Programa Conte sua História
Depoimento de Higor dos Santos Fabri
Entrevistado por Carolina Margiotte e Denise Cooke
Santa Mercedes, 04 de julho de 2018
Entrevista número PCSH_HV656
Realização: Museu da Pessoa
Revisado e editado por Bruno Pinho
P/1 - Higor, bom dia.
R - Bom dia.
P/1 - Obrigada por receber a gente aqui na sua casa.
R - Eu que agradeço.
P/1 - E para começar, seu nome completo.
R - Higor dos Santos Fabri.
P/1 - Local e data de nascimento.
R - Local que eu resido?
P/1 - Que você nasceu. O local e o dia do seu nascimento.
R - Dracena, três do quatro de 1997.
P/1 - Higor, conta para a gente, você sabe porque seus pais te deram esse nome? Higor, com H?
R - Sim. Minha mãe gostava de uma novela que tinha um cigano que se chamava Higor.
P/1 - E aí seu pai aceitou? Como que foi essa negociação?
R - Eu acho que foi ela mesma que decidiu.
P/1 - E seus pais te contaram o dia do seu nascimento como foi?
R - Não.
P/1 - E falando nos seus pais, qual o nome deles?
R - Completo?
P/1 - Pode ser.
R - Marta Francisco dos Santos Fabri, Jassi Geraldo Fabri.
P/1 - Fala um pouco sobre eles. Como eles são, a profissão.
R - Meu pai é agente sanitário e minha mãe trabalha em serviços gerais.
P/1 - Quer falar um pouco sobre a personalidade deles?
R - Minha mãe tem uma personalidade bem forte e meu pai é bem mais calmo que ela.
P/1 - Você sabe como eles se conheceram?
R - Como eles se conheceram? Eu acho que foi na época da escola.
P/1 - Sabe como foi esse primeiro encontro?
R - Então, pelo o que eu sei por cima eles tinham já um lance de escola e foi primeiro namorado, ambos.
P/1 - E aí eles se casaram?
R - Sim, aí meu pai estava indo embora para Campo Grande e minha mãe descobriu que estava grávida, aí ele voltou, que foi da primeira filha.
P/1 - O que ele ia. Desculpe.
R - Ele ia morar lá, que já tinha um irmão dele que morava lá.
P/1 - E aí sua mãe descobriu a gravidez e como que foi?
R - Sim, aí ele voltou para cá, porque meu avô já morava aqui aí eles se casaram e estão juntos até hoje.
P/1 - Quantos filhos eles tiveram?
R - Três. A Camila, a mais velha, eu do meio e o José Antônio, o caçula.
P/1 - E você chegou a conhecer seus avós?
R - Só avô paterno e avô materno. A mãe da minha mãe faleceu quando ela tinha cinco anos e minha avó por parte de pai, quando eu ia completar um ano.
P/1 - E quem você teve contato, dos avós?
R - Que eu mais tive é o paterno, que é o que eu tenho contato até hoje.
P/1 - Como ele se chama?
R - José Fabri.
P/1 - Fala um pouco sobre seu avô José.
R - Sobre meu avô? Eu sempre tive um convívio muito legal com ele desde criança, ele tem um sítio e a gente sempre ia para o sítio, eu ajudava ele a tirar leite da vaca. A gente sempre teve uma relação bem próxima. Agora que ele está com 86 anos, que ele está já em uma fase que ele está ficando dependente, então a maioria das coisas eu que acabo fazendo por ele e é isso.
P/1 - Em que momentos você ia no sítio dele?
R - Acho que eu era bem novo, tinha uns sete ou oito anos, geralmente era na parte da tarde porquê de manhã eu estudava e aí à tarde a gente ia para a roça e ficava a tarde toda lá.
P/1 - Como que era o caminho até o sítio do seu avô? Como vocês faziam o caminho?
R - De bicicleta. Dá uns dois quilômetros da cidade.
P/1 - Quando chegava lá, o que vocês faziam?
R - Eu ficava brincando e ele ia tocar as vacas para tirar leite, aí depois que ele já prendia a vaca eu ia ajudar.
P/1 - Você ajudava em quê?
R - A tirar leite.
P/1 - E aí no fim do dia como que era o retorno para casa Higor?
R - A gente retornava por volta de umas cinco horas, aí ele trazia o leite, aí minha mãe fervia o leite e a gente chegava ela tinha feito bolinho de sal.
P/1 - Bolinho de sal?
R - Isso.
P/1 - O que é o bolinho de sal?
R - Vai farinha, leite, ovo, sal e fermento. Aí você mistura a massa, corta os pedaços e frita no óleo.
P/1 - E falando da sua infância, onde era essa casa que vocês moravam?
R - É essa aqui do lado.
P/1 - Aqui em Santa Mercedes?
R - Isso.
P/1 - E você consegue descrever essa casa que você via quando era criança? Como que era a casa dessa infância?
R - Como era a casa? Era legal, a maioria do tempo eu passava com minha irmã. Os meus pais trabalhavam de manhã, das oito até as cinco, então o contato que eu tinha com eles era mais à noite e final de semana. Mas a maioria do dia eu passava com minha irmã ou com amigos que vinham para a gente brincar.
P/1 - Tinha divisão de tarefas nessa casa?
R - Não, porque conforme eu fui crescendo minha irmã foi embora então como acabou ficando só eu maior e meu irmão ainda era pequenininho, então eu acabava fazendo as coisas.
P/1 - Você se sente confortável de contar esse episódio da sua mãe para a gente?
R - Sim.
P/1 - Pode contar?
R - Quando ela ainda foi para ganhar o caçula, minha irmã ainda morava aqui. Aí um dia antes do meu aniversário, foi o dia que ela foi para a Santa Casa para ganhar ele e no dia do meu aniversário foi o dia que ele nasceu. Aí depois disso minha irmã foi embora para Americana, ficou eu, meu pai, minha mãe e o caçula.
P/1 - Porque sua irmã foi embora para Americana?
R - Acho que por questão de serviço, porque ela já tinha 18 e aqui é muito complicado para serviço.
P/1 - E como foi a partida da sua irmã para você?
R - No começo não foi legal não, o dia que ela foi eu lembro que eu chorei e tudo mais.
P/1 - Mas aí você estava falando que aí ficaram então na casa?
R - Eu, meu pai, minha mãe e meu irmão. Aí conforme eu fui crescendo, minha mãe foi me ensinando fazer as coisas, aí com uns 13, 14 eu já sabia fazer comida, a limpar a casa, essas coisas. Aí dia de sexta eu fazia a limpeza para ela e cozinha e banheiro ela que assumia.
P/1 - E de brincadeira, o que você gostava de brincar quando você era criança?
R - Bola, bolinha de gude, pé na lata, esconde-esconde, era essas brincadeiras que mais brincava.
P/1 - Você tinha alguma rotina em casa?
R - Chegava, aí ajeitava o quarto e depois eu podia brincar. Aí eu brincava até de noite, umas sete horas, por aí.
P/1 - E aí depois?
R - Retornava para casa, tomava banho, jantava e ia dormir.
P/1 - Quais eram as comidas da janta que tinham?
R - Geralmente era arroz, feijão, salada, minha mãe sempre fazia bife, carne de panela, geralmente mais carne que ela fazia.
P/1 - E você lembra do seu primeiro dia na escola?
R - Lembro. Até os dois primeiros meses, quando eu comecei a estudar, minha irmã tinha que ir comigo e ficar lá na sala.
P/1 - Porquê?
R - Porque eu não queria ficar lá sozinho, aí ela ia, ficava fora da sala onde eu pudesse ver ela esperando a hora de dar o sinal para ir embora.
P/1 - O que você sentia? Qual era o medo?
R - Porque lá tinha pessoas que eu não conhecia e aí eu via ela lá e era alguém que eu conhecia então eu me sentia mais seguro.
P/1 - Como que chama a escola que você estudou?
R - Escola Municipal Presidente Castelo Branco.
P/1 - Onde ficava essa escola?
R - A uns dois quarteirões para baixo, é bem de esquina mesmo.
P/1 - Você consegue contar essa parte da manhã como que era a sua rotina de ir para a escola, organizar o material, consegue descrever essa cena?
R - Pior que eu não tenho muita lembrança. Eu lembro do que a gente fazia lá, a gente desenhava, era mais desenho e filme. Era filme cassete.
P/2 - Teve algum filme que te marcou daquela época que você viu na escola?
R - Eu gostava do Rei Leão.
P/1 - E o que o menino Higor queria ser quando crescesse?
R - Eu nunca tive uma decisão formada sobre. Que eu lembro quando era criança sempre tem aquelas brincadeiras que o pessoal faz de falar o que queria ser, eu falava acho que umas coisas bem aleatórias, mas nada que hoje em dia eu queira seguir.
P/1 - O que você respondia nessas horas?
R - Bailarino, bombeiro, mas nada que eu cogito hoje.
P/1 - E Higor, vamos falar da sua adolescência, como que foi entrar para a adolescência, como você foi sentindo as modificações no seu corpo?
R - Foi um pouco confuso porque sempre tive problema de saúde, bronquite, usava bombinha e tudo mais, aí quando eu entrei na adolescência desencadeou a dermatite que ficou uma confusão em relação adolescência, dermatite, sexualidade e tudo mais.
P/1 - E como que você foi se apropriando do seu corpo e dessas questões?
R - No começo eu me privava bastante em relação a tudo, evitava de sair, passava a maior parte no quarto, foi uma adolescência assim bem fechada.
P/1 - Você conversava com alguém sobre essas questões Higor?
R - Na época não.
P/2 - E a questão da sua sexualidade, o que você estava sentindo naquela época?
R - Então, eu frequentava uma igreja com meus pais que é a Congregação e lá eu escutava algumas coisas que me faziam me questionar sobre, então tinha crises de choro e tudo mais. Demorou um longo tempo para eu conseguir me aceitar com relação à sexualidade e dermatite.
P/2 - E teve um momento que você chegou, conversou com seus pais abertamente sobre isso?
R - Não, só depois que eu fui para São Paulo que eu contei.
P/1 - O que foi essa viagem para São Paulo?
R - Então, eu tinha conhecido o Leandro pela internet, aí a gente começou a namorar virtualmente e quando a gente fez um mês de relacionamento eu fui para São Paulo.
P/2 - Isso foi há quanto tempo?
R - Dezembro de 2015.
P/2 - Certo.
P/1 - E qual era o combinado dessa viagem?
R - Então, a princípio eu ia para ficar um tempo e depois voltar, mas eu acabei indo e não voltei. Voltei depois de alguns meses, mas aí ele veio junto.
P/2 - E quando você foi para São Paulo você falou o que para a sua família? Você ia fazer o que lá?
R - Então, eu falei que eu queria ir para São Paulo e eles não concordaram, só que eu já era maior de idade, aí eles não queriam que eu fosse, mas eu queria ir aí eu fui, arrumei minhas coisas e fui.
P/2 - E qual foi a reação deles?
R - Não muito boa porque o horário que eu fui não tinha ninguém, então eles só ficaram sabendo que eu tinha ido depois que eu fui.
P/1 - E quando você chegou em São Paulo quais as primeiras impressões de lá?
R - Era muita correria, muita gente.
P/2 - E como foi o seu primeiro encontro com o Leandro?
R - Ele já estava me esperando, aí eu fui para a casa do meu tio, passei a noite lá porque eu cheguei lá já era de noite, aí no outro dia que eu fui para a casa dele.
P/1 - No caminho até São Paulo o que passava na sua cabeça, quais os pensamentos?
R - Eu não tentei pensar muito, mas eu fui bem tranquilo.
P/2 - E o Leandro foi o seu primeiro relacionamento ou já teve outros antes dele?
R - Teve, mas foi com mulher.
P/1 - E quando você encontrou com o Leandro o que você sentiu?
R - Me senti bem, feliz.
P/2 - E aí você ficou na casa dele?
R - Sim.
P/2 - Quanto tempo?
R - Eu fiquei por volta de quatro, cinco meses lá, aí depois a gente veio para cá.
P/1 - Como que você comunicava com a família?
R - Através do celular. Depois que eu já tinha contado e tudo mais para os meus pais, minha mãe me ligava todo dia para conversar, saber como estavam as coisas. Meu pai também ligava de vez em quando, mas eu tinha bastante contato com a minha irmã e com meu irmão pelo WhatsApp, mas foi bem tranquilo o contato.
P/2 - Mas você contou para eles sobre o Leandro por telefone, com foi?
R - Primeiro eu contei para a minha irmã. Joguei a bomba para ela e falei: ‘‘você conta’‘. Aí foi isso.
P/2 - E qual foi a reação deles?
R - Foi de boa. Meu pai me ligou, me questionou porque eu não tinha falado para ele, mas foi bem tranquilo a aceitação deles.
P/1 - O que o Leandro trouxe na mala dele para cá?
R - O que ele trouxe? Em sentido?
P/1 - Ele se mudou para cá, não é?
R - Sim.
P/1 - Com que foi fazer a mala para vir para cá? Você acompanhou esse processo?
R - Sim, eu estava junto. A gente veio passear uma vez, um mês antes para cá, aí a gente acabou decidindo para vir para cá por questão de aluguel, de despesas, água, luz, mercado, porque o aluguel lá era muito caro, era 900 reais.
P/1 - E como foi chegar aqui, apresentar o Leandro para a família?
R - Foi de boa, porque a gente já tinha vindo uma vez antes para cá, que foi na páscoa, a gente veio na páscoa para cá, ficamos quatro dias e voltamos para São Paulo, aí depois, no final de abril a gente veio definitivamente para cá. Aí chegamos aqui, é, foi no final de abril. Chegamos aqui dia um de maio, que já era aniversário do meu avô.
P/2 - E conta para a gente como que foi montar esse cantinho de vocês aqui, o cabeleireiro.
R - Longa história. Quando a gente chegou, a gente ficou na casa dos meus pais e só tinha o cômodo que é o salão, aí ele ergueu o banheiro e a gente ficou naquele cômodo com banheiro. Aí depois fizemos o segundo, que é a sala e aí depois que eu tive uma crise muito forte, que eu fiquei seis meses atacado não estava dando para abrir o salão porque a gente teve que comprar uma cama por causa de negócio de ácaros e tudo mais. Aí essa cama ficou lá no salão e enquanto eu estava em crise ele fez esses dois, a cozinha e o quarto.
P/2 - O Leandro que construiu?
R - Sim.
P/2 - E nesse meio tempo vocês viviam do quê? Se você não podia abrir o salão.
R - Nesse meio tempo? Então, meus pais ajudavam.
P/1 - Higor, entrando um pouco agora no tema da dermatite, queria que você falasse um pouco o que você começou a sentir no seu corpo que não era o seu corpo, quais os primeiros sinais da dermatite.
R - Então, quando ela apareceu foi atrás dos dois joelhos. A pele ficou em relevo, bem vermelha e inchada e coçava muito e toda vez que eu ia tomar banho parecia que a coceira aumentava. Aí eu fui, mostrei para o meu pai e depois de um tempo, acho que umas duas semanas, ele foi e marcou um dermatologista, porque a gente tinha marcado pelo plano só que ia demorar seis meses. Aí ele foi, marcou um particular em Dracena mesmo aí foi, passei, a médica nem explicou o que era, só falou que era dermatite, foi me passou um hidratante que ela falou que eu teria que usar três vezes ao dia no corpo e uma outra fórmula manipulada que era para passar nos locais lesionados. Aí ela foi e falou que não tinha cura, mas que existia tratamento para o controle, foi isso.
P/1 - E deu certo o tratamento?
R - Não, só piorou.
P/1 - E aí?
R - Aí depois disso eu passei no médico no AME, num dermatologista e num alergologista, fiz uns exames, deu que eu tinha alergia a várias coisas. Aí depois de uns dois anos eu refiz esse exame, já não deu mais as alergias que tinha dado em relação ao corante, látex, não tinha mais. Aí eu comecei a passar com um doutor de Dracena, não, antes de eu passar com o doutor de Dracena eu passei com um doutor de Prudente e o tratamento começou, deu certo uns dois meses só que aí conforme ele foi abaixando a dosagem dos medicamentos, aí piorou. Foi onde eu tive minha primeira crise e até então eu não sabia dos efeitos colaterais do corticoide, que eu só fiquei sabendo depois desse tratamento que eu fiz com ele que durou quase dois anos. Aí eu fui, conheci esse doutor de Dracena, comecei a fazer um tratamento com ele aí eu precisava fazer o desmame do corticoide, aí eu tive uma crise de três meses, aí depois disso eu parei com o corticoide.
P/1 - Como foi essa crise? O que você sentia, o que você tinha que fazer?
R - Então, ele suspendeu o banho, eu tomava banho só quando a pele ficava mais estável porque conforme eu tomei muito corticoide a pele afinou muito, então saia muita água do corpo e não dava para lavar porque arde o corpo inteiro. Aí eu tomei várias injeções, tomava acho que uns sete remédios via oral para tentar controlar, para coceira e tudo mais e bastante hidratante. Aí depois desses três meses eu melhorei, aí eu fiz um exame de sangue e deu que eu tinha alergia a ácaros, classe cinco, aí eu comecei a fazer um tratamento de imunoterapia só que aí piorou depois de uns três meses que eu estava fazendo o tratamento começou a piorar, aí eu tive uma crise de seis meses. Aí eu conheci um doutor lá de Rio Preto, que é o que eu estou passando agora, só que ele não é dermatologista nem nada, ele faz tratamento de vitamina D que é o que eu estou fazendo agora.
P/1 - Nesses seis meses de crise o que eram os limitantes, o que você não podia fazer que você costumava fazer sempre?
R - Então, eu costumava sair bastante, só que durante esses seis meses eu acho que devo ter saído umas três vezes de casa, não dava nem para pôr roupa. Ficava deitado, sentado dia e noite porque para dormir também não dava, só dormia quando já estava bem exausto que era a hora que eu conseguia dormir.
P/1 - O que acontecia com o seu corpo, o que você sentia nele?
R - Coçava bastante, ardia também muito, eu não conseguia esticar os braços, esticar as pernas porque a pele das dobras tinha praticamente saído e eu tomava bastante remédio também, anti-inflamatório para não dar infecção generalizada.
P/2 - E como estava o teu estado emocional durante essa crise?
R - Não estava muito bom não. No começo até estava tranquilo porque o máximo de tempo que eu já tinha passado em crise era três meses, mas quando deu um mês que eu estava praticamente trancado, eu comecei a ficar com o psicológico afetado, então, às vezes eu falava para o Leandro que eu precisava sair de casa que eu já não estava aguentando mais, aí às vezes à noite eu colocava samba canção e saía no terreiro pelo menos para tomar um ar, mas foi uma fase bem complicada.
P/2 - E como que o Leandro lidou com isso?
R - Então, no começo foi difícil porque até então ele nunca tinha me visto entrar em uma crise, essa foi a primeira vez e durou seis meses. Ele que fazia tudo praticamente.
P/1 - Teve algum momento específico dessa crise lá do Leandro que foi marcante para você por algum gesto que ele fez ou alguma coisa que ele te falou?
R - Eu acho que bastante coisa marcou porque depois que a gente se mudou para cá, a gente começou a meio que andar sozinho e ele que ficou responsável por fazer as coisas e tudo mais. Teve uma frase que eu tenho bem marcante comigo que em uns momentos durante a crise ele foi e falou assim que ele me amava muito e que minha pele era linda. Foi uma coisa assim que marcou muito.
P/1 - Quando que vocês perceberam que tinha acabado a crise? Teve esse momento?
R - A crise? Então, a crise começou a acabar depois que eu comecei a passar com esse doutor lá de Rio Preto, então foi bem na época do final do ano. Acho que a crise começou em agosto e foi até janeiro.
P/2 - Fala um pouco mais sobre esse tratamento com vitamina D.
R - Eu fiz um exame de sangue e de urina que aí é um exame bem completo, acho que foram umas 18 coisas que eles veem as vitaminas que faltam no corpo, tem questão de cálcio ou magnésio, essas coisas, aí dependendo do que o organismo estiver em falta, ele passa um tanto de gotas de vitamina D para uso diário mais o comprimido que complementa as vitaminas que faltam no corpo. Aí eu comecei o primeiro mês tomando dez mil que era dez gotas, cada gota contém mil UI, aí agora o que eu estou fazendo é 60 gotas, mais o acompanhamento de cálcio e tudo mais, aí eu faço exame a cada seis meses o de sangue e de urina para ver como que estão as vitaminas no corpo, se está repondo, se está muito elevada, para ter o controle.
P/1 - Higor, você já buscou algum tratamento alternativo?
R - Um tratamento alternativo? Eu já fiz uns, mas uns que o pessoal conversava no grupo e a gente ia testando. Já fiz com babosa, só que a babosa para mim não deu muito certo. Aí um pó amarelo, parece uma pimenta.
P/1 - Açafrão?
R - Isso, açafrão com vaselina sólida. Mas também, já fiz um hidratante de mamão que falaram, mas também nada.
P/1 - Higor, você comentou do grupo, que grupo é esse?
R - É um grupo no Facebook de dermatite atópica. Quando eu entrei tinha uns 5 mil membros, hoje já tem uns 13, 14 mil.
P/1 - Como que você chegou nesse grupo?
R - Então, depois da primeira vez que eu passei na consulta e não tinha ficado claro o que era, eu fui e comecei a pesquisar na internet sobre, mas também achava assuntos bem vagos em relação. Aí quando eu entrei no Facebook, resolvi pesquisar por lá para ver ser eu achava mais informações, aí eu achei esse grupo, mandei solicitação, entrei e só através do grupo que eu fui conseguir entender realmente o que era.
P/1 - Que tipo de resposta o grupo te trouxe?
R - Então, porque geralmente o que os médicos falam é que é doença crônica, inflamatória, só que eles não explicam muito a fundo do que prejudica e tudo mais e lá conversando com o pessoal que tem, que passa, a gente consegue ter muito mais informações em relação ao tempo, o emocional, hábitos alimentares também, tipo de roupa, produtos que a gente usa então lá que eu fui começando a ter uma visão melhor do que era. Eu lembro que uma das consultas que eu passei meu pai questionou o dermatologista porque que isso acontecia e ele foi e falou assim que mesmo se ele me colocasse numa bolha de ar, eu teria crise porque a dermatite atacava também através do respiratório.
P/1 - E aí?
R - Aí depois do grupo e tudo mais eu comecei a ter mais cuidados que antes eu não tinha, bacia de água no quarto, umidificador, em relação ao banho, banho longo, cuidado com a roupa também, sempre de algodão, lavar com sabão de coco, então foram hábitos que tive que ir aprendendo com o tempo.
P/1 - Quando você percebeu que você não estava sozinho, que você não era o único?
R - Quando eu percebi? Quando eu descobri, eu fiquei meio receoso porque até então eu nunca tinha conhecido ninguém, nunca tinha escutado a palavra dermatite atópica e depois de um tempo que eu já tinha acho que uns dois anos, uma menininha que era filha da menina que estudava comigo foi diagnosticada quando ela nasceu. Aí depois disso foi pessoal do grupo que eu tenho amizade até hoje que eu converso bastante, mas a maioria tudo mais contato virtual, só quando eu estava em São Paulo que eu cheguei a conhecer alguns, mas umas duas, três vezes.
P/1 - E ajuda conhecer outras pessoas que também tem dermatite?
R - Sim.
P/1 - Porquê? Explica um pouco para a gente o que traz esse contato com outras pessoas?
R - Porque quando eu converso com alguém que não tem e eu vou tentar explicar, é mais difícil. Agora, quando a gente está passando por uma situação difícil, seja relacionamento ou questão de serviço e conversar com alguém que tem é mais fácil porque você já fala para a pessoa, a pessoa já te entende, então acho que a compreensão é muito mais fácil.
P/1 - Você chegou a sofrer algum preconceito já?
R - Na época da escola eu escutava bastante piadinha no começo porque quando eu descobri, a minha atacava mais nas dobras, então era pescoço, dobra do braço e da perna e a perna dava para tampar porque dava para usar calça, agora os braços no calor não, nem o pescoço, então, o pessoal falava: ‘‘é sarna, é pereba’‘, essas coisas. Quando eu saía e o pescoço estava muito vermelho ficavam zoando em relação de chupada, essas coisas.
P/1 - E hoje como que a dermatite impacta no seu dia a dia?
R - Hoje? Hoje eu estou conseguindo lidar melhor com ela. Não estou deixando afetar mais tanto que nem antes, só quando eu estou bem atacado que eu evito ficar saindo muito no sol. Até em questão por causa da roupa porque a roupa também incomoda bastante.
P/2 - Mas você já conseguiu identificar certos elementos que deflagram a crise?
R - Questão do tempo, quando o tempo, porque aqui geralmente o tempo é bem estranho, fica uma semana frio e aí do nada já vem o calorzão, quando faz essa mudança muito brusca, ataca ou quando eu fico muito estressado ou ansioso também ataca. É mais isso, mais emocional eu acho.
P/2 - Você tem alguma restrição alimentar?
R - Restrição alimentar? Agora eu estou tendo que fazer por causa de tratamento, então eu não posso consumir nem leite e nem glúten. Isso entra os derivados e tudo mais.
P/1 - Conta para a gente quais os cuidados que você tem no dia a dia com o seu corpo, com a sua pele.
R - Geralmente quando está controlada eu só acordo, passo um hidratante e visto uma roupa e pronto. Aí à noite eu tomo um banho, porque não pode ficar tomando muito banho, tomo um banho à noite rápido e depois hidrato o corpo. Agora quando eu estou em crise aí eu levanto, a primeira coisa que eu faço é passar um óleo de coco ou de amêndoas, passo, deixo na pele uma meia hora e depois jogo o hidratante por cima, aí eu fico com isso no corpo até à noite, aí a noite eu vou, tomo um banho, hidrato de novo e vou fazendo até ter a melhora.
P/1 - Teve alguma aprendizagem que você teve em relação à dermatite estando em contato com outras pessoas que também são portadoras?
R - Sim. Tem uma amiga minha que ela é de São Paulo e em uma das conversas que a gente teve, que no começo era bem confuso em relação a tudo isso então deixava de fazer muitas coisas por conta da dermatite e ela me mandou um áudio uma vez me falando que a gente era mais que pele que aí foi quando comecei a refletir mais e a partir daí eu fui começando a desconstruir algumas barreiras que eu acabei criando.
P/1 - Como que isso impactou no seu dia a dia?
R - Em relação às mudanças? Teve um impacto bom, porque depois que eu comecei a parar de me privar de algumas coisas, eu consegui viver mais porque antes eu era uma pessoa que eu era muito fechada, também era muito tímido e depois que eu comecei a refletir bastante sobre eu comecei a ter uma melhora não só comigo como pessoa, mas social também, porque depois que eu saí da igreja eu não frequentava mais. Até então eu era batizado na católica, só que eu não frequentava, aí depois disso eu consegui retornar para a igreja, vai fazer já uns dois anos que eu frequento novamente e a gente tem um grupo de jovens então ajuda bastante sabe, porque quando eu não estou bem e o pessoal chama para sair e eu falo que não estou bem eles vêm para cá então é bem legal.
P/1 - Que atividades vocês fazem nesse grupo de jovens?
R - É praticamente voltado para os jovens. Todo domingo tem um encontro que dura uma hora e meia e lá a gente conversa, debate sobre alguns assuntos sociais, às vezes também tem encontros que são mais para o lado espiritual, mas é bem bacana.
P/1 - Higor, conta para mim como que é seu dia a dia, a sua rotina, o que você faz.
R - Minha rotina? Eu acordo cedo, aí eu fico com meu avô cedo, aí depois eu venho para casa almoçar e depois retorno para ficar com o meu avô porque meu pai e minha mãe trabalham, então não dá para ninguém ficar com ele. Aí eu fico com ele esses horários, o Leandro lava a roupa dele e eu limpo a casa aí agora ele está com dificuldade para tomar banho sozinho então ele vai e me chama, eu vou e ajudo porque meus tios queriam contratar uma pessoa para ficar com ele, só que aí chamaram uma mulher e ele não quis essa mulher, não queria que ela fizesse nada, nem ajudasse a tomar banho e tudo mais. Aí como a gente é família, aí ele deixa, aí como eu estava desempregado e tudo mais meus tios foram, falaram se eu não queria ficar com ele e aí em troca eles me davam um auxílio, aí eu falei: ‘‘está bom’‘. Aí quando eu não estou bem o Leandro fica lá um pouco com ele e tem também meu cunhado, minha irmã que às vezes vai lá, mas agora dessa vez está mais tranquilo porque meu pai está de férias então ele está em casa e está podendo ficar um pouquinho mais com ele, mas geralmente minha rotina é essa.
P/2 - E de laser, o que vocês gostam de fazer?
R - De laser? Olha, geralmente a gente vai na praça jogar Pokémon, é mais isso. E de final de semana que a gente reúne o pessoal do grupo, a gente sai dia de sábado, vai para a rua ou senão o pessoal vem para cá, aí a gente faz comida, essas coisas.
P/1 - E quais são seus planos? Seu e do Leandro?
R - Era terminar a casa e ele quer mexer no salão também, acho que é isso.
P/2 - Vocês querem ter filhos?
R - Não é uma coisa que eu penso. Como que eu posso dizer? Não é uma coisa que eu planejo tão cedo.
P/1 - A gente está caminhando para as perguntas finais e a primeira é: tem alguma história que você queira contar para a gente que a gente não te estimulou a dizer?
R - Alguma história?
P/1 - Como você aprendeu a tocar violino talvez.
R - O violino eu aprendi na igreja porque lá tinha, eles chamam Culto de Jovens que era no domingo então só ia jovens no culto e depois do culto tinha tipo uma escolinha que era violino, flauta, trompete, aí eu aprendi lá.
P/1 - Você quer tocar alguma para a gente?
R - Faz um tempinho que eu não toco.
P/2 - O que você gosta de tocar? Música clássica, o quê?
R - Porque depois que eu saí da igreja, eu deixei assim meio de lado então geralmente as músicas que eu sei são mais hino da igreja.
P/1 - E Higor, como você se sentiu contanto sua história hoje para a gente?
R - Como que eu me senti? Eu me senti bem, eu achei que não ia conseguir, mas.
P/1 - Porque você achou que não fosse conseguir?
R - Então, inclusive ontem eu estava conversando com a Camis, ela também tem dermatite, se não me engano ela gravou também que teve um movimento que fizeram no ano passado em São Paulo e ela participou com mais outras pessoas lá que são Youtubers e ano passado eu lembro que eu tinha conversado com ela em relação a isso e tudo mais, porque até então eu tinha um canal que eu gravava vídeo, só que aí depois dessa crise que eu tive de seis meses eu parei e não retornei mais e ela me incentivava para voltar e tudo mais e eu acho que foi isso que me deu um incentivo, muito das conversas que eu tive com ela, que eu tive com o Leandro que me incentivaram.
P/1 - Sobre o que era esse canal que você tinha?
R - O que eu tinha? Era mais de entretenimento mesmo. É porque eu cheguei a fazer poucos vídeos, acho que eu fiz uns oito, mas era tudo nessa base mesmo de entretenimento.
P/1 - Sobre o que era, como você organizava o tema dos vídeos?
R - Então, o primeiro que eu fiz foi contando um pouco sobre mim e porque eu tinha escolhido o nome para o canal e tal, aí o segundo que eu fiz foi respondendo umas perguntas que o pessoal me mandou.
P/1 - Tipo quais?
R - Eram umas perguntas aleatórias e tinham algumas que eram sobre a sexualidade também. Aí depois disso eu fiz um vídeo com o Leandro e com um amigo meu de escola, como que era o nome? Era um vídeo que a gente colava um papel na testa e tinha que tentar adivinhar o nome que estava escrito e quem perdia tinha que tomar uma dose de vodca. Aí depois disso eu gravei mais um com o Leandro que ele tinha um canal também e no canal dele ele fazia um quadro com uma personagem que ele tinha criado, uma Drag Queen, aí eu fui, gravei com ele montado e depois eu fiz um outro, tipo uma entrevista comigo mesmo que eu me montei, fiz outra pessoa também e depois foi um bolo de arco-íris, aí depois disso.
P/1 - Quem era essa outra pessoa que você era?
R - Então, fui eu que criei. Bem na época que eu fui fazer o vídeo, estava bastante coisa da Suzana Vieira, aí eu precisava criar uma personagem e não podia usar o nome dela, aí eu fui, peguei os bordões que ela usava e modifiquei o nome dela, Suzana Jurassic, e o programa era antes do Big Bang, porque ela já é bem velha. Aí foi isso.
P/1 - E como você se sentiu interpretando?
R - Demorou para eu fazer esse vídeo. No dia estava o Leandro e meu amigo, eu fiz os dois saírem para eu conseguir gravar porque não estava conseguindo fazer a personagem.
P/1 - Em relação a dermatite, como é se maquiar?
R - Então, eu faço um cuidado na pele, passo um óleo, hidrato e já aplico o primer para poder fazer a maquiagem em cima então de todas às vezes que eu fiz acho que teve só uma que deu uma irritada, mas foi porque eu fiquei bastante tempo, mais de horas com ela, mas é de boa o contato com a maquiagem.
P/1 - Você continua se montando Higor?
R - Não.
P/1 - Não?
R - Só foi essa vez que foi para o vídeo que eu fiz.
P/1 - Se alguém quiser assistir, como chama o canal?
R - Higor com H.
P/1 - Muito bem então, para finalizar Higor, quais são os seus sonhos hoje?
R - Meus sonhos? Estou com uma meta agora, que eu sempre gostei de desenhar, eu desenho até hoje e agora eu comecei a fazer uns negócios no celular também de desenho e em umas conversas que eu tive com alguns amigos e tudo mais. Eu não sei se agora é o momento certo, mas eu vou focar no ramo da tatuagem.
P/1 - No quê?
R - No ramo da tatuagem.
P/1 - Legal. Então, muito obrigada por ter contado sua história hoje para a gente, Higor, obrigada mesmo.
R - De nada. Eu que agradeço.
[00:59:05]
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