Museu Aberto
Depoimento de Sebastiana Silva Oubiña
Entrevistado por Elizete, Marius e José Carlos.
São Paulo, 17/02/2001
Realização: Museu da Pessoa
Depoimento número MA_EA_HV112
Transcrito por Luciano Ribeiro de Lima
Revisado por Luiza Gallo Favareto
P/1- Bem Dona Sebastiana, qual é o seu n...Continuar leitura
Museu Aberto
Depoimento de Sebastiana Silva Oubiña
Entrevistado por Elizete, Marius e José Carlos.
São Paulo, 17/02/2001
Realização: Museu da Pessoa
Depoimento número MA_EA_HV112
Transcrito por Luciano Ribeiro de Lima
Revisado por Luiza Gallo Favareto
P/1- Bem Dona Sebastiana, qual é o seu nome completo e o local onde a senhora nasceu?
R - Meu nome completo é Sebastiana Silva Oubiña. Eu nasci em Itaberá, estado de São Paulo.
P/2- A data do nascimento da senhora?
R - A data foi dia 22 de Outubro.
P/2- E o nome dos pais da senhora?
R - Minha mãe chama- se Julia Paulina da Silva.
P/1- E a senhora se lembra de alguma coisa a respeito de seus avós?
R - Lembro vagamente que meu avô materno eu cheguei a conhecer, mas o paterno não.
P/2- Como é que era esse que a senhora conheceu, lembra o que dele?
R - Lembro, era um senhor bem simpático, ele era um preto bem alinhado. Na época dele era bem alinhado o velho.
P/2 - E a mãe da senhora?
R - Minha mãe também. Minha mãe era uma mulher muito estimada lá na cidade e as crianças todas da cidade chamavam ela de “mãe preta”.
P/2- Mãe preta?
R- É mãe preta, por que ela era... Gostava demais de criança.
P/2- Ela fazia o que lá na cidade?
R- Ela era doméstica, trabalhava de diarista.
P/1- E quantos irmãos e irmãs a senhora teve?
R- Eu tive... Eu tenho viva uma irmã só e tive quatro irmãs.
P/2- Vivem todas em São Paulo, Dona Sebastiana?
R- É só uma que vive em São Paulo, as outras já são falecidas.
P/2- Ah, são falecidas.
P/1- A senhora se lembra da sua casa da sua infância, a casa em que a senhora vivia?
R
- Lembro, lembro muito bem da minha casa, da onde eu fui criada.
P/1 - Uhum.
R - E era só eu de criança que tinha lá então tinha toda...
P/1- Regalia.
R - Liberdade.
P/1- E a casa, a senhora gostava muito? A senhora lembra como era a casa ?
R - Lembro.
P/1 - O quintal?
R - Lembro, tinha um quintal grande, um jardim do lado.
P/2 - Árvores, tinha?
R - Tinha uma...
P/2 - Fruteira?
R - Tinha laranjeira, jabuticabeira e também diversos tipos de fruta.
P/2- Essa casa era a casa que a mãe da senhora trabalhava, era isso, não?
R - Não, é que eu fui acabada de criar nessa casa.
P/1- Desde quando a senhora começou a trabalhar nessa casa? A partir de que idade?
R - Desde a idade de sete anos o prato de comida que eu comia já era pago.
P/1- Uhum.
P/2 - E a cidade? O que a senhora lembra da cidade?
R- A cidade na época era uma cidade pequena, mas era uma cidade alegre. E hoje ela ta...
P/2- Cresceu?
R - Cresceu um pouco.
P/2- E a senhora volta lá ainda? Conhece?
R - Ah, sempre eu vou passear.
P/3- Tem muitos amigos ainda lá?
R - Tem, ainda tenho amigos, tenho sobrinhos.
P/3- E a casa onde a senhora foi criada ainda pertence a mesma família?
R - Não, já pertence outra, já até foi renovada já.
P/3- Foi reformada?
R - Foi.
P/3 - Certo.
P/1- E quais eram os momentos mais marcantes da sua vida nesta casa? Da sua infância alguma coisa que a senhora se lembre muito que foi bem marcante.
R - Ah, me lembro de tudo. Lembro que tinha vaca que eu ia buscar vaca no pasto, trazia, levava, e nas horas vagas eu brincava com as minhas colegas, vizinhas.
P/2- Era uma casa no campo?
R- Não, era na cidade.
P/2 - Era na cidade?
R- Era na cidade.
P/2- Mas a vaca era criada ali?
R - Era criada, levava no pasto.
P/1- Pra aleitar, pra fornecer o leite pra família, né?
R- É, é.
P/2- Brincadeiras de infância a senhora lembra? Do que a senhora brincava ali na cidade?
R - Lembro que brincávamos de pular corda, eu era rainha pra pular corda.
P/2- A senhora era rainha, é?
P/1- E a autoridade dessa senhora que cuidava, com quem a senhora vivia? Ela era muito autoritária, ou o marido? Quem era mais autoritário?
R - Ah,era ela. Ela era mais autoritária.
P/2- Mas era carinhosa também?
R- Era.
P/2- A senhora tem boas recordações?
R - Tenho boas recordações dela. Ela era...
P/3- Ela ainda é viva?
R- Não, já faleceu já.
P/1- E a senhora não tem mais convivência com ninguém dessa família?
R - Tenho, sempre visito a... Ainda tem três irmãs, não, tem cinco irmãs vivas ainda. E tem sobrinha também que tem contato com ela, vou sempre à casa da sobrinha. Essa sobrinha mora lá perto da casa onde eu morava e eu tava sempre pajeando essa menina. Hoje ela já é professora aposentada. Eu to sempre na casa dela.
P/1 - E como viviam as pessoas da família? Todo mundo trabalhava, essas pessoas? E quais eram as relações entre vocês, os filhos dessa senhora?
R - Me dava bem com eles. Eles me consideravam como se fosse da família.
P/1- E quando é que a senhora entrou na escola?
R - Entrei na escola com a idade de sete anos.
P/2- Como é que a senhora fazia, a senhora ia de manhã pra escola?
R- Eu ia de manhã. O primeiro ano ia de manhã, depois ia na parte da tarde.
P/1- E o outro período que ficava em casa trabalhava pra casa?
R - Trabalhava pra casa.
P/1- Porque já começou a...
R- É. Porque antes de ir pra escola eu fazia, varria a casa, limpava a casa. E aquela época não tinha água encanada, era água de poço. Eu enchia as barrica de… ah, como é que fala?
P/3- Os baldes, né?
R- Não, tinha umas... Barril grande, é barril.
P/3 - Ah, tinha que encher.
R- É, enchia, deixava cheio de água.
P/3 - Pra usar durante o dia?
R- É.
P/1- Qual a lembrança mais forte que a senhora tem da escola?
R- A lembrança mais forte que eu tenho da escola... É que sempre eu não levava os cadernos que eles pediam por que eu tinha que pedir pra eles, e esse senhor que me criou ele era meio seguro. Então ele achava que eu tava pedindo caderno demais, né?
P/2- Demais.
R- Então quando chegava na hora de pedir pra comprar caderno eu ficava pensando, pensando até. Daí...
P/2 - Vim pedir, né?
R - É. Eu vou pedir e vai achar ruim, então... Daí até que enfim eu chegava e falava, mas ouvia um sermão sempre. “Ah, você gasta muito caderno, isso e aquilo”. E no fim eles davam.
P/1- Entendi.
P/2- Mas gastava caderno, mas aprendia coisas, né?
R - Aprendia. Ah, antigamente aprendia. O pouco que aprendi, valeu.
P/2- Como a senhora era como aluna?
R- Eu acho que como aluna eu era... Acho que era boa, porque eu não faltava a aula. Tinha sempre nota até razoável.
P/1- E essa escola influenciou muito na sua vida? A senhora acha que aprendeu, que ela foi importante na sua vida?
R - Ah, foi muito boa sim, aprendi muita coisa na escola.
P/2 - A mãe da senhora não morava mais na casa, morava com a senhora também?
R- Não, ela morava na casa dela e eu morava com essa família.
P/2- Com essa família?
R- É, mas eu não deixava de ir lá, todo fim de semana ia ver minha mãe.
P/1- Como é que a senhora descreveria sua vida de criança?
R- Minha vida de criança até que foi razoável, não foi das piores porque eu trabalhava, mas tinha minhas horas de lazer, de brincar com as colegas, ia à casa das minhas... Toda vida tive bastante amiguinhas, sempre estava na casa delas, elas em casa também.
P/1- E quais eram seus maiores problemas quando criança, se é que existiram?
R- Maior problema que eu tive?
P/1- Hum.
R- Eu… Problema acho que... Eu, às vezes, tinha mágoa de ser preciso estar trabalhando e tinha as colegas que viviam com seus pais tudo e eu tinha que viver na casa de outros, mas eu me conformava que eu vivia assim.
P/1- E a sua parte religiosa? Como é que era?
R- Ah, desde criança eu fui católica e gostava muito disso, de assistir missa, catecismo.
P/2- A senhora fez primeira comunhão?
R - Fiz primeira comunhão.
P/2- O padre da cidade, a senhora lembra dele?
R - Lembro, o padre que eu fiz a primeira comunhão eu me lembro muito bem dele, chamava Padre Olegari. Ele era divertido, era alegre.
P/2 - Ele era?
R- Era.
P/1- E a senhora pensava sempre o que a senhora queria ser quando crescesse?
R - Ah, eu sempre pensava assim: Eu queria brincar enquanto era criança, “quero brincar”. Quando eu crescer daí eu vou aprender a fazer as coisas, costurar, bordar. Eu tinha vontade de ser costureira ou então bordar. E aprendi.
P/3- E chegou a viver da profissão, trabalhar pra fora?
R- Já costurei bastante, bordei bastante pra fora.
P/2 - A senhora aprendeu onde isso? Bordar e costurar?
R - Aprendi a bordar em Caçapava, entrei numa escola de corte e costura, aprendi lá. E também com essa senhora que me criou, também me ensinou muita coisa. E cozinhar também. Gostava muito de cozinhar. Tinha nove anos e eu gostava já de cozinhar, com nove anos tomava conta já da casa e cozinhava e cozinhava bem, viu?
P/2- É? Que pratos a senhora fazia?
R- Aquela época eu fazia frango, frango assado. Eu adorava fazer frango assado. E fazer também panqueca. Os pratos que eles gostavam de comer eu fazia.
P/2- Tudo isso, nove, dez anos a senhora já fazia panqueca?
R- Fazia, matava frango, temperava, fazia tudo.
P/2 - A senhora matava mesmo frango?
R - Matava.
P/3 - Naquele tempo se matava, não comprava no supermercado?
R- Nada comprava, a gente mesmo que depenava as galinhas.
P/3 - Pra fazer o molho pardo tinha que recolher o sangue?
R- É.
P/3- Hoje não se faz mais isso.
R - Hoje não.
P/1 - E como é que foi na época do seu casamento? A senhora se casou?
R - Eu casei na igreja e no civil.
P/1 - No civil.
R - E foi engraçado. Quando era criança eu pensei assim: Eu quando me casar quero me casar de véu e grinalda, quero casar numa capela. E por sinal casei numa capela mesmo. Numa capela na Vila Gomes. Hoje é uma igreja, até bonita, mas quando eu casei era capela.
P/1 - Hum, que bonito.
P/3 - A senhora conheceu seu esposo aqui em São Paulo?
R - Conheci aqui em São Paulo.
P/1 - E como é que foi o namoro, com aquela mãe postiça que a senhora tinha, porque a senhora não morava na casa da sua mãe. Como é que era?
R - Ela, nesse ponto ela era bem reconhecida. Sabia que um dia eu ia me casar e deixar ela, então ela sempre falava assim pra mim.
P/3 - Tava preparada?
R- É, falava assim: “Eu tava nervosa, porque eu tava nervosa? porque ia deixar ela”. E eu falava: “quando eu casar a senhora não vai nem chorar, né?” Ela disse assim: “Quem que falou que eu não vou chorar? Eu choro sim, porque você pra mim é como se fosse minha filha”.
P/1 - E a senhora teve filhos?
R - Tive um filho só.
P/2 - A senhora deixou de estudar exatamente por quê?
R - Porque eu precisava trabalhar. E antigamente os patrões eram assim: achava que a gente como eu, por causa da minha cor, falava assim: “lugar de negro é na cozinha”. Eles falavam assim.
P/2 - Eles falavam assim?
R- Eles falavam. E a gente parece que era tão ignorante pode se dizer. Tanto é que daí morou comigo meu irmão que era mais novo, caçula. Queria estudar então eu fiz tudo pra ele estudar porque ele queria estudar. E estudou, se formou tudo.
P/3 - Com a sua ajuda?
R- É.
P/2 - E a senhora veio pra São Paulo com que idade mesmo?
R - Eu tinha dezesseis pra dezessete anos.
P/2- Por que a família resolveu vir?
R- É, porque eles vieram embora pra São Paulo...
P/1- E qual foi sua primeira impressão aqui em São Paulo? O que a senhora achou dessa cidade?
R- Ah, eu achei, quando eu cheguei disse assim: “Ah, não vou ficar aqui, vou embora”. Mas depois fiquei assim: “Mas eu vir e voltar, vai ser... não, vou ficar um pouco depois eu vou… mas daí fica feio eu vir pra São Paulo e voltar”. Mas daí foi passando os dias, passando, e fui acostumando. Daí agora não quis voltar mais não.
P/2 - Quando chegou em São Paulo a senhora foi morar em que lugar?
R - Primeiro lugar que eu morei foi na... Como é que fala? Campos Elíseos. Depois fui morar nos Perdizes.
P/2 - Como é que era essa casa que essa família foi morar?
R - Isso nos Campos Elíseos?
P/1 - Campos Elíseos.
R - Ali era uma pensão.
P/2- Era uma pensão?
R- É, daí tava lá na pensão, veio uma irmã dessas lá que me criou - aqui eles me chamam de Tiana - e falou: “Tiana, você podia ir ficar comigo porque minha empregada vai embora, você podia ficar lá comigo”. Daí eu falei pensei: “Eu vou sim, porque daí eu vou ganhar, ganho e daí eu vou voltar pra Itaberá”. (risos). Daí eu fui pra lá...
P/2 - Até hoje. (risos)
R - Depois voltei pra Itaberá, mas voltei com essa senhora que me criou. Ela voltou e eu voltei também.
P/1 - E qual a lembrança mais antiga que a senhora tem aqui da cidade de São Paulo?
R - Me lembro muito do bonde, era gostoso. Eu adorava andar de bonde.
P/2 - A senhora pegava o bonde pra ir de qual lugar?
R - Pra cidade.
P/2 - Pra cidade?
R- É, eu fazia tudo no serviço e gostava de ir lá pra loja, naquela época era dois mil réis.
P/1 - As Americanas...
R - É mesmo, Lojas Americanas.
P/1 - Dois mil réis, né?
R - É.
P/2- E diversão? Como é que era? A senhora era namoradeira, não era?
R - Não, não era namoradeira não. Eu gostava muito de cinema.
P/2 - De cinema?
R- É.
P/2 - A senhora ia onde? Quais cinemas?
R- Ia muito ao Santa Cecília, que não sei se… Acho que nem tem mais, né? Era ali na Marechal Deodoro.
P/1 - Uhum.
P/2 - E amizades aqui? A senhora demorou pra fazer amizades quando chegou em São Paulo?
R- Não, eu tinha sempre, toda vida tive facilidade de arrumar amizade e sempre minhas amizades são pessoas melhores do que eu… E até hoje ainda é assim.
P/2 - Tem alguma amiga eu a senhora lembre em especial?
R - Tem uma amiga. Tem diversas mesmo. Uma que eu tenho bastante amizade chama Ana Rosa.
P/1 - E com quem a senhora mora atualmente?
R - Com que?
P/1 - Com quem a senhora mora?
R - Mora comigo o meu filho.
P/1 - Ah sim, então ele que mora com a senhora?
R - Ele que mora comigo.
P/1- Qual foi a atividade que a senhora acha mais importante ter feito em sua vida?
R - Eu acho que foi o teatro. Porque quando eu era criança eu sempre achava bonito teatro, quando estava na escola representava minhas colegas, mas eu nunca tive oportunidade, e achava que não dava. Agora que eu entrei na terceira idade eles convidaram pra fazer teatro, eu disse assim: “ah, não sei se dá pra eu fazer”. Estou lá.
P/3- Já participou de alguma peça?
R- Já, diversas peças.
P/3- De várias peças?
R- Agora faço parte da “Essas Mulheres”, estão levando essa peça.
P/1- A senhora poderia descrever um dia da sua vida? Contar assim um dia...
P/3 - Atual?
P/1 - É, atual.
R - Querendo entender essa sua..
P/3 - Sua atividade quando levanta de manhã...
R - Ah.
P/1- Que a senhora sinta que é mais importante, um dia que foi muito feliz na sua vida, por exemplo...
R- Ah, eu gosto. Sabe o que eu gosto? Pra mim a melhor coisa que eu faço é lidar com planta. Eu levanto cedo e vou lidar com as minhas plantas. Pra mim ali... Se eu estou aborrecida eu deito com as plantas, aquilo pra mim é a maior alegria.
P/2 - Que bom.
P/1 - E a senhora tem netos?
R - Tenho um casal.
P/3 - Um casal.
P/1 - Como é que se chamam seus netos?
R- O menino se chama Rodrigo.
P/1 - E a menina?
R- A menina se chama Ana Lucia.
P/1 - Que idade eles estão?
R- A menina ta com treze, o menino quatorze.
P/2 - Como a senhora conheceu o seu marido?
R - Conheci meu marido na casa de uma irmã dessa senhora que me criou, ele trabalhava lá na chácara, ela tinha chácara, e lá eu conheci ele.
P/2 - Ele trabalhava lá?
R- Ele trabalhava lá. Trabalhava no IPT, sábado e domingo que ele não trabalhava lá, trabalhava nessa chácara.
P/2 - E ele era espanhol?
R- Espanhol, é.
P/3 - E ele falava fluentemente português?
R - Falava.
P/3 - Tinha um sotaquezinho?
R- Tinha um sotaque bem carregado.
P/3 – Carregadinho, mas...
P/1 – A senhora entendia bem (risos)?
R – Entendia. Ele era muito trabalhador, viu?
P/3 - Era mais velho do que a senhora?
R - É, três anos mais velho.
P/2 - Quando vocês começaram a namorar o que vocês faziam, qual era o programa de vocês?
R - Conversava, ele tava trabalhando lá e eu também trabalhando lá nessa casa. Nós viemos de Caçapava e ficamos na casa e lá eu conheci ele trabalhando, eu tava limpando a casa e ele tava conversando comigo. Eu pensava que ele era casado, daí ele falou: “Não, eu não sou”. E daí começou.
P/3 - Do namoro ao casamento demorou?
R- Não, eu o conheci em novembro e em maio do ano seguinte já casamos.
P/1 - Bem rápido, hein? Não dava nem pra ir ao cinema, passear, dançar?
R- Não.
P/1 - Nada disso?
R- Não, ele não gostava. Ele gostava é de trabalhar. Trabalhador. Ele fazia poço, nas horas vagas. Ele era muito trabalhador. E quando não tinha servente pra ajudar ele, eu ia junto fazer força.
P/2 - Como é que vocês faziam poço?
R - É cavando, né? Ele cavava e eu puxava com a corda, numa lata. A terra.
P/1 – Os dois trabalhavam fazendo poço?
R - É.
P/2 – Vocês casaram e foram morar onde? Em que lugar?
R – Nós moramos na Vila Gomes, na chácara, um ano. Depois nós já compramos casa ali no Bonfiglioli. Terreno lá, e construímos.
P/2 - Foram construindo?
R - Fomos construindo devagar.
P/1 - Essa casa que a senhora mora hoje?
R - É, essa casa que eu moro hoje.
P/1 - E como uma atividade de lazer, o que é que senhora gosta mais? Além do teatro?
R - Eu gosto de fazer ginástica, gosto de passear, viajar.
P/3 - Sente alguma atração por atividade esportiva?
R - Por incrível que pareça eu gosto de futebol.
P/3 – É? Tem sua preferência, seu clube?
R - Tenho, eu torço pro São Paulo.
P/3 – São Paulo Futebol Clube (risos). Mas não é fanática?
R - Fanática não, mas eu gosto. Quando ele ganha eu gosto.
P/3 - Muito interesse, né?
R - É.
P/2 – E por que a senhora gosta de futebol? A senhora já...?
R – Desde criança eu lembro, eu morava na... Foi assim: eu morava nas Perdizes e tinha a turma de moleque na casa onde eu morava dessa irmã dessa senhora, ela tinha um casal de filhos. O menino era Palmeirense e a menina era São-Paulina. E as outras turmas, vizinhos tinha Corintiano, a maior parte era Palmeirense e então ficava assim… aqui tem mais Palmeiras do que… E a menina era São Paulina, e tinha um vizinho também que era fanático, também São-Paulino. Aí eu também comecei a torcer pro São Paulo. E daí fiquei.
P/3 - E os seus netos, discutem futebol com a senhora?
R- Discutem, eles são Corintianos.
P/3 - É? (risos)
R- É.
P/2 – Perdizes era perto do Pacaembu. A senhora chegou a ir ao campo de futebol uma vez, não?
R - Não, nunca fui assistir futebol. Fui assistir uma festa de sete de setembro lá no Pacaembu.
P/2 – Pacaembu?
R - Eu moro perto do estádio do São Paulo. Lá da minha casa posso ir a pé.
P/1 - E a senhora nunca foi num jogo lá no estádio do São Paulo?
R - Ah não, dá medo de ir lá, né?
P/3 - É, multidão.
R- É.
P/1 - E qual é seu maior desejo? A senhora ia falar alguma coisa?
R- Maior desejo? Eu acho que já realizei meu desejo, que era, primeira coisa eu pensava era ter minha casa e tenho minha casa.
P/2 – O bairro da senhora é no Jardim Bonfiglioli, né?
R- É.
P/2 – Mudou muito desde que a senhora mudou pra lá, o bairro?
R – Ah, mudou, aumentou bastante.
P/2 – É?
R - É, perto da minha casa tem um pronto socorro muito bom.
P/2 - Mas quando a senhora foi pra lá não tinha nada?
R -
Ah, não tinha nada, não tinha nada, não tinha água nem luz.
P/2 – Não tinha água nem luz?
R- Não, era mato. Agora tem até uma favela pegada em mim lá. Uma favela gente, uma favela até boa.
P/2 – É?
R – Só casa de tijolos.
P/2 – Imagina.
R- Nem parece que é favela.
P/3 – A senhora vive bem com os vencimentos, ou seja, com a pensão do seu esposo? O padrão de vida?
R - Vivo porque eu alugo um quarto e cozinha senão não dava.
P/3 – É pouco? A senhora completa?
R – É que tem que pagar imposto, pagar água e luz, tudo sobe né?
P/3 – É grande a casa que a senhora mora?
R- É grande, tem dois quartos, sala, cozinha, banheiro.
P/3 - Mas não tem quintal?
R – Tem um quintal bom.
P/3 - Tem também?
R – Tem.
P/3 – E a senhora trata de suas plantas lá, né?
R – É
P/3 – Que é o seu hobby.
R - É (risos).
P/2 – Você trabalhou em casa de família até que idade?
R –Eu trabalhei até 27, 28 anos, saí pra casar.
P/2 - Aí a senhora passou a trabalhar em casa, ajudar a família?
R - Daí eu parei, mas senão depois que casei ainda trabalhei um pouco numa casa lá, pra ajudar meu marido que o que ele ganhava era pouco né? Então eu queria comprar as coisas então eu fui trabalhar. E depois eu parei de trabalhar e daí comecei a fazer flor, trabalhar fora, fazia flores em casa.
P/3 – E rendia?
R - Rendia, dava bem.
P/3 – Reforçava...
R – É.
P/3 – O salário?
P/2 – Mas como é que é fazer flor? Como é que é esse trabalho?
R - Eu trabalhava com uma florista. Ela já me dava as flores tudo cortadinha, daí eu armava. Também às vezes cortava, e fazia pistilo. É gostoso trabalhar.
P/3 - Pistilo?
R - Modelinho da flor.
P/3 - O miolo?
P/2 – O miolinho?
R – É, esse eu que fazia.
P/2 - São arranjos, tal. E que tipo de flor que a senhora mexe? Que tipo de?
R - A gente fazia de flor do campo, rosa.
P/3 – No decorrer da sua vida a senhora teve alguma decepção marcante, alguma tristeza maior que ficou na sua alma?
R - Não, só a única tristeza que eu fiquei foi de perder meu marido, né?
P/3 – Claro.
R- Mas similar acho que não, não tive decepção não.
P/3 – Ele faleceu de repente?
R - Foi de repente, deu enfarte.
P/3 – Problema cardíaco?
R - É... Engraçado que eu que tenho problema do coração, e quem morreu foi ele. Ainda falei pro meu médico: “Eu que tenho problema e quem foi, foi ele”. Esse enfarte que deu nele ninguém...
P/3 – Que tipo de problema a senhora tem atualmente?
R - Eu tenho pressão alta e diabetes, mas tá tudo controlado.
P/3 – Tá tudo sob controle?
R – É, ta.
P/3 – Toma muito remedinho, não?
R - Tomo.
P/3 - Onde é que a senhora se trata?
R - Lá no _____ Bassanesi.
P/3- Ah, lá no _____ Bassanesi? Importante.
P/1 - A senhora acha que sua vida hoje, como é que ela é em relação ao que a senhora já passou? Hoje na sua terceira idade, como é que a senhora...
R- Ah, eu acho que agora na terceira idade ta sendo melhor do que a minha infância. Eu pelo menos tenho aproveitado bem.
P/3 - Mais tranquilidade?
R – É.
P/2 – Como que a senhora foi pro grupo de terceira idade? Como que a senhora descobriu?
R- Eu fui porque eu fazia tratamento no posto de saúde lá da Zeferino de Araújo e a nutricionista me convidou pra entrar no grupo.Tava começando esse grupo, daí que eu passei. Fui fazer ginástica...
P/2 – A senhora já foi de cara ou ficou meio desconfiada, demorou pra ir?
R - No começo eu tava meio assim, meio acanhada, depois vai pegando amizade com os outros aí. E to lá até hoje.
P/1- Por que a senhora decidiu dar essa entrevista aqui pra nós?
R - Quem falou pra mim foi uma colega lá do teatro. E daí eu falei assim “eu aceito, eu vou fazer”. Foi assim, eu vou ver o que é, a gente tem que...
P/3 - A senhora não imaginou que fosse pra deixar sua história registrada direitinho?
R- É, ela falou mais ou menos isso.
P/3 – Deu uma explicação?
R – É, daí eu falei assim “eu vou”. Foi o ano passado já isso. Agora esse ano fui reforçar, se está de pé minha palavra. Se está, eu falei que vou, vou.
P/3 - A senhora considera que sua vida é um livro aberto, uma espécie de livro aberto?
R - É.
P/3 - Que todos podem ler?
R - Isso.
P/3 - Por que a senhora não tem o que esconder.
R - Não tenho o que esconder nada, graças a deus.
P/2 – Isso é importante.
P/3 – Dorme com a consciência tranquila.
P/2 - A senhora olhava pro seu passado, se tivesse que começar tudo de novo, mudaria alguma coisa?
R- Eu acho que não, porque apesar de tudo, ser criada pela casa dos outros eu sempre tive momentos alegres. E sempre através deles tive boas amizades. Se eu tenho boas amizades eu devo a eles, que souberam me criar, criaram-me diretinho. Apesar de sermos pobres, minha mãe sempre me ensinou o que era bom pra gente, ter educação, saber respeitar as pessoas. Assim eu falo pro meu filho e pros meus netos. A gente tem que saber respeitar as pessoas. E você respeitando você é respeitado, e também as pessoas, como é? Consideram mais a gente.
P/3 - A sua formação espiritual, moral, seu amor ao trabalho, foi sua mãe que incutiu no espírito da senhora? Embora não tivesse muita convivência, mas...
R- É, porque minha mãe sempre era assim.
P/3 - Deu exemplo?
R- Deu exemplo. Era uma boa pessoa, todo mundo na cidade queria muito bem ela, e essa senhora que me criou também ensinou boas maneiras. Bom... Porque sempre que eu era criança saia, falava pra essa senhora que me criou: ”Dona Mariazinha, olha, se eu demorar a senhora não fique pensando que eu to brincando, porque eu encontrei com uma pessoa velha, Dona Mariazinha, então fui ajudar”. Se eu encontrasse com uma pessoa velha, isso quando era criança, com pacote, qualquer coisa, eu ia ajudar a levar. Às vezes a pessoa tinha dificuldade pra andar, eu acompanhava aquela pessoa idosa a ir pra casa.
P/3 – Entendi.
R- Isso toda vida eu fiz.
P/3 - Ainda na juventude?
R- É.
P/3 - A senhora já tinha convivência...
R- Desde criança isso.
P/3 - Com terceira idade?
R- Tinha, eu gostava de tratar bem as pessoas mais velhas.
P/3 - E hoje que a senhora ta na terceira idade?
R- E hoje eu acho que me tratam bem.
P/3 – Está colhendo os frutos.
R – Isso.
P/3 - E que mensagem a senhora daria hoje para os velhos que estão em evidência, estão dando oportunidade, viajando sem pagar ônibus? Hoje, que mensagem a senhora daria para as pessoas idosas como a senhora? Uma mensagem de otimismo a senhora daria?
R - É, eu acho que as pessoas idosas têm que agora também saber tratar os mais novos e os novos também tratar bem a gente, porque muitos acham que por causa dele ser moço “ah esses aí são...” Não, tem que respeitar eles como ele também tem que respeitar a gente. Como um dia que eu não tava enxergando distante, ia atravessando uma rua e uma menina, uma japonesinha… Falei assim “ah, não to enxergando, será que dá pra me atravessar?” Ali no Largo da Batata. Aí ela falou assim: “ah, eu vou atravessar a senhora”. Pegou no meu braço e atravessou como coisa que ela me conhecesse, aquilo pra mim foi uma grande satisfação. Uma jovenzinha ter consideração comigo porque sou uma velha. E assim, a gente tem que tratar os novos bem também, se eles tratam bem a gente.
P/3 – Retribuir. E esse problema que a senhora diz que tem ainda na vista, tá em tratamento?
R - Estou, estou em tratamento.
P/3 – Ainda prejudica a senhora muito?
R - Não, já fiz a cirurgia. Duas cirurgias.
P/3 – Já?
R - E agora ainda to em parte final de tratamento. Ontem mesmo eu passei no médico.
P/3 – A senhora se sente bem atualmente?
R - Ah, sinto bem. E mesmo lá, os médicos tratam a gente com bastante carinho, viu?
P/3 - É?
R - É, nas clínicas. Essa médica minha é um amor. Eu até perdi o dia. Eu olhei no cartão e era ontem que eu tinha médico. Quando foi ontem eu fui lá e falei pra ela: ”Ah, eu perdi. Então a senhora remarca pra mim?” Ela atendeu ontem, foi bem atenciosa. Ela atendeu na hora, é muito boa médica.
P/3 - Nós estamos chegando ao final da entrevista. A gente gostaria de saber como é que a senhora se sentiu durante a entrevista.
R - Eu me senti muito bem, pensei que ia ser mais difícil (risos). Agora não sei se...
P/3 - Que bom!
R- Agora não sei se...
P/3- Nós temos que agradecer muito o esforço que a senhora fez de vir até aqui, a gente sabe que não é brincadeira hoje andar de condução num dia quente. O Museu da Pessoa agradece muito e se sente muito feliz de ter a sua história arquivada e devidamente valorizada.
R - Eu também me sinto. Obrigada a vocês por me atender. Foi um prazer.
P/2 - Tem alguma coisa mais que a senhora gostaria de contar, que a gente não perguntou e que a senhora queria falar?
R- Não, não. Pra mim já está bom.
P/2 - Então ta bom, a gente agradece mesmo. Muito obrigado.Recolher