Votorantim Fercal DF
Depoimento de Jeferson da Silva Alarcão
Entrevistado por Tereza Ferreira da Silva e Marcia Trezza
Fercal, 10/06/2015
Realização Museu da Pessoa
VOF_HV011_Jeferson da Silva Alarcão
Transcrito por Karina Medici Barrella
MW Transcrições
P/1 – Diga seu nome, local e dat...Continuar leitura
Votorantim Fercal DF
Depoimento de Jeferson da Silva Alarcão
Entrevistado por Tereza Ferreira da Silva e Marcia Trezza
Fercal, 10/06/2015
Realização Museu da Pessoa
VOF_HV011_Jeferson da Silva Alarcão
Transcrito por Karina Medici Barrella
MW Transcrições
P/1 – Diga seu nome, local e data de nascimento.
R – Meu nome é Jeferson, eu moro aqui na Fercal. Nasci no hospital de Sobradinho e a data de nascimento é 26 de agosto de 1977.
P/1 – Jeferson, qual o nome dos seus pais?
R – Meu pai chama Gerson Gomes, já falecido, e a minha mãe é Jocelina da Silva Alarcão.
P/1 – E o que fazia o seu Gerson Gomes e o que faz a sua mãe?
R – Meu pai trabalhava nas empresas, ele era motorista, trabalhava com máquina pesada. Trabalhou na Tocantins, já trabalhou na Ciplan, na Igesp, essas empresas que ficam aqui dentro da Fercal a maioria ele já trabalhou. E a minha mãe é dona de casa, já trabalhou fora também, mas hoje só trabalha em casa mesmo e cuida das crianças, principalmente dos netos. Na verdade é dos netos, que os filhos, sou eu e mais dois irmãos, todos são casados, então só sobraram os netos mesmo pra ela cuidar.
P/1 – Falando em neto e em crianças, qual é a lembrança que você tem de quando você era criança?
R – Olha, eu lembro mais ou menos de seis pra sete anos, eu lembro que eu morava aqui na Fercal mesmo, só que morava na rural, na chácara. E o que eu lembro muito é que eu caminhava mais ou menos de cinco a seis quilômetros pra ir pro colégio na Rua do Mato. Eu morava na Boa Vista e estudava na Rua do Mato que era onde tinha um colégio. Então a dificuldade da minha mãe era enorme, de todo dia a gente ter que ir pro colégio andando, então ela que levava, ela que buscava. E muitas vezes até eu dormia na casa de uma avó que morava na Rua do Mato pra facilitar. Então com o passar do tempo, de sete pra oito anos, o meu pai chegou a conclusão de vender por causa dos estudos da gente, que ficava muito difícil. O pai dele também faleceu e eles dividiram o terreno, meu pai ficou com a chácara, ele vendeu e foi morar em Sobradinho, para facilitar pra gente estudar. Hoje muita gente condena ele porque era uma chácara, uma fazenda muito grande, com água corrente, tudo, mas eu mesmo não penso desse lado, porque era difícil pra gente estudar e eu cheguei à conclusão que ele estava certo. Hoje eu tenho o meu trabalho graças ao meu estudo, sou concursado também, e a gente foi morar em Sobradinho com oito anos. Só que a gente morava na rural, minha mãe não tinha costume de cidade, ela acordava de noite com buzinas da cidade, tudo, ela começou a entrar em depressão também, esses assuntos de que a pessoa que é acostumado morar na rural e vai pra cidade, então ela não se adaptou. Ela não tinha vizinho lá porque não conhecia os vizinhos, o vizinho chegava à noite e já entrava pra casa, então ela não se adaptou. Com uns 14 anos eu voltei pra Fercal, a gente voltou pra Fercal de novo. Como o meu pai tinha restado um terreno ainda da família, a gente veio morar aqui no Alto Bela Vista onde é a Fercal hoje. Quando a gente foi morar, em 1990, não tinha água lá, não tinha luz. Meu pai conseguiu puxar uma rede de luz mais ou menos 500 a 600 metros, e a água a gente tinha que tomar banho nesse rio que chama Sucuri hoje. Aí o meu pai conheceu um senhor que diz que lá onde ele morava que é um morro, a Tereza conhece é um morro lá. O que acontece? Ele falou que lá tinha água. Aí meu pai ficou: “Mas como é que tem água?”. Ele falou: “Não, se você abrir uma cisterna aqui ela vai dar água rasinha”. Meu pai ficou assim, uma cisterna dar água. Ele falou: “Não, você pode abrir aqui que tem uma veia de água”. Hoje eu guardo em homenagem ao meu pai essa cisterna, hoje a gente está com dez metros, ela tem água potável. Eu não estou utilizando porque hoje, graças a Deus, a gente já tem água da Caesb. Só que isso aí era nesse Alto Bela Vista era meu pai e mais quatro famílias só. Como é que foi surgindo o Alto Bela Vista que meu pai foi pra lá? Ele tocava um bar lá embaixo, não tinha onde morar, tinha esse terreno lá, ele fez essa casinha lá. Todo mundo condenou, por que como é que meu pai ia morar no cerrado, longe de tudo? Só que minha mãe veio, não queria morar na cidade e veio. E aí achamos essa água, melhorou. A luz a gente puxava a 500 metros. A gente foi ficando lá, foi ficando. Quando chovia não tinha como a gente subir porque não tinha estrada. Os buracos, não tinha como a gente subir. Eu lembro disso até hoje, meu pai trabalhava no 18 num comércio e muitas vezes ele tinha um carrinho, que era um Opala naquele tempo, ou era um Fusca, que eu não me lembro mais,
a gente deixava o carro lá na BR e subia a pé porque não tinha estrada. Era trilheiras, quando estava chovendo não subia. O que acontece? Hoje virou uma comunidade lá.
P/2 – Eram quatro moradores só?
R – Começou com quatro moradores lá. Virou uma comunidade. Os lotes eram baratos demais e ninguém queria comprar porque era subida, não tinha valor, que na Fercal não tinha valor. O que meu tio fazia, que era o dono do terreno? Não era o meu pai, que o meu pai era dono, mas assim, porque na parte da mãe dele, mas a comunidade mesmo era o seu Dió, que é falecido hoje também. O que meu tio fazia para ele vender? Ele dava dois, três lotes, doava, por isso que nós fomos um dos maiores doadores também aqui, meu tio doava pra igreja, doava para um amigo. Aí ele doava dois, três lotes e vendia o quarto, era assim que funcionava. Assim saiu a comunidade Alto Bela Vista, que hoje é uma das melhores comunidades de se morar, tem campo de futebol, tem comércio lá dentro. Escola a gente não tem ainda, mas provavelmente pro futuro a gente está correndo atrás. A gente tem centro comunitário, assim foi indo, né? Foi indo, foi indo e aí também eu vim, voltei, trabalhei em mineração também, trabalhei na Engespro, aí comecei. Com 18 anos eu fui pro quartel, mas não servi, engravidei uma mulher, fui dispensado e fui trabalhar na mineração, Engespro.
P/2 – A gente vai falar mais do seu trabalho, tudo. Você disse que era irmão do seu pai que ia doando alguns lotes?
R – Isso, o seu Diomar Gomes. É uma pessoa que ajudou muita gente aqui na comunidade, são bem falados, o pessoal quando fala, hoje quando eu visito a comunidade muitas pessoas antigas falam: “Vixi, eu conheci seu tio, ele me ajudou muito. Devo muito a ele”. Como meu pai também, eram dois irmãos que ajudaram muito não só aos moradores, a Fercal em si.
P/2 – E esses lotes nesse terreno todo que depois foi dando os lotes eles não plantavam alguma coisa?
R – Não. A renda do meu tio na verdade, do Diomar Gomes, eu sei dessa história muito porque eu era o parceiro dele, era sobrinho, o tio abria muito era pra mim. Então o que ele fazia, a renda dele? O pessoal antigamente fazia esses alicerces de casa com pedras. Hoje não, não existe mais, né? Mas antigamente era. Então qual era a renda que ele tinha de ganhar dinheiro? Esse cerrado aqui da Fercal tem muitas pedras, inclusive porque tem a mineração por causa disso. O meu tio pegava as pedras, juntava, inclusive era um trabalho braçal que a Flora, que é a esposa, está aí hoje, viva, que pode comprovar, ele juntava com as crianças também, as crianças trabalhavam, e vendia essas pedras pra cidade. O pessoal fazia os alicerces das casas. E isso tinha muita saída, meu tio teve carro, caminhonete, através de vender pedra. Trabalho braçal, levantava cedo e ia pro cerrado com a alavanca, com uma... Como é que fala que quebra pedra?
P/2 – Marreta.
R – Uma marreta. E as pedras grandes que os filhos não conseguiam jogar, nem eles em cima do caminhão então eles quebravam a pedra para dividir e ficar menor, jogava em cima do caminhão, onde ele tirava a renda pra sustentar os filhos. E nesse intervalo foram surgindo as estradas, em cima do cerrado. Então ele também tinha aquele terreno parado que não cultivava porque aqui o terreno pra cultivar é difícil, que é um toá branco que tem. Se você não adubar, se você não tiver água você não planta aqui. A Fercal é difícil, alguns terrenos da Fercal você não consegue plantar. Então ele vendia um lote, de vez em quando estava apertado ele vendia um, doava um e assim foi surgindo a comunidade do Alto Bela Vista, principalmente.
P/1 – No início você falou que andava muito, era muito difícil estudar, foi muito difícil pra você. Você teve tempo pra brincar e qual o tipo de brincadeiras que mais tinha naquela época, que era mais habitual?
R – Isso aí eu não vou reclamar. Eu fui pra Sobradinho, quando eu cheguei em Sobradinho eu me deparei com as pipas. Nossa, isso pra mim! Quando eu fui pra Sobradinho, aí eu estudava perto de casa já, eu morava na Sete, estudava na Quadra Cinco. Então à tarde minha mãe trabalhava e deixava pra mim: “Você limpa o fogão e o banheiro, o seu irmão a casa”. Rapaz, quando minha mãe chegava eu tinha esquecido até de limpar o banheiro, só limpava o fogão e esquecia do banheiro. Eu apanhava, porque naquele tempo minha mãe batia mesmo, hoje eu não sou arrependido não porque ela me educou desse jeito. Ela dava um puxão de orelha ali: “Mas amanhã eu quero ver de novo”. Mas só que eu tinha brincado, eu joguei muita biloca. Esses dias que estava conversando com um amigo meu de infância, ele não sabe o que é infinca. Infinca é um pedaço de arame, de ferro, que você dobra e sai infincando no chão. Infinca, infinca e você vai um tentando fechar o outro e riscando. Eu brinquei de infinca, eu brinquei de biloca, soltava pipa. Hoje o pessoal condena as crianças que soltam pipa por causa do cerol. Realmente a gente tem, por causa do cerol se torna perigoso, mas é uma infância muito sadia, não me prejudicou em nada, soltei muita pipa, joguei muita biloca. Brinquei de infinca. Eu não tenho nada a reclamar em relação a... Estudei, porque na verdade quando eu saí daqui foi um, dois anos só que eu estudei nessa dificuldade andando e aí eu fui pra Sobradinho, então eu não tive problema.
P/2 – De tantas pipas que você fez tem alguma que você lembra que foi a mais bonita ou a que subiu mais alto?
R – Eu tinha um amigo em Sobradinho que sabia fazer outro tipo de pipa que eu não fazia. A minha maior alegria foi quando ele me ensinou. Essa pipa eu lembro até hoje, chamava Pipa Carioca, ela surgiu no Rio de Janeiro. A gente trabalha com uma taleta menor do que a outra, chama Carioquinha. Ela é mais rápida do que as outras pipas. Então, quando ele me ensinou a fazer essa pipa pra mim foi uma alegria. E lá, quem mora na cidade usa o cerol mesmo, se você não usar o cerol eles te cortam mais rápido. O “bom da brincadeira” é usar cerol, que hoje eu vejo os problemas que têm porque realmente prejudica os motoqueiros e outros. Então hoje também eu fico pensando. Mas pra criança você sabe, né? Era cortar um do outro, a diversão era essa. E esse cara me ensinou a fazer essa Carioquinha, ele falou: “Não, vou te ensinar”. E eu ficava: “Como é que faz essa pipa?” “Não, vou te ensinar um dia”. E um dia ele me ensinou. E um dia ele me ensinou e pra mim foi uma alegria, cara, que realmente a pipa é muito mais rápida que as outras, então você tem uma facilidade de mandar, mandar quer dizer cruzar (risos). Então foi uma alegria.
P/1 – Pelo jeito você se adaptou bem na cidade, né? E quando teve que voltar pra Fercal? Você não teve dificuldade de aceitar quando sua mãe decidiu voltar pra Fercal?
R – Nossa, foi difícil. Por quê? Quando eu cheguei aqui pra Fercal de novo, de volta, eu já cheguei com umas brincadeiras que na Fercal não tinha. Essa brincadeira de pipa não era aceita aqui na Fercal pelos pais daqui. Aconteceu um episódio comigo com esse tio meu, que eu conto aqui e o pessoal pensa: “Foi uma piada do Jeffinho”. Não foi. Quando eu cheguei pra cá de novo eu vim fazer cerol aqui e trouxe minhas pipas. Meu tio não aceitava os filhos dele brincar de pipa de jeito nenhum.
P/2 – O que ele dizia?
R – Ele falava que era de malandro, que os filhos tinham de trabalhar, que os filhos dele não tinham tempo. Meu tio, pros filhos dele assistirem a Copa do Mundo deu trabalho, nós tivemos que pedir, era jogo de Copa do Mundo, não sei se foi 1990, eu lembro que os meninos imploraram para assistir o jogo. Meu tio não aceitava brincadeira, era super rígido, quem conheceu ele sabe. Então eu vim com essa intenção. Aí eu peguei e coloquei uma pipa no alto, meus primos tudo ficaram doidos. Ficava doido aqui na Fercal, o pessoal olhava e não sabia. “Quem está soltando essa pipa?”. O que eu fui inventar? Eu fui inventar de fazer o cerol. Meu tio trabalhando até hoje. Eu peguei, o grude é feito de cerol é com maisena, todo mundo que solta pipa sabe. Hoje não, é cola de madeira, evoluiu, antigamente era maizena. Você colocava maisena no fogo, sem açúcar, dava uma mexidinha, fazia o pó de vidro que você bate ele até moer, quanto mais fino melhor. Quando vê que você tiver um pozinho é melhor. Eu fui, coloquei a maizena, meu tio chegou na hora do almoço isso, mais ou menos meio-dia, e eu estou fazendo o grude. Esqueci um pouquinho, deixei lá no fogo. O meu tio chegou com fome, meu tio foi e comeu o cerol. Olha pra você ve o que é coisa. O cerol não, o grude, não tinha vidro.
P/2 – Não tinha.
R – Quando eu cheguei pra ver, dar uma mexidinha, meu tio comendo. Ele deu uma de esperto, falou: “Vou enganar os meninos, vou comer o mingau dos meninos”. Ele com fome, chegou da roça. Eu olhei pra ele e falei: “Tio, você comeu cerol”. Pra que eu falei isso? Você falar comeu cerol é morte, porque é vidro. Então meu tio se adaptou, isso. Cara, ele metia o dedo na goela, tentava botar pra fora: “Vocês mataram seu tio!”. Ele era gago, não soltou. Aí já começou a pegar os meninos, batendo. Eu era sobrinho, ele me respeitava muito que ele não me batia. Já foi batendo nos filhos, batendo no outro, quebrando pipas, quebrando a linha tudinho e falando: “Você matou seu tio, matou seu tio”. E eu tentando falar pra ele que não tinha caco de vidro ainda, pra ele acalmar mais. E ele pedindo pro pessoal levar ele pro hospital. Que ele imaginou: “Comi caco de vidro”. Desse dia pra cá a gente pegou trauma de pipa, passamos muito tempo sem soltar pipa, sem nada. Falasse em pipa era penha na certa! Pipa, meu tio já olhava nos cantos. Então eu tomei trauma um pouquinho de pipa. Quando eu não estava perto dele ainda eu fazia umas pipinhas, caladinho, que meu pai nunca importou, meu tio importava, meu pai não. Que o meu pai se acostumou lá na cidade, nós soltavamos lá, ele via pipa todo dia, é diferente do irmão dele. Esse aí, eu suei nesse dia, viu? Até que a gente explicou pra ele: “Não tinha caco de vidro ainda, a gente ainda ia colocar”. Porque você só coloca depois o caco de vidro fica no vidrinho, você chega com o grude pra dar cola na linha, é assim que funciona.
P/1 – Além dos seus primos e seu irmão, havia mais crianças que brincavam com vocês ou só tinha vocês como moradores do local, essas duas famílias?
R – Eram mais nossos primos mesmo, mas sempre tinha, sempre aparecem outras crianças.
P/1 – Havia rejeição dos pais em relação a pipa ou era só do seu tio?
R – Não, aqui na Fercal era geral. Pipa aqui na Fercal não existia. Eu até falo hoje quando eu vejo pipa, hoje tem pipa demais na Fercal. Eu acredito que fui eu, eu não estou falando isso, mas eu acredito que fui eu quem trouxe, eu sou um pouco culpado disso hoje, dessa brincadeira aí hoje (risos). E eu vou te contar uma: quando eu casei com 18 anos eu soltava pipa. Com 22 anos eu ainda soltava pipa. E se brincar hoje ainda eu solto, não solto porque não tenho tempo. Então meu sogro me viu com 18 anos soltando pipa. Aí eu fiquei na vergonha danada que eu estava na beira da BR, eu lembro disso até hoje, ele passou no carro e me viu, olhou assim. Um cara com 18 anos que tinha uma filha grávida, ele imaginou, então não tinha futuro pra filha dele, eu acho que ele imaginou isso e mais certo. Só que eu não largava a minha pipa não, onde eu ia eu tinha uma lata e soltava pipa mesmo.
P/1 – Ele chegou a conversar alguma coisa com você a respeito dessa visão que ele teve de você, qual a impressão que ele teve?
R – Comigo diretamente não, mas ele contou isso pra esposa dele, que era a minha sogra no tempo e ela me falou: “É, mas você solta pipa, você não vai trabalhar?” “Não, eu vou trabalhar sim, eu já arrumei um emprego”. E era um final de semana, entendeu? Eu estava já trabalhando durante a semana, inclusive era com o filho dela, que era irmão da minha mulher. Só que eu soltava pipa, até hoje eu solto pipa. Assim, hoje eu não solto porque eu não tenho tempo.
P/2 – Qual a sensação, Jeferson, da pipa? Por que é tão bom soltar pipa?
R – Nossa, é incrível, cara. Até hoje eu tenho uma sensação, eu vejo os meninos eu fico assim, sozinho com a mão, assim. Isso aqui meu, até mais, está vendo? Isso aqui é de soltar pipa. Está vendo meu rosto queimado? Não é de serviço não, foi de pipa.
P/2 – Mas por que você gosta tanto? Qual é a sensação?
R – A pipa, você controla. É como você jogar um videogame, então era um videogame do passado. A pipa é o videogame do passado. Hoje você controla aqui, né? Antigamente a pipa era um videogame, você controla ela, você faz ela descer quando você quiser, você faz ela subir. Se você quiser fazer ela andar de lado ela anda. O que você quiser ela faz. Então hoje o pessoal, imagina um videogame, a pipa é o videogame em forma da linha que controlava. A coisa modernizou, hoje tem o videogame, mas é uma pipa, é isso.
P/1 – E a negação dos pais em relação à pipa? Era só por causa do cerol ou eles alegavam mais alguma coisa sobre a pipa? Qual a opinião que eles tinham da pipa?
R – É que na verdade o pessoal de antigamente era mais rígido mesmo, então as crianças tinham mesmo que trabalhar, entendeu? Eles tinham que dividir a renda ali, tinha que ajudar. Então não era muito por causa do cerol, eu acredito que não. Eu acredito é porque se a criança fosse brincar faltava mão de obra. Antigamente as crianças ajudavam muitos os pais, eu tenho prova disso, eu tenho testemunha disso, meus primos estão tudo aí pra contar isso. No meu caso não porque meu pai nunca me cobrou esse trabalho braçal. Com meus primos sim, eles trabalharam braçal, eles carregavam caminhão de pedra, eles capinavam, entendeu? Eu também capinei, mas bem pouco porque a gente foi pra cidade, quando eu voltei já era maior. Mas quem conviveu aqui, então não era por causa de cerol, não tinha nem essa imaginação muito de cerol, muita criança solta pipa hoje não é por causa de cortar os outros, eles querem uma diversão, eles querem controlar uma coisa que está no alto. Eu acredito que era por causa da mão de obra que faltava, quando a criança ia brincar não tinha mão de obra pra ajudar.
P/2 – Você começou a trabalhar com que idade?
R – Trabalhar fichado eu comecei a trabalhar com 18 anos.
P/2 – Mas antes?
R – Antes, desde os 12 anos que eu toco comércio. Com 12 anos eu já tocava comércio com o meu pai. Meu pai saía pra trabalhar e eu ficava com a minha mãe no comércio. Eu conheço vários tipos de pingas até hoje, eu que fazia as matemáticas, eu que comprava, com 12 a 13 anos. Então quando o meu pai me entregou o bar, que ele faleceu, eu peguei o bar, eu montei uma quadra de futebol, a primeira quadra de futebol quem montou na Fercal fui eu, foi uma quadra de areia, que ninguém tinha quadra aqui. Tinha campo de terra, quadra de futebol não tinha, a Tereza aqui sabe disso. Eu montei uma quadra no Alto Bela Vista, quadra de futebol de areia. Eu comprei uma areia em Cristalina, eu trabalhava na balança da empresa, só fugindo um pouco do assunto, eu trabalhava, conhecia uns caminhoneiros, comprei uma areia em Cristalina e fiz uma quadra de futebol de areia. Coloquei quatro refletores só lá no cerrado, e ganhei dinheiro. O pessoal falou: “Você é doido, você vai fazer uma quadra aqui pra alugar?”. Eu alugava pras outras comunidades, por hora, alugava para as empresas, pro pessoal e tinha o meu comércio do lado, o meu bar. Foi um motivo de renda que hoje eu agradeço demais, ganhei dinheiro com essa história do futebol, ganhei muito dinheiro, que eu alugava por hora lá. Quem é que não quer bater uma areinha limpa, um futebol de areia, uma quadrinha toda nivelada, que não tinha na Fercal? Então foi uma coisa que eu trouxe pra Fercal, depois surgiram essas outras quadras que vieram pouco tempo pra cá, com refletor e tudo, e depois que surgiu o sintético que era do lado da minha quadra de areia, que eu abri mão pra fazer o campo.
P/1 – Você começou a trabalhar cedo com bar. A gente sabe que trabalhar com bar é uma situação até perigosa pra pessoas adultas. Como criança, praticamente você era uma criança, você teve o respeito das pessoas, dos frequentadores do bar? Você nunca teve nenhum problema por ser menor?
R – Isso aí é até difícil uma coisa da gente falar. Comigo foi uma coisa tão interessante que eu tinha 12, 15 anos e o pessoal me respeitava. Muitas vezes eu queria fechar o bar porque meu pai não tinha chegado do serviço ainda, o pessoal: “Não, já estamos terminando”. Eu fechava. Minha mãe muitas vezes não estava e eu fechava o bar. Interessante. Eu cresci trabalhando em comércio, de 12 anos, eu estou com 38 anos, com 37 anos, no ano passado, que eu consegui alugar meu bar, esse tempo todinho mexendo com comércio. Eu nunca tive problema assim diretamente, é incrível isso, eu conto isso, essa versão, diretamente com os meus clientes. Porque o que mais acontece hoje é o dono do bar sair dando facãozada nos clientes depois que está bebado, e parece que Deus me deu um dom tão grande que o pessoal me respeitava quando eu era menor, depois que eu fiquei maior. Então era um dom lidar. Eu já deixei cliente dormindo dentro do meu bar! Aí o pessoal falou: “Não, pega pelo pé, arrasta, coloca lá fora”. Eu falei: “Não, deixa ele dormir aí, amanhã ele acorda”. Eu conhecia o cara. Ele bebeu lá, ele ficou bêbado lá. Era desonesto ele dormir lá fora. E no outro dia ele levantava lá, eu ia cedinho sair pra trabalhar, muitas vezes eu trabalhava também além do comércio, eu ia lá e soltava ele, ele tava lá, tranquilo, dormindo ainda. Eu falava: “Ó, acorda, ontem você deitou aí, estava debaixo da sinuca”. Já aconteceu isso comigo. Foi um dom que Deus me deu, nunca tive problema, briga em bar. Outra coisa, o que acontece muito em bar? Você vai e vende fiado. O comércio, você tem que vender fiado. Eu sou uma pessoa que trabalhei sempre com fiado e ganhei dinheiro desse jeito. Quantos prejuízos eu levei, mas parece que é uma coisa, você leva o prejuízo mas você não nota. Porque eu levava o prejuízo, mas eu falava: “Não, tudo bem, eu recupero e não vamos caçar briga, não. Você continua sendo meu amigo do mesmo jeito”. Dava um ano, dois anos, o cara chegava lá e me pagava. “Ô Jeffinho, desculpa, rapaz, eu não trabalhava naquele tempo, toma aqui o seu dinheiro”. Eu convivi com isso, no comércio você não pode ter ignorância. Uma criança vem lá e te mata se você for ignorante. A gente tem recentemente agora, o finado Caxixa morreu porque deu um tapa numa criança num bar. O cara chegou, ele não quis pagar ele, não sei o quê, parece que foi, ele bateu na cara, o rapaz matou ele. Então eu não trabalhava dessa forma. “Não vai querer me pagar? Não, beleza, tranquilo, quando você tiver você me paga”. Cara, e isso dá certo. O meu bar, eu tinha muitos clientes fiado, trabalhei com fiado, ganhei dinheiro, o comércio me deu dinheiro. Hoje eu tenho a minha casa, eu tenho um mercado alugado, eu tenho um bar alugado, eu tenho quatro kits. Não veio do meu emprego, não, agora não. Quando eu fui pro meu emprego eu já tinha. Eu tenho hoje quatro kits.
P/2 – Kits é?
R – Kits é aluguel, né? Quitinete alugada. Do comércio, tirei do comércio. Hoje eu estou com um ano e oito meses que eu aluguei o meu comércio, eu sinto uma falta danada do meu comércio. Eu tinha dinheiro todo dia, não dinheiro pra você sair falando assim, ter carro bom, não. É pra você manter, entendeu? É pra você manter, ele te dá o seu dinheiro. Dinheiro do remédio tinha todo dia. Hoje eu trabalho, eu pego dinheiro de 30 em 30 dias só, tem dia que falta um real eu não tenho, não vou mentir, eu não tenho. Eu tenho meus aluguéis, eu tenho uma renda maior e não tenho. Quando eu tinha o meu comércio todo dia eu tinha um dinheirinho, eu emprestava dinheiro pro pessoal, uns amigos. “Empresta aí, Jeffinho, 20.” “Toma aqui”. Eu tinha. Hoje lá pelo dia 20, 25 eu já não tenho dinheiro. Então o comércio me trouxe muito, além de ser uma coisa muito puxada que você dorme pouco, só que me trouxe muita alegria, trouxe a sabedoria de saber conviver.
P/1 – Nessa convivência com bar, a gente sabe que muitos proprietários de bar acabam virando também uma pessoa consumista do seu próprio comércio. Você nunca chegou a ser um consumista do seu bar?
R – Nesse caso aí eu tenho que ser a favor disso que você está falando, realmente isso aí se a gente não tiver um controle o que acontece? A pessoa vai muitas vezes pro seu bar, não é intenção de beber, no meu caso, o pessoal fala: “Jeffinho, eu não bebo, mas eu venho aqui porque eu quero conversar com você”. Só que tem outros que chegam e falam: “Jeffinho...” me chamam de Jeffinho porque o meu nome é Jeferson, mas a maioria só me conhece por Jeffinho. É de infância, né? Então todo mundo acostumou. “Jeffinho, eu não consigo beber uma cerveja sozinho, vamos tomar uma mais eu?”. Então isso aí é realmente, você acaba viciando, acaba bebendo mais. Isso acontece comigo, eu bebo desde os 15 anos de idade. Eu bebo só cerveja, eu não bebo bebida quente nem nada, agora cerveja, você vê, eu não consegui controlar isso. Muitas vezes eu bebia três vezes na semana, eu cheguei a beber três vezes na semana e o final de semana ainda. Hoje não, eu tenho uma mente mais controlada, então eu amenizava: “Hoje não, amanhã eu tomo uma”. Ia levando, mas causa essa dependência realmente, você vai amenizar com seu amigo, aí você fala assim: “Não, vamos sim, então abre mais uma”. Já aconteceu isso comigo. Aí acabava bebendo três vezes na semana, já bebi de segunda-feira. Nas minhas férias mesmo, tá lá no bar, eu estou dentro do comércio: “Jeffinho, vamos tomar uma pra curar a de domingo?”. Isso aconteceu demais comigo. Eu comecei a beber cedo, com 15 anos, isso já influenciou porque eu trabalhava no comércio, então você vê, o cara: “Vixe, essa tá boa”. Aí você tenta experimentar. Hoje eu não sou um alcoólatra mesmo porque eu trabalho na área da saúde, eu vejo também, isso me ajuda muito. O meu psicológico eu mesmo me controlo. Eu passo 30 dias sem beber se eu quiser. O pessoal fala: “Jeffinho, eu não te vejo bêbado”. Mas eu bebo. Eu controlo. Eu regro, eu vejo que eu já não estou bem eu paro. Então eu tenho, o pessoal fala: “Jeffinho, mas eu vejo você bebendo mas não te vejo bêbado”. É porque eu trabalho o meu psicológico, eu sei a hora certa de parar, entendeu? Então eu tenho vários depoimentos disso, o meu cunhado mesmo fala: “Ó Jeffinho, eu vejo todo mundo bêbado e não vejo você bêbado. E vejo você bebendo. O seu organismo não é mais forte?”. Não. Eu amenizo muito, eu tomo muita água quando eu estou tomando a cerveja, isso ajuda demais. Se você toma cerveja tem que tomar água, bastante água, porque você perde o gosto um pouco de beber. O cara tá bebendo lá, muitas vezes a gente já tomou quatro cervejas, eu só tomei uma. O cara está achando, está em duas pessoas, cada um tomou duas. Não, eu sou mais esperto nessa área, então eu amenizo, eu tomo menos naquela hora. Só que eu sou companheiro daquela hora, na hora de dividir eu pago igual. Só que eu tento controlar nessa área.
P/1 – Esse controle que você tem sobre si, isso tem ajudado até na visão dos seus amigos em respeitá-lo, né? Quer dizer, se a pessoa não controla ele perde até o respeito, mesmo sendo o proprietário do comércio. Você acha que isso se deve a esse controle, esse respeito que os seus amigos têm?
R – Sim. Isso aí com certeza. O que acontece? Muitas vezes a pessoa que está bebendo no seu comércio, ele quer uma atenção sua. Se você está bebendo igual ele, ele já imagina: “Pô, ele não está me dando atenção nada”. O cara que está consumindo, ele quer uma atenção do comerciante. Se você está bêbado lá como é que você vai dar atenção? Você está lá falando a mesma coisa que ele estava falando. Porque a pessoa que bebe, ele sai de si, não tem a pessoa que fala: “Ah, eu bebo e eu controlo tudo”. Não controla, ele conversa mais. Se ele não olha para uma mulher quando ele está são, ele passa a olhar mais, se ele não fala muito, ele passa a falar muito. Isso aí eu controlava muito. Muitas vezes eu estava no meu comércio, bebia uma ou duas, eu parava ali mais o cara. Agora se eu quisesse continuar, eu colocava alguém lá: “Fica aqui pra mim que eu estou a fim de tomar uma hoje”. Então já chamava a pessoa, os vizinhos: “Fica pra mim aí hoje no comércio”. Minha esposa, muitas vezes eu falava: “Eu tirei pra beber uma a mais hoje”. Então deixava alguém pra dar atenção. Eu sempre controlei isso, porque senão você perde. Você passa a não servir a pessoa, você já manda a pessoa buscar no freezer: “Não, pode pegar lá”. Isso aí eu já percebi muita gente que bebe, muitos comerciantes... Na verdade eu passo a estudar, eu vivi tanto no comércio que eu estudo o bêbado. A pessoa que convive comigo eu sei a música que ele gosta, eu sei a bebida que ele toma, tudo, eu aprendi isso tudo. Eu conto essa versão lá e o pessoal ri muitas vezes. Chega um cara lá pra tomar uma cerveja, muitas vezes eu sei o problema dele sem ele me contar. Se eu quero vender mais pra esse cara eu coloco a música que ele quer ouvir, eu aprendi isso. Eu tenho bastantes pessoas que bebiam no meu bar. O meu bar era no cerrado, fora de área, e era lotado. Por quê? A pessoa sentava ali, eu já sabia a música que ele queria ouvir. Isso aí foi um dom que eu aprendi. A pessoa vem pra tomar três cervejas, muitas vezes ele tomava uma caixa, ligava pros amigos ainda, depende da música que tava. Eu aprendi isso. Ele falava: “Pô Jeffinho, já cheguei aqui, eu nem falo a música que eu queria ouvir e você colocou o cantor”. Eu falo: “Não, eu sei já os problemas, tal”. E muitas vezes ele quer contar um caso que está se passando, acaba enrolando, então a pessoa foi pra tomar uma cerveja e tomava uma caixa. Aí eu aprendi a conviver, a ganhar dinheiro em cima disso também.
P/2 – Jeferson, você disse que seu pai ia trabalhar e você ficava cuidando do bar. Ele trabalhava em quê?
R – Meu pai era motorista, trabalhava na mineração.
P/2 – E continuou junto com o bar.
R – É, e trabalhava de turno. Quando ele pegava turno de 15 às 23, por exemplo, ele não podia ficar no comércio, então eu ficava com a minha mãe, era uma semana desse jeito. Só que minha mãe é uma pessoa super inteligente também. Minha mãe olhava assim, tal, tal, só que a gente ficava com ela, que eu era o homem da casa no caso. Mas ficava lá, eu colocava cerveja no freezer, tirava, servia. E funcionava disso. E o meu pai trabalhando. Quando meu pai chegava 11 horas da noite muitas vezes a gente estava aberto. Tem aqui na Fercal mesmo, meu pai, ele não está vivo pra falar hoje, mas a minha mãe está, a gente já passou de dois a três dias com o bar aberto direto. O comércio aqui da Fercal eram poucos que tinham, era o bar do seu Manuel Baiano, tinha o meu pai ali onde é o Claudio, que o meu pai era ali, na rodovia, eram poucos bares que tinha. E tinha caminhoneiros e tudo. Então a gente rodava de sexta pra sábado, aí meu irmão chegava de manhã, ficava de manhã que não tinha tanto movimento. A gente ia dormir, eu ia com a minha mãe ou ia com meu pai, a gente revezava, dois e dois, sexta pra sábado, de sábado pra domingo. A gente descansava um pouquinho domingo oito horas da noite. Quando a gente chegava em casa, que a gente não tinha nem o prazo de contar dinheiro. Naquele tempo a gente ganhou dinheiro, por isso que eu falo que a gente ganhou dinheiro com comércio aqui na Fercal. A gente ia contar, eu lembro disso até hoje, aí a minha mãe pegava sacola de dinheiro de três dias, final de semana, jogava lá na cama e nós separando. Nota de não sei, naquele tempo era cruzeiro, né? Nota de um real, como se fosse hoje, nota de cinco, nota de dez, era assim que nós separavamos o dinheiro. Aí falava: “Esse final de semana foi bom, vamos descansar segunda”. Aí nós descansávamos segunda, abria na terça. A gente tinha meninas que ficavam no bar, todo bar tem aquelas pessoas que ficavam no bar, que dormiam no bar. Aí chamava mais atenção que tinha, os caminhoneiros chegavam e o forró comia. Forró. Meu pai também já gostava de forró e muitas vezes meu pai chegava do bar, do trabalho, você acha que ele ia te ajudar? Não, ele chegava cansado e tudo, caía no forró. E nós terminávamos, até duas, três horas da manhã. Ia ali, muitas vezes não fechava, passava quatro horas da manhã, não tinha perigo aqui na Fercal, não tinha assalto. Nesse tempo todinho sabe quando eu vim ter assalto no comércio? 2013 agora, setembro de 2013. Eu tive dois assaltos, machuquei o braço em um, dois assaltos em 20 dias no bar. Desse tempo todinho eu vim ver assalto agora, de 1990 que era o bar do meu pai para agora, agora que eu vim ter dois assaltos. Foi onde eu aluguei o bar porque eu peguei trauma. Desse jeito.
P/1 – Qual foi seu primeiro emprego?
R – O meu primeiro emprego.
P/1 – Fora o bar.
R – Fora o bar, eu sempre quis viver com dinheiro. Toda vida eu tinha que ter dinheiro. Eu já capinei lote pra ganhar dinheiro, eu vendia dim-dim lá no Planaltão, que era em Sobradinho pra ganhar dinheiro.
P/2 – O que é dim-dim?
R – Dim-dim é picolé. Coloca na caixa de isopor. Eu conheço aqueles campos de Sobradinho todinho por causa de futebol vendendo dim-dim, picolé. Eu já tombei aqueles carrinhos de picolé, vigiar carro. Lá no Planaltão, que era um mercado que tinha grande de Sobradinho, acho que você chegou a ir. Eu sempre trabalhei na minha vida, meu pai, muitas vezes eu converso com pessoas hoje e fala: “Ah meu filho não pode levar, porque é proibido aqui do bar”. Hoje eu tenho um cara que eu aluguei, lá ele não deixa os filhos dele, não lava o copo, não ajuda ele no bar, tem 14 e 16 anos, porque ele tem medo de levar multa, que não pode, hoje adolescente não pode. Pois comigo foi diferente, eu ajudei, eu olhei carro, eu vendi dim-dim, eu capinei lote aqui na Fercal, muito lote. Só pra ter o dinheiro. Com 15 anos meu pai já me dava o carro para eu sair, sem carteira. É errado? Era, mas meu pai via, meu pai falava: “Você tem o dinheiro da gasolina?” “Tenho” “Ah, você ganhou onde?” “Eu capinei o lote de Fulano” “Ah, pode pegar o carro”. Com 15 anos eu ia pra festa de carro aqui na Fercal. Ninguém tinha isso e eu andava pra tudo, por isso que eu sou muito conhecido aqui. Falava: “Jeffinho tem um Opalão branco”. Eu lavava, meu pai deixava com 15 anos, não tinha problema. Falava pra mim: “Duas horas está em casa, uma hora, o que for, meia-noite”. Agora se eu chegasse dez minutos depois: “Que horas que você vem?” ele falava pra mim. Eu falava: “Uma hora, pai”. Aí ele falava: “Não, pode vir duas, mas não chegue duas e dez”. Era assim a convivência. Ele dava uma hora a mais, mas não aceitava chegar atrasado. Aí depois eu fichei com 18 anos, eu vim fichar com 19 anos. Minha esposa estava grávida, com 19 anos eu fui trabalhar de ajudante, entrei como ajudante na firma, ajudante do meu cunhado. A firma gostou do meu serviço, me chamou para eu entrar de ajudante lá da mineração. Eu estava lá um dia na poeira, a mineração é poeira, pedra caindo e tudo. E aí eu não tinha visto não, um poeirão danado. Quando eu olhei tinha um cara lá na poeira olhando assim. Era o meu encarregado e eu não sabia. O encarregado falou: “Você tem quantos anos?” “Eu tenho 19.” “Você trabalha aqui?” “É.” “Você não tem carteira, nem nada?”. Eu falei: “Não, eu estou tirando a minha carteira”. Aí ele falou: “Pô, mas você não tem estudo, está numa poeira dessa daí?”. Eu falei: “Não, é que a minha esposa está grávida, tudo”. Ele falou: “Você fica aí mais um tempo que eu vou arrumar um lugar pra você, você tira a sua a carteira”. Mandou tirar a carteira. Nesse tempo eu enrolei com a carteira, tal, tal, aí eu fiquei de dois anos mais ou menos pra três anos de ajudante. Na enxada. Quando eu tirei a carteira eu falei pra ele: “Eu tirei a carteira”. Ele falou: “É, mas agora não estou tendo vagas mais. Mas você aguarda mais um pouquinho”. Eu falei: “Aguardo”. Eu fiquei oito anos na empresa. Eles venderam e eu passei pra outra porque eu tinha uma carta de confiança e tudo do patrão. Eu fui ajudante, aí fui trabalhar num tratorzinho que ele foi me ajeitando, o encarregado, agradeço ele até hoje, o seu Antenor. Eu fui pra trabalhar nesse tratorzinho que carregava lixo, explosivo. Pequenininho, Geriquim. Fui para operador de painel. De operador de painel eu fui pra almoxarifado. O almoxarifado fechou, eu trabalhei com o Fernando no almoxarifado, eu acho que você conhece o Fernando aqui da Fercal II muito tempo. Do almoxarifado fui pra lubrificador. Do lubrificador fui pra balança. Da balança fui trabalhar com o dono da empresa no escritório dele, era auxiliar administrativo. Era Engesp, que era o seu Vital, ele vendeu, foi pro Pedracom. Eu fui um dos que fiquei na mesma empresa, trabalhei oito anos na mesma empresa. Passei nesse concurso com a Fundação Zerbini, eu ganhava 600 reais um tempo, saí pra ganhar 400. Eu entrava cinco horas da manhã, abria a balança, o Stelio saiu, eu que entrei no lugar do Stelio depois. Saí do almoxarifado com o Fernando e fui pro Stelio, são pessoas conhecidas aqui na área que a Tereza também conhece. Aí abria cinco horas e fechava dez horas da noite, 11 horas, não estava aguentando mais aquela rotina. Muita pressão. Cinco horas da manhã, dez horas da noite, meia-noite eu não aguentava, não aguentava. Quando eu passei nesse concurso eu fiz a prova e não sabia que tinha passado, que era só pra dois anos quando eu passei. Aí um amigo meu da Rua do Mato, seu Manuelzinho, o filho dele passou e viu o meu nome, conheceu. Eu tinha perdido a minha vaga já, praticamente, que é 90 dias que eles dão, parece, pra você assumir. Aí ele ligou pra minha mãe, que é primo da minha mãe e falou: “Ó, seu filho passou no concurso junto com o meu filho, ele não vai assumir?”. Aí minha mãe veio falar: “Você fez um concurso aí?”. Eu tinha feito já outros e não tinha passado. Eu falei: “Ó mãe, fiz mas eu nem conferi não, porque eu não tinha estudado, nem nada”. Acredita que o pessoal, eu era nível de ensino fundamental. Eu concorri com pessoas, o que é da gente é da gente, eu concorri com pessoas de segundo grau, professoras e tudo. E tinha uma vaga só pro Alto Bela Vista naquele tempo, que era por região, era por microárea quando foi feito. Acredita que eu passei? Eu passei e o pessoal que estava estudando não passou. Minha ex-mulher que estava estudando não passou, que era a Clea, e eu sem estudar passei.
P/2 – Que era pro Agente Comunitário de Saúde?
R – Pra Agente Comunitário de Saúde. Só que era pra Fundação Zerbini, era uma empresa terceirizada. Com um ano que teve a Fundação Zerbini, como o meu concurso era pra dois anos, olha como o que é pra gente tem que vir. Eu assumi, pedi conta, meu chefe foi e dobrou meu salário. Era de 600 ele colocou eu pra 1200. Naquele tempo era como se fosse um encarregado da empresa. Só que como eu era o homem de confiança dele, tudo, se faltava um motorista, eu assumia. Porque a minha carteira era D, eu troquei, aprendi tudo lá dentro. Retroescavadeira, esses caminhãozão grandão eu dirigia tudo. Então como eu era o homem, ali faltava um eu assumia. Operador de painel faltou, eu assumia. Então ele passou essa confiança de mim. As chaves era tudo eu que controlava tudo, eu era o encarregado. Ele pegou e dobrou meu salário para eu não sair. Eu falei: “Doutor Paulo, eu vou fazer o seguinte, eu estou pedindo conta, eu não aguento mais, eu estou estressado, estou com problema com a família”. Quem é a família que aguenta o cara todo dia, domingo a domingo? Eu tinha um domingo, às vezes eu folgava um domingo. Empresa você sabe como é, mineração. Essas minerações não param não, 24 horas. A gente tem que, se você não for assim não é bom pro patrão, então você tem que seguir, tem que seguir de acordo com a empresa. Naquele tempo, hoje não, né?
P/2 – Qual empresa que era?
R – Era Engespra naquele tempo, hoje já não tem mais, hoje é a Pedraccon, que fechou também. Hoje é alugada pra Pedra Negra, que faz parte da Votorantim também.
TROCA DE BATERIA
P/2 – Jeferson, enquanto você trabalhava desse jeito na empresa o seu pai tocava o bar, aí você não participava do bar?
R – Eu passei um tempo a gente revezando. Quando eu estava trabalhando ajudava ele no período noturno. Quando ele estava trabalhando eu ajudava ele também. E aí a gente foi levando, sempre a gente teve comércio, toda vida. Meu pai, quando a gente veio de Sobradinho pra cá, a gente já mexendo com comércio. Só que além do comércio a gente tinha o serviço. O comércio era uma renda a mais pra ajudar, meu pai não ficava somente no comércio. Quando ele estava desempregado sim. Mas sempre foi uma pessoa que trabalhou fichada, sempre teve o seu trabalho também, o comércio era uma renda a mais pra gente.
P/2 – Certo. E quando você prestou o concurso, a mesma ideia de manter o emprego e também o comércio.
R – Comércio.
P/2 – Aí você diz que alugou porque teve uma situação. Conta pra gente como foi.
R – Essa situação foi em 2013 agora. Era um dia de domingo, às três horas da tarde, eu estava no campo de futebol e nosso time tinha sido premiado lá, com a taça lá, a gente tinha chegado em terceiro lugar no campeonato todo. Porque eu tenho um time de futebol, eu que cuido, escalo o time, sou o jogador, lá tudo por minha conta, o pessoal já acostumou isso: “Jeffinho, esse ano vai ter o jogo?” “Vai”. Então quando a gente acaba os jogos a gente vai pro comércio. Como eu tenho essa parceria com o time, o comércio escolhido também era o meu. E a gente desceu. Minha esposa também estava, crianças, tudo, com os jogadores. Três horas da tarde num domingo, a gente estava lá bebendo e já estava acontecendo alguns assalto aqui na Fercal já. O bar do Chico já tinham assaltado, então já estava meio veiaco, parece que já estava adivinhando essas coisas. E eu estava olhando. E lá na minha comunidade todo mundo conhece todo mundo, chegou alguém de fora a gente já sabe: “Esse cara não dá daqui, esse cara não é daqui”. E eu trabalhava de agente comunitário lá dentro da comunidade também conheço. Eu olhei uma caixa d’água assim, uma distância de mais ou menos cem metros, 50 metros, não tenho noção mais, eu vi dois rapazes diferentes lá na comunidade, três horas da tarde. Eu olhei e falei: “Isso aqui não é daqui”. Quando eu falei isso, calado, eu fui e vi o rapaz mexendo no revólver, ajeitando o revólver assim nas calças. O que eu fiz? Eu não alarmei nada, eles estavam muito próximos, já chegado. Como eu sabia dos assaltos eu falei: “Eu não vou expandir que todo mundo vai sair correndo e eles vão atirar em Fulano aqui. Eu vou pular esse barranco aqui” – que o meu bar fica no alto – “Eu vou descer essa rampa aqui e vou chamar a polícia calado”. Pensei isso. Cara, quando eu fui pular, meu bar fica no alto, embaixo é uma quitinete, a mulher tem um varal de roupa. Estou vivo aqui hoje por sorte. Eu pulei em cima do arame. O meu pescoço, o arame, Deus que colocou, era um arame liso, se fosse um arame farpado eu não estava aqui mais, não, isso aqui acabou, meu pescoço acabou. Eu pulei em cima, o arame me pegou e jogou em cima desse braço. Esse braço aqui, ó, fiz tratamento até agora, é um nervo, tem pouco tempo que eu parei o tratamento desse braço, não abria nem nada mais. Eu caio em cima do braço, já deixei a minha carteira. Eu estava com a máquina fotográfica que a gente tinha tirado. Deixei. E eu saí. Quando eu olhei pro meu braço, só pensava no meu braço, foi um trauma danado. Falei: “Quebrei”. Aí eu saí pra pedir socorro, mas calado, não falei do assalto pra ninguém. Quando eu estou ligando pra polícia, uma distância maior, estou ligando pra polícia da casa de um vizinho lá, eu ouvi só os tiros, pá pá. Falei: “Meu Deus”. Eu lembrei de minha esposa lá dentro. Todo mundo, as crianças, todo mundo lá, que os pais levam as crianças, só veio aquele desespero. Meu bar é meio aberto, assim, de grade. Eu olhava aquela confusão, todo mundo indo pro banheiro, tal. Aí eu estou lá tentando ligar, nada da polícia, a polícia não atende, o telefone não dá certo que tinha caído no outro telefone, a vizinha não consegue ligar. Quando eu olho vêm os dois caras, de lá pra cá já correndo depois do assalto, arrumando celular, dinheiro que eles tinham levado. Passou, fui lá, fiz a ocorrência, tudo, depois fui pro hospital e voltei lá, inclusive eu voltei porque eu estava com bastante dinheiro na carteira que a gente tinha pegado. Eles não levaram meu dinheiro, peguei o dinheiro, fui pro hospital, passei lá, fiz a ocorrência, tudo. Foi resolvido, fechamos o bar nesse dia tudo, tal. Vinte dias depois, uma terça-feira, sete horas da noite, de novo. Estou lá, já estava traumatizado, já, com esse assalto. Estou lá, novamente, três caras encapuzados, três armas grandonas: “Assalto, deita no chão, tal, tal”. Nesse dia o cara não levou nem minha carteira. Ele olhou: “Tem dinheiro?”. Eu falei: “Tenho, tá aí dentro” “Manda a carteira”. Dei a carteira pra ele, ele tirou o dinheiro: “Seu documento está aí”. Me devolveram até o documento, parece que é uma coisa. Os caras me trataram bem demais. “Tem cerveja aí?” “Tem, tem no freezer”. Levaram uma caixinha, levaram o dinheiro da minha carteira, tinha três ou quatro clientes só. Os caras bateram nas minhas costas: “Fica tranquilo, a gente já está indo, não vamos fazer nada com você”. Me trataram bem, até hoje não sei quem é, não sei quem foi, fiz outra ocorrência, também não sei. Do primeiro assalto a gente descobriu, que foi sem capuz, sem nada, a polícia prendeu, eram dois adolescentes mais velhos, já soltou também, né?
P/2 – Não eram da comunidade.
R – Não, era lá do 18, comunidade vizinha. Mas é perigoso, o comércio é perigoso.
P/1 – Então foi isso que te levou a passar o bar pra frente, a alugar pra terceiros.
R – Também. O que acontece? Eu sou nativo da Fercal, o lugar mais longe que eu conheço é aqui em Aruanã, Goiás, o lugar mais longe. Não ando de avião, consegui uma viagem agora pra jogar lá no Rio Grande do Norte, não fui porque não ando de avião, não voo. Não adianta você me falar, até pra ver assim, esses dias eu fui no Núcleo Bandeirantes e fiquei traumatizado lá, aqueles aviões querendo pousar lá baixinho. Então lugar mais longe que eu fui foi Goiás. Então eu não viajava, minha vida estava passando sem curtir, sem levar minha família. O que me levou também a alugar o comércio foi isso, porque você não tem tempo, o dia que você for fazer o seu lazer é o dia que você tem que atender, o dia que você ganha dinheiro, sábado ou domingo, feriado. Então no dia de você viajar não podia. “Ah não, vou abrir o bar porque eu tenho uma conta pra pagar. Vou abrir porque...” o Alto Bela Vista mesmo falava, o dia que eu fechava ele sentia falta. Tinha cara que ia lá em casa para eu abrir o bar! Eu cansado lá: “Não, abre lá, Jeffinho, hoje pra nós conversarmos um pouquinho, tal, eu quero beber uma lá”. Eu ia e abria. Então toma muito o tempo da gente.
P/1 – Você disse que começou muito cedo a trabalhar. Você acha que o fato de você ter começado a trabalhar muito cedo fazendo várias coisas ainda quando criança te ajudou pra você ser bem sucedido hoje?
R – Diretamente não. Ajudar não por parte financeira assim: “Ah, eu ganhei dinheiro naquele tempo, investi pra hoje”. Não. Agora o que me ajudou foi no meu psicológico, de sempre eu trabalhar, sempre eu ter meu dinheiro, entendeu? Nem que seja um dinheiro pouco, mas sempre, toda vida eu vendi picolé, se eu vendia o picolé era 50%, se eu vendia 20 reais, naquele tempo eram 20 cruzeiros, era dez pra mim e dez pra casa, então sempre eu tive meu dinheiro, pouco, mas eu tinha, então isso me incentivou muito a trabalhar cedo. Eu agradeço ter trabalhado cedo porque hoje essas pessoas que não trabalham cedo, aí deixam: “Não, vou trabalhar depois dos 18”. Aí chega aos 18: “Não, estou novo, vou trabalhar depois dos 25”. Com 25 a mãe está mantendo ou ele tem uma renda lá de um Bolsa Família desse. Esse cara não vai trabalhar, ele aprende a viver sem dinheiro. Hoje o humano se adapta a tudo, com dinheiro, sem dinheiro, ele consegue viver. Hoje o cara consegue viver sem dinheiro, tranquilo. Ele vai ali, almoça na casa do vizinho, a esposa está trabalhando, tem uma bolsa lá, então ele se adapta também, hoje o humano é inteligente pra isso. Então eu me adaptei a ganhar dinheiro. Se eu não ganhar dinheiro, eu estou aqui no meu trabalho, eu já estou pensando o que eu vou fazer pra ter outra renda. Eu já tenho meus aluguéis, estou pensando: “Por que eu não vou aumentar”. Hoje eu tenho uma chacrinha lá no Catingueiro, que é da minha esposa atual, eu estou pensando: “Acho que vou investir, comprar um gado pra ver se dá retorno”. Então me adaptei, isso aí foi muito bom pra mim eu começar a trabalhar cedo.
P/1 – Jeferson, pelo que você já colocou aí, a gente sabe que você foi sempre muito ativo na comunidade, até mesmo pela experiência de sua família. Além de trabalhar, além de tocar o bar, o que você mais tem com a comunidade, de convívio social?
R – O que acontece? Meu pai era um dos líderes comunitários, aí foi logo, logo eu passei pra agente comunitário lá dentro também, meu pai faleceu e eu fui assumindo os cargos que meu pai tinha. Meu pai tinha time de futebol, eu passei a manter o time do meu pai. Só que meu pai tinha um time forte e eu não consegui (risos), mantenho até hoje, meu pai tinha mais experiência do que eu. O que acontece? Fui ser líder comunitário, o pessoal: “Ah Jeffinho, tem que ser você, tem que ser você, que você que corre atrás das coisas aqui, é você que ajuda. Você quer ser líder comunitário?”. Aí eu falei: “Ah, quero”. Líder comunitário, o que o líder comunitário fazia antigamente? O líder comunitário tinha de resolver o problema da luz, não era a CEB, você que tinha que ligar. A água não era Caesb, era o líder comunitário que tinha que correr atrás de água, era poço artesiano. Se faltasse a comunidade já vinha atrás dos líderes comunitários, ninguém, até hoje, pro pessoal ligar pro Caesb na minha comunidade eu trabalho: “Ah Jeffinho, o que está acontecendo? Está faltando água”. Procura por mim. Por quê? Era um poço artesiano que quem controla é o líder comunitário, então você ligava e desligava ele, você mandava pra rua que você quisesse a quantidade, você dividia. Lá na minha comunidade sempre teve problema de água, que é uma comunidade alta, é pouca água pra muita gente e lugar alto, pra subir dá trabalho. O que o pessoal falava: “Jeffinho, olha a chave aqui, você mesmo controla a água”. Naquele tempo, se não me engano, era uma terceirizada da Caesb, então eles não queriam esse trabalho, não tinha água. Então eu passei a controlar a água do pessoal. Eu recebia o pagamento do pessoal que quisesse pagar, que não tinha como, muitos pagavam, outros não pagavam. Eu recebia e eu controlava a água, lá dentro, outro trabalho voluntário, pro pessoal não brigar lá por causa de água. Certo dia o pessoal foi e falou: “Jeffinho, está faltando água lá na minha casa, tem mais de dez dias que não vai água lá”. E realmente é mesmo, sete a dez dias que não ia água. “O que você pode fazer? O pessoal de lá não está conseguindo controlar a água direito”. Eu falei: “Ó, vamos fazer o seguinte? Tem uns registros daqui da pracinha, você fecha aqui, fecha o outro registro e vamos dar pressão só pra subir na sua casa”. Eu consegui fazer isso, chegar água na casa do cara. Aí bom, pra mim era tudo lá: “Jeffinho, chegou a água”. O pessoal corria lá em casa: “Não tem água lá em casa tal e tal”. Começou um trabalho cansativo, foram oito anos nessa luta, mexendo com a água, recebia e pagava a conta do padrão. Era a maior coisa, pior que a gente já teve na vida, era você receber da comunidade e você ir lá e pagava a conta de luz porque pra ter água você tem que pagar o padrão que funciona a bomba do poço artesiano. E é pouca água. Então o que acontece? Mesmo assim eu consegui amenizar. O que é amenizar? “Hoje à noite não vai, amanhã não vai, mas depois vai na sua rua” “Por que é assim, que vai só?” “Não, vem cá, vamos trabalhar comigo, que é bom que você me ajuda”. Então eu colocava a pessoa pra participar. Chegou um tempo que não tinha como amenizar, que a comunidade foi crescendo, a comunidade foi crescendo. Eu falei: “Gente, eu trabalho no Governo, eu não posso fazer isso, mas o que a gente vai fazer? Pega lata velha, pega balde velho...”. Eu acho que nesse tempo a Tereza estava na administração, eu que fui o incentivador. Eu falei: “Ó, pega as latas, a gente vai lá pra frente da administração. Menino, criança, sem banhar, sem nada”. Porque faz parte, saúde faz parte também e tudo. “Vamos que eu vou de trás”. Eu liguei pro tempo não sei mais pra quem que estava na frente da administração, falei: “Olha, nós estamos indo para aí”. Liguei pra polícia porque quando você vai fazer uma ação dessas você tem que ligar. Eu liguei pra polícia, eles passaram a gente na rodovia, aquele tanto de gente descendo, menino descalço sem banhar, sem ir pro colégio por causa de água. A gente foi tudo pra administração, conseguiram ligar pros gerentes da Caesb, aí vieram, tudo, foi amenizando. Colocaram caminhão pipa e tudo. E aí a gente foi resolvendo. E aí eu fui criando muito poder na comunidade, tudo era eu, tudo resolvia. Água era eu, luz: “Ah, liga lá, faltou energia”. Eu ligava lá. “Pô, liga lá” “Não, liga você, Jeffinho, que você já sabe com quem você fala lá”. E eu gosto de fazer isso também, cara, eu gosto. Chega o endereço lá, eu gosto de dar informação do endereço. Chega lá, o pessoal está procurando lá, eu tomo a frente e falo: “Não, você queria falar com quem? Onde é quadra tal, não?”, que eu já conheço, então eu aprendi a conviver, dar informação, ajudar alguém. Então pra mim eu gostava disso. Não era muito polêmico, eu não sou muito de brigar, de criticar administrações, eu não sou muito disso. Eu gosto de agir calado e falar na frente da pessoa. Não está dando, eu vou lá e ligo pessoalmente, falo, não gosto de ficar jogando um contra o outro, não gosto disso. Quando eu tenho de resolver eu mesmo resolvo. Não sou de pedir muito, eu passava os problemas pra administração, passava tal: “Está acontecendo isso, isso e isso lá”. Mas não sou de ficar todo dia ligando, perturbando, não sou. Porque muitas vezes, igual administração hoje, a gente sabe que tem a dificuldade, não é só aqui, eu já pedi, eu comecei o campeonato de futebol agora, sem máquina pra arrumar os campos, sem juiz, sem patrocínio, sem nada, tudo é a gente que está fazendo. Agora todo dia eu vou lá perturbar a administração? “Ah, que não passou a máquina no campo”. Não, eles não têm a máquina, não renovaram o contrato, eu vou ficar perturbando? Não, jamais. Eu vou juntar jogadores pra ir lá na administração? Não, não vou, não faço isso. E gosto de me aliar também a quem está no poder da frente. Então eu já fui lá no Estevan, que é o administrador lá hoje: “Estevan, eu quero trabalhar do seu lado. Quem você está apoiando eu quero”. Porque a maioria do pessoal é do contra: “Ah, que a administração está de um lado eu vou pro outro”. Eu não gosto, eu gosto de me aliar a quem está na frente. É por isso que eu consigo muito apoio também.
P/1 – E além da água e da luz que você acabou de mencionar, quais os outros problemas que mais as pessoas te reinvidicam lá da comunidade e desses problemas quais você já conseguiu resolver?
R – Lá, além da água que a gente agora conseguiu amenizar, graças a Deus, que agora é a Caesb que toma de conta. Com a luz a gente também não tem muito problema. Hoje lá é transporte, a gente tem grande dificuldade com transporte, principalmente pra andar dentro da comunidade com aquelas ruas estreitas. Eu tenho grande problema lá com transporte. Ônibus sobe, o outro não sobe, não desce, tal, e o transporte aqui na Fercal acho que quase ninguém consegue resolver. Então tem um grande problema com transporte e, sei lá, hoje parece que as coisas amenizaram tanto, eu tive tanta dificuldade no passado que eu não reclamo hoje. Cara, eu vejo tanta pessoa lá reclamando hoje e eu falo: “Esse cara não viveu aqui o que eu vivi, ele não passou o que eu passei dez, 15 dias sem água, banhar lá no rio”. Quantas vezes eu desci pra tomar banho lá no rio? Hoje eles não têm isso mais, não tem, falta dois dias, três dias a água igual falta hoje, quebra um cano ali, rapidinho resolve de novo, tem água de novo. A energia, cara, hoje ligou já vem, resolve. E hoje ainda vejo gente chorar: “Lá na frente de casa tem um buraco que a Caesb abriu e não fechou”. Eu falo: “Rapaz, o tanto de buraco que já teve aqui”. Eu fico, né? Hoje a gente está mais tranquilo lá na comunidade. A comunidade hoje já é grande, tem um agente comunitário. Eu sou agente comunitário de lá, eu não resolvo tudo que lá são 400 famílias, mas eu amenizo. O pessoal vem marcar uma consulta eu marco. Dá um recado eu levo na casa, entendeu? Tem uma rádio comunitária para eles ouvirem o que está acontecendo. Então hoje eu mesmo não reclamo mais.
P/1 – E na área de lazer na sua comunidade? É bastante assistida?
R – Na área de lazer a gente tem um campo sintético da Fercal, o único campo sintético que tem fica na minha área. A gente está fazendo, o governo tem uma implantação ao lado de um poliesportivo pra ter tudo, que está parada a obra. Mas a gente está conseguindo agora colocar coberta uma quadra lá de futebol de salão, não tem aqui na Fercal também, vai ser a primeira coberta. Tem a do colégio da Fercal, se não me engano, que é uma mini-quadra. A nossa vai ser coberta, a gente tem uns banheiros lá do lado, que está parada a obra mas eu acredito que vai dar andamento. Esse campo sintético é iluminado, é o único campo que tem iluminação lá dentro da área também. Aí muita gente fala: “Olha, Jeffinho, por que você conseguiu esse tanto de coisa pra cá”. Eu consegui no tempo do Arruda. Eu tive uma parceria com o Arruda, que é aquele governador que teve, eu conheci ele particular, lá, ele um dia falou pra mim: “É, do que você está precisando aí?”. Eu falei: “Olha, a gente não tem o asfalto, essa energia aqui não tem”. O campo, meu pai deixou um tempo uma área de lazer lá que era um campo na pedra, campo de terra. Eu falei: “Tem esse campo aqui que joga poeira aqui tudinho”. E fiz tudinho, passei pra ele, esse governador, pro cara dele, que trabalha com ele. Certa vez a gente foi pro Sobradinho II da inauguração do campo sintético de Sobradinho II, o primeiro que teve. Eu e mais o Pedrinho, eu tive a ideia de fazer uma faixa. Só que eu não fiz a faixa condenando o governo, eu fiz aplaudindo, eu falei assim: “Parabéns governo, o campo ficou muito bonito. Quando vai ser o da Fercal?”. Eu fiz tipo assim, eu fiz foi um elogio pra ele, entendeu? Eu não critiquei porque ele estava fazendo lá e não fez na Fercal. Aí ele foi e falou assim, eu lembro disso até hoje, ele falou: “Filma esse rapaz ali”. Nós temos essa foto, não sei se eu consigo essa foto, o Pedrinho acho tem essa foto. Ele falou: “Filma esse rapaz e tira uma foto”. Depois ele mandou pra gente. “Ó, breve, breve, o campo sintético da Fercal eu vou mandar fazer um lá”. Só falou isso. “Filma lá”. Mandou o rapaz filmar. Também nós esquecemos disso. Pouco tempo eu estava lá, ele estava no tempo de política, chegou um cara lá: “Você que é o Jeferson, esse cara da foto aqui?”. Falei: “Sou eu mesmo, eu e o Pedrinho”. Pedrinho é lenda viva disso. Ele falou: “Ó, você não mandou procurar aqui esse campo da Fercal mas a gente não tem terreno aqui. A gente ia colocar lá no campo do seu Manuel Baiano mas não aceitaram. Você tem um terreno?”. Eu falei: “Tenho aqui do lado o terreno”. Ele falou: “É mesmo?”. Pronto. No outro dia começaram as obras. Campo sintético, mandou o asfalto da Quadra 16, colocou energia todinha lá em cima que não tinha, fez tudo lá nesse campo. Pronto. Devido a uma faixa.
P/1 – E como é que foi a cessão desse terreno? Quem cedeu o terreno e como é que foi a cessão.
R – É, esse terreno aí é um caso complicado. No tempo que ele perguntou, você sabe como são as terras aqui da Fercal. Aquele terreno que eu cedi lá, que era que o meu pai deixou, era da fazenda da minha avó, olha como é que são as coisas, a fazenda escriturada e tudo. Inclusive quando ele foi no satélite lá pra olhar onde a gente ia fazer o campo bateu em área particular, que era a área da minha avó, tem o nome da fazenda, a fazenda
da minha avó. Não teve problema de fazer doação. Esse negócio de governo aí aqui da Fercal é muito problemático pra se fazer, ter documento aqui na Fercal assim, igual a minha avó tem o documento, mas não sei nem pra onde está o documento dessa fazenda dela. Ela já morreu, o meu tio morreu, o meu pai morreu, tem que ir nos cartórios atrás disso aí, não sei como é que funciona aqui, nunca corri atrás. Eles chegaram e mandaram fazer o campo. Eu fui lá, não sei se na administração eu assinei algum papel também, não lembro, autorizando. Eu sei que eu fiz a reunião com o Arruda lá também, depois disso eu fiz duas reuniões pra ele. O campo começou lá e a obra seguiu. Agora a gente já conseguiu reformar, porque agora a gente já está reformando ele, vamos reformar, trocar o tapete, está fazendo os banheiros, está cobrindo do lado, quiosque do lado do campo, tudo.
P/2 – Quem está fazendo isso?
R – É o governo. Está parado porque foi um projeto do Agnelo e agora está parado.
TROCA DE FITA
P/2 – Jeferson, você estava dizendo que o pessoal todo te procura ainda por conta da água e de toda a reclamação que tem, alguma coisa que não está indo bem eles te procuram. Você disse também que gosta até dessa função. Ainda é assim, você continua com esse empenho, como que é isso?
R – É. Parece que cada vez aumenta mais a procura. Eu pensei que ia diminuir porque a Caesb assumiu. Não, não diminuiu nada. Eu tenho o telefone da Caesb, eu tenho o telefone do cara que faz a manobra da Caesb, eu que acabo ligando. Semana passada faltou água, eu que liguei. Faltou energia da quadra de futebol, eu que tenho que ligar na CEB. “Jeffinho, não tá ligando não, o refletor queimou”. Ninguém liga porque qualquer um pode ligar. Eu ainda brinco: “115. Liga no 115 da Caesb, lá tem, pega o codigozinho da CEB só” “Não, mas liga lá pra mim, já acostumou, não sei o que”. É desse jeito. Esses dias passou um morador lá, eu estava no bar, eu aluguei o bar mas eu fico mais no bar, incrível isso, aluguei o bar mas continuo no bar, nem que seja pra fofocar lá, que nem os caras falam que é a esquina da fofoca lá. Aí fala que nós sabe mais de coisa do que as mulheres. Ele parou o carro lá: “Jeffinho, liga lá pra mim, tá faltando água lá em casa”. Eu falo: “Uai, mas aqui tem água”. Ele: “Não, lá em casa não tem água”. Eu falei: “Ó, vamos fazer o seguinte? Tu olhou o seu registro?” “Olhei” “Não, olha o seu registro, que se aqui no bar tem água lá tem água, certeza”. Ele voltou lá, à noite ele foi lá: “Obrigado, Jeffinho! Alguém passou lá e fechou meu registro”. Aí ele foi lá em casa, estava três dias já sem água, alguém foi na rua, fechou o registro dele e ele acostumou ir lá me procurar, foi lá me procurar. Então a procura ainda continua, falta energia me procura, é desse jeito.
P/2 – E você chegou a ser presidente de uma associação, né?
R – Fiquei. Oito anos, saí forçado.
P/2 – Quando foi?
R – O ano?
P/2 – Assim, de quanto a quanto?
R – O Pedrinho ficou quatro anos, três anos, né, o Pedrinho. Nós estamos em 2015? Coloca de 2002 a 2010, oito anos que eu fiquei.
P/2 – 2002?
R – É, a 2010. Assim, diretamente, agora indiretamente até hoje porque quando eu saí como presidente eu fiquei como vice do Pedrinho (risos). Porque eu não queria mais só que não tinha ninguém pra pegar a chapa, ninguém quer assumir, é pepino. Você não acha líder comunitário que queira, é um trabalho voluntário e um trabalho que todo mundo te perturba, se você não tem cabeça você briga, que a pessoa vai cobrar uma coisa que você não pode oferecer. Água. Quem oferece água é a Caesb, não é o líder comunitário. Só que a comunidade não entende desse lado. Então eu fiquei como vice do Pedrinho. A festa junina quem faz sou eu, todo ano, tem dois anos que eu não faço, ninguém fez. Ano passado não fizeram, que o Cleiton assumiu, ninguém fez a festa. Todo mundo está me cobrando: “Você não vai fazer esse ano?”. Como é feita a festa junina? Eu pego cinco dias de folga no meu serviço, eu que corto os bambus, eu que faço as barracas, eu que corro atrás da polícia que não vem, eu que chamo o bombeiro que não vem, que mando o ofício. A quadrilha, eu que corro atrás de alguém pra ensaiar a quadrilha. Eu que corro atrás de concurso de forró, eu que corro atrás do prêmio pra dar pro concurso de forró. Quem é que quer pegar isso? Ninguém, cara. São cinco dias, minha mão acaba todinha no calo cortando bambu, que a gente faz de bambus. Palha? Eu acabei com o meu carro atrás de palha aqui no cerrado, cinco dias que eu pego, que era para descansar do serviço, eu pego muitas vezes até férias minhas pra fazer festa. Esse ano está todo mundo: “Pô, não teve no ano passado a festa, não teve ano, Jeffinho”. Eu falo: “Eu não vou fazer, eu não sou presidente mais, não sou o líder comunitário mais da comunidade, vocês vão e procuram o líder comunitário” “Ah, mas ele não vai fazer não, nós nem conhecemos ele direito lá” “Mas aí eu não vou fazer também”.
P/2 – Teria um jeito de mudar isso, Jeferson, pra não carregar só você?
R – Teria. Apoio da administração. O que a gente consegue hoje com a administração, mal? Se conseguir, uma tenda, que aí o grupo que canta que tem que ter, a gente não consegue. Sabe como eu faço? Eu coloco o cantor lá, quanto que o cantor cobra uma noite hoje? São 300 reais mais ou menos, esses cantorzinhos. Eu contrato o cantor sem nem um real no bolso. Quando chega na festa eu passo nas barracas, a gente aluga as barracas, mínimo, tem que ser baratinho porque senão a pessoa não tira. O dinheiro que não der você passa nos conhecidos. Eu tenho uma facilidade danada de fazer. O cara fala assim: “Se ele tocar mais meia hora eu dou tanto pro cantor”. Eu vou lá e falo: “Ó gente, esse cantor aqui, eu que consegui, está faltando 20, 30 reais pra dar pro cantor” “Não Jeffinho, toma dez”. O outro dá dez, o outro dá 15. Eu arrecadei o último ano que eu fiz pro cantor, ele tocou uma hora a mais, eu dei não sei se foi cem ou 150 reais a mais pro cantor. Esse cantor me procura até hoje lá: “Que dia você vai fazer a festa?”. O prêmio do forró eu consegui lá na hora, tinha só uns trofeuzinhos. Eu falei: “Ó, a gente está sem dar uma premiação aí, a gente queria dar uma premiação pra quem ganhar do forró”. Eu tenho facilidade danada, o cara dá mesmo. Se eu for vender uma rifa você pode ter certeza que eu vendo tudo. Se eu for vender cartela de bingo eu vendo tudo. É a facilidade que eu tenho, entendeu, de conversar com as pessoas. Esse projetinho do futebol. Eu cheguei no sábado, conversei, ele me deu três mil reais. Os comerciantes já estão tudo querendo me ajudar aí. Eles falam: “Não, é pro esporte, eu vou dar, Jeffinho”. Eu estou chegando num lava jato, chego num moto táxi, tal: “Não, só pra você manter o seu número na carteirinha”. Então eu tenho bastante facilidade em trabalhar nesse projeto social, nessas coisas. A administração acaba não ajudando porque não sei se tem verba cultural, como a gente não é registrado nem nada. Deve ter, né? Pra cultural deve ter, mas a gente não recebe esse dinheiro. Tem oito anos que eu fazia lá, eu fiz oito anos seguidos. Eu comecei fazendo lá no terrão um forró. Eu tenho até, o primeiro forró que teve lá foi no campo de terra. Tem o Helcio que é policial militar hoje, eu lembro até hoje, ele com essa calça aqui toda na poeira e a esposa dele no forró, eu lembro disso até hoje. E não tinha energia, eu puxei a energia na gambiarra e o eletricista era o Doriedes, cara que mora na nossa comunidade até hoje. Aí ele fez a festa, quando deu meia-noite ele ficou bêbado. Sabe o que ele falou? Nós não tínhamos que pagar nada pra ele, que era um serviço voluntário. Ele foi lá e desligava, puxava o fio pra acabar com a festa. Aí a festa acabava e ele calado lá, eu falava: “Pô Doriedes, só tem você que mexe com eletricidade, vê aí o defeito”. Ele: “Não, paga uma pra mim que eu vou ver onde é o defeito”. Ele sabia, ele que tinha cortado o fio. Aí ele ia lá e colocava pra funcionar de novo. Dava meia horinha ele ia lá e arrancava de novo. Cara, foi a festa todinha isso aí, a gambiarra, pegamos escondido da CEB. Naquele tempo não tinha jeito, a CEB não ligava, não colocava padrão, nem nada. Ele mesmo puxava lá e fizemos a festa, o palco torano, esse jeito que funcionava. E aí eu fui aprendendo a fazer as festas e fiz oito anos seguidos. Esse ano passado eu não fiz por falta de apoio. Eu peço a pessoas lá da comunidade: “Vamos ajudar?”. Todo mundo vai e fala que vai ajudar. Na hora de ir são cinco, quatro homens. Você imagina quatro homens puxar bambu, puxar palha, amarrar, pregar, é uma mão de obra danada esse serviço. Fazer a fogueira dá trabalho demais, aquela fogueira dá trabalho. Eu coloco pau de sebo, dou premiação, quem subir lá tem a premiação, as crianças gostam. Então está fazendo falta na comunidade, mas eu sozinho eu não encaro mais, eu não aguento mais. Hoje, se eu tivesse uma parceria eu tinha o maior prazer de fazer a festa lá. Eu faço uma vez só no ano, é a festa junina. Eu faço sexta, sábado e no domingo eu faço o bingo de um boi e um torneio de dominó. O que é o torneio de dominó? Quase ninguém faz, todo mundo me procura. Esse pessoal que não joga futebol, nada, gosta de dominó, você dá um prêmio, dá uma leitoa, um porco e faz parceirada, tem juiz, tem tudo, muito bom isso aí. Eu fiz demais isso aí.
P/1 – Você falou do futebol. O futebol é só no Alto Bela Vista ou existem outras atividades em outras comunidades, do futebol?
R – Não, futebol hoje, ele abrange, hoje nós estamos com 11 equipes na Fercal toda, eu cuido de 11 equipes. Ano passado foram 16 ou 14, talvez você fez alguma ata desses aí, são 16 ou são... Ano passado foram 14. Esse ano a gente só tem 11 equipes por falta de apoio, tem equipes que não têm como se manter. Como é que o cara vai arrecadar de alguns adolescentes que não estão trabalhando pra pagar juiz, pra pagar mesário, cal, comprar bola, uniforme? Não tem. Tem equipe aí que não tem uniforme. Domingo passado um goleiro foi expulso, o outro goleiro não podia entrar porque não tinha camisa. O cara estava com 13 camisas, são 25 atletas. Como é que vai? Aí o cara vai jogar no domingo, o cara não tem uniforme, não tem. Eu até falei: “Cara, não, dá um jeitinho, coloca outra camisa de outro time”. Pra deixar o cara jogar, pra deixar o rapaz brincar. Então esse ano a gente está com a maior dificuldade porque a gente não tem quem ajuda, não tem quem paga os juízes, o juiz de futebol, não tem bola, não tem rede, não tem uniforme, o básico pro futebol. Então se torna muito difícil. Hoje tem 11 equipes, pra mini copa agora provavelmente vai... São dois campeonatos que a gente faz no ano, mas é pra Fercal toda. A gente tem Boa Vista, tem time do... Catingueiro não tem porque está junto com Boa Vista. É Boa Vista, Queima Lençol que é o Planalto, que é o time da Planalto, o Potiguar, que é da Rua do Mato. A gente tem o Tabajara, que é do 18, o 18 que é do próprio 18. A gente tem o ABV, que é o Alto Bela Vista. A gente tem o Barcelona que é aqui da Fercal. Tem o time da Fercal, tem o Vila Nova que é lá do Bananal. Então abrange tudo, a gente cuida de tudo. É um campeonato que tem que anda devagar, tem domingo que não tem jogo.
P/1 – E quanto tempo funciona o futebol aqui na Fercal?
R – Ixi. Aqui da Fercal eu comecei a jogar como amador com 14 anos. Esse ano eu tive um grande problema. O que acontece? A gente conseguiu, tinha uma doação de um campo que chamava Campeonato do seu Manuel Baiano, esse campeonato nosso hoje chama Campeonato, mas não é o Baiano. Por que isso? Era o Manuel Baiano, que é um tio meu que doou um campo que fica aqui no centro. O que aconteceu? Ele faleceu, deixou isso de boca. Os filhos esse ano agora chegaram e travaram o campo, colocaram lá interditado. Vinte e três anos que a gente joga no campo, só tem aquela área de lazer lá, porque os outros campos, um fica na Boa Vista, aqui no Centro nós só temos o campo do 18. Aí os filhos foram lá, interditaram. Falaram que o pai não deu, não sei, ou deu, deixou, falou que só era enquanto o pai fosse vivo. Então a gente disputava lá há 23 anos e esse ano não tem. Domingo retrasado eu tive que parar o campeonato, a equipe não jogou, jogou quinta-feira, feriado, porque não tinha campo. Ele simplesmente foi lá e colocou uma placa lá, colocou interditado, se a gente quiser, que a gente procure a Justiça. Está parado o campeonato, a gente está com 11 equipes, tem dia que só jogam seis, oito equipes porque não tem campo. E aí dificultou pra gente, inclusive eu mesmo agora pedi pra administração conversar com eles, ver se ele deixava pelo menos a gente terminar esse ano lá o campeonato pra gente procurar outro lugar. Eles não aceitaram, disseram que se a gente quiser pode procurar a polícia que não vai liberar mais lá e pronto. Meteu um cadeado lá, meteu um concreto lá no campo, está parado lá e a gente está com grande dificuldade com o futebol. O campo da Rua do Mato até na reportagem do jornal Em Foco que saiu agora reclamando disso, que a gente não tem onde jogar.
P/1 – E não tem nenhuma outra opção? Nenhuma outra opção?
R – A gente tinha o campo que a Ciplan tinha doado um tempo pra gente, um terreno aqui na baixada aqui. A Ciplan, que é Cimentos Planalto, doou pra gente, aí passaram dois ou foram três meses eles fecharam, não deram explicação, um motivo, meteram pedra lá, trancaram. Outro campo não tem porque a gente hoje não consegue mais terreno aqui pra doação pra campo, são poucas pessoas que são como o meu pai, como o seu Manuel Baiano, são poucas. Quem tem não quer doar uma área hoje para um campo de futebol, ninguém quer mais.
P/2 – Então não tem mais nenhum outro campo de futebol na cidade, em Fercal?
R – Aqui a Fercal, abrange tudo, todas as comunidades. A gente tem um na Boa Vista. O que acontece? Torcedor não vai, jogador que não tem carro não vai, porque é longe. Então quem tem o carro dá carona pra outro, ou igual o meu atleta, que eu trabalho mais com adolescente, muitas vezes eu tenho que dar três viagens buscando jogador. Muitas vezes eu deixo uns pra trás: “Domingo que vem você joga”. Tem dois campos na Boa Vista. O da Rua do Mato é um minicampo que tem que a gente esse ano está aproveitando ele, mas é um campo pequeno, que não é oficial pra amador, né? Mas a gente está jogando lá. É problemático, é dolorido.
P/1 – Mas existe alguma organização que coordena esse campeonato?
R – É a liga. A liga é uma entidade sem fins lucrativos. É o primeiro ano que eu já participei da liga, mas como outro membro. O que acontece? Esse ano não ia ter o campeonato da Fercal por falta de verba e por falta de campo. A partir do momento que a gente foi lá e não tinha campo todo mundo desanimou, porque um campo que a gente faz que prestava era o campo da cidade aí. Era um campo grande, com as medidas certas. Então quando a gente chegou lá todo mundo desanimou. O rapaz da liga se não me engano era o Wallace e o Wallace não queria mais, que é um primo meu também que era da liga, não queria mexer mais, falou: “Não, como é que eu vou correr atrás?”. A administração não ajudava, as empresas aqui próximas também não ajudam. A única que ajuda, esse ano como a gente está registrado a gente vai correr atrás, a gente entrou com o Diego que é um cara que está me ajudando, que é o secretário, pra gente ir nas empresas ver se eles têm uma parceria. O Salvio é o único que ajuda todo ano. Os troféus são garantidos. Esse ano ele deu em dinheiro, deu três mil reais pra gente lá. A gente está até trabalhando com esse dinheiro dele, quando os atletas, a gente não dá pra pagar o juiz a gente tira do dele, está fazendo isso. A gente pretende ir agora no Grupo Votorantim, pretende ir aqui na Ciplan, pra ver se a gente consegue dar andamento nesse campeonato porque senão no ano que vem não tem. Eu mesmo, se for nessa correria que está, sem campo, sem verba, sem nada, não tem como eu manter.
P/1 – E esse campeonato vai até quando?
R – Esse campeonato termina agora dia sete de agosto, não sei se é um domingo que dá, ou é cinco de agosto. Ele acaba o campeonato, tem um intervalo de dois, três domingos, em setembro começa a mini copa, acaba dia 15 de dezembro, por volta de dezembro. Então a gente tem um campeonato e tem uma mini copa. Esse é o único esporte aqui da Fercal hoje que está em andamento. E é porque é muito suor mesmo. Quem marca os campos é a gente, a gente não tem uma maquininha. A cal eu consegui com a administração. Esse ano a única coisa que eu consegui da administração foi a cal. Eu pedi uma máquina Pratrol pra gente patrolar o campo, não tem. Uma Patrol. Quer dizer, uma Patrol lá vai levar duas horas de trabalho. A administração não conseguiu, disse que não tem. O que a gente fez? Na enxada. Puxamos lá, tampamos o buraco. Se você chegar lá na Rua do Mato tem um buraco no meio do campo, caindo pro rio. Se você chegar lá no Wallace, a gente terminou lá com a enxada. Manual. Porque a gente não conseguiu nada. A única coisa que a gente conseguiu esse ano da administração foi a cal.
P/2 – Quando você fala marcar é fazer toda aquela marcação de campo?
R – Marcação. Isso é voluntário. A gente coloca a rede. Sabe que hora eu levanto no domingo? Seis horas da manhã, no domingo. Aí eu vou, levo a cal nos campos da Rua do Mato, o saco de cal, deixo alguém voluntário marcando lá, desço pra marcar. O mesário é a gente mesmo. E é assim, a gente escala time, tudo. É uma correria, é coisa de louco, quem pega fica doido. O que eu queria tocar no assunto? Do Salvio. O Salvio falou: “Vocês querem a premiação ou quer o dinheiro lá?”. A gente não tinha dinheiro pra pagar o juiz, o certo era a gente conseguir pelo menos os troféus. Esse ano agora eu estou doido, acaba agora em agosto e eu não tenho nada para dar em premiação. Eu tenho os três mil do Salvio que a gente teve que tirar pra pagar o juiz agora. Cada juiz cobra 120 reais por jogo, que vêm de Sobradinho os juízes. Aí você tem cinco, seis rodadas no domingo. Três mil reais não dá pra nada.
P/1 – Essa liga é registrada?
R – Ela é agora registrada. A gente até a registrou.
P/1 – Isso não torna mais fácil através da liga conseguir com as próprias empresas a premiação?
R – Sim. Eu acredito, eu vou tentar acesso com o Grupo Votorantim agora, né? Que o Diego disse que tem uma pessoa aí que já atendeu eles da última vez, não só a premiação, né? A gente sabe que eles têm muita área aí parada, uma área que acho que não custava nada, ele usufrui da gente aqui. “Não, escolhe uma área lá, faz um campo lá. Amanhã ou depois a gente vai utilizar a gente sai”. Faz um contrato, alguma coisa com a liga, poderia estar muito bem ajudando a gente. Eu acredito que agora com esse registro nosso da liga a gente talvez consiga entrar lá dentro, acessar alguém lá de dentro que queira ajudar também, né?
P/2 – E você atualmente, pelo que você nos disse antes, é o presidente da liga, né?
R – Eu assumi agora em janeiro. Não tinha ninguém pra assumir, o campeonato não ia ter. O que acontece? A gente fez uma lá pra discutir quem ia ser o presidente da liga.
TROCA DE FITA
R – Sim, aí em relação à liga. Esse ano a gente não ia ter o campeonato, é o primeiro ano que não ia ter o campeonato na Fercal porque todo ano tem aos trancos e barrancos mas a gente faz. Esse ano a gente não tinha verba, não tem campo, não tem quem queira assumir a liga. Porque você não ganha nada, você só gasta, você só gasta. Eu pego o meu carro, eu coloco 50 reais no final de semana, acabou, só com o campo. Corre, leva Fulano, pega, tal, tal. Acabou. E aí a gente resolveu prolongar mais o campeonato. Aí fizemos uma reunião com os dirigentes das equipes. Aí todo mundo: “Não Jeffinho, tem que ser você”. O outro: “Não Jeffinho, tem que ser você”. Eu falei: “Não, não quero, não” “Não, tem que ser você, não sei o quê, não sei o quê”. Eu falei: “Rapaz, não dá não, eu já estou na área da saúde, já tenho minha administração lá, já tem a minha comunidade pra cuidar, não aguento mais não”. Falou: “Não, pelo menos esse ano, segura aí pra nós. É só você, se você não pegar não tem campeonato”. E todo mundo aqui na Fercal depende desse campeonato, não tem outro lazer, cara, aqui é ruim de lazer, não tem lazer. Aí eu pensei, pensei, fui dormir lá em casa, eles falaram: “Não, pô, quinta-feira é a outra reunião”. Era terça-feira: “Você dá uma resposta”. Chegamos lá na quinta não tinha ninguém pra assumir, ninguém queria. Aí no finalzinho da reunião falei: “Eu vou ser”. Aí o Diego falou: “Jeffinho, se você assumir eu sou seu secretário”. O outro falou: “Ah, eu sou seu vice”. O outro falou: “Eu te ajudo a marcar o campo”. Juntamos 14 pessoas que estão ajudando aí hoje. A liga é composta de 14 pessoas. Dessas 14, hoje só tem cinco que estão ajudando, seis no máximo. Mas no início isso incentivou e eu acabei assumindo.
P/1 – E a comunidade participa desses campeonatos? Os jovens prestigiam?
R – Sim. Ixi, demais. Domingo agora o seu Antônio do Bananal foi de carona, o campo aqui acabou, né? Ele foi de carona pra Boa Vista, voltou comigo de carona mais cedo porque não tinha outro carro. Quer dizer, é um senhor, 70 e tantos anos, foi assistir lá. Torcedores vão, várias torcidas. Esse campeonato nosso aí, ou esse último que teve agora, o último campeonato, se não me engano, eu não tenho a capacidade de quantas pessoas teve, mas foi ali no campo do seu Manuel Baiano, esse campo que está fechado, não tinha mais entrada de carro nem nada, tão lotado que tava. Muita gente.
P/2 – A maioria de homens ou vai mulheres?
R – Mulher, homem, tem torcida organizada. O time do 18, aquele time do Tabajara tem torcida de mulheres, vão com uniforme e tudo. Por isso que me incentivou a manter, entendeu? Entre trancos e barrancos. Você vai e você vê criança assistindo. Quantas crianças chegam em mim hoje que sempre joguei e falam, conversando comigo e eu não lembro quem é a criança. É por causa do futebol, eles viram eu jogando. Aqui na comunidade do Bananal tem um cara que colocou o nome do filho dele porque ele gostava do meu futebol quando eu jogava, é o Carlinhos. Chama Jeferson o filho dele, ele mesmo me contou isso um tempo, eu até me emocionei na hora, ele falou: “Não, é porque eu gostava do seu futebol, coloquei seu nome no meu menino”.
P/2 – Você ainda joga, Jeferson?
R – Agora esse ano o que acontece? Eu visto o uniforme e tudo, só que eu tive problema, parei dois anos por causa de joelho e tudo. O que acontece? Eu estou jogando hoje no Veterano em Sobradinho, no sábado. Eu jogo um pouquinho lá pra acabar o estresse, que é campo em gramado, é um campo melhor pra jogar. Quando eu venho aqui dá aquela vontade doida, o que faz? Eu coloco o uniforme, tudo, escalo o meu time, fico lá. Quando sobra uma vaguinha eu entro pra matar a vontade, mas eu já saio todo quebrado de novo, porque o terrão machuca muito a gente. Mas aí eu me contento com estar lá com a galera.
P/1 – Jeferson, hoje você trabalha na comunidade que você reside como agente de saúde. O que é pra você ser um agente de saúde numa comunidade que você cresceu e que você contribuiu através da sua própria família e de você próprio?
R – Pra mim parece que foi um serviço que veio de Deus. Hoje pra mim ser agente comunitário parece que era pra ser pra mim. A minha convivência, o que eu já fiz. Terça-feira agora eu estava com a doutora Priscila na casa de um senhor, ele tá com uns problemas lá, não deu pra ir no posto, a gente visita na casa também, domiciliar. Está acamado, a pessoa está com dificuldade a gente vem nas casas. E ele falando: “Pô Jeffinho, eu lembro que você levou a gente no Jardim Zoológico...”. Levamos lá na Ponte JK, ele nunca tinha ido no Plano não, aquela Ponte JK ele não conhecia. “A gente foi naquela ponte, como é que era aquela ponte lá que eu fiquei com medo?”. Ele falando pra mim. Fomos na cachoeira, esqueci o nome agora da cachoeira, e fomos ao Jardim Zoológico. Ele falou: “Foi o único passeio que eu fui foi quando vocês fizeram aquilo lá”. Aí eu fiquei olhando, foi muito emocionante. Porque aquele tempo eu tinha uma chefia que gostava de levar o pessoal pros passeios, os idosos. A gente foi com 60 pessoas, dois ônibus. Jardim Zoológico, Ponte JK, pessoas que não saem da comunidade, não saem da Fercal, e me cobrou isso agora. Tem uns três anos isso já, ele me cobrou isso. Eu falei: “Cara, eu estou com isso na cabeça, eu vou levar pra reunião agora”. A gente tem reunião quinzenal. “Eu vou levar pra minha chefia”. Eu queria voltar esse projeto.
P/2 – O próprio posto?
R – O próprio posto faz esses passeios. A gente leva, chega lá, faz uma macarronada, faz uma galinhada, a gente almoça mesmo no local e leva os idosos pra passear. Isso é muito bom. Eu acho que eu estou no lugar certo, era para mim mesmo esse emprego, é muito emocionante trabalhar. Eu conheço várias pessoas que quando eu chego, eu entro em qualquer casa no Alto Bela Vista, se você ver o meu acesso o jeito que é no Alto Bela Vista, eu entro em qualquer casa e saio na cozinha se eu quiser. Eu tenho uma entrada livre no Alto Bela Vista. O pessoal me chama, muitas vezes me cobram. Como sou só eu lá, eu passo dias sem ir muitas vezes na casa da pessoa. As pessoas reclamam, não é para me criticar não, é querendo conversar comigo. Seu Eli, dona Judete, pessoas que estão acamadas. Se você vir um senhor que tem no Alto Bela Vista, eu acho que ele é do ano 31. Você chega lá, quando eu chego o olho dele brilha, ele fala: “Ah, vou contar aquela história de novo”. A história que ele foi pescar e ferroou na perna dele. A gente para e quando eu vou lá eu falo pra minha chefe: “Quando eu vou na casa do seu Bento eu faço uma visita na manhã”. Eu acabo ficando lá conversando com ele. Aí ele não está enxergando mais, que ele fez aquele da catarata e tudo, aí ele começa a falar que só via uns vultos, mas entende tudo, bom da cabeça. Então a gente vai indo e é emocionante demais.
Pra mim, hoje, agente comunitário, se eu perder esse emprego hoje, sei lá, apesar de eu ser concursado, já me falaram uma vez: “Você pode muito bem também passar pra administração que a gente pode transferir”. Eu trabalho pro Governo mesmo. Eu falei: “Não, não quero”. Porque muito bem eu podia correr atrás, estar na área do esporte, para arrumar emprego lá na administração. Mas eu não quero, pra mim eu só quero ser agente comunitário o resto da vida (risos).
P/2 – Quantas pessoas você visita? Que são sua responsabilidade.
R – Minha responsabilidade são 180 famílias. Isso você multiplica por quatro pessoas, que é a média que a gente faz, vezes quatro, aí dá muitas pessoas. Só que isso é diretamente, o que eu tenho obrigação de visitar, mensal. Só que acaba que eu não visito 180 que eu não aguento também. Visito 160, 150, tem mês que eu não visito, que eu não aguento. Mas se for contar mesmo quantas visitas eu passo em quantas casas. Hum, é casa demais.
P/1 – Dessas visitas você já teve algum caso que você sentiu que tirou aquela pessoa de risco iminente de vida por uma má informação ou por estar desinformado?
R – Ó, o que acontece muito é que a saúde do homem, o homem é mais vergonhoso. O que acontece? Muitas vezes você chega, você sabe que o cara está com problema, ele não quer ir no hospital, ele está com a parte, outros problemas que ele tem vergonha de falar. Aí você chega, vai falando, vai falando. O caso mesmo de um HPV, muita gente, o homem hoje que tem muito HPV e não quer contar pra ninguém. Ele sente as dores dele lá, tem as verrugas, tem os sintomas, tudo, mas não quer falar. O que acontece quando eu chego lá? Eu chego, aí começo a conversar, tal, tal, e ele vai se soltando, vai se soltando, vai se soltando. Quando você vê, você evita muita coisa do paciente, de uma coisa, de um simples HPV virar um câncer no futuro. Então eu já consegui várias pessoas a incentivar o tratamento e deu certo, entendeu? Pessoa que eu sei que está com alguma doença venérea mesmo, doença venérea acontece demais. Ele começa os sintomas e eu já sei o que tem mais ou menos, pelos cursos que eu faço, né? Aí ele: “Ah, mas eu estou com vergonha” “Não moço, tem a sala do homem, eu tenho uma enfermeira super gente boa que vai te atender, tal, precisa de ver. Eu já passei por isso”. Eu falo isso, quando você vê eu marco a consulta pro cara. Ele vai e você evita de amanhã ele estar com câncer de pênis, entendeu? Um câncer de PSA, que é a próstata. O da próstata hoje, o homem tem mais vergonha do PSA, e faz no sangue, eles não sabem muitas vezes, o PSA é feito no sangue, não precisa mais ser. Só se der algum problema que faz do outro jeito. Então eu vou conversando lá com o idoso: “Não, não” “Está com problema? Eu vou marcar um PSA pra você. Você vai lá no posto mesmo, tira o sangue” “Ah, é no sangue?” “É, moço, esquenta com isso não. Eu mesmo faço, já estou com 38 e faço, eu procuro fazer”. Aí ele fala: “Ah, então pode marcar”. E acaba que você evita. O seu Valdir Ferreira, ele tinha câncer de próstata, ele fez, hoje ele me agradece. Ele chega lá: “Ô Jeffinho, foi graças a você que eu fiz, hoje eu estou sadio, estou curado”. Pronto. E ele vai passando essa informação pra outros e eu uso muito o nome dele pra outras pessoas que eu sei que tem vergonha e não quer ir, eu falo: “O seu Valdir” que é o seu Guri que é o apelido dele “O seu Valdir fez, deu tudo certo” “Ah não, então pode marcar”. A gente evita muita coisa através dessas conversas. Evita muita doença mais grave que a pessoa, que o câncer de próstata hoje, se você não cuidar ele vira maligno e já era, não tem condições. E é um câncer hoje que a maioria das pessoas consegue o tratamento. O da mama também. Vixi, muito bom mesmo.
P/1 – A gente está chegando no final da nossa entrevista, mas eu gostaria de saber de você se tem mais alguma coisa que você gostaria de colocar que nós não falamos, que nós não perguntamos pra você.
R – Eu acredito que até tem, mas no momento eu acho que a gente falou o necessário e até a gente pode, em outra oportunidade. Mas deixa eu ver se eu lembro alguma coisa em relação a isso aí. A gente falou da saúde, do esporte. A educação a gente falou um pouco, mas falou também, referente à minha escolaridade, o que eu passei na vida em relação aos lazeres que eu curti também.
P/1 – Você tem filhos e quantos filhos você tem?
R – Eu tenho dois filhos. Uma tem 18 anos, que é a Jéssica, mora com outra família. E tem o Cauã, que é um amor de pessoa, tem seis anos e é o meu fã (risos). O Cauã fala: “Eu quero ser que nem meu pai”.
P/1 – E o seu aprendizado de toda sua vida, você repassa pro seu filho?
R – Ixi, eu quero passar. Todas as dificudades. Eu quero que meu filho seja que nem eu. Na verdade eu sou fã de mim mesmo. É difícil a pessoa ser fã da própria pessoa, então eu sou uma pessoa que sou fã de mim. Por quê? Dificilmente você vê eu magoando alguém, eu não gosto de magoar alguém, eu sou uma pessoa muito sentimental. Se eu vir que você está com problema eu choro junto, entendeu? Minha esposa fala: “Eu não tenho problema com Jeffinho, ele bebe, chega em casa”. Tenho problema com minha família, tenho problema com minha esposa, não por causa de bebida, não por causa de outras coisas, porque eu estou estressado no trabalho, jamais. O problema é particular entre eu e ela de família, problema de família. Então esse senhor que estava aqui agora, que é um amigo meu particular, conheci ele há pouco tempo. Ele falou: “Rapaz, como é que eu chego na comunidade, te conheci e você é a pessoa mais falada da comunidade”. Eu falo: “É por causa assim...”. Ele não bebia, ele passou 20 anos sem beber, só voltando ao assunto dele. Eu conheci ele sem beber, e eu bebo. Ele ia todo dia no meu bar. Aí eu ficava pensando: “O que leva o cara que não bebe todo dia estar no meu bar?” Aí um dia ele soltou pra mim, ele falou: “Jefinha, você é um cara que não precisa eu beber, você conversa do mesmo jeito, você me trata do mesmo jeito. Eu, sei lá, eu não fiz nada pra você, eu não gasto no seu bar e você me trata do mesmo jeito”. Ele mesmo, se ele estivesse aqui agora, o seu Antônio, ele ia falar. Eu falo: “Não, porque eu trato todos iguais, o bêbado, o são, eu tento amenizar isso”. Então eu não tenho inimigo, eu jogo jogo futebol, eu brigo lá dentro de campo, se bato no cara, faço, eu volto, se tiver que pedir desculpa eu peço. Nos bares eu não tenho inimigo e nem quero ter. Eu tenho um problema comigo, se eu chegar pra você e estiver com raiva de você, alguma coisa, e sou perturbado, eu não durmo aquela noite todinha, eu tenho que te procurar pra fazer amizade com você, eu sou desse jeito. Eu não consigo viver se alguém não está gostando de mim ou eu estou como errado. Se eu ver que alguém mudou uma coisinha comigo eu já procuro aquele alguém. Eu falo: “O que foi que aconteceu?” “Nada não”. Eu procuro a pessoa porque eu não consigo viver na mesma comunidade, eu penso assim. Eu ja tive problema por causa de água na comunidade que a pessoa me xingou todinho e na hora eu falei algumas barbaridades pra ele também e levei isso e a noite não dormi. O que eu fazia? No outro dia eu ia procurar a pessoa, falar: “Não, vamos ficar comigo amanhã pra você ver como é que é”. Aí a pessoa entendia, falava: “Jeffinho, tu tá é doido? Eu não encaro esse serviço seu nunca. Eu não quero ser um presidente de liga nunca!”. Eles falam pra mim: “Tu és doido? Tu és um presidente de uma liga de esporte? Eu não consigo, não. Presidente da comunidade, líder comunitário? Eu não consigo”. Então eu consigo, entendeu?
P/2 – E o seu filho?
R – Vixi, com o meu filho eu vou te falar. Esse Cauã, o que acontece? Eu corto o cabelo, tipo assim, meio topete assim. Aí ele: “Pai, meu cabelo tem que ser igual ao seu”. Aí eu compro uma chuteira: “Pai, tem que ser que nem a sua”. Eu notei que eu quero que ele siga isso, entendeu? Então eu passo muita coisa pra ele. Ele gosta de cavalo e fala: “Pai, você não gosta de cavalo?” “Eu não gosto, mas você gosta, né?” “Gosto”. Então vou comprar o arreio pra ele, o que eu gosto, né? Eu não tenho isso, ele gosta daquilo, é daquilo. O que for bom pra ele eu quero incentivar ele. Se ele for amanhã uma coisa ou outra coisa, mudando de assunto... Preconceito. Cara, eu tenho amigos de todo jeito, eu tenho amigos que fumam baseado na minha frente, eu nunca fumei baseado. Eu tenho vários amigos que fumam baseado, usam e já me ofereceram. Hoje eles me respeitam porque eles sabem que não teve jeito. Me ofereceram: “Não, não, obrigado”. Me ofereceu de novo, eu falei: “Pô, de novo você vai me oferecer de novo?” “Não, ô Jeffinho, desculpa, não vai oferecer mais”. Então eu tenho os jogadores meus mesmo que fumam baseado lá no cantinho, tal, eu estou sabendo que eles estão fazendo, mas eu ando com eles, não tenho aquele preconceito. Levo até no meu carro, não deixo eles usarem no meu carro, não aceito. Mas eu sei que ele é um usuário. E assim vai. Eu tenho amigos de outro sexo. Pra mim, isso aí entra aqui amanhã ou depois se eu tiver um filho que curta outras coisas pra mim também, não vou ter problema, tenho certeza disso, estou falando de coração. Amanhã uma filha minha querer ser outra, eu só converso e falo, porque já vem de mim, né? Eu não tenho vergonha, também não vou ter vergonha de falar: “Ah, o filho do Jefinha é homossexual”. Eu não vou ter vergonha, pra mim também é uma coisa que é de mim mesmo.
P/2 – Bom, muito obrigada. Estamos lisonjeados com a sua participação, foi muito importante saber da sua contribuição na comunidade e também para o projeto, nos colocamos à disposição. E agradecemos a sua participação nesse tempo que você disponibilizou pra informar pra gente a sua trajetória de vida e o que você contribuiu através de você e da sua família para o crescimento da sua comunidade, o Alto Bela Vista. Não só do Alto Bela Vista como automaticamente pra região.
R – Eu agradeço também. Eu fico muito alegre porque na verdade eu gosto de desabafar isso com alguém, entendeu? Muitas vezes eu conto algumas histórias e o pessoal fica pensando: “Ah, que Jeffinho está inventando”. E não é. E eu sinto vontade de desabafar também, eu sinto vontade de amanhã eu escrever um livro, eu não sei por onde começar, mas eu sinto vontade, que eu tenho tantas histórias de agente comunitário, de quando eu comecei a trabalhar que foi, vixi. Aí o cara fala: “Jeffinho começou a trabalhar de agente comunitário e é uma coisa fácil passar na casa”. Não é, cara, já pensou todo dia você ter que entrar na casa de alguém? Isso é muito difícil. Tem dia que eu levanto e falo: “Hoje eu não queria ver ninguém”. Mas você tem que entrar. Quantas vezes eu já bati na porta e o cara me xingou todinho, fala: “Porra, eu trabalhei a noite todinha na mineração e você vem me acordar? Todo dia você está à toa aí na rua”. Isso no início, cara, que eu não sabia trabalhar direito, eu levei muito pau na cara. Eu mesmo falei pra minha mãe uma vez: “Eu vou parar, vou sair desse serviço”. Você tentar ajudar a pessoa e a pessoa sair de mau humor. Não é mau humor, o cara trabalhou a noite todinha, no outro dia eu chegar cedo e bater na casa dele? Hoje não, eu ganhei experiência, a porta está fechada eu espero pra outro dia. A mulher está sozinha? Eu não entro. Pô, eu sei que o cara é ciumento, eu aprendi muito com a vida. O cara é ciumento então por que eu tenho que visitar aquela mulher hoje que ela está sozinha? Não, o dia que eu ver ele aqui na porta com ela eu visito. Então eu estou com dez anos na minha comunidade, nunca tive problema de ciúmes com marido, de levar pau na cara, assim, alguém me xingar. Nunca tive. Então a gente vai aprendendo, né, desse jeito.
P/2 – Muito bem. Parabéns, muito obrigada.
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