não foi no ano passado, foi em 2005, desculpe. Aí, o que aconteceu? Nesse ínterim eu tinha feito concurso para diretor, passei no concurso de diretor, eu estava aguardando ser chamado. Quando foi agora em abril, eu fui chamado para a direção, então nesse momento eu tenho o cargo de diretor e o cargo de professor adjunto. Porque eu acessei do cargo de titular para diretor, entendeu? Se dependesse de mim, seria melhor acessar do cargo de adjunto, claro né? Mas nesse momento, eu tenho o cargo de diretor e um cargo de professor adjunto. Já fiz um outro concurso, não sei se vocês estão sabendo, mas na semana passada houve concurso. Eu fiz esse concurso também e aí o que acontece? Eu fiz 44 pontos, 72% mais ou menos. Uma boa pontuação, né? São 60 questões. Eu fiz para professor titular de história. Se eu passar e for chamado, então eu deixo esse cargo de adjunto e aí fico vinculado a uma escola só e com o cargo de diretor. E aí dá para mais ou menos acomodar. O governo municipal está fazendo uma alteração na carreira do professor municipal que vai simplesmente ferrar o professorado.
Olha, quando eu deixei, quando eu resolvi em 2001 a continuar como OFA no estado lecionando sociologia e abrindo mão de um cargo de titular na prefeitura, titular em história, um colega meu de uma escola da região aqui que fez PUC comigo, Wagner, ele vira para mim e fala assim: “Amilton, por que é que você vai ficar na sociologia no estado, entra para a prefeitura, a prefeitura paga melhor, as condições são melhores, etc, não tem sentido você ficar dando aula de sociologia, o estado está uma m... e tal”. Discursos dele que eu concordava. Aí eu falava para ele: “Ah, sabe o que é, na prefeitura é história e no estado é sociologia”. E ele é historiador mesmo, o Wagner. Aí ele vira para mim e fala assim: “Ô Amilton, com essa crise do ensino de história, o que você acha que eu estou trabalhando em sala de aula?” Então as fronteiras entre geografia, sociologia e história no ensino fundamental na educação básica são extremamente tênues, extremamente tênues e naquela época ainda, final dos anos 90 ainda, com a crise no ensino de história que iniciou aí... Crise no ensino de história, o pessoal não estava sabendo o que ensinar em termos de história, o ensino de história estava em crise. E aliás, ao meu ver, não saiu completamente não. Enfim, né? Há diversas linhas, diversas correntes, o que ensinar, para quem ensinar, etc, uma crise pesada. Ao meu ver, começando a sair agora. Aliás, nesse concurso da prefeitura, eu tive a oportunidade de ler o material para o concurso, né? Ali o pessoal estava, alguns falam na crise do ensino de história, outros falam que a gente já saiu. E eles comentaram lá as discussões a respeito de trabalhar com temas, etc, aquele negócio todo.
Essa crise está ligada também àquelas definições a respeito do que estar trabalhando, o que estar ensinando em sala de aula, o que está sendo produzido, sem dúvida alguma. Na minha avaliação, isso não terminou ainda. Eu estava falando que nesse concurso agora, a bibliografia caminha nesse sentido também. Mas então o Wagner dizia: “Que você pensa que eu estou trabalhando? Às vezes, eu trabalho com conteúdo muito específico de história, às vezes com sociologia, não tem jeito”. Porque com a idéia de partir do cotidiano dos alunos para fazer a construção do conhecimento enfim, não dá para deixar de fazer ciências sociais. E aí tem uma coisa interessante, lembra que eu falei que eu tenho um cargo de professor-adjunto? O professor-adjunto, se ele não está substituindo ninguém naquele momento, ele tem que estar a disposição da escola, 20 aulas, 18 aulas por semana, que é o meu caso. Falta professor, você entra na sala de aula. Então é o tal, eu sou professor eventual. Só que é o seguinte, eu chego na sala de aula: “Meu nome é Amilton, nós vamos fazer um curso e é o curso que vai fazer com que a gente tenha uma, duas, três ou quatro aulas por semana ou talvez nenhuma nessa ou naquela semana, mas nós vamos fazer um curso com 10, 15 ou 20 aulas. Você tem direito a 25% de faltas. E o conteúdo que nós vamos trabalhar é um desses aqui, pode escolher. Vamos a votos.” E eu coloco: iniciação a ciência política, produção de riquezas e sexualidade. Na sexualidade, vocês imaginam, eu já fiz um comentário. Produção da riqueza é o processo produtivo a partir da realidade dos alunos na visão marxista. E aí eu deixo para eles desenvolverem. E a iniciação a ciência política, eu parto da crítica aos políticos corruptos, né? E aí mostro que todos somos políticos enfim, e que é um equívoco afirmar que os políticos são corrupto, que todos os políticos são corruptos porque dentre nós existe, aqui na sala de aula, há pessoas decentes, há pessoas indecentes. Tem político decente, político indecente. E daí a gente vai levar a discussão do que é política institucional, partidária, etc. Por que o povo é levado a não gostar de política, quem não gosta de política mantém-se na ignorância, portanto aí a posição de vocês. Todo mundo sai no final dessas aulas revendo essas posições. E questionando os meios de comunicações. E o objetivo é esse. Aí o que eu faço como professor eventual. Eu faço um curso, eu faço um curso planejado, direitinho, com avaliação. Falo na importância de não, eu não aceito ser tratado como professor eventual e o curso como professor eventual, adjunto, e o meu curso como titular, eu faço exatamente o mesmo curso, só que como titular eu posso fazer um planejamento diferenciado. Porque no titular eu sei que eu vou dar é...120 aulas no ano, e nessas 120 aulas no ano, conforme a série, eu posso entrar em diversos conteúdos bem definidos, entendeu? E por aí as coisas vão.
Muito bem, agora estou respondendo sobre o cargo de titular, de professor de história titular. Então assim, quando eu comecei a lecionar, primeiro que eu comecei a lecionar tardiamente, comecei a lecionar em 87, eu tinha 32 anos, né? Porque eu só comecei a lecionar depois de concluída a licenciatura, o bacharelado e a licenciatura, tá? Não lecionei antes disso não. Eu comecei tardiamente, mas com uma cabeça boa. Eu era um jovem, se eu passei por todo aquele processo alienado de direita e eu fui atrás dessa nova visão e portanto, a área das ciências sociais.. A minha cabeça era uma cabeça de ter tido uma experiência de direita por um lado e estar recém-formado. Então a minha postura era uma postura progressista. Mesmo que a gente coloque aspas aí, a minha postura era progressista. E eu comecei a desenvolver dessa forma. Tive alguns paus assim pesados com o conjunto de colegas que tinha uma idade semelhante a minha e tal, às vezes até um pouquinho mais elevada, mas com a cabeça muito, muito, retrógrada, digamos assim. E a minha visão, ela era bastante adolescente relativamente a minha idade.
Eu estou assim, estabelecendo duas, duas figuras, dois estereótipos que seriam assim: uma do ensino da história decorada, factual, datas, que vai depender exclusivamente da memória, em contrapartida a realização do conhecimento e da produção efetiva, né? Do questionamento, da chamada postura crítica do cidadão. Então é nesse sentido que eu vou colocar essa diferenciação. Eu encontrei muitos colegas realmente pedindo qual era a cor da cueca de d.Pedro I quando ele gritou independência ou morte, por exemplo. Procurava mostrar que realmente não tinha o menor sentido conhecer esses detalhes assim, a data disso, a data daquilo, o nome completo desse ou daquele vulto histórico, etc. Por quê? Porque nós estamos falando, já que na prefeitura eu estava trabalhando no ensino fundamental, os PCNs, LDB enfim, vão colocar para o ensino fundamental a idéia do contato dessas formas de ciências. Não vai poder aprofundamento não, é contato. Vai colocar os alunos em contato, por exemplo, com essa ciência, a tal da história. O nível de aprofundamento vai se dar no ensino médio, né, que é dentro da educação básica, mas o ensino fundamental é contato com essas diversas ciências. Então colocar essa ciência nova para eles aí, relativamente. Então era a idéia de colocá-los de maneira a ver, a fazê-los ver que eles fazem parte dessa construção histórica. Tanto que todos os meus cursos no ensino fundamental, cursos de história, eles começam na 5ª, na 6ª, na 7ª e na 8ª série, com a pergunta: O que é história. E depois, quem faz a história. E depois, como se faz a história. E quando eu fico com a mesma turma, não tenha dúvida, o aluno vai virar e vai falar assim: “Ah, professor, mas o senhor já fez essa pergunta o ano passado.” “Qual foi a resposta que você deu, pega lá.” Aí eu começo a responder ali e resvala nessa questão a que eu me referi da questão factual mesmo e tal, das datas, etc. “Não é isso que a gente está trabalhando, não foi isso que a gente trabalhou. Eu falei que essa era uma forma de ensinar história, mas não foi assim que a gente trabalhou o período todo.”
Eu sempre trabalho a partir dos alunos, sempro trabalho a partir dos alunos. E não vou permitir que o aluno apague o que escreveu, eu vou exigir que o aluno reescreva o que escrevou, entendeu? Isso para mim é fundamental. E às vezes, alguns alunos esquecem e começam a apagar. “Desculpa, sala. Ó, o Joãozinho ali o que ele está fazendo?” “Está apagando.” “Que você está apagando aí?” “É, que eu escrevi errado a resposta anterior.” “Pode deixar aí direitinho”. Aí eu viro: “Joãozinho, Mariazinha, por quê ele tem que deixar lá?” “Ah, porque ele tem que se lembrar, né, como é que ele escreveu primeiramente a resposta e qual a resposta que ele está dando agora depois das discussões, das leituras.” “Exatamente isso, vamos adiante.” Isso é invariável, inclusive eu trabalho com EJA, né, com Educação de Jovens e Adultos, nesse cargo de adjunto e o processo é exatamente o mesmo, né? Com relação ao material didático, no EJA o material didático começou a ser oferecido de maneira incipiente no ano passado. Tem coisa boa no material didático para EJA, feito pelo MEC, prefeitura, por exemplo, tem coisa boa ali. Eu gostei, particularmente. Até porque você pode fazer diversas leituras a partir do material oferecido. No curso regular, na minha experiência, eu jamais utilizei...primeiro assim, quando é solicitado que a gente indique livro na relação do Mec, no programa Livros Didáticos, Programa Nacional do Livro Didático, eu sempre faço indicações e as minhas indicações nunca vêm. O que eu faço? Eu faço indicações de materiais que eu acho interessante. Eu acho que tem um pessoal interessante em Minas Gerais. Eu acho que tem um pessoal interessante no Rio de Janeiro, né?
Eu não recebo material didático das minhas primeiras opções. Aí, o que eu faço? Eu coloco uma segunda, uma terceira, uma quarta opção de material mais ou menos genérico que provavelmente vem, e nesses materiais genéricos que provavelmente vêm, eu estou falando talvez de um Pileti, por exemplo. Pode ser, o Pileti normalmente costuma vir. Eu nunca consegui pegar o material pedido como primeira opção. E um material que eu acho muito interessante, mas muito interessante na Educação Fundamental, no ensino Fundamental e no ensino Médio é um tal de Mario Schimidt do Rio de Janeiro. Vocês já ouviram falar? Esse Mario Schimidt faz um, ele produz uns textos interessantíssimos e junta um material muito bem ilustrado por um lado, mas muito material jornalístico de época para os temas que ele costuma trabalhar e ele escreve de uma maneira assim muitíssimo gostosa para o aluno, segundo o meu ponto de vista. Só que eu nunca consegui pegar esse material, em algumas aulas eu pego o material que eu tenho, um livro meu, e faço algumas discussões a partir disso. Mas seria nesse caso interessante que o aluno tivesse (o livro) em mãos efetivamente, tá? Eu nunca peguei um livro didático para trabalhar como manual mesmo assim, direto. Isso aí eu nunca fiz. Sempre fiz diversos outros tipos de inserções. Ah, materiais produzidos e buscados pelos próprios alunos e redistribuídos, imprensa, por exemplo, né, enfim, internet tal. Enfim não exclusivamente o famigerado livro didático. É famigerado, enfim, mas em muitos momentos é a única coisa que se tem também, né? Aí faço um planejamento genérico, o planejamento genérico que eu faço é o seguinte: lembra que eu falei que eu comecei com uma cabeça boa, né? Porque é o seguinte, naquela época quando eu estava começando, estava muito em voga a discussão a respeito da importância da seguinte idéia; planejamento, aplicação, avaliação e replanejamento constante. E aí você tem o seguinte, o que é o planejamento do professorado? É um papel que é entregue para a direção da escola. E tem professor que chega ao cúmulo de ano para ano, simplesmente mudar a data aqui e entregar o planejamento novamente. Eu fiz isso uma vez, mas era uma situação em que eu queria testar um coordenador pedagógico. Estava achando que o cara era um incompetente e uma das formas de eu verificar isso, foi pegar o mesmo planejamento, mudar a data, trabalhar uma coisa completamente diferente em sala de aula e ver o que ele ia comentar. Nem viu o que aconteceu. Não tinha a menor idéia do que aconteceu. Uma coisa ridícula, né? Enfim...então, logo desde cedo eu aprendi a importância de planejar, colocar no papel, começar a efetivar em sala de aula, avaliar e replanejar. Para a maior parte dos professores, o papel escrito do planejamento, a primeira aula vai ser isso, a segunda aula vai ser aquilo, que dá para se fazer de alguma forma em nível superior, por exemplo, na Educação Básica isso não é possível. Quem faz isso direitinho é um mentiroso na minha avaliação. É claro que você pode ter um ou outro professor que consiga chegar mais próximo disso, mas isso não existe efetivamente. Então é fundamental você replanejar...
Exemplo, eu começo lecionar à noite. Desses 20 anos, eu passei 10 lecionando só à noite, né? Por exemplo, tinha problema de eletricidade. Então eu fazia um planejamento, vou falar uma besteira, é semestral o noturno, então eu fazia um planejamento lá de 80 aulas. Para cumprir isso direitinho, eu tenho que considerar 15 quedas de energia elétrica a noite, queda de energia elétrica significa mandar os alunos embora. E aí como faz? Ah, veja bem...Veja bem, nada Isso é uma mentira. Então como eu aprendi isso logo de cara, eu nunca me estressei em replanejar. Pega um professor: “Nossa, mas eu vou ensinar isso sem ter ensinado aquilo”. Porque pressupõe a linearidade do aprendizado, e o aprendizado não é linear porcaria nenhuma. Eu até penso numa idéia helicoidal, né? Ele (o aprendizado) tem um caráter helicoidal, de estratos diferenciados, de aluno para aluno, coisa completamente diferente; uma coisa lá que você está pensando, aquele Zezinho insuportável que só enche o saco, dá vontade de mandar para fora o tempo todo, de repente você coloca uma questão pesada assim, o cara vira e pimba, te responde. Meu Deus do céu, hein? A Mariazinha ali super estudiosa e tal não sei o quê, nem sabe o que estamos falando. Então, eu aprendi desde cedo esse replanejar e eu faço isso com tranquilidade, jamais me estressei com isso. Não tenho problema nenhum se o meu curso terminar por outros condicionantes. Ao invés de 80 aulas, são 60 aulas por exemplo, entendeu? Não tenho nenhum tipo de preocuopação com relação a isso. Até porque os planejadores de nível nacional, estadual, municipal usam determinados critérios que não tem nada a ver com o processo de aprendizagem.
Sem falsa modéstia, quando eu falei que eu, embora eu tenha começado tardiamente a lecionar, eu tinha assim uma cabeça jovem, foi a expressão que eu utilizei. É o seguinte: há procedimentos que eu adoto desde os primeiros dias de aula, desde os primeiros dias de magistério que tem colegas meus HOJE, colocando como sendo a maior novidade do século. Então, eu quero dizer que sem falsa modéstia, eu tenho estado de maneira bem a frente da média das posturas do professorado.
O primeiro é o respeito ao próprio aluno. E o respeito tem a ver com a questão do planejamento e replanejamento que eu coloquei anteriormente. Quando você coloca uma coisa fechada, temos que fazer isso, aluno vai fazer aquilo e vai fazer aquilo outro e ponto final, isso é uma postura autoritária. Por exemplo, hoje está se falando na importância de se fazer auto-avaliação. Para mim, não existe processo ensino-aprendizagem sem auto-avaliação. Desde o primeiro dia de aula, eu trabalhei com auto-avaliação (e trabalho) até hoje.
A auto-avaliação tanto no sentido de fazer uma auto-avaliação de maneira fechada como de maneira aberta. E quando eu falo de maneira fechada é que você vai estabelecer alguns critérios, etc, fazer algumas induções eventualmente tal. Como também fazer completamente aberta. O aluno tem que questionar o que efetivamente aprendeu, o que está sedimentado efetivamente, qual a opinião do aluno a respeito das estratégias utilizadas pelo professor, como você considera, aí a gente usa a expressão, o método pedagógico utilizado pelo professor, mas você coloca alguns indícios do que seria esse método, né, que é o jeito de dar aula efetivamente e a eficácia disso. Se a maneira do professor intervir é uma maneira que colabora com o aprendizado ou não por exemplo. E aí, eu quero dizer o seguinte, eu não tenho a experiência de fazer um curso nesses 20 anos sem que eu tivesse tomado tapinha nas costas por parte dos alunos. O que é tapinha nas costas? É o aluno passar por..alunos de 10 anos de idade, 11 anos de idade na 5ª série até alunos de 18 anos no 3ª colegial ou de 60 anos no EJA, por exemplo, passar assim, dar o tapinha nas costas falando: “Ô professor, a aula hoje foi muito boa, hein?” Aí você nesse momento, você realmente esquece as péssimas condições de trabalho, o salário que o professorado tem, o professorado público tem, mas é o mesmo que recebe o privado também, existe uma discussãozinha aí, tem gente acreditando em Papai Noel, achando que na empresa privada as escolas são excelentes e tal, e o negócio não é bem assim. Então nesse momento, quando você vê um garoto de 11 anos virar para você e falar que: “Essa aula é muito boa, hein professor” (imitando o aluno). Eu nunca passei, nunca terminei um curso sem ouvir isso, ouvindo esse tipo de fala algumas vezes em sala de aula. Quando eu digo algumas vezes, é muito, é muito. E de 11 anos a 60 anos de idade.
Qual o sentido do meu trabalho? Na semana retrasada, eu estava pensando no sentido do meu trabalho. E aí como diria Paulo Freire, da mesma forma que a educação tem um caráter de reprodução da sociedade, da sociedade injusta, desigual, capitalista, burguesa, blablabla, ela é exatamente a possibilidade do revolucionário, a possibilidade da transformação. A educação é isso. E ela é isso por instâncias de determinados educadores que podem colaborar nesse aspecto ou ela é isso pelo fato da educação possibilitar isso, somente ela pode possibilitar isso.
Escola e Sociedade (Mudanças/Funcionamento)
Muito difícil, muita violência. Ééé...dois aspectos importantes estavam no tipo de atividade que eu exercia lá. Primeiro que eu comecei a observar crianças de 11 anos de idade grávidas, né, adolescentes. E isso me preocupou. Com essa questão da violência, a minha forma de atacar esse problema era fazer uma leitura do social a partir da realidade daquele pessoal. Eu me inseri na sociedade, participei de algumas atividades na própria sociedade lá, na comunidade enfim, no entorno lá. E passei a fazer uma sociologia de inserção e portanto, do ponto de vista daquela comunidade muito oprimida. Isso me levava a ser muito bem aceito pelos alunos, o pessoal gostava muito das aulas de sociologia que eu chamo de ciências sociais, nas quais eu mexia com a questão da sexualidade também, enfrentei diversos questionamentos por discutir isso. Porque eu estou falando em 87, portanto quase 10 anos antes da LDB que exige a orientação sexual, etc.
De pais de alunos, né? Onde já se viu falar em pinto em sala de aula, etc, etc. Aí vinham os supervisores da diretoria de ensino questionar. “Exatamente, eu estou trabalhando isso, isso, questão de anatomia, questão de afetividade, DST, intolerância, essas coisas todas, né?” Aí os supervisores sempre que vinham me questionar, saíam concordantes, né? “Realmente, isso é importante.” “E é mesmo. E eu pretendo continuar é com esse tipo de atividade.” E fui mesmo e nunca mais parei de discutir sexualidade em nenhuma das minhas aulas, nenhum dos meus cursos, quer de história, quer de sociologia especificamente. E tem sido muito bem aceito até hoje, até hoje. Só que agora eu tenho um respaldo da própria legislação, mas eu enfrentei muita coisa. A comunidade lá tinha muito evangélico, adventistas do sétimo dia, nessa região do Capão Redondo. Lá tem o IAE, Instituto Adventista de Ensino, hoje já é um campus universitário, diversos cursos e tal, abarca a comunidade lá. Então esse pessoal vinha questionar. E do ponto de vista assim da violência, a questão da sociologia do trabalho mesmo. Não tem a menor dúvida. Vamos discutir condições de trabalho, salário, jornada de trabalho, a remuneração, a concentração da riqueza. Claro, a gente tem que acabar fazendo inserções relativas ao marxismo, a mais-valia e assim por diante, não dá para sair disso. E... enfim, isso foi muito interessante. E aí, com relação a questão de drogas também. Escuta, eu sempre tratei ensinando. Eu sou funcionário público, se eu...usuário de droga ilegal para mim pode ser um bandido, mas é necessariamente um doente. O usuário de drogas pode ser um bandido, mas é necessariamente uma pessoa que precisa de ajuda. O traficante é bandido em qualquer hipótese. Não há hipótese para o traficante não ser bandido. Essa é minha posição. E aí eu falava assim: “E é o seguinte (tom sério) se você vier fazer tráfico de entorpecente aqui e eu vir, eu te denuncio para a direção da escola e para a delegacia de polícia.” Falava isso assim, digamos umas 3 vezes em cada sala de aula no começo do ano. Exatamente para abarcar todo mundo, entendeu? “Olha, minha posição é exatamente essa. Então se você quer fazer seu tráfico, trate de fazer fora da minha visão”. E quando eu falava “você”, eu falava genericamente para a sala. Primeiro, nunca tive problema. Segundo, alguns professores falavam para mim: “Amilton, você vai tomar um tiro a qualquer hora.” “Eu sei, mas eu vou continuar falando isso.” E incorporei isso no discurso em sala de aula. “Inclusive essa é minha posição e se alguém precisar dar algum tiro em mim por causa disso, vai ter que dar, porque se eu vir, eu vou agir dessa forma.” Houve ocasião, por exemplo, de eu cumprimentar aluno, “Aí, tudo bem”, batendo na altura das costas assim, bate lá assim, você pega um negócio duro desse tipo aqui lá nas costas. O que é isso aí? Aliás, esse caso em particular, a primeira vez que eu vi arma, foi um rapaz bem alto, negro, com um corte no olho assim, já cicatrizado, né, que vinha daqui aqui, camisa da Mancha Verde e aí bate...Como é que o nome desse rapaz? Me foge...Bati assim para colocar para dentro da sala, vamos entrando aí. “O que é isso aqui? Escuta aqui ó, na minha aula você nunca mais venha com isso aí, está entendendo?”, “Não, foi mal. Fica tranquilo, foi mal.”(imitando o aluno). E não veio mais. Então na verdade essas coisas que estão ali no limiar de um tiro no meio da cabeça, isso aconteceu em diversas ocasiões, etc.
Ah, fui agredido uma vez por um aluno. Isso...quando eu já estava saindo de lá. Esse caso é interessante. Em 96, voltando aqui para a zona Norte. Esse caso é interessante. 17 de dezembro. 17 de novembro de 1995, é isso mesmo, 3 meses antes de eu vir aqui para a zona Norte. Sala de aula, é uma sexta-feira, 18, sábado, 19, domingo, 20 de novembro, segunda-feira, seria dia de Zumbi dos Palmares, eu não tinha aula com os alunos nesse dia. Então, o que eu fiz? Na sexta-feira, eu fui falar de, eu não queria voltar depois do 20 de novembro sem falar do assunto, então eu falei com antecedência. Então olha: Zumbi dos Palmares e tal, quilombo, a luta pela igualdade racial, aquela discursaiada toda. Eu estou fazendo esse discurso de exaltação da luta contra a escravidão, etc, etc, há um rapaz negro em sala de aula alcolizado, um rapaz negro em sala de aula alcolizado. Eu estou lá fazendo a aula, estou fazendo a aula normalmente tal, aí percebo assim umas mexidas de boca (faz som imitando), uns resmungos na verdade que eu não estava entendendo, não era o normal, ele costumava fazer umas caras e boca e tal, mas não era muito normal, mas...fazer, né? Estava fazendo exaltação de figuras contra a escravidão... Só não sabia que ele estava alcolizado. Aí em determinado momento, balbuciou qualquer coisa assim lá e tal, aí eu percebi, engrossei com ele também, falei umas abrobinhas, aí depois eu desci até...Ah, não. Foi assim, eu percebi isso daí e desci para o intervalo normal e aí ele vai para o pátio e começa a fazer falas se dirigindo a sala dos professores do outro lado do pátio onde eu estava, fazendo umas falas esquisitas lá, mas de alguma hostilidade com relação a mim, né? Eu olhei, nem pensei que fosse comigo tal. Tava rindo. Aí depois quando vêm me avisar que era comigo mesmo, analisei a situação, eu falei ah, o cara tá bêbado, nem precisa isso aí...Falei com a diretora lá, uma mocinha novinha a vice-diretora, novinha, tinha chegado há pouco tempo e tal, completamente inexperiente.. Aí ela tenta conversar com o camarada. É um rapaz que tinha feito 18 anos, um rapaz negro, alto, tal. Essa vice-diretora fala assim: “Ah, professor, tudo bem, vai para a sala de aula lá e tal, tudo bem, não tem problema.” Ela age de tal forma que ela faz com que eu, o rapaz hostilizando né, tava longe de mim, eu sabia que era comigo, mas não tava ouvindo os detalhes. E estou seguindo a orientação da assistente da direção, a vice-diretora. “Ah, o senhor sobe, eu vou resolver o caso, depois eu converso com ele”. Só que o caminho que ele tem que fazer, eu vou até parte do pátio, subo uma escada para o andar superior.. Aí eu estou me dirigindo ali, ele vem em direção a mim sem que eu perceba assim, mas ele pára na minha frente e balbucia qualquer coisa. Ele balbucia coisas relativas ao que tava sendo falado em sala de aula. Em outras palavras, em função de estar alcolizado, entendeu todo o discurso relativo a negritude com o sinal trocado, entendeu? Aí ele falou quaquer coisa que eu não consegui entender, mas ele pegou e me agrediu fisicamente. Me deu um soco aqui assim, me cortou e aqui sabe como é que é, quando corta é sangue que não acaba mais, né? Bom, aí também fechou o tempo, né? Como é? Escureceu tudo. (Eu) Estava com um material didático, como é que fala?, diário. Larguei o diário assim, grudei no pescoço do moleque assim (ri constrangido) e aí comecei a empurrar ele contra uma parede. Estão vendo essa parede de concreto aqui, essa quina? Essa quina aqui, isso é coisa nova na educação, viu gente? Parece simples, mas hoje em todo parque de escola você vê quinas desse tipo, tá? Lá não era desse tipo. Porque a garotada metia a cabeça aqui tal, saia correndo. Lá era quina assim desse jeito. Então, o negócio. Eu peguei, empurrei o rapaz assim mais ou menos uns 8 metros em direção aquela quina assim. Aí eu cheguei assim, eu falei: Eu vou matar esse moleque agora, né? Não tenha dúvida; Mas aí uma fraçãozinha de segundos, muito tênue mesmo esse espaço, eu vi um banco assim do lado. Quer saber de uma coisa? Eu vou jogar esse cara aqui e assim fraçãozinha mesmo, por que o raciocínio qual é? Indo às vias de fato, ou um trauma muito grande ou talvez a morte do bêbado digamos assim, o processo absolutamente claro, do professor, do adulto, embora ele tivesse 18 anos, mas numa fração de segundos, eu peguei e joguei o cara no chão, e nessa de jogar no chão, já chegou o pessoal do deixa-disso. Mas rigorosamente quem estava sangrando era eu, né? Bom, aí eu falei com a diretora: “Você faz o seguinte, leva esse moleque para a delegacia de polícia e tal, eu vou dar queixa, não quero nem saber e tal”. Nesse ínterim, eu vejo...o rapaz tinha perdido o pai, ele era o garoto mais velho da família, tinha perdido o pai há duas semanas assassinado, taxista o pai dele, né? Então uma série de problemas. Aí eu falei quer saber de uma coisa, depois eu vou ver isso aqui. Naquele momento eu não fui dar queixa, né? Aí eu fui para um pronto-socorro. Deram 2 pontos aqui tal, tudo bem. Só que terça-feira da próxima semana, não tem aula, todo mundo (ri constrangido) vai ficar sabendo do acontecido. E aí a minha forma de resolver a questão foi contar a história aos alunos. Era isso, estava falando do Zumbi dos Palmares, aqui na sala dele, por exemplo, como é que aconteceu? “Eu fiz alguma ofensa a negritude, aos afro-descendentes, ou sei lá a comunidade enfim?” “Não, não fez.” Foi realmente entendimento diferenciado mesmo, né? Mas eu tinha que entrar em sala de aula, em outras salas de aula com ponto na boca evidentemente, né? Ah, não deu outra. A minha fala era, primeiro contar a história, e depois pegar alguns garotos negros ou garotas negras na sala de aula, todas (sala de aula) tinham, né? “Escuta, posso falar de Zumbi dos Palmares para vocês? Vocês não vão me agredir não?” E claro para quebrar o gelo, enfim. Aí, nós estamos no final do ano. Eu fui até o final do ano lá. Só que aí eu já estava na iminência de vir aqui para a zona, houve essa coincidência de vir aqui para a zona Norte. Aí eu vim. É isso aí. A tal da briga com bêbado que se bater fica feio, se apanhar...Como é? Se bater é covardia, se apanhar fica feio, né, enfim houve esse fato aí.
A própria prefeitura de São Paulo agora está fazendo um reordenamento de carreira que está para sair a qualquer momento, né? Aliás, a semana passada eu falei: “Escuta, vocês tratem de paralisar a atividade, vocês vão correr atrás de se manifestar, senão vocês vão entrar pelo cano, hein?”. Quarta-feira passada haveria essa manifestação. O pessoal aqui parou 100% por exemplo. Aí eu falei assim: “Ó, eu não vou paralisar. Eu paraliso lá na minha outra atividade de professor, porque aqui nessa escola, quem abre e quem fecha essa escola aqui sou eu.” Eu não posso chegar, fechar a escola que é um estabelecimento público. Qualquer cidadão que bater ali na porta, “eu quero falar com alguém aqui no horário comercial”, ele tem que ser atendido, né? E se todos os funcionários paralisarem, eu vou estar aqui para atender, sem dúvida alguma. Então se alguém vier aqui, a escola tem que estar aberta. Se não tiver aberta, a responsabilidade é minha, ponto final. Agora na outra escola, eu pararia. Sempre paralisei e tal, né?
Então eu estou falando dos meus 20 anos de experiência, a resposta é imediata e óbvia, sem dúvida alguma, alterações importantíssimas nos mais diversos aspectos. Existem livros didáticos de excelente qualidade, existem materiais didáticos de excelente qualidade. Existem profissionais de excelente qualidade. Existem materiais didáticos de péssima qualidade. Professores de péssimas qualidades e livros didáticos de péssimas qualidades. Existem administrações excelentes, coordenações, corpo técnico, por exemplo, excelentes e existem péssimos profissionais nessa área também. Agora a gente não pode esquecer que hoje a gente tem assim, nesses 20 anos, nós temos uma situação da universalização da educação. A universalização da educação leva a uma questão que a gente até resvalou aqui anteriormente, quando eu falei para vocês, por exemplo, que eu saí de uma escola pública e entrei direto numa universidade pública também. Em terceiro lugar, no caso da faculdade de tecnologia, por exemplo, sem fazer cursinho. Falei do Instituto de Educação lá de Penapólis onde colegas meus saíram de lá sem cursinho também e entraram no ITA, na POLI ou coisa que o valha, por exemplo, né? Por quê? Porque o pessoal que estudava nessa época era uma coisa perto de 40% da população.Então você tinha uns 40% da população que se mantinha na escola. Hoje você tem quase 100% da população, principalmente no ensino Fundamental você tem 97% da população. E aí o que acontece? A escola não está preparada para receber esse pessoal, recebe, coloca para dentro, mas falta infra-estrutura.
Do ponto de vista de infra-estrutura; de rebeber esse pessoal todo, esses aluno todos. A escola não tem pessoal para dar atendimento a tudo isso e quer atender da mesma forma que se atendia 40 anos atrás, por exemplo. Para você ter uma idéia, esse CEU aqui onde nós estamos, essa escola municipal de ensino fundamental dentro do CEU aqui é uma escola novíssima, foi entregue agora em fevereiro. Para você ter uma idéia, aqui tem problemas de infra-estrutura de construções de 20, 30 anos atrás. Por exemplo, o professorado público é fundamentalmente feminino. Aqui foi construído para as professoras dessa escola um vaso sanitário, por exemplo. Uai, na hora do intervalo, quando elas vão usar o vaso sanitário, faz o quê? Fila no box? Não tem sentido. Isso é do ponto de vista de infra-estrutura física, concretamente. E do ponto de vista da estrutura pedagógica, técnica, efetivamente, tem uma série de carências. Eu não entendo os governos e a sociedade, nem falo exclusivamente os governos, a sociedade não tem investido em educação de maneira significativa. A nossa sociedade nesse sentido é muito conservadora. Não enfia a mão no bolso para fazer investimento em educação, mas faz o discurso da importância da educação. Todos os estratos sociais, principalmente as camadas dominantes, insistem na questão da educação, mas a hora que tiver que perder determinados privilégios, por exemplo, determinadas isenções fiscais ou coisa que o valha, aí não faz, não quer saber disso não. Então acho que esse é o problema. Por exemplo, quando você fala em inclusão, a idéia da inclusão quer dizer, o professor se vira, tem que se virar com esses alunos em sala de aula. Mas escuta, eu não sei como tratar esse aluno com essa necessidade especial ou aquela, por exemplo, específica? Sem entrar naquela discussão genérica: todos nós temos alguma necessidade especial e temos mesmo. Mas a estrutura educacional tem que dar atendimento psicológico, ao nível da assistência propriamente, ao nível da infra-estrutura de saúde. Um simples transporte, por exemplo. O moleque arrebenta a cabeça ali, você liga para o SAMU, o SAMU não atende, você tem que se virar e não tem atendimento satisfatório na região, etc; então eu acho que tem mudanças sim, a mudança é quantitativa e não é qualitativa. Entretanto há diversas experiências qualitativas na rede, tanto na rede estadual como na municipal, mas essa mudança qualitativa é de mérito exclusivo deste ou daquele corpo docente, não de governo, não da infra-estrutura educacional no nosso país. O governo federal, por exemplo, em que pese diversos escândalos, tem algumas posturas interessantes de algumas políticas públicas interessantes. Agora, isso aí vai surtir efeito somente daqui a alguns anos...
Por exemplo, com relação a educação mesmo. Por exemplo, quando você fala em, uma dicotomia interessante, né? Quando você fala em merenda, quando você fala em traje, uniforme, por exemplo. Tem muitas crianças que não vinham para a escola porque não tinham roupa. Uma das formas é a questão do uniforme, tanto para oferecer roupa, como para oferecer, uma questão de segurança, né, para identificação. Teve um monte de professor fazendo discurso de que os alunos não trazem material, não trazem lápis, borracha, uniforme, etc, sendo que eles ganham isso. E obviamente eles não ganham isso porcaria nenhuma, eles pagam e pagam caro. E fica o professor dizendo, está vendo, é o aluno que não quer estudar. Além de eles ganharem tudo isso, “na minha época (imitando outro professor), eu fazia o maior sacrifício para comprar um lápis, uma borracha, etc.” Coisa de velho na verdade, né? E aí diz que agora a garotada ganha tudo isso e não quer saber de estudar. A escola está oferecendo coisas antigas aos alunos, por isso eles não querem estudar. Não é alguma coisa estimulante, né? E aí ouvir professor falar isso a torto e a direito é muito difícil, é muito desagradável. Não existe dádiva nenhuma. Quando você oferece alimentação, o aluno fica aqui durante 5 horas, por exemplo, tem que se alimentar mesmo. E veja a questão do material escolar propriamente, de uniforme, etc, não tem dádiva nenhuma não. Através dos impostos que a garotada paga, isso é revertido de alguma maneira. Mas o discurso de muitos conservadores é de que está sendo dado e não tem nada dado, não tem dádiva nenhuma não.
Transformação da sociedade nos mais diversos enfoques que você quiser dar. Qualquer enfoque que você quiser dar, a educação pode oferecer isso. Agora essa transformação é, inclusive, social e coletiva, que é a idéia do caráter revolucionário. Mas ela é em muitos momentos não tão abrangente assim. Ela é transformadora de maneira até individualizada em alguns grupos, mas no processo pode-se refletir na coletividade como um todo. E aí não é... Enfim, a gente já entra naquele limiar também do que é passível de ser demonstrado pela ciência ou não. E a gente cai no problema do tempo histórico, aquele nosso tempo de vivência aqui onde determinados procedimentos agora vão se refletir em tempos que podem não ser o nosso tempo de vida, né?
Eu entendo que....os educadores, eles precisam reassumir o seu papel de formação em serviço, eles precisam fazer a luta pelas condições de trabalho e de salário, e portanto, as condições educacionais em nível político e sindical, mas também em sala de aula e da unidade escolar. Questionando, no mínimo questionando. Na pior das hipóteses questionando. E aí a gente volta àquele lugar-comum da formação do cidadão crítico (faz tom de voz empolado). Se por um lado aparece até na nossa LDB como está lá efetivamente, por outro lado os governos retiram verba da educação. Por exemplo, falando especificamente das ciências sociais, da sociologia, a LDB insiste na sociologia e coloca essa importância da sociologia na Educação Básica. Mas o próprio sociólogo Fernando Henrique Cardoso veta a obrigatoriedade da sociologia. É interessante essa questão. Porque ela tem esse caráter dessa abertura de visão mesmo, dessa postura crítica. Às vezes até de maneira...crítica sem causa, né? Mas crítica.
A desculpa do governo, do PSDB, do Fernando Henrique Cardoso é a desculpa do não tem pessoal preparado. Entretanto, em muitas escolas que estão oferecendo aulas de ciências sociais, sociologia, são em muitos momentos pedagogos sem a menor formação dentro das ciências sociais. Aí fica complicado, é pior a emenda do que o soneto, no meu entendimento. Porque muitas escolas tem a sociologia, (mas) não tem o profissonal de sociologia, por exemplo. Aí coloca-se um pedagogo lá, um pedagogo que sempre trabalhou com a garotada de 1ª a 4ª série, é um alfabetizador e só. Aí acho que fica pior.
Afirma-se não existir o profissional. Eu até diria que para todas as escolas do Brasil hoje, a gente pode dizer que não tem o profissional. Mas não é uma quantidade tão significativa que justificasse vetar essa obrigatoriedade. Então, na verdade é uma contradição, né? É a contradição dos colegas chamados neoliberais, no sentido de estimular a postura crítica do cidadão, do jovem, do aluno. Mas não querer isso efetivamente, porque se isso se colocar o poder desse pessoal estará sendo questionado. Eu acho que esse interesse não existe efetivamente.
Sonho/Perspectiva e Futuro
Qual é hoje o meu maior sonho? No começo dessa entrevista aqui, vocês me perguntaram sobre coisas da infância, eu falei de um acontecimento que se deu lá no bairro da Penha, na cidade de Cafelândia quando eu tinha por volta de 5 anos de idade. Eu gostava de tomar café da tarde na casa de umas pessoas que eram amigas de minha mãe, mas que em determinado momento isso não se colocava mais, não porque não tivesse isso na minha casa, mas porque era muito bem recebido lá e aí isso foi (dificultado) devido a questão de desemprego. Aí eu coloquei na cabeça que eu tinha que estudar bastante para acabar com o desemprego. Por outro lado, vim a saber da existência do sistema de produção que pressupõe o desemprego, somente depois do 3ª ano da universidade, portanto não resolveria. O meu maior sonho continua sendo aquele de criança. O meu maior sonho continua sendo acabar com o desemprego, só que hoje a visão é diferente, o enfoque é completamente diferente, mas eu continuo com esse sonho.
Ah, o enfoque hoje é exatamente reconhecer as dificuldades. Reconhecer as dificuldades...eu mesmo falei e observei isso em determinado momento para mim mesmo que para acabar com o problema do desemprego, acaba-se com o sistema de produção e nós estamos falando de sistema de produção capitalista, o sistema burguês, ele não tem jeito. O sonho vai numa linha socialista, uma linha libertária que tem alguns condicionantes da experiência real que tivemos, né? Claro, sem burocratização do poder, sem censura, sem totalitarismo, mas algo a ser construído também. E aí eu vinculo isso com a minha formação cristã original onde aparece aquela máxima dificílima do “amar ao próximo como a si mesmo”. E eu acho que isso poderia se colocar em algum momento da história da humanidade sim, definitivamente eu não estarei vivo para ver isso, mas...meu sonho vai por aí. Ainda em sonho, eu estava fazendo uma reflexão semana passada, ainda hoje voltei a fazer, sobre os cumprimentos que as pessoas fazem com relação a “felicidade, muita paz para você e tal”. E eu estava (pensando) o que é essa paz, né? E eu estava me lembrando, estava a pé, até vindo pra cá, de repente parei ali na rua, a garotada ali no canto, outro vendendo não sei o quê no semáforo. E eu estava vendo até uma mensagem, no celular, escrita, falando em paz, desejando a paz para mim e tal, essa possibilidade infelizmente ela é igual a zero, não há a menor possibilidade até o final da minha vida, por exemplo, e essa não é uma reflexão de agora, já está vinculada a essas questões anteriores. Eu tenho certeza que até o final da minha vida e muito tempo depois, paz para o ser humano é sinônimo de acomodação, é sinônimo de ignorância, de alienação, não tem jeito, não está colocado alguma coisa nesse sentido de forma alguma. Afinal com 1 bilhão e 100 milhões de pessoas famélicas no mundo, por exemplo, em 6 bilhões e 300 milhões não dá para pensar em paz. Não tem paz. Tem...vou fingir que não é comigo, aí dá, né?
Se eu pudesse mudar alguma coisa na minha vida profissional? Essa pergunta é bestinha, porque se é...Desculpe, bestinha no seguinte sentido, como é que seria melhor ou algo passível de ser realizado em curto ou médio prazo.
Está bom, tudo bem, então num passe de mágica. Na minha posição de educador e na minha situação profissional, se eu tivesse uma jornada de trabalho semanal de 30 horas com um salário aproximadamente duas vezes o que eu recebo hoje com os dois cargos que eu tenho, trabalhando 60 horas por semana, para mim e para os educadores de maneira geral isso seria muito bom, portanto eu estou falando num salário da ordem de 10 mil reais em valores de hoje, por exemplo, com 30 horas semanais. É isso que eu estou falando. E isso seria uma mudança importantíssima para mim e para os professores...Hoje, eu trabalho 44 horas semanais nesse trabalho daqui. E mais 20 horas no outro trabalho, sessenta, sessenta e poucas...
Eu não gostaria de sair da sala de aula em hipótese alguma, entretanto as mudanças de carreira que poderão vir aí com esse governo do Kassab, podem me compelir a abrir mão de um dos cargos. E nas condições economico-financeiras que eu me encontro nesse momento, eu teria que abrir mão do cargo de professor-adjunto e continuar com o de diretor, coisa que eu não gostaria de fazer. Porque eu não gostaria de deixar a sala de aula de jeito nenhum. A outra opção seria continuar com o cargo de diretor e arrumar algumas aulas no estado. Ao arrumar algumas aulas no estado, eu vou ter um diferencial em termos de imposto de renda muito pesado. Só para você ter uma idéia, o que estou querendo dizer é o seguinte, dois cargos públicos na prefeitura me tomam no imposto de renda, me retém no imposto de renda “x”. Com um cargo na prefeitura, outro no estado, me retém quase “2x”. Então eu ficaria numa situação muito difícil. Não gostaria de deixar. Posso vir a ser constrangido a deixar, não gostaria.
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