Projeto SOS Mata Atlântica 18 Anos
Depoimento de Lázara Maria Gomes Gazzetta
Entrevistada por Rodrigo Godoy e Cláudia Leonor
São Paulo, 16/12/2004
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número: SOS_HV010
Transcrito por Thaís Ramos Cechini
Revisado por Luiza Gallo Favareto
P/1 - Então eu ...Continuar leitura
Projeto SOS Mata Atlântica 18 Anos
Depoimento de Lázara Maria Gomes Gazzetta
Entrevistada por
Rodrigo Godoy e Cláudia Leonor
São Paulo, 16/12/2004
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número: SOS_HV010
Transcrito por Thaís Ramos Cechini
Revisado por Luiza Gallo Favareto
P/1 - Então eu vou pedir para você falar de novo o seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R - Bom, meu nome é Lázara Maria Gomes Gazzetta. Local de nascimento é Ubirajara, São Paulo, e minha data de nascimento é 27 de janeiro de 1965.
P/1 - E o nome dos seus pais?
R - Sebastião Gomes e Nilda Gomes de Melo.
P/1 – E o que eles faziam, Lázara?
R - Eles fazem. São vivos.
P/1- Mas o que eles...? Eles trabalham ainda?
R - Eles trabalham. Meu pai é pecuarista sitiante e minha mãe é do lar.
P/1 - E me fala uma coisa. Como é que eram as suas lembranças mais marcantes da infância, que você...
R - Na infância nós morávamos no sítio em Ubirajara, distante de Bauru setenta quilômetros. Eu morei no sítio até meus dez anos. Então, na época, meu pai e minha mãe eram bastante pobres. Então era aquela vida de sitiante. Água de poço. Energia elétrica não tinha, era naquele esquema de lamparina. E escola, eu não estuda na zona rural. Eu já estudava, da primeira à quarta série eu estudei em Ubirajara mesmo. Eu não cheguei a participar de escola rural, não.
P/1 - Mas aí você tinha que ir até a escola. Como era isso? Acordava que horas?
R - Eu entrava às oito horas da manhã, e ia até Ubirajara porque o sítio fica distante, quatro quilômetros da cidade. Ia todo dia. Às vezes ia de carona, às vezes ia até de cavalo, mas meu pai não me deixava ir. Eu adorava ir de cavalo, mas ele não deixava com medo de cair. E depois de um tempo a gente começou a ir de veículo escolar, de ônibus. Mas uma grande parte da minha idade escolar eu fiz a pé todo dia, quatro quilômetros ia e voltava. Eu e meus irmãos. Meus primos que moravam todo mundo no sítio próximo.
P/1 - E me fala, quantos irmãos você tem? Como é que era essa dinâmica quando vocês eram crianças?
R - Olha, na minha época de infância foi uma coisa bastante legal. Nós éramos em seis. Eu sou a terceira. Tenho suas irmãs mais novas e na realidade quando eu morava no sítio não tinha o Beto que é meu irmão caçula. Era até a Eliane. Mas a brincadeira era brincadeira de sítio. A gente, na época, era super pobre, não tinha bola e se você tivesse era uma bolinha. E eram aquelas brincadeiras de brincar de casinha mesmo no meio do mato. É por aí. E com os primos, a gente brincava muito porque o sítio do meu pai foi uma herança do meu avô, então os sítios eram todos uns do lado do outro. Então tinha o sítio de um tio, o nosso, outro tio, outro tio. Então a gente morava muito próximo um dos outros, tinha aquela relação bem próxima com a família.
P/1 - E tinha festas familiares? Vocês se reuniam?
R - Ah, na época de festa junina. Elas aconteciam muito nas festas juninas. Eu por exemplo, lembro de uma festa que o meu pai fez um forró onde seca café...
P/1 - No terreiro?
R - No terreiro de café. Eu lembro disso que ficou a noite inteira tocando aquela viola. A noite inteira tocando e o pessoal dançando forró no terreiro de café. É uma coisa que me marcou bastante.
P/1 - E assim, tinham costumes religiosos na sua família? Tinha que ir à missa? Como é que era isso?
R - Sim. Todo domingo, todo santo domingo. Minha mãe, coitada, porque eram cinco. Não tinha o Beto ainda. Arrumava aquele monte de filho, pegava a carrocinha, porque era com carroça e ia para a cidade, para a missa e depois voltava. E eu lembro muito bem, o meu pai ficava: "Vamos logo!". Então ela arrumava um e a hora que estavam todos arrumados os outros já estavam sujos. Era sempre assim. "Vamos?". "Não. Estou arrumando fulano". E Então era bem assim, coitada.
P/1 - E me fala uma coisa. Como é que era? Até os dez anos você ficou no sítio?
R - No sítio. Mas ia todo dia para a cidade para estudar.
P/1 - Não tinha uma diferença que você sentia entre a vida no sítio, a vida na cidade?
R - Não, é claro. Eu, por exemplo, queria parar na casa da minha tia para assistir televisão. Eu não tinha isso em casa. Então eu ficava alucinada. Eu queria faltar na escola para ficar na casa da minha tia que morava em Ubirajara, assistindo televisão. Porque tinha energia elétrica, tinha televisão, tinha água gelada. Eu não conhecia água gelada. Então eu queria passar na casa da minha tia, que é irmã da minha mãe, para assistir televisão e tomar água gelada (risos).
P/1 - Você fazia isso de vez em quando?
R - Ô, como fazia. Passava aquele Vila Sésamo na época e eu era apaixonada pelo Vila Sésamo. Eu queria ficar assistindo.
P/1 - Era preto e branco ainda?
R - Era preto e branco. É, muito engraçado. Nossa você sabe que você está me fazendo lembrar o passado (risos).
P/1 - Esse é o nosso objetivo.
R - Meu, quanto tempo faz que eu não falo disso, meu Deus.
P/1 - E Lázara, como é que era a casa do sítio? Como é que se dividia? Tinha o quarto dos meninos, o quarto das meninas?
R - Tinha. Na época era só meu irmão, o Beto. Apesar que no momento agora eu não tenho mais nenhum dos dois. A gente passou por uma tragédia muito grande há um ano atrás. Morreu um em seis meses, e depois de seis meses morreu meu irmão caçula com a esposa em um acidente. Ficou a minha sobrinha de seis anos. A gente passou por uma coisa muito difícil agora. Mas na época era só o José Roberto e ele tinha o quarto dele e tinha mais dois quartos na casa que eram das meninas. Eu dormia. A minha irmã mais velha dormia sozinha, e a gente queria que ela casasse para ir embora e ficar no quarto dela. Ela foi uma das últimas a casar. E eu dormia no quarto com a Nildinha e a Eliane era bebê e dormia no quarto da minha mãe. Então tinha um quarto, uma área, como toda casa de sítio tem. Duas salas, o quarto do José Roberto, o meu quarto e aí vinha cozinha. Mas era casa de tábua, mas era uma casa super grande. E assim, tem uma árvore muito grande que foi uma árvore plantada pela minha avó materna, que já faleceu, e eles são portugueses mesmo. Então, quando ela veio de Portugal ela tinha uma casa nesse sítio. Meu pai herdou justamente onde os pais deles moravam. Então ela plantou um pé de Jatobá, e aquele pé de Jatobá está até hoje, e foi minha avó que plantou e ali era nosso passatempo. A gente brincava de balanças e a casinha na árvore está lá até hoje do lado do poço d'água.
P/1 - E quais eram as traquinagens que vocês faziam? Você lembra de alguma arte que vocês aprontavam?
R - Muitas. Tanto é que eu tenho várias cicatrizes. Eu fazia muita arte e ia correr da minha mãe e se enroscava nos arames farpados. Eu lembro de uma, porque assim, o meu pai sempre foi pecuarista e agricultor, e tinha lá onde hoje a gente chama de silo, mas na época era tulha. Então tinha aqueles caixões enormes que ele colocava arroz a granel e a gente brincava muito lá, porque tinha escadinha para entrar e para descer dentro do caixão. E a minha irmã, que era mais nova, na época que eu tinha oito [anos], a Lidiane deveria ter cinco ou seis [anos]. Ela subiu e a hora que ela desceu, eu empurrei e ela caiu de cabeça em um prego.
P/2 - Ai que horror!
R - Ela caiu de cabeça em um prego. A minha mãe foi correr atrás de mim e eu fui correr para o sítio da minha tia e rasguei a minha perna. Tenho até uma cicatriz.
P/1 - As duas machucadas.
R - As duas. Ela com a cabeça e eu com a perna. Aí eu ia para a escola com vergonha de contar para os meus amigos e passava uma faixa. A minha mãe não deixava eu por e quando chegava no caminhão eu amarrava uma faixa e ia com a perna enfaixada. Mas essas coisas são as que a gente aprontava. Não se tinha muito que fazer no sítio. E meu irmão, esse José Roberto que já faleceu, ele pegava à noite vara de pesca para atrapalhar o sonar do morcego e jogava o morcego na gente. Eu tenho um trauma, sou bióloga e tenho o maior trauma de morcego. Morro de medo por causa disso. Ele jogava o morcego em cima da gente. Então ele ficava derrubando o morcego pra jogar.
P/1 - Lázara, e tinha alguma história de assombração?
R - Ah, isso sempre. Quem morava no sítio vivia morrendo de medo do Saci, pelo menos. A gente tinha um medo do Saci, porque do lado da minha casa tinha duas moitas de bambu enorme. Então o bambu, quando venta faz barulho. E o José Roberto vivia falando que era o Saci que estava lá. Então não ficava ninguém à noite no quintal de medo e corria todos para dentro de casa. Mas isso é a vida de sítio.
P/2 - E você ficou até os dez anos?
R - Até os dez anos. Aí meu pai comprou uma casa na cidade que foi um parente dessa minha tia, que tinha televisão e que estava indo embora para São Paulo e estava ofertando essa casa. E meu pai era o segundo e ele tinha grana. Eu lembro que na época era quarenta mil ainda. Não sei quarenta mil o quê? Eu lembro que o meu pai tinha esse dinheiro guardado, vai vendo, lá no sítio. Mas a gente não tinha nem noção de dinheiro. Aí ele comprou a casa e aí nós fomos morar na cidade. E eu lembro que eu fui para a escola e fiquei na casa para ajudar uma moça que ia fazer faxina. Chegando lá não conseguia abrir a janela. Estava acostuma com janela de sítio e não conseguia puxar aquela borboletinha e não conseguia abrir a janela. Precisei chamar a vizinha para abrir a janela. E isso quando eu tinha dez anos. Então assim, algumas coisas me marcaram muito nessa transição de sítio para cidade. E eu ainda me lembro que hoje não tem mais, mas no fundo, do lado da cozinha tinha dois pés de jabuticaba, hoje não tem mais. Tem mais para trás, mas não nessa casa. O que eu me lembro bem é que foi naquela euforia de limpar a casa para mudar e não consegui abrir as janelas para limpar a casa. Caipira, né? Mas...
P/2 - E para você foi uma mudança radical, né?
R - Radical, porque eu saí do sítio e fui para a cidade. Apesar de que eu já conhecia a cidade, mas aí a gente passou a conviver na cidade. E aí a rua já era asfaltada, tinha energia elétrica, tinha água encanada, tinha geladeira, televisão. Porque aí nós mudamos e o meu pai comprou essas coisas. Então foi uma super de uma mudança.
P/2 - E os seus irmãos?
R - Bom, eu sou a terceira. A minha irmã estudou, não sei quando que ela começou a fazer magistério. Então ela fez magistério, eu continuei estudando. Esse meu irmão que faleceu continuou estudando também. E, na época, meu pai tinha também trator. Mexia com pecuária, com agricultura e essas coisas e ele tinha um trator, tinha um fusca. O fusca também tem um monte de história. Aí ele comprou um trator e vivia precisando do trator porque ele estava preparando a terra para plantar café em um outro sítio que ele tinha comprado perto da cidade. Não o que eu morava. Um há três quilômetros para cima da cidade. Aí furou o pneu do trator. Furou o pneu do trator e tinha uma única borracharia na cidade, uma única. Ubirajara, desse tamanho, três mil habitantes. Só que o homem, ele já era meio invocado, e o meu pai foi mandar arrumar um pneu e ele ficou uns três ou quatro dias para arrumar o pneu do trator. E de pirraça o meu pai falou: "Bom, então eu vou por uma borracharia. Já que ele não quer me atender, eu vou quebrar ele, vou pôr em uma borracharia". E quebrou. Só que quem tocava a borracharia é esse meu irmão que fez a vida tocando a borracharia. Hoje, lá virou um centro automotivo. Uns seis meses antes dele morrer ele já fazia alinhamento, balanceamento, vendia pneu e tal. Mas a vida começou assim do meu irmão, arrumando pneu. Justamente por causa do meu pai que queria que arrumasse o pneu e tinha uma única borracharia, e o cara não arrumou. Ele falou: "Pois agora eu vou montar uma borracharia". E montou.
P/1 - E o cara? A reação dele?
R - Acabou simplesmente. Ele quebrou, ele fechou as portas e ficou uma única borracharia que é essa até hoje lá. Agora quem toca essa borracharia é a minha cunhada com a minha sobrinha. O meu irmão faleceu. Então está lá até hoje tocando o pessoal. E começou por aí. E o meu pai tocando, porque o meu pai é pecuarista. Nascem os bezerros e ele engorda e vende. Não tem mais o café. Eu não trabalhei na roça, mas ajudei a medir a distância entre um pé e outro, porque eu tinha paixão de ir para a roça comer comida em marmitex. Então eu queria porque queria ir. Eu saia da escola e queria ir para a roça junto com o meu pai. Eu e minhas irmãs. Aí quando ele foi medir as covas do café, a gente ia com bambu. Eu não sei qual era à distância. Eu lembro que eu ia em uma ponta e minha irmã na outra e a gente marcava com o pé. Aí lá vinha a cavadeira para fazer o buraco. E agora não tem mais o café. Naquela época da crise do café todo mundo arrancou o café e transformou tudo em pastagem. Hoje é tudo pastagem.
P/2 - E ainda é da sua família isso?
R - Ainda é do meu pai. No sítio onde eu moro hoje tem pesqueiro. Quer dizer, tinha. Depois que o meu irmão faleceu o meu pai fechou. Mas lá é pesca e pague. Era. Fechou porque agora ficou só para a família. E lá em cima é pasto. Continua do meu pai. Depois que a gente... Porque o meu pai deu uma reagida, porque a gente era muito pobre. O meu avô era o cara mais rico de Ubirajara. Ele tinha da cidade até o sítio do meu primo, que dá uns vinte quilômetros, era tudo dele. E com esse negócio de endossar título ele perdeu tudo, e o que sobrou ele dividiu para os filhos para não perder. Então o meu pai quando casou, quando ele teve a gente, eles eram muito pobres. E aos poucos ele foi melhorando.
P/1 - Foi fazendo?
R - Foi fazendo. E hoje a gente está bem. Aliás, a gente não, o meu pai. Eles lá estão bem. Tem mais de cem alqueires de terra.
P/1 - Lázara, essa coisa com a sua avó é de origem portuguesa?
R - A minha avó materna veio de Fátima e meu avô veio de Leiria.
P/2 - De parte de mãe?
R - Pai. A minha avó materna ainda é viva. Agora, dia dezenove ela vai fazer 93 anos.
P/1 - É mesmo! Como que ela chama?
R - Júlia, avó Júlia. Vai fazer 93 anos. Meu avô, marido dela, faleceu em 79. Há muito tempo. Eu morava em outra cidade e eu lembro que faleceu. A minha avó materna é da região mesmo. Segundo o pessoal conta, a bisavó, tataravó dela era índia. E o marido dela veio de Pernambuco. Agora, meus avós paternos vieram de Portugal.
P/1 - Você reconhece alguma tradição, algum costume de origem portuguesa?
R - Não. Isso simplesmente se perdeu, não tenho não. Não lembro de nenhuma comida portuguesa da minha avó fazer, não lembro nada disso. Porque quando eu era pequena eles mudaram para Ourinhos. Eles saíram desse sítio que eles dividiram para os filhos e meu avô era carpinteiro, foi para Ourinhos montar, lembra, sabe essa Nova Ourinhos que tem? Não sei se você já ouviu falar da Nova Ourinhos, tem umas mansões. Ele foi para lá pra trabalhar como carpinteiro, para montar essa parte de madeiramento da casa. E a gente era pobre. Você não ia muito para Ourinhos, era uma coisa mais difícil. Longe. Não era tão longe. Hoje é perto. Mas para quem morava em um sítio, não tinha carro e só andava de carroça, era longe. A gente não tinha tanto contato com meus avós paternos, encontrava uma vez na vida, no natal.
P/1 - Ô Lázara, quando você muda para a cidade, o que muda na dinâmica da sua vida? O acordar, ir para a escola, as festas, os bailes? Descreve para a gente.
R - Tudo, completamente tudo. Eu, lá para ir para a escola, por exemplo, eu entrava às oito e eu tinha que acordar no mínimo seis horas, porque era uma hora de caminhada até a escola. Depois que eu estive na cidade não precisava acordar mais. Levantava todo dia e ia à padaria buscar o pão, coisa que nunca teve quando nós morávamos no sítio. Quando passava o padeiro lá para vender de carrocinha à gente ficava louco para comer pão. Era pão puro mesmo, era uma delícia. Você nunca tinha visto pão. E aí muda totalmente. Aí já levantava de manhã, quando não ia na padaria minha mãe já tinha comprado, ia pra escola, levava lanche. Eu nunca levei lanche quando morava no sítio. Aí muda, né? Mudou completamente. Aí já tinha vida noturna. Já estava com dez, doze aninhos e já começava a fazer, a gente fazia bailinho em casa naquela época. Cada casa no final de semana a gente levava aquelas, umas vitrolas. E só tinha duas caixinhas, colocava e dançava música lenta.
P/1 - Que música vocês ouviam?
R - Ai nem lembro. Era só música lenta que a gente colocava nos bailinhos. Tinha as paquerinhas, era assim cada dia, uma paquerinha. Cada final de semana era na casa de uma amiga. Então a gente fazia baile, mas era só para dançar música lenta.
P/2 - O objetivo central era esse?
R - O objetivo era esse, dançar música lenta. Não tinha música, que nem a gente falava na época, música solta. Esta música solta que falava. Eu não lembro direito. Mas eu lembro que o objetivo, e na escola também. A gente adorava fazer festa para professor para botar música lenta para dançar. Era assim. E Ubirajara é muito pequeno, então não tinha boate. Teve uma boate depois quando eu já estava na oitava série, mas não tinha nada. A vida noturna era ficar andando em volta da pracinha com aquela fonte luminosa lá. E era só isso. Os meninos andavam e a gente ia passando. Não tinha muito...
P/1 - Tinha lanchonete?
R - Então, não tinha lanchonete. A lanchonete veio depois. Na realidade era boteco que tinha. O meu pai nunca deixou a gente ficar na rua, muito menos em boteco. Então o máximo que a gente fazia era dar uma voltinha na pracinha e a hora que dava nove horas tinha que correr. Meu pai sempre foi muito severo para liberar a gente para sair. Eu nunca na minha vida pulei uma janela para ir à um baile. Eu nunca fiz isso. Chegava na época do carnaval e eu matava de tanto chorar e ele não me deixava ir. Eu só fui no carnaval acho que depois de uns dezessete ou dezoito anos. Ele não deixava. Morava no sítio, né? Para ele também, ficar a noite inteira pulando lá, então foi meio complicado. Mas foi extremamente severo com essa parte da gente sair, de ficar fora. Hoje é totalmente liberal, na nossa época, não. Era bem diferente. Ele é ainda, mas agora não segura mais.
P/1 - É. Agora já não tem mais laço.
R - Não. Agora não.
P/1 - E Lázara, você ficou em Ubirajara até quando?
R - Eu fiz o magistério. Olha, eu fiz do primeiro ao segundo colegial. Eu não lembro datas. Foi o que eu falei para o Rodrigo, não lembro datas.
P/1 - Esquece. Vai contando que a gente vai...
R - Eu já sou tão velha que eu não lembro mais datas.
P/2 - Que vê pensa, né?
R - E eu fiquei até o segundo colegial na escola do município. Era uma escola estadual. Fiquei lá e depois eu fui fazer o segundo de novo, o terceiro e o quarto magistério em Duartina, em um Colégio Real, que era um colégio particular. Foi assim que fundou esse magistério lá. Então a gente fazia uma lotação e a gente viajava todo dia para Duartina à noite. Então eu saía seis horas da tarde para Duartina e chegava meia noite em casa. E eu comecei a estudar em Duartina. A gente pagava a lotação e o colégio. Eu fiz o magistério em Duartina. E aí foram três anos de viagens consecutivas para Duartina fazer o magistério. E depois que eu me formei eu comecei a dar aula. Dei aula em Ubirajara, eu fiz especialização no pré. Dei aulas eventuais. E, quer dizer, dei muita aula, porque naquela época não tinha tanto professor e a gente se formava e era louco para dar aula. Eu tinha dezessete anos, não tinha nem dezoito. Eu não recebia quando dava aula porque era de menor. Eu não recebia. Então quando eu me formei eu ainda era de menor, eu tinha dezessete anos, ainda não tinha completado dezoito. Aí eu dava aula e quando completei dezoito anos eu fiz um cadastro no estado e comecei a dar aula e ganhar para isso. Dava aula na cidade. Eu dei uma vez uma aula na escola rural também. Assim, quando eu tinha dezessete anos. Aí meu pai pegava o fusca dele que ele tinha, que era a maior paixão da vida dele. Aí levava a gente na escola. Eu falo a gente porque a minha irmã também dava aula. E a minha irmã mais velha fez magistério e Avaré. Eu fazia em Duartina e ela fazia em Avaré. Quando ela estava se formando eu estava entrando. E aí ele pegava o fusca. Ele tinha que largar tudo, coitado, porque ele não deixava a gente dirigir. Só o homem é que dirigia, mulher não podia dirigir. Aí ele parava tudo o que ele estava fazendo, pegava o fusca, eu ia pra a escola, passava no caminho e pegava os alunos. Naquela época, quando eu fui dar aula. Eu fiz o magistério eu não me lembro ao certo, deveria ser 1970 e alguma coisa. Em 84 eu já morava em São Paulo. Aí eu ia dar aula. A gente passava e pegava os alunos no próprio carro. Eu dava aula pra primeira, para a segunda, para a terceira e para quarta série em uma única escola com dez metros quadrados. Era uma fileira da primeira série, uma fileira da segunda e uma fileira da terceira e uma fileira da quarta e a gente dividia o quadro negro em atividades de acordo com a série. E na hora do almoço eu tinha que fazer a sopa. Eu fazia a sopa. E o meu pai ficava embaixo da árvore do lado de fora dormindo e ouvindo música sertaneja, enquanto eu estava dando aula. Ele fazia isso comigo e com a minha irmã.
P/1 - Ele esperava você dar aula?
R - Ele ficava lá deitado dentro do carro na sombra esperando.
P/2 - E todos os dias era isso?
R - Não, porque eu pegava licença todos os dias. Às vezes coincidia de eu e a minha irmã dar aula em horário diferente e ele me levava e pegava a minha irmã para levar. Então foi assim.
P/1 - Mas bacana essa coisa dele, né? De levar, pegar as crianças.
R - Me levava e levava a minha irmã para gente ir à aula.
P/2 - E você deu aula durante quantos anos?
R - Eu não dei muitas aulas, não. Eu devo ter dado aula em Ubirajara um ano, um ano e pouco. E depois, quando eu me formei eu dei aula em Bauru no Brizola. Aí eu já dei para segundo grau. Mas assim, eu devo ter dado um ano ou um ano e pouco.
P/2 - Com o magistério?
R - De magistério. De magistério eu devo ter dado no máximo uns dois anos. Porque depois que eu me formei, eu vim trabalhar em São Paulo. Eu não fiquei na carreira de magistério.
P/2 - Então logo depois da sua formatura em magistério você já se mudou?
R - Eu mudei porque um primo do meu pai, que morou com ele na infância, era gerente do Bradesco aqui no Butantã, e fazia anos que eles não se encontravam. Fazia anos. E ele foi para lá. E ele era gerente da agência Bradesco do Butantã. E ele foi em uma época que eu estava adolescente rebelde, adolescente naquela época era com dezessete anos, dezoito. Hoje é com doze. Eu não queria mais ficar lá, eu queria ir para Bauru fazer cursinho. O meu pai não deixou, porque filha dele não ia morar em república. É, porque eu não queria, eu queria ir para faculdade. Eu já tinha viajado três anos. Eu não queria mais viajar para Marília e para Bauru, não tinha ônibus. Tinha para Marília, e Marília não tinha o curso que eu queria fazer que era biologia no caso. Aí meu primo foi para lá e ele trabalhava no banco. E eu peguei, e eu falei porque eu queria trabalhar no banco, e se ele arrumasse uma vaga para mim eu viria embora para São Paulo. Não passou um mês e ele me chamou e eu fui. Catei a minha mala e vim embora para São Paulo. Saí literalmente de Ubirajara. Aí fizeram uma festa de despedida, porque você tem todos aqueles amigos. Minha mãe colocou bilhete na minha mala, meu pai colocou uma Nossa Senhora que até hoje anda comigo na minha bolsa. Porque a hora que eu cheguei em São Paulo que eu abri e vi aquilo eu quase me matei de chorar. Quase me matei. Eu chorei muito com a carta da minha mãe, e com a santa do meu pai. Porque até hoje ela me acompanha. Ela fica dentro da minha bolsa, naquele bolsinho de dentro. Ela fica lá.
P/1 - Que santa que é?
R - Nossa Senhora Aparecida. Essa santa ficava no painel do fusca dele.
P/1 - Ah, era aquela de imã.
R - Só que ela não tem mais o imã. Eu perdi o imã. Ela ficava no painel do fusca, aí ele me deu. Eu não vi. E a hora que eu cheguei em São Paulo na casa do meu primo que eu abri a mala, eu achei a santa. E ela está até hoje comigo. Eu mudo de bolsa e aonde eu vou, ela está junto comigo.
P/2 - E os seus pais aceitaram na boa você vir para São Paulo?
R - Então, a minha mãe sofreu muito, mas eu sempre fui aquela meio assim... Quer dizer, eu já sempre quis estudar fora. A minha irmã ia estudar em Avaré e meu pai ia levar. Quando ela estudou em Avaré. Porque, às vezes, tinha que ir para final de semana e ficar e eu já viajava com lotação. E eu sempre fui assim, sempre quis morar fora pra fazer faculdade e ele nunca deixou. Mas só que quando eu saí eu acho que ele nem deu por conta. Porque era com o primo. Eu só sei que eu arrumei a minha mala e na hora que eu vi eu já estava em São Paulo.
P/1 - Você veio do quê? Ônibus?
R - Não. Eu vim com ele. Eu morava no Jardim Peri-Peri e tinha uma tia no Tatuapé. Eu simplesmente sem falar para ninguém e fui bater no Tatuapé. O Joaquim quase ficou louco. Ai meu Deus do Céu.
P/2 - E aí você começou a trabalhar?
R - Aí eu morei na casa dele. Ele era gerente do banco e os dois filhos dele, o Anderson e o Edson, um era a agência de Pinheiros e o outro... Aí não sei em que agência que era o Anderson. Não sei se era da Paulista. E aí eu comecei a trabalhar com ele. Ele aposentou e eu comecei a trabalhar no Butantã. Na realidade eu fui uns dois meses “Moça Bradesco”, aquela coisa ridícula de ficar lá. “Moça Bradesco”. E morando na casa dele. Aí eu fiz Fisk. Comecei a fazer inglês ali na Rebouças e tinha um Fisk ali junto com a família dele, porque tinha a menina dele. A Regina que fazia também e o Edson, e aí comecei a estudar junto. E depois quando eu comecei a trabalhar, eu trabalhei uma semana na Vila Sônia e depois comecei a trabalhar em uma agência no Butantã, ali na [Avenida] Vital Brasil com a [Rua] Alvarenga, aquela de esquina. Aí eu já peguei amizade, montei uma república, e sai fora. Aí eu cheguei no banco até chefe de seção de abertura de contas. Aí eu prestei vestibular, dois vestibulares. Eu prestei aqui no Campos Sales, pedagogia. Comecei a fazer e desisti porque não era aquilo. Prestei no Ibirapuera. Também passei e não fui fazer. Aí eu falei: “Vou prestar UNESP”. E aí prestei UNESP naquilo que eu já queria, a biologia, e aí larguei tudo. Pedi transferência e não tinha transferência para Bauru. E aí larguei e fui fazer biologia. E fui embora para Bauru.
P/2 - E em que ano foi isso, mais ou menos?
R - Eu entrei na faculdade em 87, 88, oitenta e... Deixa eu ver. Em 93, que foi quando eu trabalhei na secretaria. Em 87. Que ano você estudou?
P/1 - Em 86.
R - Então foi 87, 88. 87 porque o meu número era 87 não sei o quê, não sei o que lá. Não era por número? É. Foi quando eu prestei e aí fui embora. Aí fui para Bauru e trabalhei. Porque na realidade, o meu pai, nós éramos em seis filhos. O meu pai, naquela época, já estava começando a ficar bem. Mas ele não tinha condição de me sustentar. Eu tinha que me sustentar. Tinha que pagar a pensão e tudo. Aí fui embora para Bauru na Rua Constituição, conhece? Uma travessa. Não, não é uma travessa. Ela começa na [Rua] Araújo Leite.
P/2 - E isso era um pensionato ou uma?
R - Um pensionato de uma senhora. Olha como que o meu pai deixou. Eu já tinha morado em São Paulo...
P/1 - Em república sem ele saber?
R - Não, ele sabia. Até a minha mãe veio para cá. E aí depois quando eu fui para lá, para eu morar em um pensionato, eu tive que morar na casa da Dona Cida que era irmã do Seu Du da Cadeira, que era morador de Ubirajara. Aí eu fui morar lá, morei lá na Dona Cida. Morei o primeiro ano de faculdade. E aí lógico que você faz amizade e já montei loja, já montei uma república lá na Batista, subindo do lado do Cemitério lá, do lado de trás. Aí montei uma república com a menina da minha classe. Fiquei lá uns dois anos e depois eu fui para frente da Praça das Cerejeiras, que hoje é um salão de estética. Aí morei com outras meninas também.
P/1 - Agora Lázara, o que te atraiu para fazer biologia? Era um sonho antigo?
R - Eu sempre gostei, porque a gente morava no sítio e a gente tinha muito contato com meio ambiente, com animal e essas coisas. Tanto é que eu fiz o magistério e depois eu parti para o lado da pedagogia, naquela bobeira de você seguir a carreira de magistério. Porque na família tinha parente que era diretor de escola, sabe aquelas coisas? Vai fazer magistério e vai seguir a carreira de professor. Mas não era isso o que eu queria. E na realidade, o meu objetivo era para trabalhar mesmo nessa linha. Eu queria, na realidade não ser médica veterinária, porque eu também não gostava muito desse lance de mexer com animais, cirurgias e essas coisas. Foi onde eu optei para fazer biologia. E a faculdade de biologia da UNESP, eu acho que aquele curso foi aberto naquele ano. E em Marília não tinha. Acho que só tinha em Botucatu. E quando saiu eu prestei. E aí comecei a trabalhar na A.D. Corretora. Fiquei um ano na pensão da Dona Cida e aí surgiu uma vaga para trabalhar com seguro. Aí fui trabalhar na A.D. Corretora, do Dabus. Aí trabalhei um ano com o Alberto Dabus - secretária da secretária eu era; secretária da Sônia, que era secretária do Alberto Dabus. Aí trabalhei um ano com a Sônia, brava, era um cão de brava. Muito brava. E o Alberto Dabus também, e aí trabalhei com eles. E depois disso eu entrei na Compushop. E aí surgiu uma vaga - eu vivia procurando emprego - e aí saiu uma vaga em uma empresa que era de São Paulo e chamava Compumarketing do Brasil. Era revendedora de computadores. Naquela época o computador começou a explodir, o negócio de informática e abriram uma filial em Bauru e eu mandei meu currículo e me chamaram. Aí eu trabalhei três ou quatro anos com eles na parte de vendas. Secretária de vendas também, mas de computadores. Aí a Compushop fechou. Faliu. E eu mandei meu currículo para Baurucar e comecei lá em Baurucar e fiquei lá. E saí da Baurucar e fui para a Secretaria do Meio Ambiente que já era, na realidade, na linha, porque eu já estava fazendo faculdade. Quando eu trabalhava na Baurucar, eu trabalhava e fazia faculdade. Eu entrava às sete e meia para bater cartão, lá com o senhor Jonas Sales. Batia cartão, saía às seis e pegava aqueles ônibus lotados pro Geisel, para ir para a faculdade.
P/2 - E aí depois de formada você foi para a secretaria? Como que é?
R - Aí fui para a secretaria.
P/2 - Do meio ambiente?
R - É. Do meio ambiente. Ainda, quando eu fui para lá, eu estava no último ano de faculdade. Aí me formei e fiquei trabalhando na secretaria quatro anos. Casei no final de 96. Casei em outubro de 96 com o Clodoaldo, que era o secretário do meio ambiente. Aí fiquei outubro, novembro, dezembro e janeiro; e em fevereiro eu vim para o Vale do Ribeira. Nós viemos para o Vale do Ribeira porque nós trabalhávamos na Secretaria do Meio Ambiente, na administração do Tidei. E quem ganhou o prefeito foi o Izzo. O Izzo tinha aquele lance de corrupção. E ele queria que o Clodoaldo continuasse como secretário do meio ambiente, porque ele tinha feito vários projetos. Acho que você lembra até. Só que ele não quis, assim, lógico que não. E ele falou: "Eu não compactuo com esse tipo de administração. E se o Izzo ganhar eu vou fazer questão de morar fora de Bauru". E foi o que aconteceu.
P/1 - É mesmo? Ele falou isso?
R - Ele falou isso. E foi por isso que nós viemos. Ele falou vou...
P/2 - E por que a escolha?
R - Como assim?
P/2 - Para Iguape.
R - Não foi escolha. Quando eu trabalhava na Secretaria do Meio Ambiente, eu já era parceira da SOS Mata Atlântica. E foi aí que a coisa começou. Porque eu era diretora do departamento Zoo-botânico, e o Mário Mantovani foi para a secretaria na época, quando inauguraram o projeto “Observando”. Era “Observando o Tietê”. E aí foi o primeiro “Observando” da SOS que aconteceu. E era “Observando o Tietê” e o Rio Batalha que nasce em Agudos, que abastece Bauru, ele deságua no Tietê. Ele é um afluente do Tietê. Então o Mário tinha esse projeto com o núcleo e fazia essas análises de água no Tietê e alguns afluentes. Um dos afluentes era o Batalha. E nós da secretaria fomos procurados pelo Mário através do SOS Mata Atlântica, para fazer uma parceria. Então nós, eu e o Gazzetta. Na realidade mais eu porque ele era secretário, eu coordenava não um grupo, eu coordenava uma região que envolvia Barra Bonita, Borborema, aquelas cidadezinha ali das imediações. Aí a gente entregava as maletas, pegava os resultados e encaminhava para o SOS Mata Atlântica. Então foi através dessa parceria que nós começamos a trabalhar com o SOS Mata Atlântica. Tinha os trabalhos da secretaria, porque eu era diretora do departamento Zoo-botânico. Trabalhava com o Parque Municipal... Como chama?
P/1 - O Horto Florestal?
R - Não. O Parque Municipal do Serrado. Trabalhava lá, agora eu nem me lembro o nome. Com o Luis Pires do Zoológico. Ali trabalhando com ele. E trabalhava fora do departamento Zoo-botânico com implantação da coleta seletiva. E a coleta seletiva foi implantada nessa época, porque aí a gente pegou aqueles catadores junto com a Secretaria do Bem Estar Social, montamos uma central e colocamos prensa, tudo, aquelas coisas. Então a implantação da coleta seletiva foi nessa época que eu ia de escola em escola dar palestra. Eu e Cecília Ferraz, que hoje trabalha no Ibama em Brasília, que era secretária do Fábio Feldmann. E a relação com a SOS começou ai.
P/2 - Em que ano que foi isso mais ou menos?
R - Eu trabalhei na prefeitura de 93 a 96, que foi a administração do Clodoaldo, secretário do meio ambiente. Foi nesse meio tempo, quando a gente começou a parceira não acabou mais. E aí, como a gente tinha uma relação muito estreita com o Mário Mantovani, ele foi meu padrinho de casamento, como o Luis Pires do Zoo também foi, ele sabia do que estava acontecendo com a política do município. E aí o Clodoaldo chegou até a comentar com ele. O Gazzetta dizendo que se o Izzo ganhasse, ele não ia nem ficar no município, quanto mais dar continuidade. Porque na época da campanha, o Izzo falava que ia continuar com o Clodoaldo. E o Mário sabendo disso, a SOS Mata Atlântica ia fechar a base em Iguape. Estava em um período de transição, porque tinha a base em Iguape e ia fechar a base em Iguape. E o Mário Mantovani convidou o Clodoaldo para ir conhecer a base. Isso já era começo do ano de 97. Eu já estava casada. Casei em outubro de 96. Eu nem cheguei a montar direito a minha casa em Bauru. Já botei tudo no carro, e vim num caminhão embora. Quase morri de chorar, mas... Vim chorando a serra inteira. A hora que eu cheguei em Tapiraí eu estava assim para ser internada de tanto vomitar e chorar (risos). Meu Deus do Céu, foi uma loucura. Aí bom, aí o Mário Mantovani convidou a gente para vir, para conhecer, porque o SOS ia fechar a base, tinha tido algum problema lá com a menina que trabalhava e que também a base não rendia. Eu não sei muito bem o que houve. Acho que alguém vai contar isso para vocês. Aí nós viemos e fui fazer uma reunião com o Klabin. O Klabin pegou o currículo do Clodoaldo, do Gazzetta que é meu marido e virou para o Clodoaldo e: "Olha, eu não vou te contratar, você é um cavalo manga larga para uma raia tão curta. Então a gente está querendo retomar aquilo se for possível, senão nós vamos fechar as portas. Então eu não tenho condições de contratar você com esse currículo, porque a SOS não têm condições de te pagar". Aí nós fomos para Iguape triste, e vamos conhecer Iguape. Vamos. Descemos para Iguape. Nunca tinha ido. A gente tinha acabado de comprar um carro, o primeiro carrinho nosso. Quer dizer, passou uma cegonha na BR-116 e quase nos matou e quebrou, amassou tudo a roda. Bom, fomos lá. Chegamos lá, estava enchente. Enchente. Já precisei ir por Pariquera. Estava tudo inundado. Aí fomos conhecer tal, tal. “E aí comadre?”. Aquela coisa de comadre. Vai, não vai, não via casa, não sei o quê. Aí o Mário falou do nosso trabalho para o Capobianco do ISA, do estudo socioambiental. Aí o Capobianco falou: "Então eu vou aproveitá-los para fazer um diagnóstico no Vale do Ribeira, um diagnóstico socioambiental". Então ele tinha um projeto para fazer um diagnóstico socioambiental do Vale do Ribeira por três anos. Envolvendo tudo. Georreferenciando até aterro sanitário. Tudo. A comunidade tradicional e tal. Foi onde o Clodoaldo foi chamado pelo ISA - Instituto Socioambiental. Aí o que houve? Eles viram que tinha um profissional dando sopa lá e no caso era eu, e o Klabin veio e fez uma proposta: "Se você aprovar um projeto no primeiro ano da SOS Mata Atlântica, a gente não fecha a porta e continua". Eu cheguei lá e pá, botei um projeto no Fehidro e foi aprovado. E aí estou lá até hoje. Em seis meses a gente tem o comitê de bacias. O comitê de bacias era uma coisa nova. As ONGs não tinham descoberto nada disso ainda. A gente já tinha um potencial que nós, na época, a gente já tinha encaminhado projeto para o fundo em Brasília. Um projeto da prefeitura, da secretaria. Então a gente já tinha know how e o Gazzetta ainda dando respaldo por trás, porque ele tinha muito mais. Aí já botamos o projeto e já aprovamos. E aí o Klabin gostou: “Oba! Então vamos tocar”. E estamos até hoje. Começou tudo isso.
P/2 - E qual foi a sua primeira impressão quando você chegou à Iguape. Você disse que nunca tinha ido para lá antes.
R – Bom, eu cheguei lá e já fiquei com os cabelos em pé, porque estava tudo debaixo d'água. Aquela ponte para chegar lá já estava embaixo d'água. E a hora que nós fomos entrar na SP 222, tinha um homem vestido de terno e falou assim: "Vocês estão empregados?" “Estamos”. “Olha, o senhor não pode ir por aí porque na ponte não passa, está tudo inundado. Tem que ir por Pariquera”. E aí continuamos e fomos por Pariquera. Cheguei lá tinha muita água mesmo, muita água mesmo. Bom, aí cheguei em Iguape e quando nós passamos, lá tem um bafômetro. Vocês conhecem Iguape? A gente chama de bafômetro, porque o centro da cidade é antigo. Toda a cidade termina em um funil. Na época da colonização eles fechavam essas ruas para fazer as festas. Eu nunca tinha visto isso. Eu morei em São Paulo, mas eu nunca tinha ido em uma Cidade Histórica. Aí tem tipo uns pilares, uns tubos de concreto, então só passa um carro. Nego bêbado ali não passa. Então a gente chamava de bafômetro. A hora que eu cheguei eu falei: "Meu Deus, eu nunca vou conseguir passar de carro nesse buraco". E na primeira impressão que eu tive eu não gostei, porque a cidade de Iguape hoje tem 62 bens tombados pelo Condephaat. Ela é histórica, ela tem um acervo muito grande arquitetônico. Mas, na época, ela realmente estava tombada. Quando eu fui a oito anos atrás. Então a impressão que eu tive, foi uma impressão muito ruim no começo, a primeira impressão. Só que hoje mudou completamente. Mas quando eu desci para lá eu já não gostei. Porque era uma coisa muito antiga e muito caída mesmo. Não tinha um prédio que eu podia falar para você esse é bonito ou esse é restaurado. Estava caindo, literalmente tombado. E aí a gente foi para lá. O Clodoaldo viajava muito porque ele cobriu todo o Vale do Ribeira, inclusive a porção paranaense, Serro Azul, essas cidades lá para cima, fazendo esse diagnóstico e eu fiquei na base. Aí eu cheguei e não tinha nada. Não tinha projeto, não tinha nada. Eu tinha colocado esse meu projeto e tinha umas tartarugas taxidermizadas, umas coisas super loucas lá. E eu arranquei tudo. E a recepção, ao invés de ser embaixo, era em cima. Então era um salão que nem uma igreja evangélica com um monte de cadeira. Não tinha nada. Os painéis todos embolorado na parede. Uma coisa horrível, gente. Aí eu falei: "Meu Deus". Bom, aí desci na recepção e comecei a atender as pessoas embaixo. Lógico, mais do que lógico. Como é que você chega no lugar e a recepção está lá em cima. Aí passei a recepção no piso de baixo, mudei todos aqueles painéis, mandei restaurar tudo. E depois que o projeto foi aprovado, as coisas foram mudando. E quando eu cheguei, eu tive uma sorte danada, porque tinha um projeto que estava sendo implantado pela SOS Mata Atlântica. Era o projeto Pólo Turístico do Lagamar. E com esse problema de fechar a base ficou parado. Então teve a visita com os jornalistas, com agências de viagem, fizeram um roteiro e tudo. Só que parou porque a SOS ficou naquela, fecha, não fecha, vai, não vai? E como eu cheguei e já emplaquei um projeto, aí continuou. O Pólo Turístico Lagamar começou a andar. E dentro desse projeto tinha a estruturação da base. Aí funcionou porque a gente instalou, melhorou toda a recepção, montou um centro de interpretação ambiental. Isso em noventa e, eu mudei para lá em 97 e em 96 o projeto já tinha sido concebido, só que não tinha sido implantado. E quando eu fui para lá, que a gente retomou, começou a acontecer as oficinas. Então essa mudança do que eu encontrei foi muito rápida porque a gente começou a estruturar de novo a base. Aí começou a ter as oficinas de capacitação para as comunidades locais das cidades envolvidas pelo projeto, e a coisa começou a ser estruturada. E estou lá até hoje.
P/2 - E me fala uma coisa. Antes de você, porque o primeiro contato, pelo que eu entendi, que você teve com o SOS Mata Atlântica pessoalmente foi lá na Secretaria do Meio Ambiente em Bauru. Mas antes disso você já tinha ouvido falar?
R - Sim, de SOS sim. Mas até então a gente via o Mário de vez em quando na televisão, porque o SOS Mata Atlântica era o Mário Mantovani mesmo. Porque ele, na época, é que era a SOS Mata Atlântica. Era a figura do Mário Mantovani. A gente ouvia falar porque quando você está nessa linha, você presta atenção mais para esse tipo de coisa. Então é lógico que quando aparecia na televisão chamava atenção. Eu já conhecia, já ouvia, já tinha ouvido falar de SOS Mata Atlântica, conhecia o logo e etc. E quando o Mário foi procurar, eu já ouvia, já sabia, já conhecia a SOS Mata Atlântica. Não tinha contato pessoalmente, mas eu já conhecia e já sabia o que era SOS Mata Atlântica. Na realidade, eu trabalhava em um órgão municipal, um órgão público. Eu não sabia muito bem o que era um ONG, porque era uma coisa muito nova para a gente. Eu não sabia direito, exatamente o que era uma ONG, mas eu sabia que era alguma coisa que trabalhava com meio ambiente, o que era a SOS e tal. Porque era uma coisa nova, naquela época. Foi quantos anos atrás, gente? Quando a SOS começou a ser concebida é que eu comecei a conhecer a SOS. E depois que o Mário foi lá a gente começou a conhecer a entidade a fundo. E em Bauru também, nessa época, quando eu trabalhava na Secretaria do Meio Ambiente, foi quando o Rodrigo mandou a carta. Dezesseis anos, uma carta escrita à mão, o Rodrigo do Vidágua, dizendo que ele queria auxiliar nos projetos da Secretaria do Meio Ambiente. E fui eu que atendi ele. Loirinho, os óculos redondos, vermelinho assim. Chegou lá e eu falei: "Meu Deus, o que será que esse moleque quer?". Tudo bem. “Vamos!” Eu levava ele para fazer palestra de coleta seletiva comigo, e ele começou a se engajar. E nessa época foi quando nós fundamos o Vidágua. O Instituto Ambiental Vidágua foi fundado por mim, pelo Gazzetta e pelo Rodrigo. A documentação do Vidágua só foi registrada porque eu tirei dinheiro da minha poupança para pagar. Tirei dinheiro da minha poupança na época para pagar o registro do Vidágua, que hoje o Rodrigo coordena. A Vidágua já fez dez anos.
P/1 - Qual é o objetivo da Vidágua?
R - A Vidágua é trabalhar com o meio ambiente. Só que eles trabalham com um tipo de bioma, que no caso, tem serrado e água. Lá a vegetação é serrado, e a água mais focada. Mas é ambiente de um modo geral. Tanto é que hoje o Vidágua representa a rede Mata Atlântica em Brasília. No estatuto está lá o meu nome. Só não está o dinheiro que eu dei. O resto está tudo lá.
P/2 - E fazendo um panorama dos anos oitenta e noventa da atuação, da questão ambientalista, o que você faria? Porque era algo novo. Como você disse, era algo muito novo.
R - Olha, eu comecei, na realidade a ouvir falar de meio ambiente e de reciclagem quando eu estava na prefeitura e quando o meu marido, que na época não era nem marido, era secretário do meio ambiente. Eu comecei a ouvir essas coisas na época que eu comecei a ver o SOS na televisão e o Gazzetta falar.
P/1 - Não se falava isso na faculdade?
R - Nunca. Nunca. Eu fui fazer trabalho de campo, eu me lembro muito bem. Com o Osmar Cavassan lá no parque para identificar algumas áreas e eu nunca ouvi falar de meio ambiente. Eu comecei a ouvir falar de reciclagem, de meio ambiente depois trabalhando na prefeitura. Eu nunca fui fazer um trabalho de campo.
P/2- E isso já no começo dos anos noventa, né?
R - Não, 87, 88. No começo dos anos noventa.
P/2 - Então realmente o tema...
R – O tema, ele começou a ser trabalhado e ouvido mesmo a partir dessa época.
P/2 - E como é que era nesse início? Como ele era trabalhado? Como era? As pessoas em geral, não tinham acesso?
R - Não. Não tinha. Você falava de meio ambiente. Eu até, quando fazia faculdade, quando comecei a trabalhar na Secretaria do Meio Ambiente e falava de coleta seletiva, eu chegava em casa em Ubirajara e ninguém sabia o que era isso. “O que é coleta? O que é seletiva? O que é coleta seletiva?” Ninguém sabia. Eu realmente comecei a assimilar, sendo uma bióloga, essa história de meio ambiente, de preservação, de biomas depois que eu entrei na secretaria e depois ainda quando tive contato com a SOS Mata Atlântica. Quando o Mário foi nos procurar, que começou e envolver essa questão de água e tal, mas até então a gente não via nada, absolutamente nada.
P/1 - Eu queria que você falasse um pouco, porque assim, a gente está com um outro projeto também sobre catadores. Como é que foi a implantação da coleta seletiva de lixo em Bauru? Como que vocês mobilizaram, tiraram essas pessoas da rua? Como foi o processo?
R- Bom, era assim, em Bauru tinha um lixão e essas pessoas trabalhavam no lixão. Nós tínhamos na prefeitura um projeto de coleta seletiva de lixo patrocinado pelo Unibanco. Foi aí que nós começamos a ter contato, a buscar fundos em outros órgãos. O primeiro projeto que nós aprovamos foi o projeto do Unibanco Ecologia. Que fui eu, o Gazzetta, a gente prestava conta e tal. Então tinha aquela implantação de containers nas ruas. Não sei se você lembra de uns containers verdes, só que nós demos com os burros n'água com aquilo. Porque a gente sabe que a coleta seletiva não é romantismo. Mas só que a gente estava começando a conhecer, fomos buscar uma experiência de Curitiba. Curitiba é diferente, em Bauru o pessoal não estava preparado para isso. Nós começamos com a coleta seletiva e implantamos containers nas praças. Aí com isso a gente tinha um trabalho junto à Secretaria do Bem Estar Social, que era a SEBES que trabalhava com esse pessoal menos favorecido. E tinham os catadores de lixo. E aí o que aconteceu? Bom, vamos fazer a coleta seletiva e o que é que nós vamos fazer com o lixo? Ele vai ter que ser tirado. Porque aquela história de separar papel, plástico, papelão, não vira. Para fazer compostagem é extremamente complicado, porque o lixo vem todo misturado. E aí surgiu a ideia da gente trabalhar junto com a SEBES e a SEBES resgatar algumas famílias, depois de passar por uma triagem com psicólogos e tudo aquilo para ver quem tinha vontade e quem não tinha, cadastrar essas famílias, montar um barracão e essas famílias trabalhavam, a gente dava a estrutura, tinha um caminhão, demos a prensa e a venda desse material era controlada pela Secretaria do Meio Ambiente e Bem Estar Social, e no final do mês esse dinheiro era repassado para as famílias. Então nós conseguimos tirar essas famílias do lixão e botar na central de produtos reciclados.
P/1 - Eram famílias do lixão?
R - Eram famílias do lixão. E aí eles ficavam na central de produtos recicláveis. Tinha o senhor Ivo que era da Secretaria do Meio Ambiente, que coordenava a central junto com a Secretaria do Bem Estar Social. Tinha uma pessoa de cada secretaria. E aí o que a gente fazia? A gente coletava esse lixo da cidade dos containers. Uma vez, não lembro exatamente o dia, e ia lá para essa central. Lá as pessoas faziam a triagem. Separavam o que era plástico, era aquela história. Só que isso, para você implantar essa coleta seletiva, a população tem que ter os hábitos totalmente mudados. E você sabe que mudança de hábito para adulto e gente tira pela gente. Hoje eu faço coleta seletiva na minha casa. Em Bauru também. Não consigo jogar nada no lixo. Mas eu sei que foi difícil, porque muitas vezes eu jogava uma latinha no lixo e ia lá e pegava: "Opa, você não é aqui". E para você mudar hábitos de pessoas mais antigas, eu não sou antiga, né? (risos). Mas mais antigas do que a gente, é complicado. A gente sabe pela própria família, pela própria mãe. E aí, na época, o que a gente fez? A gente começou a distribuir os panfletos onde a gente ia instalar os containers para que a população pegasse o saquinho e levasse no container. Só que assim, uns entendem, outros não entendem, outros fazem sacanagem. Aí eles pegavam resto de comida e jogava no container. Pegava cachorro morto e jogava no container. E aí final de semana era aquela coisa, ligava: "Olha, o container da Praça de Portugal tem cachorro morto dentro". E aí a gente vai com carro particular porque final de semana não trabalha. Nossa, o Clodoaldo queria morrer. "Ai o container da Praça de Portugal está cheio de lixo". Eu passava lá na Praça de Portugal e estava cheio de lixo, o caminhão passou e não recolheu. Era aquele transtorno. “Botaram fogo no contêiner”. O pessoal saía à noite ali para cima na Getúlio Vargas e botava fogo nos containers. Olha foi... Coleta seletiva realmente não é romantismo. A gente tem que começar com uma coisa de baixo. Foi aí quando a gente começou a trabalhar em escolas. Fazer o trabalho de educação ambiental, falar o é coleta seletiva, porque ninguém sabia o que é que era o meio ambiente, muito menos o que era coleta seletiva. Se você chegasse em uma escola e perguntasse: "Vocês sabem o que é coleta seletiva?". "Não". Ninguém sabia. "O que pode ser reaproveitado?". Ninguém sabia nada. Nada. Eu dei palestra em todas as escolas de Bauru. Todo dia eu dava palestra. Eu, a Cecília e o Rodrigo de papagaio de pirata. Até então porque ele era o pequenininho, tadinho... Não posso nem falar isso dele. Tinha dezesseis anos. A gente ia em todas as escolas. E depois que a gente fez esse trabalho, nós começamos e implantar a coleta seletiva bairro a bairro. Aí tinha um caminhão verde que passava fora dos dias da coleta seletiva, nós não dávamos saquinho. Porque eu acho que esse negócio de dar saquinho e produzir mais saco de lixo não tem nada a ver. Se a pessoas tem consciência, ela tem que ter consciência desde quando separa o lixo dentro de casa. Eu vou dar o saco para ele pôr o lixo? Não tem nada a ver. Aí a gente foi, fizemos um trabalho por bairro, por setor. Na época a gente dividiu a cidade por setor e aí nós pegamos o pessoal do Tiro de Guerra que era um grande parceiro nosso. Coitados daqueles meninos do Tiro de Guerra. A gente dava a coleta para eles e iam em todas as casas. Fazia o trabalho casa e a casa e falava: "Olha, coleta seletiva é isso, isso e isso. Tal dia o caminhão verde com sininho - tinha um sininho -, vai passar tocando e você põe o teu lixo lá. Não precisa ser separado. Pode ser tudo junto". E aí esse caminhão passava acho que toda terça e quinta. Eu não lembro ao certo. E aí ia para a central de produtos reciclados que ainda tem. Só que está meio capenga agora. Aliás, o que em Bauru não está capenga? Lá você pode plantar uma árvore no meio de cada arroz. Tem um buraco e você planta no lugar da árvore. Se faz tempo que você não vai para lá, acho que é bom você ir. Lá você planta árvore no meio da rua, não na calçada. Para utilizar os buracos. E aí esse caminhão passava, ia na central e a triagem era feita. A gente tinha os contatos. A gente ligava para o pessoal recolher o material. Então tinha as empresas que recolhiam os materiais. Uma só papel, uma só plástico e outra só vidro e pagava em cheque. Depositava em uma conta e depois distribuía o dinheiro.
P/1 - E qual é o impacto na vida desses catadores do lixão?
R - Ah, completamente. Completamente. A gente chegava lá e eles só faltavam pegar a gente no colo. Porque eles saíram de um local totalmente insalubre. Eles levavam os filhos e começaram a trabalhar em um local limpo. Eles tinham horário para entrar, horário para sair, horário para comer. Então mudou a vida completamente. Não era nada mas...
P/2 - Melhor, na verdade.
R - Com certeza. Hoje eu não sei te falar em que pé está, porque até onde eu sei, lá em Bauru realmente a coisa vem vindo já de oito anos, meio complicada. Mas na época que nós saímos nós estávamos com quase 80% da cidade com coleta seletiva de lixo.
P/1 - E, eu vou perguntar uma coisa. É... Era dos catadores ainda.
R - Essa parte de triagem...
P/1 - Ah, eles se sentiam assim, agente do meio ambiente? Como eles viam o trabalho deles?
R - Ah, com certeza.
P/1 - Eles tinham essa consciência?
R - Com certeza. Com certeza tinham consciência, porque alguns deles também eram daqueles carrinhos de papelão na rua. E você ouvia, porque a gente ia muito lá. O Clodoaldo jogava futebol com eles. Então eles não se continham de um secretário ir jogar futebol com lixeiro. Eles se intitulavam assim. E não tinha nada a ver. São pessoas como a gente também. E, às vezes, eles saiam na rua e, às vezes, a gente ia lá com a viatura e eles viam alguém jogando uma coisa na rua, até eles próprios comentavam, iam lá e levavam para a coleta seletiva. Então você vê que as pessoas começam a enxergar as coisas. Ver de outro lado. Quem vivia no lixão está lá vivendo bem. Hoje eu realmente não sei como está, mas eu acho que ainda tem porque de vez em quando eu vejo o caminhão rodando lá em Bauru. Não sei se com toda essa frequência, se está passando em todos os bairros. Mas na época a gente sofreu um pouquinho para implantar, porque coleta seletiva não é romantismo não. Não é aquela coisa linda, maravilhosa.
P/2 - Então Lázara, com relação à Iguape especificamente. Porque está lá já tem oito anos?
R - Oito anos. Em fevereiro oito anos agora.
P/2 - Fala como era quando você chegou e dá um pouquinho desse panorama de quando você chegou lá, como é que estava a questão do meio ambiente, da base.
R - Da base. Da Fundação SOS Mata Atlântica. Bom, questão de projeto realmente não tinha nada. E quando eu cheguei na região eu já cheguei na primeira semana e o Mário Mantovani disse que eu iria ser membro do Comitê de Bacias. E foi onde eu aprovei o meu primeiro projeto. Então eu fui para uma reunião do Comitê de Bacias como membro titular. Cheguei lá e a reunião era só com prefeitos. Não tinha quase ONG ainda atuando. Então eu era a única mulher. Eu era a única mulher e eu participava da câmara técnica de gerenciamento e planejamento onde os projetos eram discutidos. Então era só o prefeito e eu de mulher representando a SOS Mata Atlântica. E na época eu senti muita resistência. Depois eu vim a saber, que a SOS tinha muito problema lá no Vale do Ribeira. Porque tinha aquele estigma que o Vale do Ribeira não se desenvolveu por causa dos ambientalistas. Então eu ouvi dizer que, na época que estava a outra bióloga lá, até tentar botar fogo na SOS o pessoal do município queria. Mas o problema com a SOS ou com a profissional que estava lá também na época, eu não sei, é que ela nunca buscou parceria. Então era assim, um órgão trabalhando por si só, o outro trabalhando por si só e a SOS tentando desbravar também projetos e cuidando da Mata Atlântica sozinha. A primeira coisa que eu comecei a buscar foi contato com o Ibama, contato com a polícia ambiental. Porque lá em Bauru a gente já tinha, a gente já trabalhava junto com o Ibama, já trabalhava junto com a polícia ambiental. Era semana do meio ambiente, era todo mundo junto. Então quando eu fui para o Vale do Ribeira eu comecei a buscar essa aproximação. Aproximação com a prefeitura da Ilha, aproximação com ONGs, aproximação com órgãos governamentais. E isso foi mudando, porque a gente começou a fazer parceria. Então eu consegui, eu digo eu, o Gazzetta, na realidade eu e ele é que fomos lá. A menina que estava lá estava naquele esquema. Nós começamos a quebrar essa imagem da SOS Mata Atlântica de eco chata porque era realmente de eco chata, de repressora. Nós começamos a mudar quando a gente foi para lá, quando a gente começou a buscar parceria. Aí começou a aparecer os projetos e essa imagem que tinha que a SOS só queria preservar bicho e a Mata Atlântica, a gente foi desmistificando, porque a gente começou a procurar a comunidade tradicional, começou a fazer trabalho com a comunidade tradicional. Nós já constituímos associações com a comunidade tradicional. A SOS já viabilizou e isso a gente foi mudando aos poucos, através de contato, através de parceria. Então a gente hoje, você pode até ouvir alguém na região do Vale do Ribeira falar: "Ai, ambientalista vem pra emperrar...". Tem um povo ali na Juréia que ainda fala. Mas isso mudou muito porque o foco da SOS também mudou. Quando a gente foi para lá eles começaram a enxergar que meio ambiente não é só mata, que o homem faz parte do meio ambiente. E a hora que começou a enxergar isso, que a gente começou a buscar parceria, esse problema que tinha com ambientalista, com a SOS Mata Atlântica, ele começou a diminuir. E a SOS também, na época, em Iguape tinha a ponte para atravessar para a Ilha Comprida. Então a ponte foi construída 90%. Faltou 10% dela. E quem entrou no Ministério Público para a não conclusão foi a SOS que encabeçou. Então a SOS ficou com esse estigma de não desenvolvimento, que a região é uma região muito pobre, que os ambientalistas só pensam em matar, não pensam em desenvolvimento, que a região é pobre por causa dos ambientalistas. E isso veio se arrastando. A ponte ficou parada dez anos. E depois que a SOS Mata Atlântica botou algumas diretrizes no Consema, que a ponte só iria ser construída se tivesse coleta de lixo, se tivesse tratamento de esgoto. E foi aí que a prefeitura foi correr atrás do prejuízo e as coisas foram melhorando. E aí concluiu a ponte. A ponte foi inaugurada até pelo Mário Covas, ainda no último ano de vida dele. Algumas coisas aconteceram lá que também tinha esse estigma ruim da SOS Mata Atlântica. Eles achavam que a SOS era repressora, estava na região só para atrapalhar o desenvolvimento. E realmente não é isso.
P/2 - E hoje, como ela é vista?
R - Hoje a SOS Mata Atlântica é vista como uma grande ONG. A gente é convidado para todos os eventos. Todos os conselhos de Unidades de Conservação que são formados no Vale do Ribeira a gente faz parte.
P/2 – Então mudou completamente?
R - Completamente. Desde a base que ela existe em um casarão histórico, desde a cara da base mudou, como nosso relacionamento no Vale do Ribeira. Hoje a gente é tido como, a SOS é tida como líder mesmo. Como uma das primeiras ONGs. E a gente tem realmente uma grande visibilidade e conceito. E lá no Vale do Ribeira também. Nós fazemos parte do Comitê de Bacia, nós fazemos parte do Comitê de Gestão do Parque Estadual do Ilha do Cardoso. Nós fazemos parte do Conselho Gestor da APA Iguape, Cananéia, Peruíbe. Nós fomos convidados para fazer parte do Conselho Gestor de Juréia e Itatins, mas a gente não foi por falta de tempo. Porque na realidade são dois profissionais para coordenar projeto, para participar de comitês, etc. Fazíamos parte da APA da Ilha Comprida. Hoje a gente não faz porque ela foi retomada. E por conta de falta de tempo também, a gente só trabalha no apoio logístico. Mas não como um membro, porque um membro tem que estar em todas as reuniões. E essa história mudou muito. Hoje a SOS Mata Atlântica, por exemplo, é procurada por comunidade tradicional, para ajudar a montar uma associação. Nós somos procurados para denúncias, porque, às vezes, eles não querem fazer denúncias para os órgãos que são os órgãos competentes, e a denúncia entra pela SOS Mata Atlântica. Então a gente realmente acabou com aquele problema que tinha com a SOS lá embaixo. Isso aí foi um trabalho que a gente foi fazendo em oito anos. Talvez possa ser uma coisa ainda tímida, porque os nossos projetos envolvem a bacia, mas a gente conseguiu mudar muito a cara da SOS Mata Atlântica em oito anos. O Vale do Ribeira tem trinta mil quilômetros quadrados de área. Hoje a gente tem projeto em 98 escolas de quinta à oitava série. Nós trabalhamos com 33 mil alunos na rede estadual de ensino.
P/2 - Era sobre isso que eu queria te perguntar. Quais são as principais ações desenvolvidas pela base da SOS em Iguape?
R - Olha, nós temos aquele projeto Pólo Ecoturístico Lagamar que eu disse para vocês que ele já havia sido pensado quando estava chegando lá. Porque hoje nós trabalhamos com projeto de ecoturismo que é o projeto Pólo Ecoturístico Lagamar que trabalha com Iguape, Ilha Comprida, Cananéia e Pariquera, que discute o turismo regionalmente. Esse projeto foi bastante interessante, capacitou a comunidade local, deu cursos de monitor ambiental. Hoje tem uma associação de monitores ambientais que vivem só disso por conta dessas oficinas de capacitação da SOS. A gente até auxiliou nessa montagem dessa associação. A SOS, na verdade, foi a primeira a trazer curso de capacitação. Ela lançou a semente por conta desse projeto. Escolas vêm dos grandes centros, ainda que algumas escolas estaduais, mas muitas particulares, pra fazer o estudo do meio. Hoje o Lagamar está no currículo de grandes escolas aqui de São Paulo que vão para a região fazer estudo do meio. Passam na base, eu dou uma palestra e eles vão fazer estudo do meio. E isso faz com que a cidade tenha uma rotatividade, uma oxigenação da economia, porque já fora de temporada, hotéis e restaurantes mandam todos os funcionários embora. Eles mandando caiçara embora, caiçara vai buscar alternativa na mata. E ele estando empregado, garantindo a cesta básica, ele não pratica esse tipo de atividade. Então esse projeto veio a contribuir muito para o desenvolvimento sustentável da região, porque vindo escola e utilizando os hotéis e restaurantes fora de temporada, está fazendo com que o cara que trabalha no mercado esteja trabalhando, o cara que esteja no varejão esteja trabalhando. E a Mata Atlântica, graças à Deus está lá, o cara tendo ocupação não está indo lá buscar caça, cortar palmito para vender e tentar sobreviver a família. Isso é um projeto bastante interessante. Foi um projeto piloto patrocinado pela Embratur que fez com que o governo federal discutisse no final da gestão passada, a discutir o ecoturismo regionalmente e não localmente como ocorre em Bonito, por exemplo, que só Bonito é desenvolvido e as cidades do entorno não. Então no Brasil, hoje, existe acho que 96 pólos de ecoturismo depois dessa nossa experiência. E nós temos alguns projetos que foram desenvolvidos por nós mesmos, por mim e pelo Gazzetta, que a gente deu continuidade no projeto que fez com que nós viéssemos pela SOS, no caso o Projeto Observando, que é aquela análise de água. Nós implantamos o projeto na bacia do Rio Ribeira de Iguape que é uma bacia totalmente antagônica, totalmente diferente do Tietê, mas que também tem problema. É uma bacia que não tem barragem, mas que também já não tem mais mata ciliar e que já causou grandes problemas até lá em Iguape por causa de erosão, etc. Então a gente tem esse projeto de análise de água que é um projeto de educação ambiental através de análise de água. Quando esse projeto foi implantado, assim que nós fomos para lá, eu tinha 38 grupos de sociedade civil organizada de um modo geral. A gente trabalhava com Igreja, com comunidades ribeirinhas, com associação de moradores de diversos municípios. Compondo os municípios da bacia. Na segunda fase do projeto, nós expandimos quase que 500%. De 38 grupos eu fui para 150 grupos. Porque eu tinha um projeto andando paralelo que era o Projeto Meu Mundo, que era uma produção de material de educação ambiental para todos os alunos de quinta à oitava série de todas as escolas estaduais dos 23 municípios que compõem a bacia. Então a bacia hidrográfica tem 23 municípios. E por que é que nós pensamos em um projeto desses? Porque nós começamos a sentir o seguinte, a escola vem de São Paulo para fazer estudo do meio, para trabalhar meio ambiente de um modo geral e os alunos é que não conhecem nada. Eles não sabem o que é Mata Atlântica. Eles vivem na Mata Atlântica e não conhecem. Então a gente começou a sentir muito isso em palestras que dava nas escolas na região. E foi onde nós despertamos para esse problema. Aí nós preparamos um material, preparamos um projeto que foi aprovado no FEID, que é o Projeto Meio Mundo que constituía de uma cartilha para cada aluno, 35 mil alunos receberam. Nós produzimos uma grande quantidade de material e eles receberam essa cartilha. Cada escola que participou recebeu uma maletinha, que tinha dentro um vídeo que chama "O Rio e a Mata", que é uma conversa, uma narrativa entre o rio e a mata. Porque essa é uma coisa bastante poética e bem interessante. E hoje esse vídeo foi solicitado pela TV Escola de Brasília, que viram na biblioteca virtual da USP e mandou um ofício para mim pedindo se eu podia autorizar a veiculação por cinco anos na TV Escola desse vídeo, porque é um vídeo muito educativo. Então nós produzimos um material para os alunos e para os professores, que a gente chamou de Documento de Informação e Orientação do Professor. Então a gente reuniu em um documento todas as informações. A caracterização dos 23 municípios para que eles pudessem ter informação de tudo naquela região. Mas o interessante desse projeto foi que nós não enfiamos nada goela abaixo. O que a gente fez? Nós chamamos os diretores de ensino que era Diretoria de Ensino de Apiaí, Diretoria de Ensino de Registro, são diretores muito simpáticos, são uma simpatia os dirigentes do ensino. A Diretora de ensino de Miracatu, Diretoria de Ensino de Itapecerica da Serra. Porque Itapecerica da Serra, Juquitiba e São Lourenço estão dentro da nossa bacia, aqui na região metropolitana, muito próximo e a diretoria de ensino de Votorantim com uma única cidade que é Tapiraí que está dentro da Bacia. O que a gente fez? Nós chamamos para uma reunião os dirigentes de ensino. Apresentamos o projeto. Os dirigentes indicaram aquela escola que já está mais acostumada com o tema. Mandou o professor. E aí o que nós fizemos? A gente pediu para que o professor implantasse, implantasse não, colocasse isso na escola como se fosse para que o aluno conhecesse o município. Então você vai fazer um trabalho sobre o seu município. Tudo. Conhecer a população, conhecer o rio, fazer esse material, produzir esse material e mandar para nós. Então todas as cidades, todas as escolas produziram um material com os alunos de quinta a oitava séries e mandou esse documento para a gente. Então quem fez a caracterização não fomos nós, foram os próprios alunos. E depois nós reunimos esse documento, produzimos um material e fizemos à entrega desse material que é o projeto "Meu Mundo". E por que o meu projeto “Observando” deu um pulo de 38 grupos para 150? Porque eu já estava trabalhando com as 98 escolas e as escolas queriam fazer análise de água. Então eu aproveitei aquele pessoal que eu já estava trabalhando, dei o projeto “Meu Mundo” e implantei o “Observando”. Aí todas essas escolas que já estavam trabalhando a educação ambiental através do Projeto “Meu Mundo”, hoje fazem análise de água com um kit. A cada quinze dias, aquele aluno daquela escola vai para a beira do rio, coleta água e faz análise de água. Mas o mais interessante não é ele saber a qualidade da água, porque a Cetesb faz - o nosso projeto é muito próximo com a Cetesb. O objetivo é conhecer o rio que ele usa. O meu rio tem peixe? Não tem. O meu rio tem mata ciliar? Não tem? Por que não tem? O meu rio tem draga que está dragando a areia? Por que está dragando areia? E está regular ou irregular? Então, o objetivo do projeto é deportar isso. E o mais interessante é que por conta desse projeto nós precisamos criar um viveiro de essências nativas. O que despertou para a galera? O meu rio está assoreado, não tem mata ciliar. Onde é que eu vou arrumar muda, porque eu quero plantar muda. Aí montamos um viveiro em parceria com o Ibama. É por isso que eu disse para vocês, é muito importante essa parceria, porque você vê, hoje a gente busca parceria nas diretorias de ensino, a gente busca parceria nos órgãos. Hoje nós temos um viveiro dentro do Escritório Regional da APA-CIP, que é o Escritório Regional do Ibama lá em Iguape. Eles cederam a área, a gente montou a estrutura. O funcionário é funcionário nosso de manhã e de tarde é funcionário do Ibama. E a gente produz a cada seis meses 25 mil mudas com um único funcionário de essências nativas muito mais voltado para a mata ciliar, para suprir essa solicitação dos grupos que querem mudar, porque eles enxergaram que o rio está com problema porque não tem mata ciliar. E onde é que eu vou buscar muda? Agora eu já tenho um viveiro que eu posso repassar a muda para essa turminha de 36 mil alunos hoje que eu trabalho na bacia hidrográfica do Rio Ribeira.
P/1 - São os alunos que vão lá e plantam? Como é que é isso?
R - Então, é assim. A escola tem que ter um coordenador porque eu não tenho condição de treinar todo mundo. Então o que eu faço? Eu faço um workshop, treino o professor, dou o kit e o professor é o coordenador. Ele coordena o grupo. Então ele sabe que de quinze em quinze ele tem que estar lá na beira do rio faça sol ou faça chuva, no sábado. Porque assim, para a gente ter uma amostragem, tudo bem o projeto é um projeto de educação ambiental, mas para gente ter uma amostragem das coletas tem que ser mais ou menos na mesma época. Em todo o rio, por exemplo, em todo o sábado na parte da tarde, todo sábado na parte da manhã. E aí o professor vai lá a cada quinze, faz essa coleta. E o interessante é que não é só parâmetro químico, tem parâmetro de percepção na ficha. Então tem lá se estava chovendo, se tinha enxurrada, se não tinha enxurrada, se tinha mata ciliar, se não tinha mata ciliar, se tinha animal na beira do rio. Então é uma análise química e por percepção. Então a cada quinze dias ele está olhando aquele rio que é importante para ele, que ele usa o rio para tomar banho, ele usa o rio para levar água para a cada dele, para regar a horta e etc. E a gente está lá tocando esses projetos. Hoje a gente tem 38 mil, 33 mil alunos trabalhando lá.
P/2 - Os resultados são maravilhosos, né?
R - Com projetos do Fehidro. A gente está agora, o “Meu Mundo” acabou, que foi a produção do material, mas a gente continua ainda com esse grupo. O projeto “Observando”, nós já estamos na terceira fase. Foi o “Observando I”, o “Observando II” e o “Observando III”. O “Observando II” a gente vai entregar o resultado das análises. E nessa segunda fase do projeto nós produzimos, ou melhor, estamos produzindo, porque ainda não entregamos, uma exposição itinerante. As escolas que fazem parte do projeto vão ter disponível uma exposição focando o tema Água. Então ele vai ter lá sete painéis no estilo banner que ele a leva para a escola e fica em exposição. E os alunos que trabalharam esse tema vão falar. É uma exposição itinerante que vai correr todas essas 98 escolas do Vale do Ribeira com uma agenda e etc. E isso a gente vai entregar. Como a gente tem problema de calendário escolar, geralmente a gente tem que espera um ano para o outro. Porque tem que obedecer, é lógico que é uma parceria e eles também têm muito compromisso, então tem que conciliar. E como a região é uma região muito grande, eu trabalho até com diretoria de Apiaí. São horas para eu chegar até lá. Para eu conciliar todo esse povo, é complicado. Eu vou estar agora no começo do ano fechando o “Observando II” e lançando o “Observando III” que é outra fase de análise de água que nós vamos dar continuidade. E nós temos um outro projeto também que é o projeto da APP, que é Área de Proteção Permanente. Por conta desse projeto “Observando” a gente sacou que o Rio Ribeira de Iguape é um rio muito rico, tem uma quantidade muito grande de água. É o único rio que ainda não tem barragem, mas o Senhor Antônio Ermírio de Moraes quer fazer três. Mas ele não vai conseguir porque a gente está fazendo uma campanha bem sólida junto com a comunidade de Quilombola, eles estão muito organizados. Eles têm os movimentos dos ameaçados contra a barragem. E a gente sabe também que não vai trazer nada de bom para a região. Isso já é visão da Fundação SOS Mata Atlântica junto com a comunidade tradicional. Com esse projeto no Rio Ribeira de Iguape, que é o rio mais importante, tem a sua foz lá na bacia, a gente conseguiu enxergar por esse projeto “Observando” que o rio é muito interessante, mas que não tem quase mata ciliar mais. E a gente criou um projeto que se chama “Avaliação das Áreas de Proteção Permanente da Bacia Hidrográfica do Rio Ribeira de Iguape”. Então a gente está com um trabalho utilizando o Atlas do SOS Mata Atlântica, que são aquelas imagens que a SOS tem. A gente está utilizando esse Atlas junto com o Instituto Florestal, junto com a Polícia Ambiental e o Ibama. Cruzando informações, produzindo um diagnóstico para disponibilizar esse diagnóstico e ver justamente onde é que é Rio Ribeira tem problema de mata ciliar para depois a gente buscar um outro projeto junto com uma parceria que já existe aí, que já houve algumas reuniões no Comitê com a Comunidade Tradicional de estar recuperando essas APPs que são as Áreas de Proteção Permanente do Rio Ribeira. Então você vê que como em um projeto teve vários desdobramentos. Hoje a gente está lá. Eu recebo na base, a base da SOS Mata Atlântica, ela virou um centro de visitação. Nós somos ponto turístico em Iguape. Então todo mundo que vai para Iguape eu sei. Nós temos um centro com uma maquete muito legal da região. Porque a gente fala Lagamar. E aí a pessoa: "O que é Lagamar? É uma outra cidade?". E ninguém sabe o que é Lagamar, a pessoa que vem de fora. Então nós temos uma maquete que mostra o Lagamar só das quatro cidades que compõem o projeto: Iguape, Ilha Comprida, Cananéia e Pariquera. Mostrando lagos internos, lagoas. E por que leva esse nome Lagamar e etc? Por causa de Unidades de Conservação. Então o piso superior da casa da SOS é muito legal. Tem painéis informativos e explicativos. E a cidade, por ser uma cidade da época da colonização do Brasil, que o Martim Afonso chegou em 1531. Nós temos uma linha do tempo que reproduz desde a época da colonização do Brasil, quando Martim Afonso chegou em Cananéia, na Ilha do Bom Abrigo, até o século atual, a pessoa utilizando os recursos naturais como forma de lazer, de desenvolvimento sustentável e etc. Então a SOS acabou, por conta deste centro de interpretação ambiental e informação turística um ponto turístico. Então se você puxar, a SOS é um ponto turístico. Então o público, quando está chovendo, porque lá chove mesmo, porque nós temos dos 7%
do que resta de Mata Atlântica, vinte e poucos porcento é naquela região. A Mata Atlântica ainda está muito conservada lá. O que restou está tudo lá, por isso é que eu acho que a SOS Mata Atlântica tem realmente que estar trabalhando na região, porque a Mata Atlântica está lá. Continua lá, naquela região, e por isso é que a SOS foi criada também. E... Já perdi o raciocínio.
P/1 - A chuva...
R - Ah, e quando chove muito que o pessoal não vai à praia, eles vão visitar a SOS. Aí a gente faz aquele trabalho: contam o que é a SOS, o pessoal leva material informativo da SOS, assina o livro de visitante, eu tenho vídeos ambientais. Geralmente eu passo o vídeo, porque é um vídeo bastante cênico que mostra Iguape, Ilha Comprida. Porque turista, ele quer ver o que ele tem para fazer na cidade, e a gente mostra. É um vídeo bilíngue. Ele tem na versão também em inglês, e eu acabo recebendo por ano de três a quatro mil visitantes. Fora escola. Porque como esse Projeto “Pólo Ecoturístico Lagamar” trabalha, hoje está muito focado para público dirigido, que são alunos que estudam o meio e vêm para a região. Agora está meio devagar por causa de grana. O pessoal está meio assim, as agências de viagem andavam segurando um pouco por causa de economia e etc. Mas teve uma época que eu recebia cinco escolas por semana. Eu dava palestras e eles iam fazer.
P/1 - Deixa eu te perguntar. É possível ter um turismo sustentável?
R - Lógico, completamente. O ecoturismo, na realidade, é um turismo que traz dinheiro e que não detona o meio ambiente. Ele preserva sim o meio ambiente, porque as pessoas que vêm com esse objetivo, com essa mentalidade de ecoturismo, ele não vem para detonar. Não é um turismo predatório. Ele vem para a região, ele gasta, ele dorme, ele come, ele vai fazer uma trilha na Mata Atlântica, só que ele não deixa lixo. E essa linha de ecoturismo é bem interessante, sim. Eu acho que o futuro mesmo da região vai ser ecoturismo. Porque lá, devido à própria geografia da região, não tem como construir indústria. A região é toda cercada por unidade de conservação. Seja ela Parque, seja ela APA, seja ela Estação Ecológica. Então o que tem que ser focado e trabalhado mesmo é a questão de ecoturismo. Essa parte de desenvolvimento sustentável e manejo. Utilizar a floresta como manejo.
P/2 - E quais são os principais problemas enfrentados pela Mata Atlântica. Como você disse lá, vinte e poucos porcento do que resta está lá. Então quais são os problemas mais graves enfrentados, na sua opinião?
R - Nós ainda temos muito problema com desmatamento, muito. Porque como eu disse para vocês, a gente acaba sendo, não somos um órgão fiscalizador e nem de repressão. Nós somos uma organização não governamental que trabalhamos em proteção à Mata Atlântica. Mas a gente acaba recebendo isso. Então a gente recebe muita denúncia de desmatamento e de palmiteiro. Mas não são assim, tem até gente da região envolvida, mas vem muita gente de fora para pegar o palmito e vender para grandes indústrias. A gente vê porque a gente vive, a gente tem parceria e o Ibama vive fazendo grandes apreensões junto com o polícia ambiental de palmito. O palmito quase não existe. A maioria deles está em unidades de conservação e ainda a Mata Atlântica sofre com essa ação do palmiteiro.
P/2 - É grave essa questão do palmiteiro?
R - Essa questão ainda é muito grave. E os desmatamentos.
Às vezes acontece, por exemplo, alguma autorização até de órgãos competentes para dar uma autorização que não é Mata Atlântica e a gente vai checar no Atlas e é Mata Atlântica. Então a gente está com uma coisa bastante séria lá em Iguape. Teve um desmatamento bastante grande que um órgão competente, um órgão técnico, deu um parecer autorizando o desmatamento que é sim Mata Atlântica em estágio de recuperação. E um outro caso que aconteceu recentemente foi lá em Cananéia que
até a promotora do meio ambiente, que tem a sede no fórum de Registro nos procurou, eu e o Gazzetta, para conversar para ver qual o caminho que ela deveria tomar. Porque assim, a região lá do Complexo Estuarino Lagunar é a região do Papagaio de Cara Roxa, do Amazona brasiliensis, que é uma ave endêmica, é um Psittacidae Endêmico. Ele só ocorre ali. Não tem esse papagaio mais em lugar nenhum, é o Papagaio de Cara Roxa. E pediram um desmatamento para um loteamento em Cananéia. E é justamente a área do Cara Roxa. O técnico deu o seguinte parecer: "A cada Guanandi, que é uma espécie vegetal, uma árvore, pode-se desmatar após cem metros em volta de cada Guanandi”. Ou seja, iriam ficar ilhas de Guanandi, círculos. E são pessoas dos órgãos competentes que dão autorização. Só que o papagaio não vive no Guanandi. Primeiro que o ninho dele não é no Guanandi, e ele utiliza uma grande área. Aí o cara já tinha tido a autorização do órgão para desmatar. E a própria promotora do meio ambiente ligou para mim, entrou com uma solicitação pelo ministério para segurar isso. Porque ela viu que a autorização era extremamente escabrosa. Só que antes ela me ligou e nos consultou para saber o tipo de autorização. Não existe isso, gente. Por exemplo, não vai deixar só uma palmeira seca, porque ele bota em uma palmeira seca, ele põe os ovos em uma palmeira seca só porque ele bota ali. E o resto da vegetação? Ele vai comer o quê? Então ainda acontece esse tipo de coisa com todo esse trabalho que a gente faz.
P/2 - Incrível, né?
R - Incrível.
P/2 - E com base nisso tudo, para você, quais são as perspectivas para a Mata Atlântica para médio e longo prazo.
R - Olha, eu já trabalho lá há oito anos. Eu acho que o bioma ainda vai se for um pouquinho... Mas a consciência já vem mudando. Porque a gente já trabalha o meio ambiente e a educação ambiental a um bom tempo. Desde quando eu disse para vocês que eu estava lá em Bauru que foi quando a gente começou a ouvir falar de meio ambiente. E hoje, meio ambiente é muito focado, muito trabalhado na escola. E a partir do momento que você tem um determinado hábito, você não vai mudar. Então eu acredito muito na geração que vem aí. Porque mudança de hábito é muito complicada. É difícil você chegar na sua casa e falar para o seu pai não fazer uma coisa que ele faz a cinquenta anos. Agora se a criança já vem com aquilo da necessidade de não poluir a água, que a água é importante, hoje nós já sabemos que a água é um bem finito, porque se não tiver a Mata Atlântica não tem água, Então ele já vem com isso. Quando ele crescer, eu acho que, com certeza, a mudança vai ser bem radical sim. Mesmo porque o próprio bioma, o próprio meio ambiente está pedindo. A gente já sabe que se não preservar a água, logo, logo a gente não ter mais água. Então vai ser por educação mesmo e por pressão, sim. Porque a pessoa ou ela já vem educada ou ela vai ter que se adequar.
P/2 - Então para você é um futuro bastante positivo.
R - Eu acho. Eu acho um futuro bastante positivo, com certeza.
P/2 - Com base nisso tudo, né? Essa questão de conscientização e...
R - Com base nisso tudo. Eu já vejo porque eu trabalho muito com alunos. Eu trabalho muito. Então eu vejo muito o que já mudou. A minha filha... Eu nunca falei para ela. Ela tem sete anos, a Ana Luisa. Eu nunca falei para ela não jogar papel na rua. Eu nunca cheguei nela e falei: "Filha, não pode jogar papel na rua". Ela não joga. Desde quando ela aprendeu que ela é Ana Luisa, se ela chupa uma bala ela põe no carro. Ela não joga. Então você vê. Eu tiro pela minha filha. Eu já vejo que isso vem mudando. E a escola já trabalha. Não é porque ela é minha filha e porque eu trabalho na SOS, a escola já trabalha isso. Então você vê que, com certeza isso vai mudar. Quer dizer, tem que mudar. Se continuar desse jeito não vai mais ter meio ambiente.
P/2 - Acaba, né? Tudo.
R - Não vai ter água, não vai ter mais mato, não vai ter mais bicho, não vai ter mais nada. Nós vamos virar um desertão.
P/2 - E Lázara, a gente, você falou de bastantes pontos que são ações muito interessantes da SOS, projetos, programas, campanhas. Existem algum ou alguns pontos dentro da Fundação SOS Mata Atlântica que você acha que necessite de alguma reformulação?
R - Mas você está falando de SOS Iguape ou de SOS como um todo?
P/2 - Como um todo. Você acha que existem pontos que necessitam ser modificados, trabalhados? Uma coisa crítica. Um momento crítico agora da sua parte.
R - Eu acho que a SOS Mata Atlântica é uma entidade muito conhecida. A gente realmente tem um grande potencial, muito mesmo. Só que eu acho que a SOS Mata Atlântica ainda segura muitas informações.
P/2 - Como assim?
R - Por exemplo, esse Atlas. Hoje ele já está na internet, ele já está disponível, mas ainda tem muita gente que não conhece. O Atlas é um instrumento muito interessante que pode ser usado nas escolas. Se a gente usar esse material que a SOS tem nas escolas, vai ser um grande avanço. A SOS tem um material muito rico na mão que ainda está na internet. Eu acho que a gente poderia estar trabalhando muito mais essas informações e jogando para uma quantidade maior de pessoas do que ela atinge hoje. Principalmente nessa questão de informação, essa parte de ver essas informações que ela tem do Atlas. Por exemplo, ela está na internet, está disponível, mas eu acho que deveria ser um Atlas da Mata Atlântica como um Atlas escolar que a gente estudava lá. Você lembra daquele Atlas escolar que a gente estudava o Brasil? Eu acho que o Atlas da Mata Atlântica deveria sim estar em todas as escolas, porque é um material bastante rico e eu acho que tem que ser disponibilizado, sim.
P/2- E como você enxerga a Fundação SOS Mata Atlântica hoje?
R - Como eu enxergo?
P/2 - É.
R - Uma excelente entidade. Uma entidade com um grande potencial de crescer mais ainda porque ela tem nome. É uma entidade que tem um nome e tem uma bandeira muito forte. Um logo muito forte. Então assim, eu realmente não tenho críticas da SOS Mata Atlântica. Por sinal eu trabalho nela e tenho muito a agradecer. Mas eu acho que é uma entidade que tem um nome muito forte, tem muito que crescer ainda. Ela já cresceu nesses dezoito anos e eu acho que daqui para frente ela ainda tem muito mais a crescer. Porque ela tem uma marca muito forte, um nome muito forte.
P/2 - É isso o que eu quero te perguntar agora. Onde você enxerga, onde você vê ela daqui dez anos?
R - Eu vejo como? Como assim?
P/2 - Por exemplo, você já definiu como você vê a fundação hoje. E daqui a dez anos?
R - Mas eu acho que o futuro da SOS Mata Atlântica é a gente estar principalmente em todos os estados da Mata Atlântica, como o franchising, por exemplo. Formando núcleos em cidades como se fossem pequenas SOS Mata Atlânticas, porque nós temos uma atuação. Hoje a base está em São Paulo. A matriz tem seu centro e está em São Paulo e nós temos uma base em Iguape. Mas eu acho que a SOS Mata Atlântica, ao longo do tempo, está se preparando para isso, dela estar montando pequenas ONGs em determinados pontos para crescer muito mais. Porque aí ela vai estar em todo o Brasil e vai só ficar como articuladora e repassando informações, projetos para a Mata Atlântica.
P/2 - Então é assim que você enxerga daqui...
R - Eu acho que sim. Assim, ela já cresceu muito e agora a intenção é a SOS criar pequenos núcleos como se fossem pequenas SOS para atuar em todos os estado que compõe a Mata Atlântica.
P/2 - Agora, para finalizar Lázara, eu queria que você dissesse o que a SOS significa para você. O que ela significa?
R - Olha, eu acho que hoje não é dia deu falar isso. Porque hoje eu não estou muito boa para falar.
P/2 - Abre o coração, Lázara. O que ela significa na sua vida?
R - Eu, como profissional e como bióloga que sou, eu simplesmente vesti a camisa da SOS Mata Atlântica. E eu tenho certeza, enquanto eu estiver lá, eu vou vestir a camisa sim e vou continuar carregando a bandeira. Eu trabalho lá no Vale do Ribeira com toda essa garra minha e do Gazzetta não é para me promover pessoalmente, e sim para carregar o nome da SOS. Eu tenho uma paixão muito grande por essa entidade que eu represento lá. Eu gosto muito. Gosto de paixão da SOS Mata Atlântica. É óbvio que às vezes a gente tem alguns contratempos. Mas essas coisas são superadas porque eu realmente tenho amor ao meu trabalho. Eu visto a camisa sim, independente de eu ter ou não chefes lá do meu lado, porque eu não tenho nenhum diretor lá. Eu trabalho no Vale do Ribeira há duzentos quilômetros deles. Mas eu faço o meu trabalho, eu cumpro o meu trabalho. Eu visto a camisa. E eu estou lá não para me defender, para me promover como pessoa e sim para carregar a bandeira da SOS Mata Atlântica. Então a Fundação SOS Mata Atlântica para mim é muito importante, muito importante mesmo. Eu sou extremamente grata ao Mario Mantovani de estar trabalhando na SOS Mata Atlântica. Aos outros diretores também com o tempo a gente acabou conquistando. Mas a Fundação SOS Mata Atlântica é minha vida hoje, simplesmente a minha vida e a vida da minha família. Hoje a gente gira em torno da Fundação SOS Mata Atlântica. Eu preciso me programar, por exemplo, pra buscar a minha filha porque eu trabalho na SOS Mata Atlântica. Eu tenho uma reunião, eu tenho seminário, eu tenho um compromisso. Então a minha vida e a vida da minha família,porque o meu marido também trabalha na SOS Mata Atlântica, a nossa vida gira em torno da Fundação SOS Mata Atlântica. A Mata Atlântica para mim é tudo hoje. A Fundação. Praticamente tudo. A gente vive a Fundação SOS Mata Atlântica. E não tem nem como. Eu não consigo ir para a minha casa e conversar com o meu marido outro assunto. Tenho até medo da SOS Mata Atlântica.
P/2 - Junta as duas coisas, né?
R - A Fundação SOS Mata Atlântica, entendeu?
P/1 - O que você achou de ter dado essa entrevista para gente? Recordado o seu passado, sua infância.
R - Ah, gostei muito. Você me buscou uma coisa que até me deixou emocionada. Porque hoje a gente trabalha tanto que, às vezes, eu nem parei para lembrar de quando eu morava lá no sítio. Você fez eu buscar a época da carroça, gente. Do fusca do meu pai que tinha aquela santinha que está comigo. Então foi muito legal. Gostei mesmo porque são valores importantes que, às vezes, o dia-a-dia nos consome e a gente não para pra pensar. E eu gostei muito. Gostei mesmo.
P/2 - Tem alguma pergunta que talvez a gente não tenha feito, alguma coisa que você queira dizer e que não tenha sido abordado?
R - Não. Nossa gente, eu falei tanto. Eu falei que eu não ia falar duas horas porque eu não ia ter assunto.
P/2 - E tinha assunto para mais uma, né?
R - Gente, Meu Deus. Falam que eu falo muito. E eu falo mesmo. E eu acho que tinha assunto ainda para falar.
P/2 - Não mas, eu queria aproveitar agora para agradecer a sua presença aqui.
R - Eu é que agradeço. Desculpa de eu ter...
P/1 e P/2 - Imagina.
P/1 - Muito obrigada mesmo.
R - Hoje de manhã era para eu vir, mas e eu estava enrolada. Eu vim no susto porque eu não sabia nem o que eu ia fazer, porque infelizmente a SOS ainda tem esse problema de comunicação que a gente pretende sanar.
P/1 - Mas vai sanar.
R - Vai com certeza.
P/1 - Mas muito obrigado mesmo.
P/2 - Obrigado.
R - Imagina, eu é que agradeço.Recolher