Projeto CSP
Depoimento de Ana Virgínia de Moraes Lima
Entrevistada por Eliete Pereira
São Gonçalo do Amarante, Ceará, 01 de junho de 2014
Realização Museu da Pessoa
CSP_HV016_ Ana Virginia de Moraes Lima
Transcrito por Rodrigo Catunda Barreira
P/1 – Ana Virginia, você pode falar o seu nome completo?
R – Ana Virgínia de Moraes Lima.
P/1 – Onde você nasceu?
R – Em Fortaleza.
P/1 – Qual a data do nascimento?
R – 24 de abril de 1975.
P/1 – E o nome dos teu pais?
R – Antônio Rodrigues de Moraes e Maria Silva de Moraes
P/1 – O que seus pais faziam quando você era pequena?
R – Meu pai era agricultor.
P/1 – E sua mãe?
R – A minha mãe também.
P/1 – Ana Virginia, você nasceu em Fortaleza, seus pais agricultores, mas eles eram dali de Fortaleza?
R – Não, meu pai nasceu e se criou aqui. Só com 19 anos, 20 anos ele foi pra Fortaleza. Aí voltou de novo, ele ia pra lá e voltava, ficava, passava uns tempo aqui, voltava pra lá, e assim..
P/1 – Ele tinha família lá em Fortaleza?
R – Não. Ele foi pra lá com 19 anos. Com o tempo ele, lá por uns 30 e poucos anos ele se casou com minha mãe. Aí veio morar uns tempos aqui, aí voltava...
P/1 – Mas por que ele ia pra Fortaleza?
R – Porque aqui na época era muito dificultoso. Porque era assim, ele tinha um terreno, mas não tinha como sobreviver, porque tinha terreno, mas não tinha dinheiro pra comprar comida pra nós. Ele já veio pra cá, quando voltou, ele já era casado. Aí voltou já tinha quatro filhos, aí voltou de novo, passou um tempo, quando voltou já tinha cinco, voltou de novo já tinha seis (risos).
P/1 – E quando você fala "aqui" era sempre aqui no Bolso?
R – Não, era lá num lugarzinho chamado Gregório.
P/1 – Gregório?
R – Aham.
P/1 – O Gregório ficava em qual município, você sabe?
R – Aqui mesmo.
P/1 – Aqui de São Gonçalo do Amarante?
R – São Gonçalo, só que mais lá na frente ali. Eu acho que é pra cá que tem uma firma, bem assim, não sei como é o nome daquela firma, não sei se é SP, sei que é pra cá.
P/1 – Mas o seu pai, então, tinha um terreno aqui.
R – Tinha
P/1 – E que que ele plantava?
R – Ele plantava feijão, plantava milho, macaxeira... deixa eu ver, mandioca, porque tem a macaxeira e tem a mandioca.
P/1 – E vocês passaram a infância morando aqui, lá no Gregório, e morando em Fortaleza?
R – Justamente.
P/1 – Vocês chegaram a estudar?
R – Eu cheguei. Eu vim estudar aqui, quando eu vim pra cá, mas só tinha duas classes na escola aqui que tinha aqui, isso era até a quarta série, aí eu já tinha ultrapassado a classe. Meus irmãos chegaram a estudar aqui.
P/1 – E como você fez? Você não terminou...
R – Meus irmãos ainda estudaram aqui, eu voltei pra Fortaleza, terminei o segundo grau lá. Quando terminei o segundo grau me casei, voltei pra cá de novo (risos).
P/1 – Mas em Fortaleza você morava com quem lá?
R – Eu morava com a minha bisavó.
P/1 – Tinha mais algumas pessoas que moravam com vocês?
R – A minha bisavó morava lá e meus pais moravam aqui, aí depois foram pra lá de novo, aí voltaram pra cá de novo.
P/1 – Qual era o bairro de fortaleza?
R – José Walter.
P/1 – José Walter?
R – Uhum.
P/1 – E você passou a infância, então?
R – Nessa brincadeira, pra lá e pra cá (risos).
P/1 – E como era a infância nessa época?
R – A infância era bom demais. Quando a gente era pequeno aqui, a gente passava o dia todinho no roçado, na casa do meu... assim, o meu primo chamava a gente pra ir pro roçado e a gente passava o dia todinho apanhando milho, apanhando feijão. A gente ia de manhã bem cedo, daí ele levava tapioca (risos). A gente passava o dia todinho no Roçado, a gente comia o quê? Comia tapioca, levava café. A gente apanhava milho, feijão, aí o quê? O milho a gente pegava, assava, comia nove hora, comia como milho cozido. Na hora do almoço a gente comia o feijão maduro, cozinhava, comia. Quando era cinco hora a gente vinha pra casa, cada um com um saco, era eu, meu primo e os meus dois irmãos, que é a minha irmã e o meu irmão.
P/1 – Você era a primeira que nasceu?
R – Sou a mais velha.
P/1 – Você é a mais velha? Qual o nome dos seus irmãos?
R – O meu irmão é Antônio, o nome da minha outra irmã é Sandra. A outra é Silva, a outra é Adriana e a outra é Andrea.
P/1 – E assim, quando você foi pra Fortaleza você já tava com qual idade?
R – Quando eu voltei pra Fortaleza eu já tava com 18 anos, por aí.
P/1 – E você, jovem, aqui na região do Gregório, como que era a adolescência, assim?
R – A minha adolescência foi assim, eu passava uns tempos na casa dos meus primos assim, a gente ia pra Igreja Evangélica, se reunia aquela turma todinha. A gente ia pra Igreja Evangélica lá onde a gente morava, ia pro Pecém ia a pé, voltava a pé. Aí na época o Pecém só tinha casa do mercado pra lá, do mercado pra cá não tinha casa. Hoje em dia a gente não sabe, eu chegando ali eu me perco, porque tem casa ali que...
P/1 – Que cresceu demais?
R – É.
P/1 – E você nasce numa família evangélica, Ana Virgínia?
R – Não.
P/1 – Não?
R – Não, era o meu tio, primo do meu pai que era evangélico, eu chamava ele de tio. Porque o meu pai bebia muito, aí eu sempre gostava de pular, assim, e procurar Deus, procurava a família que...
P/1 – Seu pai bebia muito?
R – Bebia.
P/1 – E ele bebia o quê, era cachaça?
R – Cachaça.
P/1 – Mas seu pai trabalhava ao mesmo tempo?
R – Trabalhava, ele trabalhava e bebia (risos), ainda bebe.
P/1 – E sua mãe? Como que ela era?
R – A minha mãe era dona de casa.
P/1 – E sua mãe é viva?
R – É viva. Ela tava lá, foi ela que ligou há pouco tempo.
P/1 – E como ela era quando vocês eram jovens?
R – Ela era assim, aqui ela trabalhava também na roça. Quando a gente era pequeno, que a gente morava aqui, a gente ia pra roça, a gente ia tudinho pra roça. Aí, às vezes, tinha casa de farinha e a gente passava o dia todinho, de mês, em casa de farinha, raspando mandioca, fazendo farinhada nas casas de farinha. Lá em casa era assim... E lá em casa, onde a gente morava ali a água na época era bem farta. O que era bom ali era só a água.
P/1 – Lá no Gregório?
R – Onde a gente morava.
P/1 – E como que era a água, era de poço ou era açude?
R – Não! Era assim, a gente morava num terreno desse jeito aqui. Aí, não sei se vocês chegaram a conhecer uma latinha de óleo que chamava Nega do Óleo?
P/1 – Não.
R – Era uma latinha assim que tinha uma neguinha, achava elas bem bonitinhas, os cabelinho dela assim, chamava Nega do Óleo, é Óleo Pajeú, pronto, Óleo Pajeú. Aí ali a mãe pegava, furava, tirava o fundo, ajeitava a boquinha dela, a gente cavava assim um buraco, enfiava só ela assim, a água jorrava assim. Aí quando a gente queria água era só fazer assim que a água jorrava, a gente pegava aqui, botava o copo e bebia. A água vinha natural!
P/1 – E era boa a água?
R – Água bem docinha, água mineral. Água lá, o pote lá de casa era assim. Aí hoje em dia a gente só falta morrer de cavar (risos), não dá mais água.
P/1 – Não encontra água... E vocês tinham água farta?
R – Água era farta.
P/1 – Alimentação também, vocês consumiam tudo aquilo que vocês produziam?
R – Era. Agora, só a única coisa que era meio difícil era trabalho, porque sempre a gente precisava dum dinheirinho pra comprar uma outra coisa. Era trabalho e tinha outra coisa... Transporte, que não tinha também, que era distante, e estudo. Estudo também, na época só tinha até a quarta série, hoje em dia já tem.
P/1 – E a escola era lá no Gregório?
R – Era uma escolinha que tem aqui no Bolso, só tem ela, e ela é bem...
P/1 – Vocês tinham que caminhar pra chegar até lá?
R – Era quase uma légua.
P/1 – Aí iam todos os irmãos juntos pra escola?
R – Era, iam os três, só não eu, porque pra mim não tinha. Tinha no Matões, aí eu deixei de ir, porque era longe também, pra ir sozinha.
P/1 – Aí você ficava ajudando em casa?
R – Eu ficava em casa ajudando.
P/1 – E se vocês ficassem doentes como vocês faziam?
R – Lá em casa assim, quando a gente pegava uma gripe, lá em casa tinha muita guabiraba, o que que a mãe fazia? Ela pegava aquelas guabirabas ali, fazia suco, dava pra gente, pronto. Acabava a gripe. Era difícil a gente ficar doente.
P/1 – Você falou que você é a mais velha. A sua mãe fez os partos onde?
R – Eu nasci na maternidade. O meu irmão depois de mim, ele nasceu em casa, aí a outra minha irmã nasceu na maternidade, a outra minha irmã nasceu em casa e as outras duas nasceram na maternidade.
P/1 – Os que nasceram em casa você presenciou o parto?
R – Eu não presenciei não, mas eu vi. O meu irmão, quando o meu irmão nasceu, eu tinha dois anos. Aí, a minha mãe pegou e armou a rede, acho que ela tava com uns seis meses de grávida, ela pegou, armou a rede, quando ela armou a rede, eu brincando em cima da cama, eu só ouvi foi "pá!". Ela caiu. Acho que ela caiu, o menino nasceu. Aí ela ficou: "Chama aí, chama aí, grita aí, grita aí por alguém!". Eu era pequenininha aí sentei em cima do coiso da janela e fiquei gritando, aí fiquei, passou um rapaz e foi chamar uma mulher lá do outro lado, parteira. Aí ele é meio assim, até meio alvoroçado.
P/1 – O teu irmão já tinha nascido então quando ela caiu?
R – Não, ele nasceu da queda. Acho que ela caiu, ele nasceu, da queda.
P/1 – Ele já saiu.
R – Foi.
P/1 – E depois, a sua mãe se recuperou?
R – Se recuperou.
P/1 – O menino não aconteceu nada?
R – Não, ele só é meio assim, meio nervoso, mas ele (risos), só é nervoso, ele. Acho que ele tava até por lá.
P/1 – E o outro irmão que nasceu?
R – A outra minha irmã.
P/1 – A outra irmã que nasceu em casa?
R – A minha irmã também é normal, ela nasceu de nove meses, é normal.
P/1 – Você chegou a ver o parto ou não?
R – Não. Vi só, assim, quando ela saiu os grito, aí a minha bisavó pegou, mandou eu ficar detrás de uma porta, pra eu não ver nada. Quando eu saí já tava tudo ensanguentado assim, que ela saiu quase morta.
P/1 – Foi um parto difícil pra sua mãe?
R – Foi.
P/1 – E quem fazia os partos naquela época?
R – Esse parto quem fez foi uma senhora que morava lá perto de casa, ela até faleceu, lá no Zé Walter mesmo, sabe? Ela até faleceu.
P/1 – Aqui, o pessoal chamava de cachimbeira?
R – Era.
P/1 – E ela fazia, vinha com cachimbo?
R – Eu não sei. Sei que eu tava detrás da porta, aí ficava aquele pessoal, não deixava eu sair detrás da porta de jeito nenhum. Ainda hoje eu tenho abuso de ter de ficar de trás de porta (risos).
P/1 – Por causa dessa época?
R – É.
P/1 – E pra você estudar lá em Fortaleza, como que foi?
R – Não, aí pra eu estudar lá, que eu já estudava quando era pequena, aí vim pra cá e ficava nessa bagunça, aí quando eu cheguei lá fui começar tudinho de novo. Que antigamente tinha o que começava de manhã, como é que é? Era o supletivo, que chamava, parece? Que começava, era a primeira à quarta série, foi assim que eu. Aí quando chegou até a quarta série eu peguei todos os quatro juntos pra poder iniciar o resto.
P/1 – Você tem alguma lembrança de quando você tava lá em Fortaleza?
R – Lembrança assim como?
P/1 – Uma lembrança da escola, uma história, que você sempre, quando você pensa essa época, que você estudava em Fortaleza, vem na sua memória.
R – Não, tem uma sim, porque, eu sempre, eu quis sempre terminar o segundo grau pra eu ser uma coisa, enfermeira, alguma coisa. Mas apesar das coisas, porque era dificultoso, eu tive que trabalhar pra ajudar meus pais, como eu era mais velha tive que trabalhar, aí aquilo dali já fui perdendo, fui perdendo, é, como é que se diz? O valor. Deixei os estudos pra lá e fui trabalhar como doméstica, pra poder ajudar os meus pais a cuidar dos meus irmãos.
P/1 – Você trabalhou como doméstica numa casa de família?
R – Foi.
P/1 – Foi onde, em Fortaleza?
R – Foi em Fortaleza, comecei a trabalhar com cinco anos.
P/1 – Com cinco anos?! Você lembra do primeiro dia que você foi?
R – Me lembro.
P/1 – Como que foi?
R – Foi assim, era uma vizinha que tinha lá perto lá de casa, aí disse assim: "Mulher, tu tem muito menino, me arranja pelo menos uma menina dessa, me arranja ao menos essa menina aí pra ficar aqui em casa, pra ajudar a ficar com o menino, que esse menino dá muito trabalho, mesmo pra brincar". Aí a mãe: "Vai Ana", aí eu fui. Só que era assim, eu ficava com o menino velho, o menino já era bem gordão, eu parecia um palito, aí ficava aqui com o menino, me dava soco, eu, puf, pra trás, com cadeira, com tudo.
P/1 – Quantos meses que ele tinha?
R – Ele tinha acho que era um ano, mas eram as bola, eu era um palito, (risos). Aí caía com esses meninos, aí quando terminava: "Não me leva a mal, não, lava só esses pratinho aí", quando olhava a pia, cheia! Quando eu terminava: "Ô mulher, não me leva a mal não, passa a vassourinha aqui". Quando terminava: "Agora tu passa o pano". Quando terminava: "Oh, filha, lava aquele banheiro que tá sujo". Aí, nessa arrumação terminava a casa todinha e elas iam era dormir. Eu ficava lá na pia. Como eu tinha pena, eu olhava pra trás e tinha que ajudar os meus irmãos, aí eu tinha que ir pra frente...
P/1 – Mas ela te pagava por esse serviço?
R – Não. Ela não pagava não. O pagamento que ela me pagava era assim tipo uma cesta básica pra mãe, que dava pro mês.
P/1 – Dava pra sua família, então?
R – É. Aí não foi só eu não, foi eu, as minhas duas irmãs.
P/1 – Ficavam todas vocês na casa dessa mulher?
R – Não. A mãe botava cada uma em casa diferente.
P/1 – E quantos anos tinham suas outras irmãs?
R – Uma entrou com sete anos e uma entrou com nove. Aí, tem uma que entrou com sete anos, mas a mulher lá ela tratou ela como uma filha mesmo. Ainda hoje, ela se casou, é viúva, mas a mulher trata ela como se fosse uma filha mesmo. Porque quando ela tá doente é ela quem corre, todo dia ela quem vai buscar as meninas dela pra ficar lá, vai buscar ela. Fim de semana assim ela leva elas pra praia, diz que é a segunda filha dela.
P/1 – E você ficou quanto tempo lá nessa senhora?
R – Aí, nas casa que eu trabalhava numa eu passei um ano, outras eu passava três meses, eu ficava pulando.
P/1 – E por que você saía?
R – Era assim, eu saía porque eu via que tava maltratando muito, aí eu dizia pra mãe, a mãe dizia assim: "Não, então sai dessa casa". Eu saía, aí a mãe botava noutra. Aí quando a casa era boa eu passava um ano, quando a casa era ruim eu dizia pra mãe, a mãe me tirava.
P/1 – Quando elas te maltratavam era o que que elas faziam?
R – Não, era só isso, que elas dizia que era pra fazer uma coisa e no caso botava outra. "Enxagua aqui essa roupa!", quando eu olhava era um balde, eu: "Ah meu Deus, será que eu vou terminar isso hoje?!". Aí era só, questão era só de botar pra trabalhar. Tipo escravidão, que chama?
P/1 – Houve algum momento que você começou a ganhar dinheiro?
R – Quando eu comecei a ganhar dinheiro eu já tinha o quê? Eu tinha uns, uns 15 anos, por aí já, quando eu comecei a ganhar dinheiro.
P/1 – E sempre lá em Fortaleza?
R – Sempre em Fortaleza.
P/1 – Você lembra a primeira vez que você recebeu o seu dinheiro?
R – Me lembro. Eu recebi o dinheiro, aí eu passei no mercantil, fiz umas compras e levei pra mãe.
P/1 – Você comprou tudo com?
R – Comprei tudo.
P/1 – Você lembra o quê que você comprou?
R – Eu comprei arroz, feijão, macarrão, bolacha. Comprei biscoito, comprei sabonete, shampoo. também o que não tinha foi tudo.
P/1 – E nessa época seus pais tavam em Fortaleza, então?
R – É, o pai ficava pra cá, a mãe ficava pra lá, ficava nessa bagunça.
P/1 – Aí você ficou até quantos anos lá em Fortaleza?
R – Ah, nessa baguncinha eu fiquei até uns 20 anos, 22.
P/1 – Nesse período você terminou de estudar também?
R – Foi, eu terminei os estudos com 24. Com 22, por aí, eu me casei, aí com 24 tive a minha menina, quanto ela tava com quatro anos eu vim embora pra cá.
P/1 – Como você conheceu seu marido?
R – Ele era meu professor, (risos).
P/1 – De qual matéria?
R – Matemática.
P/1 – De Matemática?
R – Era, mas era professor particular. Porque era assim, eu namorava com um cara, o cara pegou, começou a pintar boneco. Aí ele: "Fica aí, eu vou estuda naquela escola acolá", só que a minha escola terminava mais tarde do que a dele, a minha terminava dez pras 11, a dele terminava nove horas. Aí quando foi um dia disse a menina disse assim: "Larga de ser besta, ele diz que termina 11 horas, mas tá deixando a dona em casa", eu disse: "Ah é? Pois eu vou faltar a aula e vou pegar ele". Peguei ele, dei umas porradas nele.
P/1 – Você bateu nele?
R – Eu bati, eu dei umas porrada nele e disse, (risos): "Ó, tu é sem vergonha por passar a dona nas minhas costas, pois tu vai ver que eu vou arranjar um negão e passar na tua cara" (risos). Aí comecei a namorar com o professor, mas era mais pra fazer a raiva ao outro. Nessa brincadeira, com uns seis meses me casei, vou fazer 17 anos de casada.
P/1 – A é, com ele? Mas só voltando um pouquinho, Ana Virginia, esse que fez raiva a você foi o seu primeiro namorado?
R – Foi não.
P/1 – Foi não? O seu primeiro namorado você teve onde, aqui no Gregório?
R – Foi, era um primo meu. Mas era namoradinho de infância, que hoje em dia os namoro é... antigamente os namoro era um aqui, outro bem ali, assim mesmo minha tia ficava com a lamparina na mão (risos).
P/1 – Ficava olhando?
R – Era. Que aqui pra namorar, era... Agora que é tudo liberado, mas antigamente era bem, (risos), bem legalzinho.
P/1 – Ana, e como vocês se divertiam, então? Lá em Fortaleza, tinha festas?
R – Não, o meu divertimento é que eu fui sempre criada, trabalhar, quando chegava em casa era cansada, ia dormir. Às vezes eu ia pra Igreja e pronto, meu divertimento era assim.
P/1 – Você não ia aos forrós?
R – Não. Eu tinha medo porque tinha muita briga, muita coisa, aí eu tinha medo, eu disse não. Eu tenho que dormir que é pra amanhã amanhecer viva pra trabalhar, pra ajudar meus irmãos (risos), que eu tinha medo.
P/1 – Ana, você lembra quando você conheceu o seu atual marido, o professor de Matemática? Você lembra quando você o conheceu?
R – Me lembro.
P/1 – Como que foi esse dia?
R – Não, era assim, eu já tava com um ano que eu conhecia ele. Aí eu comecei a pedir ele pra me ensinar, sei que ele ficava me chamando: "Vai embora? Que eu vô te deixar em casa". Eu disse: "Ah, quer saber de tudo, deixa que eu sei onde é o caminho". Ele disse: "Não, deixa que eu vou te deixar". Eu disse: "Não". Aí sei que nessa arrumação ele me seguia, aí chegou lá em casa aí: "A Virginia tá aí?", que ele me chama de Virginia, os outros me chamam de Ana, só ele que me chama de Virgínia. "A Virginia tá aí?". Aí a minha irmã disse assim: "Tá, por quê? Quem é você?" "Não, eu sou namorado dela". Aí eu só na minha, lá dentro: "Eta bicho mentiroso!" (risos), nem tava namorando. Aí pronto, a gente começou a andar junto, aí nessa arrumação aí, passamos nem seis meses namorando, aí nóis se casemo e pronto.
P/1 – Vocês casaram no civil?
R – A gente casemo no civil, aí com dois anos eu casei na Igreja.
P/1 – Na Igreja Evangélica?
R – Uhum.
P/1 – Vocês fizeram festa quando vocês casaram no civil?
R – Não, a gente tava, foi que nem o outro, a gente tava passando por baixo.
P/1 – Ana, você saiu da casa dos seus pais quando você se casou?
R – Foi, eu saí de casa aí e passei cinco anos morando com a minha sogra. Aí passei por umas dificuldades, foi na época que eu me operei, aí era dificuldade demais.
P/1 – O quê que aconteceu Ana?
R – É porque eu tive a minha menina, aí tive eclâmpsia, aí tive que ter ela cesária.
P/1 – A Esther?
R – É, a Esther. Quando ela tava com três anos, eu engravidei de novo, aí tive a menina nas trompas, deu hemorragia interna e tava com mioma. Fui no médico, o médico me disse que eu não tava grávida. Só que eu tava grávida, aí com três meses eu fui pro hospital muito mal, cheguei lá e o médico disse. Aí fui passar por cirurgia, operei na quinta, quando foi no domingo tiveram que me abrir de novo que deu hemorragia interna. Aí eu vim pra casa. Com oito dias que eu tava em casa, na minha cama eu botava um cordãozinho pra estender e fralda da menina, aí o que que aconteceu? O sobrinho do meu marido passou, tinha um saco de bolacha, o sobrinho do meu marido passou, tacou a mão, o saco de bolacha caiu em cima da minha barriga. Tive que voltar pro hospital de novo, passei 15 dias internada, pra ver se desmanchava, porque ficou tipo um sangue pisado. Fiquei no hospital internada 15 dias, aí o médico não sabia o que fizesse: "Isso aqui não desmancha mais não, vamos abrir ela de novo". Aí abriram, cortaram aqui de novo, fizeram... (pausa).
P/1 – Ana, você tava falando que te abriram novamente, então?
R – Foi.
P/1 – E aí?
R – Aí, me abriram e eu fui pra sala de recuperação. Só que quando eu tava na sala de recuperação, aí tinha uma janela, só que na janela de lá tinha saído uma mulher e tinha entrado outra, eu tinha chegado três horas, quando foi cinco horas entrou uma mulher. Quando essa mulher entrou ficou podre o quarto, podre, podre. Tinha mais duas mulheres lá e o quarto podre, eu disse: "Gente, tem um bicho podre em cima da casa". Aí a mulher: "Eu acho que é gato". E nessa arrumação, meu filho, não era gato não, era a mulher que tava perto de mim, que estava podre e o vento dava, o vento dava, a podridão ia toda pro meu lado, quando amanheceu o dia, toda podre.
P/1 – A mulher?
R – Nada! Eu era que tava toda inchada. Eu peguei infecção hospitalar, fiquei bemmm gordona, bem inchadona.
P/1 – E você tava em qual hospital, lá em Fortaleza?
R – Lá na maternidade escola.
P/1 – Você chegou a ter esse bebê?
R – Não.
P/1 – Você perdeu, então?
R – Perdi.
P/1 – E o que que fizeram com você quando você teve essa infecção?
R – Eu tive infecção, aí eles pegaram, me drenaram, eu tava toda drenada já, aí me levaram. Eu fiquei sem falar, sem me mexer e a febre lá em cima, aí eles me botaram na UTI. Passei dois dias na UTI. Fiquei um dia, quando foi no segundo dia, de tardezinha, já era quase cinco horas, chegaram vários médicos e disseram assim: "Olha, essa daqui não tem mais jeito não, vamos ligar pro marido dela amanhã, que amanhã ela tá morta". Ficaram nessa arrumação. Assim que eles saíram, um pedacinho, chegou a minha mãe. E eu pedindo a Deus que Deus me desses forças, que eu não ia conseguir falar não, que Deus me desse força pra eu falar. Aí quando a mãe vê, a mãe falando, aí quando ela foi se virando eu disse assim: "Mãe, mãe, pega minha foto e passa num manto sagrado que eu tenho fé em Deus que amanhã eu vou sair daqui com meus pés". A mãe não foi, a mãe chegou em casa, só que ela não fez isso. Como meu pai também tava passando por uma, tava doente, aí ela não foi, mandou a vizinha. Pegou a minha foto e deu pra vizinha. Aí a vizinha pegou, foi, levou, aí chegou lá, passou no manto sagrado. Quando foi oito horas, oito horas da noite, eu senti aquele homem. Porque pra entrar na UTI tem que botar sapato, tem que botar luva, tem que lavar as mãos, uma coisa medonha. Aí quando deu oito horas da noite, aí eu vi aquele homem todo de branco, com as mãos assim, um mantozão brancozão assim. Ele chegou, pegou assim, botou as mãos nos meus pés, aí fez "sssshh", parecia um sonsiral nos meus pés, aí saiu passando no meu corpo todinho. A barriga, essas pernas, isso aqui, daqui pra cá ela grudou, ficou grudada. Quando ele veio, que ele começou a passar, foi "ssshh", aí quando chegou aqui, ele passou no meu corpo todinho, aí quando chegou aqui na minha cabeça aí fez assim: "ssshh". Aí pronto, aí eu fiquei assim: "Meu Deus, se for coisa do bem, eu aceito, agora, se for do mal retira do meu caminho". E eu orando, sei que quando foi, aí agarrei no sono, quando eu vim acordar era cinco horas da manhã, as enfermeiras: "Ó, vamos já pegar ela, vamos já". E eu tava entubada, cheia de aparelho. Com uma borracha véia na boca, mas assim mesmo eu consegui falar com a mãe. Quando foi no outro dia as enfermeiras: "Vamos já tira isso daí, essa menina já tá é morta, já". Quando elas chegaram perto de mim eu disse assim: "Tô morta não, pode tirar esses aparelhos já de perto de mim que eu tô boazinha, pode me botar na cadeira de rodas, eu quero já tomar banho, tirar essa catinga já de cima de mim". Aí elas pegaram, botaram na cadeira de roda: "Pode?" "Posso". Botaram na cadeira de rodas, eu tomei banho, aí levaram lá pra dentro, me botaram num negócio lá, fizeram todo tipo de exame, botaram eu de cabeça pra baixo, furaram meus pés, aí não tinha mais nada. Eu disse: "Porque o médico dos médicos me curou".
P/1 – E quem era esse médico dos médicos?
R – Jesus (risos). Eu tive que usar a fé, porque se a gente não tem fé a gente não vai a lugar nenhum.
P/1 – Ana, e você falou que você pediu para que a sua mãe...
R – Que ela passasse a minha foto no manto sagrado.
P/1 – Mas onde é esse manto sagrado?
R – Era uma campanha que tinha na Igreja que eu frequentava, a Quadrangular.
P/1 – A Quadrangular?
R –Só que quando ela foi a campanha já tinha acabado, aí ela foi e passou na Universal.
P/1 – Ah tá, aí você então ficou boa?
R – Fiquei boa. Aí o médico disse que eu nunca mais ia ter filho, porque eu tinha cortado uma trompa, devido a isso, eu tinha cortado uma trompa, tinha infeccionado. Eu disse: “Tudo bem”, em quatro anos eu tive meu filho. Moisés já tem sete anos.
P/1 – Quantos anos?
R – Quatro anos depois eu tive meu menino.
P/1 – Qual o nome dele?
R – Moisés.
P/1 – Moisés? Então você teve todos os seus filhos lá, em Fortaleza?
R – Foi.
P/1 – E quando você tava morando com o seu marido...
R – Só que o Moisés eu ia ter aqui, só que aqui não teve vaga pra mim. Meus partos eram perigosos e cesárea, aí eu fui pra Fortaleza.
P/1 – E quando você tava morando com seu marido as crianças crescendo também, você tava morando na casa da família dele?
R – Era, até a minha menina com três anos e pouco ainda morava lá e quando ela completou quatro anos eu vim morar aqui. Aí aqui já tô com quase, ela veio pra cá tinha quatro anos, agora tem 15, tô com 11 anos que moro aqui.
P/1 – E Ana, você veio pra cá por quê? Saiu lá de Fortaleza?
R – Porque lá as dificuldades tava maior do que a daqui. Porque lá emprego tinha, a questão era que eu não tinha moradia, eu morava dentro da casa da minha sogra. Todo mundo quer sua privacidade e eu não tinha. Aí era um banheiro pra um bocado de gente, aquela bagunça, um arrumava, outro desarrumava. Eu disse: “Não, cada um tem que ter casa”. E o meu pai tinha terreno aqui, aí eu vim morar aqui.
P/1 – E o seu marido, tava dando aula ainda, de Matemática?
R – Não, ele dava aula particular. Ele chegou aqui e foi tentar terminar os estudos, mas aqui tava um pouco meio dificultoso, aí ele deixou pra lá. A gente começou a viver na agricultura, aí graças a Deus que agora ele tá trabalhando ali, limpando o óleo da Argetax.
P/1 – Argetax é alguma firma daqui dessas obras, do Pecém?
R – É, mas ela é de Fortaleza.
P/1 – Ela é de Fortaleza? Mas tá dentro das obras aí?
R – É, ela chegou agora, pouco tempo, acho que tá com um mês instalada por aqui.
P/1 – Ana, qual era a diferença que se tinha daquela época que você morou aqui, mesmo indo e voltando pra Fortaleza, e agora?
R – A dificuldade, sabe, de que é? É água, que hoje em dia eu tenho que comprar água. Eu tenho que comprar, de 15 em 15 dias tem que comprar dois anéis de água lá pra casa.
P/1 – Vocês não têm água em casa?
R – Não tem água. Tem água agora, porque choveu, aí assim, a gente tá tirando água só pra beber da bomba do meu pai, que é aquelas bombas de braço. Mas pra tomar banho a gente tem que comprar, tomar banho, lavar roupa, aí tem que comprar.
P/1 – E quanto custa a água?
R – A água, o rapaz aqui, como ele é legal, ele cobra 20 reais. Mas tem uns que cobram 30, 50, 100, aí...
P/1 – Dois anéis de água seria o quê?
R – Cada anel de água custa 10 reais.
P/1 – Anel da água seriam quantos litros, mais ou menos?
R – É aquele dali, ó. Um anel de água, eu não sei quantos litros são.
P/1 – Você fala encher aquilo ali.
R – É, só que aí são três, mais pra dentro tem três, aí são seis. Mas lá em casa só é dois mesmo.
P/1 – Dois, dois anéis?
R – É.
P/1 – E hoje você tá morando com quem?
R – Hoje em dia assim, o pai tem um hectare ali de terra. Essa terra que ele tem lá, como ele tem seis filhos, ele partiu já tudinho, deixou logo tudo partido, que ele disse que quando morrer pra não ter confusão. Aí eu já peguei o meu, já fiz a minha casa.
P/1 – E esse terreno é do seu pai?
R – É do meu pai, porque era herança do meu vô. Os meus avôs tinham terreno aqui, era muito, sabe? Aí, como ele tinha 22 filhos, ele saiu dando, deixando pra um, pra outro. Os que tinha, a família foi crescendo, foram morando, outros foram vendendo, sei que deram fim em tudinho. O único que tem um restinho de terreno é só o meu pai e a minha tia. Porque o resto vendeu tudo, que o meu vô tinha muito terreno.
P/1 – O seu pai ainda trabalha na terra?
R – Trabalha não, meu pai é aposentado.
P/1 – Ele é aposentado?
R – É.
P/1 – E a sua mãe?
R – Assim, meu pai é aposentado, mas ele trabalha só lá em casa mesmo, capinando, plantando uma macaxeira, um feijãozinho.
P/1 – E a sua mãe, ela trabalha?
R – Não, é só do lar mesmo.
P/1 – Só do lar?
R – É
P/1 – E agora, vocês continuam plantando, é pra consumo próprio ou vocês vendem um pouquinho também?
R – Não, como o terreno é pouco, mal dá pro consumo. Porque isso aí é um hectare, na época que a gente morava lá em cima, ali eram três hectares e meio. O total mesmo era sete hectares que meu pai tinha.
P/1 – E por que vocês saíram lá do Gregório?
R – É porque a gente foi indenizado. Indenizado assim, as herança que meu vô deixou, como foi indenizado, não sei pra que firma não, sei que foi indenizado aí, sabe? Na época era assim, como as dificuldades eram muito grande, a gente tinha a casinha toda de taipa e em cima era de palha. Depois o pai começou a comprar as telhas, ajeitou. Aí o que foi que houve? Como as dificuldades era grande, eu tive que ir pra Fortaleza cuidar da minha bisavó pra adquirir o dinheiro pra manter aqui, lá em casa. Sei que a mãe tinha uma casa também em Fortaleza: "Mãe, deixa isso aí, vem pra cá". O gasto era mais, porque o dinheiro que eu pegava era só pra gastar passagem de lá pra cá e era pouco. Era muita gente pra comer e pouco dinheiro pra gastar. Sei que a mãe pegou, voltou pra lá. Quando voltou pra lá a casinha ficou, ficou a casinha a ficaram os três hectares e meio de terra. Começaram a roubar as telhas, aí o meu primo pegou, avisou o pai: "Olha, tão roubando as telhas", quando o pai chegou lá já tinham roubado as telhas tudinho. Como a casinha era toda de taipa, sem telha, começou a chover, o barro começou a derreter, ficou só os pau. O pessoal pegou e tirou os paus tudinho pra cozinhar feijão, aí ficou sem nada. Quando veio a indenização a gente não lucrou quase nada. A gente lucrou, na época ganhamos só mil e 200.
P/1 – Mas vocês foram indenizados por causa das obras?
R – Foi, por causa da obra.
P/1 – Do Pecém. Foi as obras da siderúrgica ou do porto?
R – Eu não sei qual foi a firma que caiu em cima. Sei que caiu uma firma em cima, a linha do trem passou bem em cima, também. A linha do trem passou bem em cima do terreno que a gente morava.
P/1 – E o que que você achou de ter vindo pra cá? Foi o seu pai que achou o lugar ou ele foi removido pra cá?
R – Não. Como a gente ganhou muito pouco, os meus primos ali tudo têm dois hectares, três hectares. Como a gente ganhou muito pouco, todo mundo foi indenizado com 20, 28, 18, só a gente que ganhou mil e 200. Aí esse dinheiro, como o pai tinha seis filhos, aí o pai pegou, trabalhou, aí pegou mais 200, interou e comprou um terreninho ali perto, que é justamente o que a gente mora.
P/1 – Que vocês moram lá?
R – Uhum.
P/1 – Você viu algum impacto aqui na região depois das obras aqui do Pecém?
R – Eu vi o impacto só da água.
P/1 – Da falta de água então?
R – Porque logo quando a gente chegou aqui a água aqui era farta. Lá em casa, na época o pai comprou os três anéis, os anéis eram cheios direto, direto, direto. Hoje em dia, aí sim, o pai mandou cavar mais a cacimba, botou, mas sei que nessa brincadeira tem oito anéis, aí o pai mandou cavar mais um poço profundo dentro, que é mais cinco metros pra dentro, e a água só dá mesmo pra beber. Porque tem tempo que, teve uns dias aí que não tinha água de jeito nenhum, a gente tinha que pegar aqui no poço do vizinho, um poço profundo.
P/1 – Essa região, Virgínia, você sabe se vai ter algum impacto assim de vocês terem que sair daqui do Bolso?
R – Vai, que a refinaria que vão fazer é bem aí. E justamente vai ter que, é o lado de lá que vai ter que sair.
P/1 – Como vocês souberam dessa história da refinaria?
R – É porque faz é tempo. Porque é assim, ali onde vai ser a refinaria, ali morava um povoado, tinha na faixa de umas 500 pessoas, por aí, acho que eram umas 500, que parece que saíram 200 pra lá e 300 pra cá. 500 famílias. Era um povoadozinho. Esse povoado ta na faixa acho que quase dois anos já, um ano e pouco que esse povo daí foi indenizado, justamente pra eles fazerem a refinaria.
P/1 – Como vocês souberam? Vocês foram avisados por alguém?
R – Aí os pessoal vai passar lá perto lá de casa, já mediram o terreno.
P/1 – Quem é que passou lá?
R – Foi o Idácio, Idácio.
P/1 – O Idácio?
R – Foi justamente eles que indenizou a gente lá também.
P/1 – Aí eles disseram que vocês teriam que sair de lá?
R – Aí a gente vai ter que sair, mas não agora.
P/1 – Eles disseram quando vocês vão ter que sair?
R – Não, eles só disseram assim: "A gente vai medir aqui os terrenos, porque daqui uns tempo a gente vai precisar desses terrenos". Aí pronto, de lá pra cá também não falaram mais nada.
P/1 – Isso faz quanto tempo?
R – Isso tá na faixa de quase quatro anos, por aí. Sei que o total, o pessoal daqui já saiu, um bocado daqui do lado já saiu, um bocado dali já saiu, só a gente mesmo. Aí o que tem mais é pra banda de cá, que tem mais gente do que pra cá. E aqui tinha mais gente do que pra cá. Aqui tinha, pra não dizer que tinha, tinha umas 20, 30 casas; aqui já tem quase 200. E pra cá já tem bem pouquinho.
P/1 – E a sua família, os seus pais, o que eles acham dessa mudança?
R – Não, a gente não queria sair não, que aqui é tão bom.
P/1 – Vocês já estão vendo outro local?
R – Não. Aqui é bom demais. Assim, apesar de tudo, da dificuldade da água, mas aqui é bom, é tranquilo. É uma tranquilidade, você pode armar uma rede a qualquer hora. Lá em casa ou deixo as bacias, é balde, é bicicleta, é carro de mão, é roupa, tudo do lado de fora. Quando amanhece o dia tá tudo lá. Agora na cidade se deixar mesmo um par de meia, (risos). Aqui é muito tranquilo.
P/1 – E o seu esposo, ele gosta daqui também?
R – Gosta, gosta. Aqui é bom, só que a questão é só essa.
P/1 – As crianças têm escola aqui? Elas estudam aqui?
R – Têm, estudam. O meu estuda aqui, a minha menina como tem um nível maior estuda em São Gonçalo, que aqui é até a oitava série, até o nono ano, que hoje em dia tem. E lá até o segundo grau.
P/1 – Ana, tem alguma associação de moradores aqui, dessa região?
R – Tem associação, mas assim, eu quase não participo não, só participei uma vez. Tinha era minha prima, que começou a fazer a associação e deixou pra lá, abandonou. Aí começou outra também, até a esqueci o nome da menina, que ela mora lá pra acolá.
P/1 – Ana, você quando você passou por esse problema de saúde do seu segundo filho, sua segunda gravidez, você chegou a trabalhar depois?
R – Cheguei.
P/1 – Com o que que você trabalhou?
R – Trabalhei... Eu vim pra cá cuidar duma senhora, aí eu passei um ano e dois meses trabalhando na casa duma senhora. Eu peguei e saí, foi o tempo que eu terminei a minha casa, aí fui morar na minha casa.
P/1 – E como foi morar na sua casa?
R – Parece que eu tinha ganhado na loteria, (risos).
P/1 – Você lembra o dia quando você entrou na sua casa nova?
R – Lembro.
P/1 – Como que foi?
R – Foi assim, era um vãozinho assim que eu não tive condições de terminar. Não tinha nem banheiro, era só dois quartos e o corredor. O único canto que tava coberto era o quarto, porque o resto era tudo aberto, só estavam as parede levantadas, mas pra mim parece que eu tinha ganhado na loteria. Aí tô terminando aos poucos, já tá com dez anos, mas eu chego lá.
P/1 – Tá certo. A sua casa é feita de qual material?
R – Esses tijolos assim.
P/1 – É de tijolo e cimento?
R – É, de tijolo e cimento.
P/1 – E você tem um espaço, então, como você falou, no terreno do seu pai.
R – É.
P/1 – Vocês tem outros irmãos que moram ali no mesmo terreno?
R – Só o meu irmão, porque depois de mim tem o meu irmão, o resto mora na cidade. Meu irmão tem a casinha assim de lado.
P/1 – E você veio assim, você falou que gosta muito daqui e que o principal roblema então é a água?
R – É a água.
P/1 – E energia elétrica, vocês sempre tiveram aqui, desde quando vocês vieram?
R – Não, quando a gente chegou não tinha energia, não. Energia era até por aqui assim , aí não tinha energia lá não. Aí foi que pedimos energia, já tava com quase um ano que a gente morava aí, pedimos energia. Foi na época da eleição, aí aproveitaram, botaram.
P/1 – Faz tempo que vocês têm energia elétrica?
R – Tá na faixa de uns 11 anos já, quase, por aí.
P/1 – Ana, você agora tá trabalhando aqui, fazendo um bico?
R – É, um bicozinho.
P/1 – Aqui no Bar do Camarão?
R – Isso, Restaurante do Camarão.
P/1 – Você já terminou teu ensino médio?
R – Uhum.
P/1 – Lá em Fortaleza. E depois você fez outra coisa assim, enquanto formação?
R – Eu fiz um curso de Administração de Empresas, eu fiz um curso pra poder montar o meu próprio negócio, mas eu não quero mais não.
P/1 – Por que Ana?
R – Quebro muito a cabeça, tem gente que é, tem uns clientes que é bom, mas têm uns cliente que chega chiando, aí a minha paciência já tá bem pouquinha. Deixa só pra cuidar mesmo dos menino e pronto.
P/1 – E você pensa em voltar a trabalhar, além de fazer os bicos aqui?
R – Não, não penso mais não, porque os meus pais não são muito idosos não, mas já tão cansados, trabalharam muito, principalmente a minha mãe. Aí ela é boa, ela tem mais saúde do que eu, mas aí eu aqui dou uma ajudinha a ela, (risos), dou um empurrãozinho, não quero mais trabalhar não, cuidar dos véio mesmo.
P/1 – E com a renda do seu marido dá pra manter a família, então?
R – Dá.
P/1 – E como você vê daqui a 20 anos essa região?
R – Ixi, daqui a 20 anos isso aqui tá tudo é poluído (risos). Se começar a refinaria aí, não tem quem aguente. E daqui a 20 anos acho que isso daqui nem existe mais, porque na época que a gente morava ali era tão bom também, aí agora hoje em dia tá tudo acabado ali com firma, com tudo. A firma veio trazendo muita solução, mas porém, problema também.
P/1 – Quais são esses problemas?
R – Problema de água. Problema de saúde, porque os que saíram dali, foram morar pra acolá devido à fumaça ali da MPX, têm muita gente já doente, problema de...
P/1 – Respiração?
R – Respiração. A gente por enquanto não. Por enquanto aqui não têm essas firmarada que por enquanto polui, não. Mas daqui uns tempos vai ter, o jeito que tem é a gente sair mesmo.
P/1 – Ana, a gente já tá encerrando, mas aqui havia uma tradição de bordado, nessa região?
R – Tinha.
P/1 – Quem era que fazia esses bordados?
R – Era assim, quem fazia esses bordados era a minha vó, as minha tias, era... Por aqui antigamente era assim, onde você chegasse numa casa era da criança assim de cinco anos em diante até o idoso, tudo fazendo bordado.
P/1 – E como elas faziam os bordados?
R – Era na agulha, bem coisadinho, eram uns pontozinhos, ponto cruz, ponto, esqueci os nomes, era um bocado de pontozinho. A gente fazia uns lencinho assim. A minha tia que faleceu sustentava a casa com isso.
P/1 – Ela vendia onde esses bordados?
R – Não, ela não vendia. Era assim: chegava um pessoa da cidade com carro cheio de bordado, aí saia distribuindo nas casas. Quando era dia de sábado, ou então de 15 em 15 dias ela ia buscar aqueles bordados, já feito, pegava os bordados feitos e ia pagando o pessoal.
P/1 – Essa moça que vinha de fora trazia a linha pra fazer o bordado?
R – Trazia a linha e os panos.
P/1 – Os panos...
R – As pessoas faziam, quando era final de semana, ela ia deixar só o dinheiro e pegava os bordados.
P/1 – Esse dinheiro dava pra viver?
R – Dava sim, porque como os terrenos antigamente eram grandes, a água era farta, tudo era farto, aí aquele dinheiro ali ia juntando. Porque tinha feijão, galinha, era só matar uma do quintal, ovo tinha muito, o negócio era tudo bem farto, aí aquele dinheiro dava pra comprar, ia guardando, juntando, até comprar uma cabra, um gado, uma coisa. Era pouco, muito pouco, mas, em compensação, um pouquinho ali, ia juntando.
P/1 – Você aprendeu a fazer bordado?
R – Eu aprendi, mas desaprendi, (risos).
P/1 – Desaprendeu? As mulheres não fazem mais bordado aqui?
R – Não.
P/1 – Isso há quanto tempo que não se faz mais o bordado?
R – Tem umas por aqui que ainda faz, mas faz só mesmo assim de vestimenta. Tá na faixa de uns 17, 20 anos, por aí.
P/1 – Que não se faz mais?
R – Têm algumas que ainda faz, mas é só pra elas, é divertimento. Não é que nem antigamente não que o pessoal pegava aquele dinheirinho, juntava pra poder comprar as coisas em casa.
P/1 – Ana, qual o seu sonho hoje?
R – O meu sonho é só que Deus me dê minha saúde (risos) e eu consiga, se um dia sair daqui, comprar um canto bem tranquilo também. Meu sonho é sair daqui, comprar um terreno bem grande e plantar todo tipo de fruta.
P/1 – Você já pensa assim o lugar, você já sonha em qual lugar seria?
R – Pior que por aqui (risos) não tem não.
P/1 – Você vê os seus filhos aqui, crescendo nessa região?
R – Eu vejo.
P/1 – E como que você imagina, você já até falou que não seria, assim, que vê problemas com a questão das obras, mas como você vê o futuro dos seus filhos?
R – O futuro, eu acho assim, pra eles que são novo, aí já tão pegando, como é que se diz? O caminho já. Porque aqui as firmas já têm curso, os estudos já estão bem avançado, que não tinha antigamente. Eu vejo que o futuro deles, se eles forem bem, se eles tiverem bem interesse, eu creio que eles vão ser bem sucedidos na vida.
P/1 – E Ana, o que você achou de ter contado a sua história pra gente?
R – É, não sei (risos).
P/1 – O que você sentiu?
R – Eu senti que, às vezes, a gente deve sempre contar o que se passa na vida, (risos) pra um dia alguém lá no futuro ver que existia alguém.
P/1 – Tá certo, Ana, a gente agradece a sua entrevista. Obrigada.
R – De nada.
P/1 – Ana, você tava contando sobre seus avós.
R – Era assim, era a bisavó do meu pai. Teve uma época que estavam pegando os índios pra fazer escravo. Pegaram um bocado, só que ela era pequenininha, ela tinha sete anos, ela com um cachorrinho, ela se mandou dentro dos matos, passou uns cinco dias dentro do mato escondida. Quando foi um dia passou um senhor, um cavaleiro, ele pegou ela, ela tava muito debilitada, por ser criança. Ele pegou, botou no cavalo, levou ela, aí criou ela como se ela fosse filha. Ela cresceu e como ele tinha muito terreno, como ele foi criando ela como filha, ele pegou e deu um terreno, um pedacinho de chão pra ela. Aí assim, ela pegou, passou pros filhos, que passou pros filhos. Eu só sei que o nome dela era Ana, o nome da minha bisavó, que era avó do meu pai, era Joana e o nome da mãe do meu pai é Ana.
P/1 – Como que você soube dessa história? Seu pai que contava?
R – Não. Quem me contou foi um cunhado dele que já faleceu, tá com 25 anos que ele morreu. Só que era assim, ele diz que foi os avós dele que já tinham contado pra ele, e na época ela já tinha uns 65 anos, na época que esse senhor falou pra mim. Eu era pequena. Porque antigamente era assim, a gente morava perto da casa dele, como não tinha televisão, não tinha nada, aí ficava contando as história dos antepassados.
P/1 – E você ouvia muita história quando era pequena?
R – Escutava.
P/1 – Qual outra história que você ouviu assim da sua família ou da região, que você lembre agora?
R – Não, aí era só isso. Aí foi crescendo a família.
P/1 – Você lembra do nome do grupo indígena que era sua avó?
R – Não, era bisavó do meu pai.
P/1 – Isso, da bisavó do seu pai? Você lembra qual era o povo indígena?
R – Sei não. Não! O cavaleiro, ele vinha de um canto, porque aqui antigamente não existia carro, existia cavalo, ele vinha dum canto longe, aí ele passou, pegou ela e levou ela pra outro canto também, não era assim por perto não, sabe? Ele levou dum canto pra outro. Aí, não sei.
P/1 – Mas você contou que sua família não gostava muito dessa coisa de índio?
R – Não. As minha tia não gostam, meu pai não gosta.
P/1 – Por que?
R – Meu pai diz que ele não é índio. Eu disse: "Pai, todo mundo é índio”, mas hoje em dia ninguém é índio, era índio, mas naquele tempo, que era raça pura, hoje em dia é tudo... Aí ele não gosta, porque era a bisavó dele.
P/1 – Ana, você quer dizer mais alguma coisa que você já tenha falado em outro momento com a Vanessa, que veio aqui?
R – Não, só isso.
P/1 – Você queria registrar mais alguma coisa?
R – Não, era só isso, só da água, que eu contei pra Vanessa e sobre...
P/1 – E a história da sua bisavó?
R – Aham.
P/1 – Tá certo, obrigada, Ana.
R – De nada.
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