Depoimento de Nilza Maria Pinto da Costa (Duduca)
Entrevistada por Carol Margiotte
São Paulo, 04 de dezembro de 2018
Entrevista número: PCSH_HV712
Revisão e Edição de Paulo Rodrigues Ferreira
P/1 - Dona Duduca, bom dia.
R - Bom dia.
P/1 - Muito obrigada por receber a gente hoje na sua casa.
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Depoimento de Nilza Maria Pinto da Costa (Duduca)
Entrevistada por Carol Margiotte
São Paulo, 04 de dezembro de 2018
Entrevista número: PCSH_HV712
Revisão e Edição de Paulo Rodrigues Ferreira
P/1 - Dona Duduca, bom dia.
R - Bom dia.
P/1 - Muito obrigada por receber a gente hoje na sua casa.
R - Por nada.
P/1 - E para começar, eu queria que a senhora falasse o seu nome completo.
R - Nilza Maria Pinto da Costa.
P/1 - Onde a senhora nasceu, e o dia?
R - Dia 07/05/1940, Visconde do Rio Branco - Minas Gerais.
P/1 - E dona Duduca, eu queria saber se a senhora sabe por que seus pais lhe deram esse nome - Nilza Maria?
R - Por causa do meu pai, por causa dele mesmo. Como assim?
P/1 - Por que a senhora se chama Nilza Maria? A senhora sabe?
R - Não. Aí, eu não sei. Eu sei que o apelido é por causa de uma pessoa que morava na cidade, diziam que era uma pessoa muito famosa e meu irmão pegou e começou a me chamar de Duduca. E aí ficou. Meu irmão mais velho. Aí eu achava ruim, não gostava, minha mãe falava: “Que nada, é uma mulher muito rica que tem na cidade, que tem esse nome aí, que tem esse nome de Duduca”. Aí eu não me importei mais não, e aí espalhou.
P/1 - Dona Duduca, quais os nomes dos seus pais?
R - Isaltino Raimundo Pinto, Minervina Lino Pinto.
P/1 - Como eles eram, dona Duduca?
R - Como assim?
P/1 - Como eles eram de aparência, de jeito?
R - O meu pai era muito bonito, sabe? Ele parecia um molecão, bonitão. A minha mãe também era bonitona, sabe? E a minha mãe tinha o cabelo todo cacheadinho, que agora não usa, ninguém gosta. E o meu pai tinha aquele cabelo bem liso. Aí, a gente ficava brincando com a minha mãe e falava assim... E nós todos puxamos o meu pai, cabelo liso. Aí a gente falava para a mãe assim: “Por que a senhora não casou com um homem que tivesse o cabelo cacheado para nós sairmos com o cabelo assim também, igual ao da senhora?” Era todo cacheadinho o cabelo dela, sabe? E o do papai nós falávamos que era corda de viola, de tão corrido que era o cabelo. E nós puxamos a ele... Os cabelos. Então nós ficávamos nervosos por causa do cabelo cacheado.
P/1 - A senhora estava falando dos seus pais, sim.
R - Do cabelo, é. O papai tinha o cabelo corrido, liso. E a minha mãe, cabelo cacheado. Então a gente falava para ela: “Por que a senhora não casou com um homem que tivesse o cabelo enrolado, igual ao da senhora, para a gente também sair igual?” Eram assim as coisas nossas, antigamente. E a pessoa fazia permanente no cabelo, antigamente. Eu mesma fiz muito no cabelo. Permanente. Tinha que ser cabelo cacheadinho, todo enroladinho.
P/1 - Mas naquela época como é que vocês faziam?
R - Naquela época... Como assim?
P/1 - O permanente.
R - Tinha que ir à cidade fazer permanente. E era tudo com aqueles ferros quentes, chapinha quente. Mas a gente pegava palha de milho... Sabe a palha de milho? E pegava o cabelo... Pode fazer assim? Pegava, fazia assim, enrolava assim, enrolava bem enroladinho e deixava. Depois você soltava, como faz o ‘bob’ hoje, ficava tudo cacheadinho. Quando tinha uma festinha, alguma coisa, a gente fazia isso - a mãe fazia isso para a gente.
P/1 - Dona Duduca, a senhora sabe onde os seus pais nasceram?
R - Lá em Visconde do Rio Branco, são de lá. Onde a minha mãe nasceu é uma gruta, que chama Bueiro. Mas é o nome da gruta, não é que seja um bueiro lá, entendeu? É uma gruta que tem lá, havia aquelas casas lá na gruta e então chamava Bueiro. Morro dos Bueiros, eles falavam. Entendeu? A minha mãe nasceu lá. E o meu pai nasceu... Deixa eu ver como é que chama o lugar... Tudo é por ali, mas eu esqueci o nome do bairro dele lá, da roça lá em que ele nasceu. Falava gruta... O meu pai era Isaltino Raimundo Pinto e o pai dele era João Pinto. Então eles falavam... Onde eles moravam tinha o nome lá da gruta - Gruta do João Pinto. João Pinto era o meu avô. Então ficou assim. As coisas lá eram assim, não tinha nada como tem hoje não, sabe? É a Gruta do João Pinto que eles falavam, que é onde o meu pai nasceu.
P/1 - E eles contavam histórias sobre a infância deles?
R - Não, não falava nada não. Naquela época lá, era só trabalhar. Os pais batiam muito. Saía para a roça de manhã, voltava de noite, deitava e dormia; no outro dia saía de novo. Ele falava que o pai dele ia para a cidade a cavalo e ele tinha... Quando o pai dele chegava na porteira, ele já tinha que estar em pé na porta para poder pegar o arreio do cavalo, não sei se vocês conhecem. Aí ele dizia que teve um dia em que o pai dele chegou e ele não viu, parece que estava deitado em cima do banco e dormiu, não viu o pai chegar. O pai chegou, tirou o cavalo, tirou o arreio do cavalo, pegou um negócio que tinha lá e meteu o couro, bateu. Aí a minha tia estava junto, estava perto, pegou e falou: “Vai matar o menino, compadre”. Falou para ele. Era só assim, era só no couro. Os pais, antigamente, não conversavam com os filhos não; só batiam, quando precisava. Às vezes, nem precisava apanhar e apanhava assim mesmo. Era assim. Então ele tinha que ficar ali de plantão. É como as mulheres casadas antigamente, você tinha que ficar de olho na janela e na hora que o marido estivesse chegando para você esquentar a comidinha dele. Era assim, senão tinha bronca na hora.
P/1 - E a senhora sabe como os seus pais se conheceram?
R - Não, aí eu não sei não, disso aí eu não sei não.
P/1 - E além da senhora, os seus pais tiveram outros filhos?
R - Nós somos 11 irmãos. Só que não estão todos vivos, morreram bastante. Morreram acho que três pequenos e morreram dois agora, adultos, depois de velho já, que morreu. Esse que morreu agora - faz três anos - tinha 61 anos, e um outro tinha 60, fez 60 anos dia dez de outubro, morreu dia 12 de dezembro. Morreram cinco.
P/1 - E a senhora lembra o nome de todo mundo?
R - Lembro. Os pequenininhos... Uma das meninas chamava-se Marlene Lino Pinto, o outro chamava-se Ivo Lino Pinto e a outra menina chamava-se Maria Helena Lino Pinto. E o que morreu agora - faz três anos - Luiz Lino Pinto. E o outro é João Batista Lino Pinto. Foram cinco que morreram.
P/1 - E os outros?
R - O outros que estão vivos? São: Olga Lino Pinto, Marta Lino Pinto, Antônio Lino Pinto, José Lino Pinto, Expedito Lino Pinto.
P/1 - Desculpe. E a senhora foi... Qual é a ordem que a senhora nasceu aí? A senhora é a mais velha?
R - Não, eu sou a segunda. O mais velho é o meu irmão, o outro. Não esse que te mostrei, ele é o mais velho. Os primeiros filhos da minha mãe eram de dois em dois anos, depois já começou a ficar de ano em ano. Os mais novos são de ano em ano.
P/1 - E a senhora ajudava a sua mãe quando ela ficava grávida?
R - Nasciam as crianças... No nosso tempo, tinha que ficar cinco dias na cama. Aí nascia o neném, ela ficava cuidando dele até cair o umbigo. Caía o umbigo, aí era eu quem cuidava. Dava banho, dava mamadeira - porque a mamãe nunca teve leite não, ela não tinha leite não, dava de mamar só uns dias e tinha que dar mamadeira. Era eu quem cuidava, ajudava a criar.
P/1 - E como é que vocês se organizavam em casa para dormir?
R - Dormia tudo comigo, aquele monte de menino. Tinha dia que a gente ia na... Eu vou falar, tinha dia que a gente ia para a escola... A gente dormia com essas crianças e elas mijavam na gente, fazia xixi - aí, a mamãe ficava brava, mandava... Teve um dia em que eu fui com o vestido molhado para a escola. Porque tinha que dormir de roupa e tudo, não tinha essas coisas que têm hoje, e era longe, eu tinha uma vergonha... Era assim: tinha que dormir com os meninos, chorava de noite, era um monte de menino, dormiam três para cima e três para baixo e eu do lado assim, era... Mas era gostoso, eu gostava, eu adorava essas crianças.
P/1 - E como era a cama?
R - A minha mãe fazia colchão de palha. Ela comprava pano, fazia o colchão e a gente rasgava as palhas de milho assim e enchia o colchão. Ou então cortava o capim, tinha o capim colchão, que falava, de encher o colchão. Cortava aquele capim, deixava secar. Mas a minha mãe era caprichosa, ‘tadinha’, ela não deixava a gente na pobreza não, ela sempre dava um jeitinho. A gente nunca dormiu só na esteira, sempre ela dava um jeitinho de fazer a esteira, pôr a esteira embaixo da cama e fazer um colchãozinho e pôr por cima para a gente, nunca deixou a gente... Ela era assim, ela dava um jeito. Sabe o que é esteira, não sabe? Não? Que a gente fazia assim, punha na parede assim, pegava umas folhas que a gente catava no brejo - chama Taboa, a folha. Aí você ia fazendo assim e amarrando, fazendo e amarrando, depois você cortava o beiral assim. Nesses lugares de artesanato ainda tem essas coisas. E assim nós fazíamos.
P/1 - E quando os irmãos... Caio?
P/1 - Você perguntou alguma coisa?
R - Não, foi o louro quem resmungou.
P/1 - E quando os irmãos iam crescendo, como é que fazia para dormir todo mundo junto?
R - Aí separava. Aí, quando eles já estavam grandinhos... Mas quando eu me casei, eles estavam todos pequenos, só tinha o meu mais velho - o meu irmão mais velho já estava grande, já tinha o quarto dele. E os outros já tinham os quartos deles, mas a meninada era toda comigo. Até, quando a minha mãe foi embora, eu tinha oito dias de casada. A minha mãe foi embora para longe, não foi aqui para São Paulo, foi lá para São Pedro dos Ferros. Aí eles ficaram chorando para eu ir embora também. Esse um aí, o Antônio, ficava assim: “Leva ela, mamãe, leva ela. Vamos comigo, vamos comigo, Duduca. Vamos, Duduca”. E eu chorando e eles chorando, querendo que eu fosse embora. Foi uma tristeza tão grande, porque eu é quem a ajudava. Ela levou aquele monte de meninos sozinha, e eles chorando. Esse um aí, na hora de comer, tinha que pôr uma vasilha aqui no meu colo, tinha o pratinho dele, punha aqui, e a outra punha aqui. Não pedia nada para a mãe, tudo era eu. Era assim, e eu gostava. Às vezes, a gente ia... Tinha uma capelinha no alto do morro lá, a gente ia na reza, e a minha mãe costurava - mamãe fazia cada roupa bonitinha para os meninos - aí eu ia, toda metida, levar os meninos à missa, levar na reza, levava. Pensa que a gente ficava brincando de rola lá com alguém? Não. Nós ficávamos brincando com as criancinhas lá, achava tão bonitinhos os meninos, todo lugar que eu ia, eu levava. Sentiram muito quando eu casei, ‘tadinhos’, sentiram muito, porque a mamãe ficou sozinha.
P/1 - Duduca, eu queria que a senhora falasse como é que era a sua casa. Pensa na senhora entrando assim na casa da infância, com todo mundo junto. Como é que ela era?
R - Eu sei como é que ela era, mas será que dá para eu falar?
P/1 - Vamos tentar.
R - Estou vendo ela. Gente do céu! Então... O meu irmão fez foto lá; no filme que ele vai passar, tem. É uma casa bem em uma gruta também. Não tinha nada. Chegava na estrada, subia assim a estrada, lá em cima era a casa. Então, a casa com uma porta na sala e uma janela. E, lá para baixo, assim, lá para o fundão, lá era a cozinha, tinha uma escada para descer para a cozinha, e os quartos assim, assim e assim. Tinha quarto assim: tinha o da mamãe assim - eram três quartos - tinha o da mamãe e do papai; tinha o meu, com a criançada, e tinha o dos meus irmãos. E lá era a cozinha, era assim... Sabe quando você acha assim... Aquela coisa assim?
P/1 - E do lado de fora, como era?
R - Do lado de fora era quintal de milho, banana, quintal de banana - na frente era milho e nos fundos era bananeira, plantava banana, era assim.
P/1 - E o que é que tinha de comida?
R - Comida, aquelas comidas da roça mesmo. Era angu que fala, angu, feijão... Arroz, era só na colheita que tinha arroz, não tinha negócio de arroz não. Aí tinha a colheita, guardava o arroz, a gente socava no pilão, peneirava e a mamãe fazia. Mais era mingau de inhame, mingau de couve - aqui fala quirera, canjiquinha. Eram essas as comidas da gente. E verdura - couve, almeirão - porque todo mundo tinha horta. Eram assim as comidas da gente.
P/1 - E como era o dia a dia de vocês? O que é que vocês faziam? Ainda pensando na infância da senhora.
R - A gente não tinha infância não. No tempo da gente não tinha infância não. Quando você não estava lá levando alguma coisa lá na roça, você estava ajudando a mãe dentro de casa, estava na bica lavando roupa, estava buscando lenha. Às vezes, eu ia trabalhar na roça quando estava cortando cana, em tempo de safra de cana. No mês de maio começava a cortar cana, e eu até engordava porque lá eu descansava um pouco. Mas na hora do almoço, estava todo mundo almoçando, eu estava na beira do rio catando lenha para levar para casa de tarde, de noite. Era assim. Não tinha infância não. Como tem hoje, de a gente brincar não, minha filha, não tinha não. E quando era o mês de maio, tinha lá uma reza, uma igreja lá no altinho do morro, que tinha a coroadeira. Vinha de longe gente famosa para fazer a coroação lá, todo mês de maio. E o papai não deixava a gente ir, era difícil. Pedia para ele deixar, ele não deixava a gente sair de casa não. E nem ele saía e nem a gente podia ir, não deixava não.
P/1 - E como era a época de cortar cana? Como vocês faziam?
R - Na safra de cana, a gente levantava de madrugada, cinco e meia a gente estava lá na roça já para cortar cana, com um frio que Deus deu. Cortava cana e então... Teve uma época, quando tinha usina, que eles faziam a pinga. A gente cortava a cana assim, você cortava e já era o carro de boi, você cortava e a gente ainda tinha que encher o carro. Você cortava a cana, depois fazia aqueles feichinhos de cana e dava para o carreiro pôr no carro para poder... Aí o papai contava quantos carros de cana eu cortava durante a safra. E a gente não tinha nenhum tostão não, era tudo dele, ninguém ligava para nada. Teve uma época em que eu cortei, no tempo da cana, que durou a safra, eu cortei 25 calos de cana, só meus. Dava uma nota, mas a gente não tinha esse negócio de ter dinheiro, essas coisas não, era tudo para a casa, o prazer que a gente tinha era de ficar lá na roça. Era tão gostoso trabalhar, a gente cantava o dia inteiro na roça, era tão bom...
P/1 - Lembra de alguma música?
R - Não, agora não dá para lembrar mais não, lembro não. Aí é difícil. A gente cantava muito. Tinha o “Lampião de gás”, não sei se você lembra, sei lá, da... Como é que chama aquela mulher lá? Esqueci o nome dela. “Lampião de gás”. Tinha aquela: “Que beijinho doce”. Era o que a gente cantava antigamente. A gente trocava verso, assim... Um cantava e o outro também cantava, depois você ia cantando o dia todo. Era assim, eu e a minha tia, nós cantávamos o dia inteiro na roça. A gente não tinha tristeza, assim, nada para você ficar reclamando, tudo para a gente estava bom, o prazer que a gente tinha era de ficar lá o dia todo trabalhando, era gostoso ir trabalhar. A gente ia buscar lenha no mato. Se eu pegasse um pau de lenha, se eu colocasse ele aqui, ele tinha que ir em casa, a gente não parava, eu tinha uma força danada. Meu pai me chamava de pé de boi, porque eu tinha muita força, tudo que eu pegava eu fazia. A gente não ficava doente, não ficava nada, andava descalço no meu tempo, que agora já não é mais assim. Andava descalço.
P/1 - E não dava mesmo para encontrar alguma coisa no meio da roça?
R - Encontrar o quê? Nem cobra nunca mordeu na gente. A mamãe mandava a gente rezar. Ela ensinava uma oração para a gente ir buscar lenha, a gente não via cobra, não sei se era a oração que era verdade, não. Ela falava: “Vocês rezem. Na hora em que vocês chegarem na beira do mato, vocês rezem. Aí, se a cobra enxergar vocês, ela esconde”. Ela falava assim, coisa de criança. Então a gente entrava, rezava aquela vez e a gente não via cobra não. E era lugar fechado, cada mata, precisava ver, que a gente entrava...
P/1 - A senhora lembra dessa oração?
R - Eu acho que... Já passei para todo mundo. Eu fico olhando para ele, estou atrapalhando.
P/1 - Não, não tem problema.
R - Eu esqueço. Ele está rindo também. É que eu não estou acostumada a fazer as coisas, aí eu acabei olhando para lá.
P/1 - Fique tranquila, olhando para onde a senhora achar melhor. Mas a senhora pode contar para a gente como é essa oração?
R - Posso. Essa oração é do meu bisavô. A minha mãe ensinou para todo mundo e eu passei para todo mundo também, dos meus; todo mundo tem. Porque, às vezes, um dia eu vou esquecer, não é verdade? Porque a gente não vai ficar normal a vida toda, a gente pode esquecer. Então aí eu passo para eles. Pode falar? Então deixa eu falar. É Oração de Santa Catarina, é assim: “Minha Santa Catarina, digna vós que fostes aquela senhora que passastes pela porta de Abraão, achastes quarenta homens tão bravos como leões, vós, com a santa palavra, abrandai o coração dos meus inimigos. Se têm pés, não me alcancem; se têm mãos, não me agarrem; se têm olhos, não me vejam; se me virem, estejam acorrentados de pés e mãos como o Senhor Jesus Cristo viu na cruz. Para todo o sempre. Amém”. Aí, a mãe mandava a gente rezar na hora em que entrasse no mato. Ela ia lá e rezava. Na hora em que falava: “Se têm olhos, não me vejam”, ela falava assim: “Aí, as cobras vão fugir todas, não vão ver vocês; então, vocês podem tirar lenha sossegados”, ela falava. Aí eu passei para os meninos, mas é bom porque qualquer um pode ter. Você coloca dentro dos documentos para não... Assim... Em casa que tem descontrole de família, sabe assim, aquelas coisas? Briga, aqueles desentendimentos em família? É só você fazer a oração com fé e acalma tudo, tudo bem. E a gente aprendeu da nossa mãe, que era do tempo dos avós dela, nossos bisavôs, ela passava para a gente.
P/1 - E quem é que ia para a roça com a senhora?
R - Não, era eu, papai e o meu irmão mais velho, os quatro. Porque era eu, meu pai... Então é o papai assim, meu irmão assim, eu assim, mais dois assim o dia inteiro. E eu acompanhava o meu pai o dia inteirinho na enxada, o dia inteirinho, para você ver. E o papai, ele não conversava com a gente não, a gente começava a cantar e ele começava a assobiar o canto que a gente estava cantando, mas ele não conversava com a gente. A gente ficava o dia inteirinho, trabalhando o dia inteirinho, ele só assobiava, mas não conversava com a gente, era assim. Coitado, fazer o quê? Era o jeito deles, antes era assim mesmo.
P/1 - E o que é que vocês levavam para a roça?
R - Para quê? Para trabalhar? Depende do que você vai trabalhar. Se era tempo de milho, você ia só tirar o milho... O meu pai ia fazendo a cova e a gente ia colocando os caroços de milho. Se você vai carpir, você vai levar a enxada para ficar carpindo o milho e jogando terra. E quando é tempo de colher, já é diferente. Cada coisa é diferente da outra. Porque tem o plantio, capinar, até chegar a época de colher. Era assim.
P/1 - E qual a senhora mais gostava de fazer?
R - Eu gostava de tudo, não tinha nada assim que eu não gostasse não. Falava que era serviço, eu gostava de ficar, gostava de ir para trabalhar, gostava. Eu chorava até quando o papai não deixava, porque tinha vez que ele não deixava a gente ir não. Aí falava: “Fica aí, ajuda sua mãe na cozinha”. Mas eu gostava de ficar lá. Assim... Não tinha nada, ninguém ficava conversando, era só o prazer de você ficar lá trabalhando. E as pessoas ficavam vigiando a gente, porque a gente fazia as coisas direitinho, tinha força, era forte e eram aquelas coisas lá, era assim.
P/1 - E como era na hora do almoço?
R - Na hora do almoço era assim: o meu irmão ia buscar o almoço em casa, ou eu ou ele íamos buscar - qualquer um de nós ia buscar. Se fosse muito longe, já levava pronto. Era uma cesta assim de bambu, nós colocávamos os caldeirões ali dentro e quando chegava na roça... Quando chegava a hora do almoço acendia um foguinho lá no chão e esquentava. A gente punha os caldeirõezinhos assim, esquentava e comia. E aí, só ia comer de tarde, de novo. Não tinha esse negócio de cafezinho da manhã com pãozinho, manteiga, leite, não. Era só o café preto e olhe lá, que a gente tomava; e ia para a roça. Mas o almoço era cedo, o almoço era às nove horas. Quando era meio-dia, tinha o café. Aí, quando ia o almoço, já ia o café, já ia junto a chaleira do café. Chegava a hora de tomar o café, acendia o foguinho lá fora, no meio do mato e esquentava o café. E aí a gente tomava. Só ia jantar de tarde, quando chegasse em casa, de tarde, aquelas comidas lá.
P/1 - E como era dia de festa?
R - Não tinha festa. Bom, eu estou dizendo que não tinha festa, o meu pai gostava de fazer festa no aniversário dele - todo dia 23 de janeiro era aniversário do meu pai. Aí tinha festa, ele fazia baile, vinha sanfoneiro de longe para tocar, tinha jogo de... Agora eles falam bingo, mas antes era jogo caçarimba, chacoalhava assim. Mas não tinha briga, não tinha nada, menina, não tinha gente beberrão, não tinha nada, era festa, era uma alegria, menina, você precisava ver que beleza aquela festa. Com comida, tudo comida. Não tinha esse negócio de fazer bolinho enfeitado não, tudo coisa forte mesmo para as pessoas comerem. E tinha lá as cachacinhas, mas era coisinha mínima, não era muita coisa não. O pessoal ia para se divertir, dançava a noite inteira e depois ia embora. Era assim o pessoal. E a gente se divertia por causa disso, porque o meu pai gostava de fazer, porque ele não deixava a gente ir, ele fazia aniversário da minha mãe e fazia o dele. O da minha mãe é mês de julho e ele era janeiro; então, tinha duas festas no ano. Aí juntava muita gente, era muito legal, a gente ficava contente só com aquilo. Era assim.
P/1 - E como vocês se arrumavam para ir a essas festas?
R - Não, não tinha arrumação. Aliás, às vezes tinha. No nosso tempo tinha um tal de mudar a roupa para ir à missa, então você punha o mesmo vestido, ficava guardadinho lá, quando a gente fosse à missa, vestia aquela roupa. Chegava, lavava e guardava de novo. Então era isso aí, não tinha esse negócio de se arrumar bonitinho para... Agora, assim... Quando era um casamento, que a gente vê hoje todo muito vai de short, tem uns que vão de bermuda, e antes não. O meu irmão mesmo, esse meu irmão... Depois eu vou te mostrar a foto dele. Esse meu irmão, ele era muito bonito, andava assim de chapéu de lebre. Sabe, chapéu? De terno, de chapéu, sabe? Como era bonito. Os rapazes iam muito bem arrumados nos bailes, não iam de qualquer jeito como a gente vê agora. Tinha que ter a roupa do baile, a roupa da festa, precisava ver. Mas não tinha esses negócios que têm hoje não, assim, que todo mundo vai de qualquer jeito. Se você não tivesse um terno você não ia, no tempo deles lá.
P/1 - Como era o vestido de que a senhora mais gostava? De festa, de missa?
R - Os vestidos da gente eram todos a minha mãe quem fazia, sempre aqueles paninhos estampadinhos, tinha que ser de manga porque meu pai não deixava vestir sem manga. Tinha que ser de manguinha assim que podia vestir e tinha que bater aqui, não podia mostrar as pernas. Aí eu falo: “Quando eu estava nova, eu não podia mostrar porque papai não deixava. Agora a gente está velha, está com as pernas inchadas de artrose e não pode nem mostrar”. A vida é assim. Mas é, não podia não, tinha que ser tudo tampadinho, tudo bonitinho, não deixava.
P/1 - E vocês precisavam ir para a cidade?
R - Não, era muito difícil, era muito difícil ir à cidade. Só quando ia vender alguma coisa assim, ele mandava a gente... A gente vendia muita abóbora na rua, vendia mamão, entregava, ele passava na... Aqui eles falam quitanda, lá era botequim. Ele passava no botequim e as pessoas encomendavam banana, encomendavam abóbora, mamão verde, então a gente ia entregar, a gente ia lá entregar e a gente saía cedo de casa e só voltava de tarde, aquela cesta de mamão na cabeça. Fazia uma rodinha assim, punha na cabeça e ia, era assim.
P/1 - E como é que vocês iam até a cidade?
R - Andando. Ia e voltava andando. Não tinha bicicleta não, era nossa perna mesmo, ia três... Aqui fala quilômetro - três léguas e meia para a gente andar. Saía cedo e voltava de tarde.
P/1 - E como era o caminho até lá?
R - Era só roça, tudo cana. Então, tinha aqueles caminhos no meio e na estrada assim, no asfalto. Agora tem asfalto lá, mas antes não tinha não, só aquelas estradinhas assim no meio, de terra, para a gente passar.
P/1 - Quem ia?
R - Ahn?
P/1 - Quem ia?
R - Como assim?
P/1 - Quem ia, de vocês, para a cidade?
R - Às vezes eu e meu irmão. Nós é que íamos mais, porque o papai mandava a gente levar as coisas. Teve uma vez que a gente foi levar as bananas lá nesse botequim e a gente tinha medo de vir embora sozinho de noite, estava escuro já. Aí veio passando um cavaleiro e nós fomos correndo atrás do cavaleiro. Sabe o que é cavaleiro? Gente andando a cavalo. Então aí a gente foi correndo atrás do cavalo até passar aquele lugar feio, que nós dois tínhamos medo, nós éramos molequinhos pequenos. Aí o homem, o fazendeiro... Porque os fazendeiros iam muito na rua, eles iam muito para a cidade, eles iam cedo e voltavam de tarde, então a gente aproveitou e acompanhou para não passar naquele lugar feio, sozinho. Aí o que o homem viu? Ele viu que a gente estava com medo, ele foi e maneirou o passo do cavalo assim, levou devagarzinho, mas não conversava também não - maneirou o passo do cavalo até a gente sair daquele lugar feio. Aí, quando a gente saiu daquele lugar feio, ele passou a espora assim no cavalo e se mandou. Era assim. Porque a gente tinha medo, era muito... E os pais não tinham medo não. Sabe antigamente o medo que a gente tinha? Era só cachorro bravo. Não tinha nada como tem hoje, a gente tinha medo de cachorro, porque você passar naqueles lugares que tinha cachorro, minha filha, sai de perto, mordia mesmo. A única coisa que a gente tinha medo, antigamente, era isso.
P/1 - E vocês chegaram a encontrar com algum cachorro bravo?
R - Eu não, mas o meu irmão sim.
P/1 - E aí?
R - O meu irmão, ele... Teve uma vez que a gente foi na casa não sei de quem lá e tinha que passar na fazenda. Essa fazenda está lá, quando a gente vai passear a gente vai lá. Esses cachorros bravos de antigamente ficavam soltos à noite, eram presos de dia. E nós passamos muito cedo, não tinham prendido o cachorro ainda. Quando o cachorro viu, minha filha, ele avançou na gente e o meu irmão deitou no chão, ‘tadinho’, ele andava com um porrete, pegou o porrete e ficou fazendo assim, deitado no chão e batendo assim para o cachorro não morder. E a gente chamava e ninguém atendia, porque era muito longe a fazenda da estrada, muito longe, passamos o maior aperto. Agora eu não, graças a Deus não, mas é porque eu estava com ele.
P/1 - E machucou o seu irmão?
R - Não, não, ele não chegou a morder não, porque ele ficou firme com o porrete na mão lá, batendo.
P/1 - E como era quando vocês chegavam na cidade? O que é que a senhora pensava da cidade?
R - Não tinha muita coisa para pensar não. Só chegar lá e fazer o que papai mandava e a mãe mandava, e voltar para trás depois. Era assim. Tudo descalço. Se estivesse chovendo, você pegava, punha um chinelinho dentro de uma sacolinha e pegava um pano velho, punha na sacolinha. Chegava a uma distância, você lavava o pé onde tivesse alguma água lá, você lavava o pé, punha aquele chinelo para você descer lá na cidade. Quando saía da cidade, você tirava de novo, não tinha como, não tinha recurso, era assim, eram muito difíceis as coisas para a gente.
P/1 - A senhora chegou a conhecer os seus avós?
R - Não, nem da parte da minha mãe e nem do meu pai a gente não conheceu não. As pessoas, antigamente, morriam muito novas, morriam cedo. A minha mãe fala que a mãe dela morreu... O meu avô parece que morreu não tinha 50 anos ainda, acho que tinha 49 anos. E a minha avó morreu com 44 anos, que a minha mãe falava. As pessoas antigamente morriam muito cedo. Dizem que o meu avô, o pai da minha mãe, morreu de tuberculose, porque tuberculose antigamente era como o câncer agora. Dizem que ele era jogador de baralho, ia para a cidade na sexta-feira e só voltava no domingo à noite, ficava na friagem jogando, dizem que pegou uma gripe muito forte e nessa gripe foi até morrer, não tinha cura não. Aí deu tuberculose e morreu, a mamãe contava.
P/1 - E ela contava mais histórias dos seus avós?
R - E aí ela contou... Aí foi da mãe dela. Que a mãe dela foi assim: quando já tinha oito filhos, quando ele ficou doente, estava esperando uma menina. Aí, quando ele ficou doente, tinha que separar o quarto, ele tinha que ficar separado, porque não podia ficar junto com ninguém. Então, dizem que quando a menina... Acho que tinha oito dias que ele estava em casa, a menina nasceu. Aí levaram a menina lá no quarto para ele ver, ele falou assim: “Que menina forte, eu acho que eu vou sarar, a menina está muito forte, muito bonita”, falou assim. Aí depois ele morreu, acho que uns quatro dias ele morreu. E a minha avó, dizem que assim que ele morreu, a minha avó saiu na chuva - e não podia pegar chuva - dizem que a minha avó saiu na chuva, sentou debaixo de um pé de mexerica, ficou lá sentada na lama, lá na chuva, triste, dali dizem que ela... Diz a história que ela ficou nove anos doente e aí morreu também. Nove anos depois morreu... A minha avó morreu também. Era tudo assim.
P/1 - E do lado do pai, a senhora sabe a história?
R - Não, do meu pai não, do meu pai eu não sei não. Eu só sei da mãe, porque a mãe contava da família dela, mas dele eu não sei não.
P/1 - O que mais que a sua mãe contava de história?
R - Mais essas coisas assim mesmo, acho que não tem muita coisa mesmo não.
P/1 - Ela não contava da infância dela, de quando ela era menor?
R - Não, também não tinha não, não tinha infância antigamente não. Todo mundo trabalhava na roça. Quando a minha mãe casou, ela era mais velha do que meu pai. Na época deles, os rapazes se casavam com moça mais velha. Eu sei que a minha mãe tinha 24 anos - ela contava - e o meu pai tinha 18. Aí diz que eles casaram e o meu pai foi servir o Exército, foi lá para aqueles negócios, como é que fala lá? E a minha mãe ficou na casa de uma irmã dele, o meu pai ficou seis meses fora, aí ela ficou na casa do parente até o meu irmão se liberar lá do negócio que ele estava fazendo, lá do Exército. Foi assim. Porque chamava e tinha que ir mesmo. Aí ele foi, estava com 18 anos.
P/1 - Em que momentos a sua mãe contava essas histórias, dona Duduca?
R - Em que momentos? Ela gostava de conversar com a gente, a mãe gostava de conversar com a gente, ela gostava, tadinha.
P/1 - E dona Duduca, como é que eram as festas de Natal, de Páscoa?
R - Não tinha não, festa de Natal não. Quando era dia de Natal só tinha as comidas, não tinha festa. As pessoas guardavam frango, deixavam crescer para matar e comer no dia de Natal; engordavam o porco para assar o pernil no dia do Natal. Era só comida, aquelas comidas gostosas, mas não tinha festa não. A gente não sabia o que era festa não, só comida. Era doce, depende do Natal tem coisa de fazer doce. Então a gente ficava fazendo doce, era assim, para comer, era tudo comida, tudo com comida, não tinha esse negócio que tem hoje assim, essas coisinhas de enfeite. Eu fiquei conhecendo Natal foi aqui em São Paulo. Por isso que eu vim para cá, porque via as pessoas fazer festa de Natal e a gente não sabia o que era isso, não ligava para isso não, era desse jeito. Ganhar esse negócio de presente, ganhar coisa de Natal, o que é isso, não tinha essas coisas não, no nosso tempo não tinha não.
P/1 - E a senhora lembra desse primeiro Natal em São Paulo como foi?
R - Eu estava morando com a minha mãe quando eu vim. Eu fiquei morando dentro de casa, eu fiquei morando dentro de casa com a minha mãe, muito tempo. Porque o meu marido não arrumava emprego não, ele não tinha leitura e era difícil para arrumar serviço. Então a gente veio e ficou morando dentro de casa com a minha mãe, até aparecer emprego. Aí teve um dia, Deus ajudou que ele conseguiu. Mas sempre assim: a gente ficava dentro de casa, morando. Mas ele trabalhava, não em emprego, mas ele trabalhava de pedreiro, assim, de servente de pedreiro, com o meu pai ele fazia. Parado não ficava não, mas emprego mesmo era muito difícil arrumar. Às vezes, esse meu irmão mais velho, ele trabalhava em um restaurante, então ele o levava todo dia, falava: “Vamos comigo para lá? Se aparecer uma vaga, você fica”. Ficava lá, coitado, não aparecia vaga não, vinha embora. Aí teve um dia que ele se perdeu, não sabia descer, passou direto. Aí o meu irmão chegou de madrugada e falou assim: “E cadê o fulano?” Eu falei: “Ele não está com você?” Ele falou: “Não, eu mandei ele vir embora porque já estava ficando tarde para vir e não apareceu vaga nenhuma lá, e ele veio embora”. Aí ele passou do ponto de descer. Meu irmão falou: “Ai, meu Deus, vai ver que ele se perdeu por aí”. O meu irmão foi atrás e o achou, não sabia vir para casa. Para você ver, tudo isso acontece, não sabia vir para casa. Aí Deus ajudou, depois a minha mãe... Teve uma época em que a minha mãe foi embora para o Paraná, eu fiquei na casa. Fiquei na casa dela, tinha dois dos meus meninos no hospital, estavam com sarampo - a menina ficou cinco meses internada e o menino ficou dois. Então, esses dois meninos estavam internados e a minha mãe... Eles pagavam aluguel, a situação ficou ruim, aí eles foram embora para o Paraná e eu fiquei nessa casa com todos os meus meninos. Aí, a dona da casa pegou e fechou a casa, fechou tudo, deixou só um cômodo na frente assim e falou para mim: “Agora a senhora pode ficar aqui, eu vou vender a casa, mas a senhora pode morar aí”. Mas assim... Não tinha nada, só tinha o tanque e um quarto. “Se eu vender, a senhora ainda tem quinze dias para ficar aqui. Se eu vender, quando eu vender. Então, pode ficar sossegada”. Fechou a casa inteira e a gente ficou naquele comodozinho do lado de fora. E aí o meu marido pegou, fez um fogãozinho de lenha do lado de fora, fazia as coisas ali na lenha, dava banho nos meninos no tanque - tinha dois no hospital e três em casa. Aí a gente ficou lá. Tem um irmão do meu pai que ficou com dó da situação, pegou e falou assim: “Tem uns tijolinhos lá em cima, eu vou fazer um cômodo para vocês lá” - lá na casa dele. Aí fez um comodozinho pequenininho, do tamanho dessa guarita aí, e a gente foi morar lá. A gente ficou morando lá e, graças a Deus, a gente ficou morando lá. E o meu irmão começou a trabalhar em um restaurante, inaugurou um restaurante e o levou. Aí nós não passamos falta mais, porque o meu irmão já trazia, lá sobravam as coisas e eles davam - trazia arroz, trazia aqueles pernis lá que fazia lanche, davam aqueles pedaços de coisa, trazia, a gente cozinhava e comia, aí não passava mais falta. Fiquei morando nesse cômodo, com todos esses meninos. Não tinha fogão e não tinha comida. A casa do meu tio era alugada e ele fez só assim, puxou assim os cômodos. E lá moravam três rapazes e eu comecei a lavar a roupa dos rapazes, aí comecei a receber - lavava, passava - e aí a gente não passou falta mais não. E ele trabalhou treze anos nesse serviço, o meu marido trabalhou. Ele foi mandado embora, o dinheiro que ele recebeu nós compramos um terreninho, compramos um terreno e fizemos a casa lá, fizemos um barraco, um barraquinho de madeira. Porque o único lugar que podia fazer mais caro, não podia fazer de madeira. Aí a gente comprou o pior lugar que tinha, porque lá podia fazer de madeira.
P/1 - Que é onde?
R - Lá na Zona Leste mesmo, bairro da Penha, está lá. As casas estão lá, agora tem casa, agora tem.
P/1 - Eu posso voltar para quando a senhora ainda era uma menina, no Natal, lá em Minas? Posso? Que a senhora falou que fazia comida?
R - Pode.
P/1 - A senhora falava que tinha que engordar os bichos.
R - É, deixava engordar os porcos para matar no Natal.
P/1 - Como era esse momento?
R - Ele ficava lá, tem o chiqueirinho para engordar os porquinhos lá, punha lá e tudo e você ficava dando comida. Com três meses eles estavam gordinhos e já tinha que matar, era assim. Matava, tirava os quatro pernis. Casamento também, os casamentos também eram com comida. Matava cabrito também e já tirava aqueles pernis para assar, e era tudo no forno de lenha, assava no forno de lenha. E o cabrito também matava. Deixava o cabrito crescer também, para assar nas festas de casamento. Era tudo com comida antigamente, os casamentos. Era comida e era... Aqui fala ki-suco, antes era licor, a gente fazia licor, não tinha negócio de cerveja, essas coisas de bebida não. Ou então era café com leite e broa de fubá nas chegadas do casamento. No meu foi assim, naquele dia na fazenda eles deixavam o leite só para aquele casamento, não distribuía leite mais. Naquele dia lá você já deixava marcado: “Tal dia, o leite é do casamento”. Então era café com leite e broa, fazia aquelas broinhas assim, fazia no forninho, era assim.
P/1 - E quem que ajudava a matar os porcos e os cabritos?
R - Não, tinha alguém para matar. O meu pai só engordava, o meu pai não matava não, tinha alguém que chamava, tinha aquelas pessoas para poder vir naquele dia matar os porcos, vinha de madrugada. Aí quando, nós meninos, nós éramos pequenos, a gente tinha dó de matar, então eles matavam os porcos escondido e pensavam que a gente não sabia. A mãe mandava nós dormirmos cedo, a gente ia deitar e via o meu pai catando folha de banana, que era para fazer fogueira para sapecar o bichinho. Aí nós não dormíamos, a gente falava: “Vai matar o porco, porque o papai está juntando a palha da bananeira”. Colocava o porco assim, depois que matava punha fogo para sapecar o bichinho, e a gente não dormia. E aí teve uma época em que a minha mãe parou de matar o porco em casa e já vendia inteiro, por causa da gente. Os porcos não morriam porque a gente ficava com dó, era uma tristeza, tão bonitinho e tinha que matar? E era sofrimento para matar; antigamente era sofrimento. Então eles pararam de fazer isso. Quando tinha o porco, já vendia inteiro, não matava mais em casa não, por causa de nós, meninos.
P/1 - Mas vocês ouviam eles matando?
R - A gente escutava a gritaiada de madrugada, a gente escutava eles matarem, o bichinho gritava até calar, é muito triste. Ainda tem isso ainda hoje, ainda tem esse tipo de matar porco, ainda tem.
P/1 - E no dia seguinte, como é que era? Porque a carne já tinha que preparar.
R - Não, eles matavam de madrugada, era o dia todo para arrumar, era o dia todo para arrumar aquilo lá. Para lavar, para cortar, para fritar, para guardar, para fazer o tal do chouriço lá, era o dia inteirinho, era um dia de serviço.
P/1 - Mas aí como vocês ficavam? Vocês que não gostavam de ver o...
R - Não gostava, mas já tinha matado mesmo, aí ia comer. A gente não gostava de ver o sofrimento deles, mas a gente... Era gostoso, ficava o dia inteirinho arrumando as coisas, a minha mãe fazia uma trempe do lado de fora para fritar as coisas e era assim, parecia festa, era legal.
P/1 - Dona Duduca, a senhora chegou a ir à escola?
R - Eu fui, eu ia à escola, mas não aprendia não. Não aprendia porque a professora era minha madrinha, ela não me apertava e eu já não gostava, eu não gostava de Matemática, não gostava de fazer conta. E quando a gente chegava na escola, no nosso tempo, quando chegava na escola já tinha feito o cabeçalho, você chegava muito tarde. Então, tinha que fazer tudo. Para vocês verem como é que é hoje, você tinha que fazer todo o serviço em casa, da minha obrigação, para depois ir para a escola. Não tinha esse negócio de: “Não, hoje não vai fazer isso porque vai para a escola”. Não, não tinha não. Primeiro é a casa, depois a escola. E aí não tinha jeito de aprender, porque chegava lá, era muito longe e era assim: o meu pai mudava muito de fazenda; às vezes a gente ia morar em uma fazenda para trabalhar, a mamãe custava para arrumar uma escola, quando a minha mãe conseguia uma escola, o meu pai já tinha mudado de novo. Quando a gente chegava lá onde eles iam morar de novo, até achar outra escola o tempo já tinha passado, então foi tudo atrasado assim. E não tinha escola assim como tem hoje - carteira para sentar não. Às vezes tinha uma fazenda, o fazendeiro deixava uma tuia no paiol lá, vinha um professor de longe assim para dar umas aulas lá, não tinha escola como tem hoje. Eu entrei em uma classe de escola, sentei em uma carteira de escola aqui, depois que eu fui no Mobral, depois de velha, que eu nunca tinha entrado em uma classe, em uma escola. Era um colégio da Prefeitura, está lá até hoje. Eu estava estudando no Mobral e aí foi que eu sentei na carteira de escola e falei: “Nossa, que legal”. Não, era no banco. Sabe aqueles bancos assim? Sentava lá fora. Quando era para fazer... Época de prova assim, a gente sentava lá no meio do goiabal, na sombra, para poder estudar as tabuadas, para poder fazer prova. Era assim. Ninguém ligava para negócio de estudar não. E aí depois, teve alguém que pegou e falou... Toda vida eu fui muito grandona, eu cresci muito, no meu tempo não usava mulher estudar, aí começaram a falar para o meu pai que o meu pai estava com filha casadeira na escola, não sabe para quê. E aí o meu pai ficou com raiva e tirou. Eu achei bom, não estava com vontade de ir. Aí o meu pai falou assim: “Vai embora, não vai para a escola mais não, vai para casa ajudar a sua mãe na cozinha lá”. Aí pronto, ficou assim.
P/1 - Mas como era ter aula com a sua madrinha?
R - Porque ela era boazinha. Madrinha, antigamente, gostava da gente como as mães. Agora, hoje em dia, madrinha vai ser madrinha por obrigação, mas antes era por amor mesmo. Nossa, ela gostava muito da gente, então ela não apertava não. Eu era tudo para ela; engraçado, era assim.
P/1 - Teve outra professora?
R - Só essa mesmo. Eu casei muito cedo, filha. Eu fui à escola... Pouco tempo na escola, eu com dezessete anos fui casar, e aí não deu mais nada não, de mudar de escola não.
P/1 - E com quem a senhora ia para a escola?
R - Ia todo mundo junto, assim. Meus primos, iam meus irmãos... E esse meus primos que eu estou te falando, que estão na foto ali, a gente ia todo mundo junto. Era sempre assim, a minha mãe morava sempre perto dos irmãos, então todo mundo tinha filho igual. Era aquela turminha assim da mesma idade, os primeiros filhos eram todos da mesma idade, todos na (inint) [00:46:57] de escola. Na hora de trabalhar, todo mundo junto, ia e voltava; buscar lenha, todo mundo junto.
P/1 - E como eram os seus irmãos na escola?
R - Eles aprenderam depois de velhos porque eles continuaram. Eu não aprendi mais porque eu casei e o meu marido não deixou também. Mas os meus irmãos estudaram depois.
P/1 - Mas, e lá na fazenda, ainda na época da fazenda? Eles também tinham aula com a madrinha?
R - Não, não, era só eu, mas lá na fazenda... Eles não aprendiam também não, mas um pouquinho aprendeu. Mas depois viraram rapazes, começaram a morar na cidade, começou... Porque lá no meu tempo, quando você fazia a quarta série - aqui fala é quarta série - você fazia a quarta série, você já era professora. Eu tenho um primo lá que ele estudou, fez quarto ano, ele estudou na cidade - para estudar na cidade tinha que ter dinheiro, não era qualquer um - só ele que fez a quarta série na cidade. E ele foi trabalhar no banco, minha filha, foi trabalhar longe, no banco, porque ele tinha estudo, porque ele tinha a quarta série - o quarto ano que falava. Se leu o quarto ano, pronto, não precisava ler mais, era assim.
P/1 - Eu queria que a senhora contasse a história do porão.
R - Lá do meu irmão? Nós contamos.
P/1 - Conta para mim.
R - Ai, meu Deus do céu, eu vou contar. Então... Essa fazenda chamava-se Fazenda do Senhor Juquinha. Senhor Juquinha era o dono da fazenda, e a filha dele é que era a professora. Chamava-se Almerinda - professora Almerinda - e ela era muito ruim, batia muito nos alunos, judiava mesmo. Então, ela mandava o meu irmão... Os alunos, quando eles faziam arte... Ela mandava ele lá no meio do goiabal cortar vara de goiaba... Sabe o que é pé de goiaba? Sabe? Não sabe nada, ela está rindo, ela não sabe nada. Não sabe o que é pé de goiaba, não?
P/1 - Explique para mim o que é.
R - Nem um pé de goiaba não sabe o que é, não? Não?
P/1 - Não, não sei.
R - Nossa, menina, plantação de goiaba você olha assim, você vai longe de plantar goiabal. Então, ela mandava esses meninos ir lá no meio do goiabal cortar a vara da goiaba, o pau da goiaba, assim, trazer, para bater neles. E batia mesmo, ela fazia isso. Goiabal, antigamente, era igualzinho agora a plantação de manga, plantação de eucalipto... Não tem plantação de eucalipto? Era a mesma coisa, era assim... Você sumia lá na... Ainda tem lá, o pessoal faz muito doce para vender, Nossa, para você ver. Então ele era muito danado - o meu irmão era muito danado, era muito arteiro. E ela não gostava. Então ela batia muito, punha de castigo no caroço do milho... Ele pedia para ir lá no meio do goiabal para fazer o xixi - porque não tinha banheiro - não deixava. Ele fazia o xixi na sala, na classe, era uma salona... Ela pegava e batia nele, punha de castigo, era assim. Aí, um dia, ela o colocou de castigo no porão: “Só vai sair quando o seu pai chegar”. Aí eu fui correndo para buscar o papai, para o papai buscá-lo. Já fui de noite, porque saía cedo de casa, andando três léguas - três quilômetros - para ir à escola, aí a gente chegava lá e na hora de vir embora, a gente chegava em casa já de noite. Aí eu fui correndo para o papai ir lá buscá-lo, o papai foi buscar.
P/1 - E o que o seu pai falou quando a senhora disse que...
R - Se reclamasse, apanhava de novo. A história é essa: se fizesse arte, apanhava em casa.
P/1 - E a senhora chegou a fazer alguma arte?
R - Não, eu era boazinha. Vou falar a verdade para você: eu nunca apanhei do pai e nem da minha mãe, nunca. Às vezes... A minha mãe era muito bravinha, qualquer coisinha ela arrumava uma falação. Na hora em que ela vinha para o meu lado, o papai falava assim: “Essa daí, não”. Mas ela não ia bater em mim, eu não precisava... Eu acho que não precisava apanhar, porque tudo eu fazia... Ajudava a cuidar dos meninos, não respondia... Quando ela ficava brava comigo, eu cantava. Ai, credo, eu começava a cantar. E cantando. E raiva. Era para não responder. Não podia responder não; se respondesse, apanhava, couro mesmo. Era assim. Eu cantava assim: “Põe a tua cabecinha no meu ombro e chora, e conta logo a sua mágoa toda para mim; põe a tua cabecinha no meu ombro e chora, e não vai embora, porque gosta de mim”. Cantava para ela, ela ficava danada da vida. Ela não notava que eu estava cantando, achava que eu não estava ligando, mas não é não, eu estava cantando de raiva, porque não podia responder. Eu nunca respondia não, nunca não.
P/1 - E porque é que sua mãe, às vezes, ficava brava com você?
R - Mas um monte de filho daquele jeito, em uma situação daquela e o meu pai briguento - o meu pai era briguento - aí tem que descontar nos filhos, minha filha. E a minha mãe levantava quatro horas da manhã para costurar na maquininha, sabe aquelas maquininhas assim? Para costurar. E era uns panos grossos, ‘tadinha’, ela tinha os dedos todos assim amassados de tanto furar de agulha, furava a agulha. E quando quebrava uma agulha, e para ir comprar essa agulha, Nossa Senhora? Eu tinha a maquininha, acabei dando a maquininha, eu tinha. Não a dela, eu tinha aquela máquina de mão que ela costurava. Mamãe nos criou assim, costurando. Quando o meu pai mudava, enchia o carro de mudança, a minha mãe enrolava aquela máquina, punha na cabeça e ela ia a pé, com medo de quebrar a máquina. Você acredita isso? Com medo de quebrar a máquina, ela punha na cabeça e ia na frente do carro de boi. Porque se quebrasse, como é que ia fazer? Era assim.
P/1 - O que é que costurava?
R - Calça, camisa para a roça, era roupa de roça. Porque roupa chique ela não fazia não. Quem fazia até vestido de noiva era a minha tia, essa minha tia agora está com... Vai fazer cem anos agora, mora em Juiz de Fora - só tem ela agora. Ela fazia até vestido de noiva, essa aí. Ninguém ensinou. Aprenderam sozinhas as minhas tias, todas costureiras. Mas ninguém ensinou, ninguém teve corte e costura como tem hoje. A minha mãe aprendeu a costurar... Ela dizia que desmanchava uma calça e punha em cima da cama lá, punha em cima da mesa e punha o pano, e ia cortando. Aí aprendeu. Ninguém tinha curso antigamente não. De nada não. Era tudo a inteligência mesmo.
P/1 - De onde vinha o pano?
R - Ela comprava na cidade, na ruazinha, na cidadezinha lá.
P/1 - Que susto.
R - Comprava na cidade, tinha rua que tinha aqueles cortes - aqui fala peça, peça de pano. No nosso tempo era corte de pano. Enrolava assim, aí já media na régua assim, você media o tanto que queria, era assim.
P/1 - A senhora ajudava ela a costurar?
R - Eu não. Nunca gostei de máquina não, nunca gostei, eu tinha até raiva. Eu gostava de bordar, de fazer bordado. Mas agora eu não gosto mais não, eu gostava. Até, quando eu fui casar, a minha madrinha era bordadeira, aí eu fui levar, fui lá pedir para ela bordar para mim alguma coisa, porque usava... Antigamente era tudo bordado, não tinha nada que você comprasse. Então ela pegou e falou: “Eu vou te ensinar a bordar”. Aí ela me ensinou, eu fiz os panos da... Eu fiz as coisinhas da cozinha, até a vasilha de água, essas moringas que falam agora, tudo tinha negocinho bordadinho para tampar. Aí eu aprendi rapidinho, menina, a fazer tudo. Só pagou para fazer o do dia, para enfeitar o quarto do dia. Tudo eu fiz. Depois eu continuei fazendo por muito tempo. Agora não gosto mais não, agora não gosto de fazer mais não. Então eu fui muito desperdiçada na minha vida, porque eu tinha inteligência para fazer as coisas, tudo que eu pegava eu fazia, eu tinha saúde, eu tinha tudo, mas a gente foi interrompido muito novo. Porque você tem o pai chato, você casa, o marido é pior - porque o meu marido era pior do que o meu pai. Porque o pai, um dia você o convence, e o marido não. Quanto mais a gente vive com eles mais... Porque tem marido bom, não estou falando... Quanto mais você vive com eles mais você vai sendo escrava. É desse jeito.
P/1 - Antes de a senhora casar, a senhora, quando era criança, pensava em ser alguma coisa quando crescesse?
R - Eu acho que não pensava não, sei lá, também não tinha como pensar, não tinha tempo de pensar. Porque era assim... Quando a gente casou, tudo era bonitinho. Você não casava porque tinha amor, você conhecia alguém e gostava de alguém, aí você casava para sair de casa, porque o que o seu pai não deixava fazer, você achava que, casando, você poderia fazer. Então, vestido de noiva era bonitinho, ir lá na igreja casar era bonitinho, tudo era bonitinho. Mas a responsabilidade você não sabia, ninguém conversava com a gente, eu não sabia o que eram essas coisas de casamento. Ficava que nem boba lá, a gente não sabia de nada, porque não tinha... Hoje tem cursinho, hoje tem palestra, hoje tem uma amiga que fala as coisas, a mãe conversa, o pai; no tempo da gente não tinha não, era tudo na escuridão, modo de dizer.
P/1 - Dona Duduca, nessa época em que a senhora ficou adolescente, a sua mãe conversava com a senhora sobre essas transformações no corpo?
R - Não, não.
P/1 - Como é que foi?
R - Foi, foi, não tinha nada disso não.
P/1 - Mas a senhora sabia o que ia acontecer?
R - Não, eu não sabia. Mas a gente via as coisas diferentes e ficava escondida. A mãe não dava conta de nada não, não falava nada para a gente.
P/1 - Mas como foi quando a senhora ficou mocinha pela primeira vez?
R - Eu tinha 13 anos. A primeira vez, eu tinha 13 anos. Não falei nada. Lavava as pecinhas lá na bica para a mãe não ver. Também não tinha coisa dentro de casa, eu ia lavar lá na bica, estendia na cerca da horta, depois de tarde pegava de novo e vestia. Só uma vez ela desconfiou, que a gente ia para a roça trabalhar e não podia ir em casa para trocar, então a gente ficava... Punha aqueles panos assim, ficava tudo ensopado, um sol quente, aí eu escutei ela, um dia, falando para o papai assim: “Vê se deixa ela vir em casa de vez em quando”. Mas não falou o porquê também. “Não pode deixar o dia todo lá assim no meio da roça, deixa ela vir em casa”. Eu também não sei, ela não falou o porquê, mas acho que era, porque ela estava desconfiada de que eu ficava, a gente ficava toda assada, ficava com aqueles panos sujos, molhados. É triste o negócio do tempo da gente, viu? Era muito chato, não existe mais essas coisas não.
P/1 - Mas a senhora sabia o que era aquilo?
R - Eu sabia porque eles falavam. Quando a gente virasse moça, tinha aquelas coisas lá e tal. Então era assim.
P/1 - E como a senhora conheceu...
R - E disse que não podia sentar onde o homem sentasse, porque senão ficaria grávida. Olha a bobeira, olha, diziam que era assim.
P/1 - Quem falava isso?
R - O pessoal falava. Quando a gente tinha menstruação, não podia sentar onde o homem sentasse não, porque ficaria grávida. Olha, menina, como o tempo de antigamente era besta. Eu nunca contei isso não, mas eu estou falando agora. Mas eram assim as coisas, umas bobeiras danadas.
P/1 - E tinha alguma coisa que vocês não podiam fazer quando estava menstruada?
R - Não podia comer nada.
P/1 - Nossa.
R - Não podia comer; não podia chupar laranja porque era azedo, porque tinha espinho; não podia comer cana porque não sei o quê lá; não podia comer mamão porque o mamão era frio; não podia comer banana porque descia muito; não podia comer carne de boi porque a carne de boi fazia dar doença no pulmão. Era isso. Não podia comer... Sabe aquelas verduras que tinha espinho? Não podia comer. Era uma dieta danada.
P/1 - Comia o quê?
R - O arroz e o feijão, mingau de couve, aquelas coisas lá. Essa minha tia que eu estou falando com você, que faz três meses que ela morreu, ela era muito danada. Então nós trabalhávamos na roça, tinha lugar em que a gente trabalhava que tinha bananeira. E os cachos de banana amaduravam no pé e a minha mãe mandava o meu irmão me vigiar, mas ninguém sabia o porquê: “Não deixa a Duduca comer mamão não, comer banana não”. Então ele ficava vigiando. Aí, a minha tia falou: “Deixa de ser boba, come sim, não faz mal não”. Aí nós comíamos escondido, eles saíam um pouquinho e nós... oh! Não podia comer nada não, era assim. Eu acho que muitas coisas de antes, em um ponto foi bom: porque eu, graças a Deus, não tenho nada de infecção de útero, essas coisas assim. A primeira cirurgia que eu fiz, aqui em São Paulo, foi a do períneo. Porque o médico falou... Depois ele explicou, ele falou assim: “O períneo é assim... Gente que tem muito parto normal, a bexiga cai. Então a gente fez a cirurgia, a gente não cortou nada, só levantou a bexiga da senhora”. Porque diz que quando a bexiga cai, fica inflamado, fica assim, inflamação embaixo. Agora eu vou fazer os meus exames de rotina, eles perguntam: “Quantos anos faz que a senhora operou? Está a mesma coisa”. “Faz muitos anos, foi a primeira cirurgia que eu fiz”. Engraçado, quer dizer que foi bom ter feito a dieta, porque a gente não tem inflamação nenhuma, não é nada grave, acho que foi bom.
P/1 - Quando ficava menstruada assim, sem ser a dieta, tinha alguma outra coisa que não podia fazer?
R - Não podia ficar descalço, pegar friagem. Então, todo mundo que estava com chinelinho no pé é porque estava menstruada. Aí a gente sabia. É, a gente sabia. Ficava durante três dias. Tinha gente que ficava muitos dias, ficava calçadinho direto, era assim.
P/1 - E você tinha amigas, dona Duduca?
R - Não.
P/1 - Conversava com alguém sobre essas coisas?
R - Não, não tinha essas coisas não. E quando a gente ganhava neném, não podia comer nada, era pior ainda. Nada você podia comer, porque fazia mal. Ainda teve um dia... Eu já estava no quarto filho e ele nasceu em dezembro... É história, posso falar? Em dezembro era tempo de feijão, feijão catar lá no pé. Aí, a minha madrinha chegou, minha tia chegou, e falou assim: “Você não pode comer feijão novo porque faz mal”. Eu falei assim: “Que mal que faz, madrinha?” Ela falou assim: “Não sei”. Falava que fazia mal, mas ninguém sabia que mal fazia, foi pondo aquilo na cabeça. Menina, era tempo de manga. Até hoje tem as mangas lá, tempo de manga. O pai deles ia na fazenda, pegava manga, cheirava a casa inteira e eu não podia comer, porque diziam que fazia mal. E lá eu tinha uma vizinha... Aí já era a vizinha, ela só tinha filho no hospital e não tinha dieta. Ela falava assim, “Olha, comadre, pode comer manga sim, que a manga é bom para dar o leite”. Eu falei: “Não, dizem que não pode, dizem que faz...”. “Não faz nada, boba, pode comer”. E aí eu peguei e falei assim: “Eu vou comer escondido, se fizer mal eu fico quieta; se não fizer, eu continuo”. Aí, comi. Peguei as mangas, minha filha, e comi escondido. O menino mamou oito meses. Foi verdade, o peito encheu, tirei o mamá porque logo já fiquei grávida. Para dar ao outro tinha que tirar o mamá. Desse jeito. Porque diziam que... Eram muitas coisas bobas, eu acho que tinha antigamente, viu? Eles falavam que fazia mal, mas não sabiam nem que mal fazia. Montei na manga. Não vou fazer dieta mais não, vai tomar banho. Essa minha filha, que é a segunda, ela nasceu no mês de maio. Então, a gente tinha que... Só comia sopa de galinha. Matava a galinha, fazia aquela sopa de farinha de milho lá, cinco dias você tinha que comer. Então você separava as galinhas - uma galinha dava para dois dias, uma parte dava para hoje, a outra parte para amanhã - cozinhava, fritava, cozinhava, e aquele caldo você engrossava com a farinha de milho, essa farinha amarela. Então aí as galinhas que nós escolhemos, que separamos para comer no... Elas pegaram doença, aí não podia comer. É uma doença que tem lá, não sei como é que chama aquela doença lá das galinhas, que ela fica com a cabecinha inchada e faz assim, e morre. Aí pronto, não podia comer mais nada, tinha que comer só aquilo lá.
P/1 - E aí?
R - E aí, a minha sogra começou a quebrar milho no moinho para fazer canjica, canjiquinha. Punha o milho lá no moinho e fazia (inint) [01:04:01] e cozinhava canjiquinha. E a gente comia canjiquinha cozida. E quando dava essa doença nas galinhas, todas as fazendas tinham, não adiantava você querer comprar em outro lugar porque era uma doença muito horrível que tinha antigamente, que dava nas criações.
P/1 - Dona Duduca, como a senhora conheceu o seu esposo?
R - Alguém conheceu para mim. O negócio está indo longe demais.
P/1 - A senhora está bem? Quer tomar um gole de água?
R - Não, quero não.
P/1 - Vamos tomar um golinho de água antes?
R - Não, não quero não.
P/1 - Não?
R - Mas acontece assim. No tempo da gente, ninguém namorava. No meu tempo, não sei se tinha alguém que fazia... Mas eu não. Ninguém conhecia ninguém. Alguém falava assim: “Ali tem um fulano e o senhor Isaltino tem uma filha boa para casar”. Então esse rapaz pedia alguém para falar. Então ele... A gente não via ninguém, passava na estrada lá. Teve uma vez que a gente foi à cidade para levar as coisas e esse cara aí, ele era... Ele ia na cidade levar lenha, assim, para vender lá. Mas eu, com os meus meninos, como era muito longe, a gente nem sabia quem estava na família. Ele falava: “Entra aqui que eu levo vocês”. Aí nós entrávamos no carro de boi. Então, tinha que ser escondido. Se a mamãe e o papai soubessem, iriam achar ruim. Aí ia eu e o meu irmão. Então, nós não falávamos nada que nós tínhamos entrado no carro do cara, não podia falar - carro de boi, não era carro de coisa não, porque não tinha carro antigamente. Então era assim. E aí ele pegou e falaram que ele estava... Que diziam que ele queria... Estava gostando de mim, e mandou o meu tio perguntar se podia... Primeiro para o meu pai. Aí o meu pai já marcou - nem perguntou nada para mim - já marcou. Assim que ele pediu, perguntou se podia me namorar, casar comigo, meu pai falou: “Pode sim, já vamos marcar”. Já marcou oito meses do dia que ele falou. Era desse jeito assim, a gente casava, o pai mandou...
P/1 - E como a senhora ficou sabendo que ia casar?
R - Então o pai mandou eu casar. Aí o meu pai já começou a comprar as coisas, separar alguma coisa que era para o casamento, já separar os porcos lá que era para fazer o casamento, e já foi na cidade para comprar alguma coisa. E então aí que a gente ficava sabendo, mas a gente não sabia o que era e o que é que você ia fazer, era desse jeito.
P/1 - Mas qual foi a reação da senhora quando soube disso, a senhora lembra?
R - Eu queria sair de casa, porque lá em casa não estava bom porque o papai não deixava fazer nada. Eu achava que se eu saísse, ia melhorar; não podia sair de casa para lugar nenhum. Eu tenho um afilhado que, quando ele fazia aniversário... A primeira casa era a deles, a última era a nossa, da Gruta. Então a gente ia buscar água na bica e passava lá. Aí, a minha tia falava assim: “Entra aqui para você comer o seu doce, porque o seu pai não deixa você vir mesmo na festa”. Aí eu entrava, ia buscar na bica, entrava lá, comia o doce, que era tudo festa com doce, e ia embora. Escutava o toque da sanfona a noite inteira, mas não podia ir porque ele não deixava. Então você vai casar e vai ficar livre, não vai? Mentira. Isso que aconteceu. E quando a minha filha casou... Que eu só tenho duas meninas, os outros todos são homens... A minha filha começou a namorar, eu falei assim: “Se um dia eu tiver filha e se ela quiser casar nova, eu não vou impedir não. Se ela quiser. Mas se ela não quiser, eu vou dar todo o apoio, porque Deus me livre”. Aí... Mas ela casou, tinha dezoito anos. Então já estava diferente, estudava, o rapaz ia lá em casa, tudo bonitinho. E então, no dia de sábado, ela ia para a casa dele - ela e a outra mais velha e o pequeno, o mais novo ia para casa deles lá. Aí, um dia, o meu marido falou assim para mim: “Eu não estou gostando nada da Marli ir lá para a casa do namorado não”. Aí eu falei para ele assim... Eu falei: “Você sai de perto das meninas para não acontecer o que aconteceu comigo”. Eu falei: “Se ela vai casar, ela vai morar lá e ela vai ter que conviver com eles lá, não como nós, porque eu não posso nem ouvir a sua voz - quem namorou você foram o papai e mamãe. Então sai de perto das meninas, deixa elas viverem a vida delas”. Nunca mais ele impôs. Não é verdade? Falei: “Quem namorou você? Papai e mamãe. E eu não posso nem ouvir a sua voz. Então ela vai ficar lá, porque ela vai conviver com eles, já que ela vai casar e vai morar lá”. Estavam fazendo a casa lá. “Vai morar lá, então ela tem que viver com eles. Por que você fica impedindo?” Aí ele parou. Não, não é verdade?
P/1 - Qual era o nome dele?
R - Do meu ex-marido? Ex-marido porque já morreu. Era Jesus Felício da Costa.
P/1 - E senhora lembra da primeira vez que o viu?
R - A gente via porque a gente morava na roça e via passar. Eles passavam para trabalhar e a gente via. E, às vezes, a gente passava... Ficava todo mundo na turma trabalhando na roça, a gente passava e os caras ficavam olhando, mas a gente não tinha, assim, influência com nada não.
P/1 - Mas depois que a senhora soube que ia casar com ele, como é que era as vezes que a senhora o via?
R - Era difícil ver, porque o meu pai pôs ordem: tinha que ir lá só no sábado, e quando ele ia lá no sábado, ele ficava jogando bola com os meninos lá no quintal... Com os meus irmãos lá fora, jogando bola. Outra hora eles estavam na roça, ele ia lá para a roça, onde estavam os meninos, assim, andar lá, porque era dia de sábado. Era assim. Não tinha esse negócio de... E sentar perto não podia, o papai não deixava, não deixava não. Lá em casa tinha duas cadeiras, que era banco, a gente usava banco, tinha duas cadeiras. Então, o que é que o meu pai... Era assim... Em comparação: ali era a porta da sala, a entrada, e aqui era o banco. Então eu vinha... Agora, em comparação: ali é a cozinha, eu vinha dali e sentava aqui. Então, se ele estivesse aqui, eu vinha da cozinha, você não ia lá receber o rapaz na porta não. Depois que você fizesse tudo é que você ia lá. Então, eu ia sentar no banco. O meu pai, um dia, me viu sentar ali e o que é que o meu pai fez? Pegou as duas cadeiras e pôs na porta, para ele chegar e já sentar na porta, para não sentar no banco. Era assim. Pena que não tinha filme, antigamente. Pois ele pôs as cadeiras para ele chegar, como quem diz: “Já chega e senta aqui, não vai para lá”. Ou então ele sentava aqui, eu vinha da cozinha e sentava ali no banquinho. Era assim que o papai fazia. E o meu pai não saía da sala, o café dele tinha que ir lá na sala também, do papai. Ele cansava, sentava assim e virava, depois ele cansava, ele ficava assim, ele não saía. Medo. Desconfiava da gente, não adiantava. Aí teve uma vez que ele saiu,
e naquelas casas velhas, furadas, tinha um buraco assim embaixo, tinha uma mesa e tinha um buraco assim e esse buraco saía para lá assim, dava para passar (inint) [01:11:42]. Aí a minha mãe falou assim: “O seu pai estava olhando para você do buraco lá”. Eu falei: “Pode olhar até secar os olhos que ele não vai ver nada; de mim, nunca vai ver não, pode secar o olho lá no buraco, não vai ver nada não”. Não precisava vigiar a gente não, a gente sabia... Tomar banho, ninguém também... E antes, os rapazes também respeitavam as moças, os rapazes também respeitavam as moças. Por isso que tinha casamento. Antigamente tinha muito casamento, hoje em dia tem uns que se casam para fazer festa, não é verdade? Você é casada? É seu marido?
P/1 - Não. E nessas...
R - Não é verdade? Hoje em dia as pessoas casam para fazer festa. Com um ano, três meses, quatro anos já estão largando, não é verdade? Então, não é nada demais não, mas é porque às vezes não existe mais respeito, mais assim... Consideração com a pessoa, não tem.
P/1 - E dessas vezes que ele ia visitar a senhora, o que é que acontecia? O que é que vocês conversavam?
R - Não conversava nada, era só bom dia e nem pegar na mão não pegava.
P/1 - E fazia o quê?
R - Era boa noite, porque ele ia de noite, e só. Quando a gente ia à festa de Semana Santa assim, tinha uma tia que ela era toda... O meu pai mandava a gente ir à festa da Semana Santa na terça-feira porque na sexta-feira acabava mais tarde. Na terça, às nove horas terminava a festa da Semana Santa. E na sexta terminava acho que onze horas, meia noite, então não podia ir não, tinha que ir naquela. Quando fosse com alguém, tinha que ser naquela da terça-feira. E a festa mais bonita que havia na Semana Santa era a da sexta-feira, que era o encontro de uma igreja em que ficava Jesus Cristo e uma igreja... E a Nossa Senhora na outra. Então, tinha a tal procissão para... Não, a da terça-feira era a procissão do encontro. Então, eles saíam de uma igreja para outra e se encontravam. E na sexta-feira a festa era maior, porque saíam os dois santos na procissão, era lindo demais. Então era assim: da terça-feira, o santo que estava na outra igreja vinha e ficava em uma em que estava a santa, a Nossa Senhora. Também ficava ali. Aí, na sexta, saía junto a procissão, era muito bonito.
P/1 - E nessas festas que a senhora frequentava, não tinha nenhum paquera?
R - Mas ninguém fazia isso não. Mas se tivesse, não podia não, (inint) [01:14:10] era muito boba demais, era muita coisa esquisita. E nessa igreja lá... Eu casei nessa igreja, os meus meninos batizaram naquela igreja, tudo ali, a igreja está lá até hoje.
P/1 - Então conte como é que foi o casamento.
R - O casamento foi... Os nossos patrões, donos da fazenda lá, falaram assim... Porque na época em que a gente mudou para lá, nós éramos três moças - éramos eu, a minha prima e a outra minha prima - então esses patrões eram muito amigos dos empregados, eles falaram assim que a primeira moça que se casasse na fazenda deles, ele iriam vestir para casar. E a primeira fui eu. Eles moravam no Rio, mas quando era época de férias, eles estavam lá, (inint) [01:15:01] começava época de férias, eles já estavam na fazenda. Aí ele pegou... Eles deram tudo, deram o dinheiro para comprar o vestido. A gente mandava fazer, não tinha para comprar pronto, mandava fazer. Deram o dinheiro para comprar o pano para fazer o vestido, deram o dinheiro para pagar a costureira, deram o dinheiro para comprar o sapato e deram qualquer outro negócio lá. Eu sei que deram tudo. Então, com a vestimenta, o meu pai não gastou nada, não gastou nada, eu ganhei tudo. Era assim.
P/1 - E depois da igreja teve...
R - No meu tempo, o casamento era junto. Casava no Cartório primeiro e depois ia para a igreja, então era pertinho da igreja. A gente foi para a cidade se vestir na casa onde a minha tia trabalhava - uma casa de família - então a gente pediu para eu me arrumar na casa dela, a gente foi se arrumar, a gente foi a pé, no meio da rua, de vestido de noiva, todo mundo olhando, a pé, andando. Da casa que a minha tia trabalhava até o Cartório, a pé, era longe. Está lá o Cartório, se tivesse boca ele falava, aí então entramos no Cartório, casamos. Dali fomos andando até a igreja, todo mundo olhando (inint) [01:16:24]... “lá vai, casou”. Na hora de vir embora estava todo mundo na porta da igreja, eu falei assim: “A pé, embora, eu não vou”. Eu era muito boba, não conversava não. Falei: “A pé, eu não vou”. E o meu cunhado tinha um caminhão. Aí eu falei: “De caminhão eu não vou embora, de caminhão é desaforo”. Ficou todo mundo lá na porta da igreja, ninguém se decidia como é que ia embora, tudo quieto.
P/1 - E aí?
R - E aí teve alguém que pegou, menina... E tinha um padrinho - o padrinho de casamento dele, do meu marido - pegou, alugou um carro lá e levou a gente embora. Aí, outra coisa. A minha mãe falava, quando ela brigava com o meu pai, ela falava para mim assim: “Se um dia a minha filha casar e tiver uma vida de casada como eu tenho, eu preferia o caixão no dia do casamento, preferia a morte no dia do casamento”. Vai escutando. Aí, a gente pegou o carro e foi embora. Quando chegou a uma distância, o carro atravessou no meio da estrada, tinha um buraco, tinha o rio ali assim, o rio ali, e aquele barranco alto assim e tinha um buraco. O carro fez (inint) [01:17:38], eu falei: “É hoje que eu vou cair no buraco”. Foi isso que eu pensei, o que veio à cabeça, por que é que se fala besteiras. Dali desse buraco eu fui andando até em casa também, de noiva, porque o carro atravessou ali, não existia quem arrumasse. É, menina. Eu pensei. Falei: “Pronto, vou ter a mesma sorte que a minha mãe teve, porque o carro já vai cair dentro da água”. Olha como é que são as coisas. Foi isso aí. O carro ficou lá até no outro dia. No outro dia alguém foi buscar e eu fui andando embora. Foi assim, a minha vida não foi boa não.
P/1 - E chegando em casa?
R - Chegando em casa, aí teve a festa. Só que é assim... Como a gente morava na gruta, eles colocavam aqueles arcos de bambu, pegava bambu com folha e fazia assim bonitinho, enfeitava tudo. Quando você via uma encruzilhada enfeitada é porque tinha casamento. A gente passava ali, debaixo daquelas coisas bonitinhas, para chegar em casa. Aí teve baile, teve tudo a noite inteira, teve baile, teve aquela festa a noite inteira.
P/1 - E depois?
R - Aí na hora de dormir vem a história. O meu pai falou assim... O quarto estava arrumadinho lá. O meu pai falou assim: “Na hora de dormir, não é para dormir nesse quarto não”. Eu falei: “Está bom”. Para mim tanto faz, tanto fez também; não sabia de nada. Aí tinha muito menino lá, tinha menino, criança que foi também lá com os pais, no casamento. Eu fui e deitei lá no quarto, deitei no quarto da minha mãe, lá no meio do chão, todo mundo lá dormindo e eu deitei também. Aí a minha mãe foi lá e falou assim: “Você hoje não vai dormir aqui, você vai dormir lá no seu quarto”. Eu falei: “Papai falou que não pode”. Ela falou assim: “Você vai para lá”. E me pegou no braço e pôs para lá, para dormir lá. Papai não deixou, você acredita? Era isso aí.
P/1 - E aí?
R - E aí deitou, dormiu; no outro dia dormiu de novo, e pronto.
P/1 - E como foi descobrir essa intimidade do casal, dona Duduca?
R - Vou te falar, não tem nem graça, tudo no escuro, tudo escondido, tudo... Uma chatice danada, era assim.
P/1 - E como foi o começo da vida de casado?
R - O começo da vida de casado foi assim: com oito dias de casado, a minha mãe foi embora para longe, que eu te falei, foi embora para longe e eu fiquei. Aí fui morar com a minha sogra, fui morar com a minha sogra que tinha... Esse padrinho que deu a roupa para casar, as coisas para casar, ele deu também a madeira para fazer a casinha de pau a pique. Vocês conhecem pau a pique? Não.
P/1 - Não, conta para a gente o que é.
R - Você conhece pau a pique? Ele conhece. Então, aquelas casinhas de barro. Você corta os paus, as madeiras e finca assim, faz assim, amassa barro e vai fazendo assim. Então ali foi a nossa casa, fez uma casinha com um quarto, uma sala e uma cozinha. E como a gente casou... a casa foi feita dia 24 de junho, foi dia de São João, e eu casei dia 29. Então, estava molhada a casa, tinha que esperar secar. E aí a mãe foi embora e eu fui morar com a minha sogra, fiquei morando dentro de casa com ela. Para você ver como é que era antigamente... E aí eu não gostei... A gente não brigava com ninguém, eu não gostei das coisas que a minha sogra falou, peguei e falei para ele, falei assim: “Amanhã eu não vou ficar aqui; amanhã eu vou lá para baixo”. Era só atravessar, era igual a esta guarita assim, a casinha: “Amanhã eu vou lá para a nossa casa, eu não vou ficar aqui amanhã não”. Aí, lá não tinha fogão, lá não tinha não sei o quê, não tinha nada, só tinha a casa. Não, tinha o fogão, tinha feito o fogão, não tinha aquela trempe assim para pôr lá. Aí ele pegou e falou: “Mas como é que a gente vai fazer lá? Não tem nada lá no fogão”. Eu falei: “Mas eu não vou ficar aqui. Depois do que a sua mãe falou, eu não vou ficar mais”. Aí ele pegou, tinha uma chapa velha lá fora, ele pegou, levou lá no ferreiro, na cidade, para emendar o negócio, para colar o negócio lá e pôs lá no fogão. E a gente mudou. E eu mudei, e ela não ficou sabendo o porquê de eu ter mudado. A gente era assim, a gente não tinha esse negócio de ficar brigando com ninguém.
P/1 - Mas o que ela tinha falado?
R - Só porque eu não gostei da palavra dela. Ele estava fazendo uma prateleira para a gente assim, para pôr as vasilhas... Porque antes era assim. Como isso aqui assim, você fazia de quatro, de cinco, do tanto que você quisesse, ia fazendo assim, ali você colocava as coisas bonitinhas - as panelas, as louças bonitinhas, e enfeitava com esses paninhos que eu estou te falando que a gente bordava. Aí ela pegou e falou para mim assim: “O que é que vocês estão fazendo aí?” Aí eu peguei e falei assim: “Ele está fazendo uma prateleira para mim”. Ela falou assim: “Põe as latas no caixote. Para que fazer prateleira? Põe as latas na caixa”. Falou assim. Aí eu peguei e falei para ela assim: “Mas quando a senhora casou, a senhora não colocou as latas na caixa, colocou?” “Não, meu marido comprou guarda-comida”. Agora não tem guarda-comida, esses armários assim. “Meu marido comprou guarda-comida para mim, comprou isso, ele comprou aquilo”. Eu falei: “Mas a gente não pode comprar, a gente está fazendo”. Aí eu não gostei do que ela falou. Quer dizer que ela era a tal. Ela tinha. E então, eu não gostei do jeito que ela falou. Aí a gente foi de noite (inint) [01:23:26] dia de domingo, a gente foi na casa da minha tia e eu falei assim: “Agora eu não vou ficar lá mais não”. E mudei. Ela ajudou a levar as coisas lá para baixo e não deu conta de que eu não gostei, porque a gente não brigava com os outros antigamente, a gente não brigava não. A gente não gostava e ficava para a gente só. Era assim.
P/1 - E como foi ficar na casa só vocês dois?
R - Aí aquelas coisas de... A gente não tinha muita coisa, ele ia trabalhar e eu ficava fazendo... Assim... Às vezes, eu ia lá para a roça também, junto com ele, mas daí eu não trabalhei mais na roça não. Trabalhar na roça ele não deixava mais não. Ele não trabalhava muito, porque o pai dele morava na cidade, o pai dele era separado da mulher e ele tinha a vida dele na cidade. Então, como o sítio era deles, de lá ele ficava levando coisa para a cidade
para deixar para o pai, porque o pai vendia lá. Encomendava bambu, era milho, era não sei o quê lá, então ele ficava assim para lá e para cá. Mas, pegar firme mesmo nas coisas, ele nunca foi assim de trabalhar na roça não. Tinha a roça, mas tinha alguém que fazia, tinha companheiro que fazia as coisas para a gente, era assim.
P/1 - E como foi descobrir a primeira gravidez?
R - Eu casei no dia 29 de junho, quando foi no outro mês já não desceu. Já casei, quando foi no outro mês... Não, ia casar no dia 29, o negócio aí desceu dia 30, e era direitinho antigamente. Quem será?
P/1 - Daqui a pouco termina já.
R - Então, ok.
P/1 - A senhora está bem para continuar falando?
R - Eu estou, mas chega de falar, estou falando tanto besteira.
P/1 - Dona Duduca, a senhora estava contando que logo que a senhora casou, no dia 30...
R - É isso, no dia 30... Vai mostrar isso lá?
P/1 - Não, não vai, a gente não põe essa parte. Só conta para mim e aí essa parte a gente não coloca.
R - Então, ok. Porque, sabe, eu estou falando porque uma vez o meu irmão foi lá na... Quem que foi lá? Acho que foi o Júnior que foi em Minas, até ele me chamou e eu não fui, para ir lá uma vez e ele foi lá para fazer... Ia fazer festa dos sessenta anos do meu irmão, então ele foi em Minas para fazer uma surpresa. Então, muita coisa que ele ficou sabendo lá, ele colocou no livro. Coisa do meu pai lá, que o meu pai fazia com a minha mãe, brigava, tinha ciúme, fazia aquelas coisas, aí o meu primo contou e ele pôs no livro. Eu falei: “Essa parte aqui não precisava ter posto no livro não”. Isso aí foi o livro que o Júnior fez, eu tenho até o livro. Eu falei: “Essa parte aqui não precisava estar no livro não, gente, isso é coisa de...”. Gente boba, pôs no livro aquelas coisas de homem ciumento, que o meu pai era muito ciumento, e o menino contou e pôs tudo. E aí eu não gostei. Aí, dessa vez, se tiver alguma coisa aí...
P/1 - O que a senhora não gostar é só avisar para a gente que a gente não põe.
R - Porque nem tudo precisa pôr.
P/1 - Sim, sim, pode ficar tranquila. De verdade.
R - Está bom. Aí, ia descer no dia 30 e eu casei no dia 29. E antigamente, a gente era muito certinha com as coisas, vinha certinho, chegava o mês certinho e descia. Aí, já casei com aquilo lá, fiquei eu acho que uns cinco dias, aí depois não veio mais. Foi aí que eu fiquei grávida do primeiro menino.
P/1 - E como foi contar para ele, para o seu marido, que a senhora estava grávida?
R - Não tinha que contar não.
P/1 - Não?
R - Não, até eu fiquei com raiva porque eu falei para ele assim: “Como é que vai fazer para ter menino aqui? Como é que vai fazer?” Sabe o que ele falou? “É a mesma coisa que vai fazer cocô”. Eu não esqueço disso. Tudo ignorante, antigamente “É a mesma coisa fazer cocô”. E eu pensava que era verdade, menina, para você ver como é que era, nem a gente sabia nada e nem os caras não sabiam. Eram muito esquisitas as coisas antigamente. Então, era assim. E não foi nada, eu quase morri.
P/1 - Então como é que foi o parto?
R - Eu quase morri, minha filha. Não tinha mamãe perto, a minha sogra não gostava dele, ela gostava de mim, mas não gostava dele, ela não ia na casa da gente. Quem ficou comigo foi essa minha tia que eu te falei, que também agora já morreu, não essa de agora, a outra que eu mostrei primeiro. Ela ficou. Ela e a parteira ficaram comigo. Eu comecei a passar mal na terça-feira, na quarta-feira em grito, quinta-feira em grito, nasceu sexta-feira de manhã. Eu quase morri, porque não tinha... E marido não podia entrar no quarto não. Se estivesse nascendo o neném, não podia entrar no quarto não, tinha que ficar lá fora. Juntou gente lá do lado de fora, no quintal, rezando para poder nascer logo, foi a maior tristeza. O menino nasceu, na hora em que ele apontava a cabeça assim a parteira puxava, eu gritava, ele voltava. Então ele nasceu com um caroço assim, uma bolha d'água assim de tanto... Eu fiquei tão ruim... De eu fazer força, isso aqui parece que arrebentou. Eu quebrei o dente, você acredita? De fazer assim, fazia assim e o dente quebrou. Era horrível, minha filha, o tempo da gente. Então, no outro dia, ficava... Não podia fazer assim, tudo doendo, tudo assim... Deus me livre. Para você ver, o meu filho está com sessenta anos, parece que foi ontem, eu lembro de tudo, era assim.
P/1 - E como que veio o segundo?
R - Quando ele tinha cinco meses, eu fiquei grávida da outra. Aí foi aquela choradeira, porque eu fiquei com medo. Cinco meses o neném tinha, tive que desmamar, porque tinha que desmamar: diziam que não podia dar mamar enquanto estivesse grávida. Aí,
com cinco meses que ele tinha, desmamou. Eu fiquei... Quando tinha sete meses... Estava grávida de sete meses e não aparecia barriga, de tanto que eu chorava, de medo. Pensava que ia ser a mesma coisa. E aí foi tudo (inint) [01:29:34], tudo (inint) [01:29:38]. Tive oito. Cada um... Só o caçula que nasceu aqui, mas nasceu com parteira também, nasceu no hospital, mas foi com parteira. Era tudo assim, na base da força, minha filha.
P/1 - E como era descobrir a próxima gravidez?
R - Não, que descobrir não. Não vinha a menstruação.
P/1 - E o que a senhora pensava?
R - Não vem a menstruação, está grávida. Eu tenho um menino sem vergonha, está aí, sem vergonha. Se ele estivesse aqui, ele ia gostar. Ele adora essas coisas assim. Quando eu o tive, nunca veio menstruação. Eu tive o outro e não aparecia menstruação. Acabou a dieta, acabou tudo. Cadê? Nada. Aí, um dia, eu comecei... A gente via a varize, a varize estava meia grossa, aí a minha tia falou assim: “Você está esperando neném de novo?” Eu falei: “Como assim?”, Ela falou assim: “Olha a sua veia como é que está”. Eu falei: “Ai, madrinha, credo”. E foi verdade. Então, ele nasceu e eu não sabia quando ia nascer porque nunca teve menstruação. Porque a gente contava a menstruação, faltou, está grávida. Se nunca veio... Teve a dieta do outro e nunca veio... Então era assim. Aí ele nasceu, nasceu esse daí e eu nunca tive menstruação.
P/1 - Quais os nomes de todos?
R - Dos meus meninos? O mais velho chama-se José Antônio da Costa; a menina, Maria Célia da Costa. O ‘da Costa’ é do pai. E o outro, João Batista da Costa. Só esse que é danado é Antônio Felício da Costa. E a Marli Aparecida da Costa e o Sérgio, que é o caçula, Sérgio Felício da Costa.
P/1 - Seis.
R - Seis, porque nasceu um e morreu, e tive outro também morto.
P/1 - E antes do caçula vir, antes de vir para São Paulo, como era ter tanto filho em casa?
R - Então... Mas aqui você vê como é que é a gente morar em cidade grande. É diferente como as pessoas conversam. Se eu estivesse lá na roça, eu teria uns cinquenta. Teria porque a natureza aqui é boa, senão eu teria uns cinquenta. Aí eu vim para cá para São Paulo, fiquei morando com a minha mãe, porque eu vim para São Paulo foi em 1965 que eu vim morar aqui. Então eu tinha essa menina que eu estou falando para você, que é Marli Aparecida, ela fez um ano em maio e eu vim em agosto para cá - ela estava com um aninho. Aí, quando eu cheguei aqui, tinha uma vizinha da minha mãe que falava assim: “Porque a senhora não toma remédio? Para que tanto filho?” Eu falei: “Tomar remédio como?” Ela falou assim: “A gente vai no posto, no médico, passa no posto e eles dão o remédio, eles dão a receita”. Tinha que comprar. Aí eu fui no posto, no posto lá da Penha, lá onde eu moro, passei no médico lá e ele deu comprimido para tomar. Aí foi que eu fiquei... Quando veio esse agora, o caçula, ela tinha cinco anos, a menina tinha cinco anos, nunca aconteceu isso na minha vida, aí tomava direitinho. Às vezes, quando eu ia na Santa Casa, que eu os levava na Santa Casa, os médicos falavam assim: “Por que tem tanto filho?” Eu falei assim: “Mas no meu tempo não tinha remédio, não é doutor?” Não tinha remédio e nem conversa, ninguém conversava com a gente, tinha que ter. E era assim. Depois de cinco anos. E depois que ele estava com nove anos eu operei para não ter mais, senão eu teria. Operei e aí tinha uma... Não podia pagar também não. A minha irmã era manicure e ela tinha uma cliente que falou que tinha... Aqui no Jabaquara tinha um médico que estava fazendo laqueadura e só cobrava um cruzado - era no tempo do cruzado. Aí a minha irmã veio, ela falou: “Vamos comigo lá que eu vou fazer”. E ela já tinha marcado no INPS, ela ia fazer e era oito mil para fazer a laqueadura. E como a moça falou que aqui estava fazendo de graça, ela quis vir, falou assim: “Eu vou evitar gastar esse dinheiro”. Aí ela me falou para vir com ela. Quando chegou aí no médico, o médico não quis fazer para ela porque ela tinha três meninos, ela nova, falou: “Eu não posso fazer porque a senhora tem três meninos, aí a senhora vai querer uma menina e a senhora vai...”. Aí ela ficou chorando, ficou nervosa, e falou assim: “Vai você fazer a ficha lá”. Eu falei: “Eu não”. Ela falou: “Vai sim”. Eu falei: “Eu não trouxe nem documento aqui, como é que eu vou fazer ficha?” Aí eu fui assim mesmo, de tanto ela insistir eu fui e passei... Tem que passar primeiro na psicóloga, eu passei e a médica falou assim: “A senhora já foi aprovada”. Porque eu já ia fazer quarenta anos e já tinha esse monte de meninos. Aí fiz a ficha, tudo bonitinho, e não quis ir fazer. Falei: “Não vou fazer nada não”. Fiquei quieta e não quis ir não, fiquei com medo. Aí,
quando eu resolvi fazer, já eram três contos. Aí eu fiz, não paguei nada. Senão eu estava aí com um monte de filho de novo aí.
P/1 - E dona Duduca, como é que foi a decisão de vir para São Paulo?
R - De vir morar aqui? Minha filha, foi um transtorno para vir para cá, porque ele não queria vir de jeito nenhum. Mas ele era muito mulherengo. Meu marido era muito mulherengo, ele se envolveu com uma menina lá de quatorze anos, lá na Zona da Mata. Aí ele pegou... Eles queriam matá-lo, o pessoal lá queria matá-lo. E eu sabia de tudo, mas eu achava que... Aí, eu sabia de tudo do assunto lá, eu tive essa menina, essa Marli, peguei e dei à moça para ser madrinha, porque eles falavam que madrinha não pode... Porque comadre não pode... Olha como a gente era bobo. Aí eu dei para ela ser madrinha da menina para ver se ele parava com... Aí ficou pior. Aí o assunto ficou pior. Aí então, um dia, ele pegou, saiu assim de noite, se arrumou todo bonitinho e saiu, falou que ia para um lugar e foi para outro. Eu morava em um lugar assim, em uma casa assim, e lá assim era a casa deles, era compadre. O casal lá, os velhos lá, a mulher cuidava de mim como se fosse minha mãe, porque a minha mãe não estava morando lá, ele pagou com isso aí. Aí ele pegou, e tinha o meu tio com uma fazenda para cá, aí ele falou assim: “Estou indo lá na fazenda”. Aí ele foi para lá e esqueceu... Porque tinha que andar com um porretinho por causa de cachorro, já estava de noite. Ele pegou e esqueceu de pegar o porrete e voltou, voltou e pediu. Aí eu peguei e fui lá. Aí, um dos meus meninos pegou e levou para ele, e o menino não alcançou na porta para fechar, ele falou assim: “Mãe, eu não consigo fechar a porta”. Eu falei: “Deixa que eu fecho”. Na hora em que eu fui fechar a porta, aí eu olhei, ele falou que tinha ido na casa do meu tio, ele foi para a casa da moça. Quando eu olhei assim, estava descendo um trilho assim no meio da... E não tinha nada a ver com a fazenda. Aí eu falei assim: “Nossa, eu não sei o que é que seu pai tem na cabeça”. Aí os meninos falaram assim: “O que é que o pai fez, mãe?” Eu falei: “Não, ele falou que ia na casa do tio lá, não foi nada, está indo para a casa do senhor Raimundo”. Aí o que é que eu fiz? Sentei na beira da cama de noite e comecei a rezar o terço. Eu e os meninos. Eu rezava e eles respondiam. Medo de acontecer as coisas. Quando foi altas da noite, minha filha, que bagunça... Era cachorro que latia, galinha que gritava, gente que chorava. Aí eu abri a porta para ver, eu desci. Na hora em que eu desci, eu encontrei com ele, ele estava vindo. Eu falei: “O que é que você estava fazendo aqui embaixo? Porque você disse que ia na casa do tio, ia na fazenda”. “É, o compadre está querendo me matar”. Eu falei: “Tem que matar porque você merece. O que é que você está fazendo lá?” Aí fui, quando eu cheguei lá na casa deles, o velho estava batendo na moça e falou assim: “Não matei ele, comadre, mas eu mato ela, não matei ele, mas eu mato...”. Foi um inferno aquilo lá. Ali acabou a vida para mim. Aí ele pegou e ficou preso dentro de casa, com medo. Porque os irmãos queriam matá-lo. Eu falava para ele assim: “Vai embora lá para a casa do seu pai e eu fico aqui, depois eu vou”. Porque o pai dele morava no Rio Branco, aí não ia de jeito nenhum. Aí, esse homem da fazenda - é irmão do meu pai - ele foi lá, falou para mim assim: “O homem não tendo nada, mas tendo vergonha na cara já é muita coisa”. E ele não quis ir embora sozinho, eu tive que ir junto. Nós vendemos tudo... Vendeu nada, só soube o preço das coisas da casa lá, de criação, de mantimento que a gente tinha, a roça ficou toda largada lá e a gente foi morar dentro da casa do pai dele. A gente não tinha dinheiro para vir para cá, porque a gente vinha, mas não tinha dinheiro para pagar. E ficamos dentro da casa do pai dele, e eu com cinco filhos e o pai dele com cinco. Era a maior tristeza, eu chorava direto. E eu sabia escrever nessa época, eu escrevia carta para a minha mãe; quando a minha mãe mandava, eu lia também. Depois eu acabei... (inint) [01:39:31]. Aí, comecei a ir lá para a roça, ia para a casa dos meus tios lá na roça, teve um dia que eu deixei os dois meninos lá, ia andando, os meninos tudo pequeninho, tudo andando, aí um dia eu falei para ele, falei assim: “Eu deixei os meninos lá na casa da tia, eu não vou trazer mais para cá não”. E a gente esperando vir o dinheiro da fazenda lá, porque vendemos nossos mantimentos para a gente poder vir embora para cá. Que nada, minha filha, não apareceu dinheiro porcaria nenhuma. Soube só o preço das coisas que tinha, mas dinheiro não apareceu. Aí tinha uma prima - que até, hoje, ela mora no Poá - e eu ia todo dia para a casa dela, de noite, para beber café, ia passear, mas com desculpa de tomar um cafezinho, comer alguma coisa, dar comida para os meninos. Aí, um dia, nós fomos lá e esse marido dela é sobrinho do meu pai, ele sabia da situação, ele já tinha estado aqui em São Paulo para trabalhar, mas não conseguiu emprego e voltou, e eles ficavam na casa da minha mãe quando eles vinham, porque era sobrinho, ficava na casa da minha mãe. Então ele pegou e falou... Falou assim: “Se vocês quiserem pagar a condução para mim, a passagem para mim, eu levo vocês e deixo lá na cozinha da tia. Eu só não faço porque não tenho dinheiro, senão eu levaria vocês. E se vocês conseguirem o dinheiro para mim, eu levo”. Aí eu pedi para o meu sogro, que ele tinha dinheiro guardado, eu falei para ele se ele emprestava cinquenta contos para a gente, aquela notinha vermelha. Falei: “O senhor não poderia emprestar para a gente cinquenta contos? O meu primo vai nos levar embora, porque aí a gente sossega o senhor também. Porque a gente fica dentro de casa aqui, um monte de menino, a gente não pode ajudar o senhor”. Ele falou: “Não, eu arrumo sim”. Mas aí teve que esperar uns dias porque tinha a data certa para tirar o dinheiro. Aí, ele arrumou cinquenta contos para nós e eu falei para ele: “Quando eu chegar lá, a primeira coisa que eu vou fazer é pegar o dinheiro e devolver para o senhor. Eu peço para os meninos e mando de volta”. Aí o meu primo trouxe a gente. A gente veio de trem até Juiz de Fora, em Juiz de Fora a gente pegou o ônibus. Nós não conhecíamos ônibus, esses ônibus grandes não conhecia não, não estava acostumada. Só tinha em Juiz de Fora. De Juiz de Fora para cá. Para lá não tinha. Aí, a gente pegou o ônibus em Juiz de Fora e veio para a casa da minha mãe. Ficamos morando aqui na casa da minha mãe.
P/1 - E como foi chegar em São Paulo? Ver São Paulo? O que...
R - Foi muito ruim. Eu chegava... Parecia que eu estava dentro de um buraco. Chegar assim (inint) [01:42:06]. Mas foi muito ruim mesmo na chegada, os meus irmãos arrumaram uma choradeira quando me viram, porque eram todos solteiros os meus irmãos, começaram a chorar porque eu estava muito... A situação por que eu passei, eu estava muito magra e sem dente, porque tinha tirado os dentes e não podia colocar. Então eles começaram a chorar e falaram: “É ela mesma, mamãe?” A mamãe falou: “É ela sim”. De tão esquisita que eu estava, aquele monte de menino, aquela situação. Porque você passar um desgosto desse com o marido e sem lugar para ficar, não é fácil não, viu? Não é fácil não. Aí eu cheguei lá na casa do pai dele e falei para ele. Ele pegou e falou que não era para contar para o pai dele não. Aí nós chegamos de noite, da Zona da Mata para lá nós chegamos de noite. Aí o velho falou assim: “Nossa, o que aconteceu com vocês? Ainda vir uma hora dessas para cá com essas crianças”. Aí eu falei: “Não, é que o filho do senhor arrumou uma mulher lá, o pai queria matar ela, aí a gente teve que vir correndo para cá”. Aí ele abaixou a cabeça, coitado, ficou com a cabeça baixa assim, ficou triste. Aí, quando foi no outro dia, eu falei para ele: “Daqui a gente vai para a casa da minha mãe”. Mas eu não sabia que ia ficar muito tempo lá, eu achava que ia chegar lá e voltar para cá. Eu falei: “Ele só vai comigo para a casa da minha mãe... Com ele, eu não vou. Se ele for atrás de mim, eu não quero levá-lo para lá, porque ele é muito sem vergonha”. Aí o meu sogro falou assim: “Não, a senhora tenha um pouquinho de paciência, porque a primeira vez ele fez e deu isso, ele não vai fazer mais”. Eu falei: “Então o senhor dá uma boa coça de porrete nele ali porque, atrás de mim, ele não vai não”. Chegou aqui, ele fez a mesma coisa, ou pior. Chegou aqui, minha filha, foi mexer com a minha cunhada. Foi a maior confusão, não assim rapidinho. Foi a maior daneira, foi quando eu larguei... Larguei para lá e vim embora. Separei, minha filha, separei. Peguei as minhas coisas, esperei os meninos crescer e me mandei.
P/1 - Para onde?
R - Fui morar com meus filhos, uai. Não fugi para morar com ninguém. A gente brigava, ele falava assim: “É”. Eu falava: “Uma hora eu vou embora daqui”. Ele falava: “Você não tem coragem de fazer isso”. Eu dizia: “Você não perde por esperar”. Falava: “Enquanto os meninos estiverem pequenos eu não vou não, porque para a casa da minha mãe eu não vou, porque ela não é obrigada a cuidar dos seus filhos não. Mas na hora em que eles crescerem, eu saio daqui”. Aí, o caçula falava assim para mim: “É, a senhora fica só falando que vai largar do pai, mas se a senhora largar do pai eu não vou”. Eu falei: “Está bom, pode ficar com ele aí”. Mas eu falei assim... Mas falei: “Enquanto tiver um que vai ficar, eu também fico”. Aí, um dia, menina, estava todo mundo namorando já, os outros já tinham as namoradas, e dia de sábado iam para as casas das namoradas. Então sobramos eu, esse pequeno e a Célia, a minha filha. E a gente gostava de fazer a unha na casa da minha irmã, nós três íamos lá. O Sérgio era pequeno, nós íamos para a casa da minha mãe, a minha irmã trabalhava, fazia unha. Quando a gente já vinha embora, a Célia falou assim: “Mãe, não vamos fazer janta não. Vamos comprar lanche?” Eu falei: “Vamos”. Aí nós entramos no mercado, quando nós estávamos indo para o mercado, a minha filha falou assim: “Mãe, vamos voltar que a senhora não vai gostar de ver o que eu estou vendo”. Eu falei: “Eu já vi”. Ele estava no ponto do ônibus, na maior folga com a namorada. Eu falei: “Eu já, sua boba”. Mas eu achei bom de ele estar com ela porque eu pensei que ele ia embora com ela, mas não foi. Aí nós ficamos do lado de cá do mercado assim, na calçada, olhando para ele lá no ponto de ônibus, conversando numa boa. Aí eu falei para o Sérgio assim: “Vai lá, Sérgio, e pede dinheiro para ele para comprar doce, que é para ele ver que nós estamos vendo ele lá com a moça”. Ele falou: “Não vou não, velho sem vergonha, não vou não”. Aí nós fomos embora. A outra ficou vigiando até a hora de ele chegar. Chegou de manhã, no outro dia. Eu falei assim: “Célia, que hora que o boneco chegou?” “Ele chegou de manhã”. Também não falei nada. Aí o Sérgio falou assim: “Agora, todo sábado que o meu pai sair eu vou atrás dele para ver o que ele vai fazer”. Aí, um dia, ele foi atrás dele e ele desconfiou que o Sérgio estava olhando. Ele foi para a casa da minha mãe, desceu e foi para a casa da minha mãe. E aí o meu filho falou assim: “É, ele desconfiou, mãe, que eu estava indo atrás dele e foi lá para a casa da vó. É, agora quando a senhora largar, eu também vou. Eu não vou ficar não com o velho sem vergonha”. Aí eu comentei com a minha prima, sempre a gente morou perto de parente, comentei com a minha prima, falei com ela assim: “Você acredita que eu peguei seu primo no flagra hoje?” Ela falou assim: “Mas ali no mercado, comadre Nilza?” Eu falei: “É, bem com a namorada lá”. Aí o meu primo, que é o marido dela, falou assim: “Comadre, isso aí faz tempo”. Aí eu falei: “E você está colaborando com o amigo aí e não fala nada para mim?” Ele falou assim: “Eu não tenho nada a ver com isso”. Ele falou assim: “Você não comenta com o Zezé e a Célia não, porque eu gosto muito de vocês, mas tem muito tempo que ele está fazendo isso”. Eu falei: “Está bom”. Mas eu não comentei mesmo, deixei para lá. Mas aí eu fui aborrecendo, daí fiquei mais uns três anos ainda dentro de casa, aí a gente separado dentro de casa é pior, boba. Ou você sai e vai embora, ou então você aguenta. Aí foi pior. Aí os meninos falavam assim: “A senhora fala que vai largar o pai, aproveita enquanto nós estamos solteiros, hein, mãe? Depois que a gente casar, a senhora vai ter que ficar com esse traste aí a vida toda”. Só tinha um casado quando eu me separei, só tinha um. Aí, a gente foi morar - Deus que me perdoe, vida boa, todo mundo trabalhando, todo mundo tranquilo, todo mundo estudando, todo mundo numa boa. Aí eu comecei a fazer assim... Eu vivia alegre, sabe, depois, eu não estava vendo, ela para mim era... Aí, muita gente falava assim: “Mas a senhora foi boba, a senhora saiu e agora a senhora está pagando aluguel, deixou ele na casa lá”. Eu falei assim: “Não, imagina”. O que adianta eu morar no que é meu e não ter sossego? Então, deixa lá. E lá, depois, a gente fez casa, minha filha... Foram os meninos que fizeram, pois ele não fez nada. Era um barraco, no barraco nós ficamos. Criou tudo no barraco, viu? Todo mundo estudou, ninguém morreu, ninguém passou fome, criou tudo no barraco de madeira, barraco mesmo, não era casa de madeira, era barraco mesmo. Aquele cara que trabalhava, trazia aquelas caixinhas de fruta e emendava assim, dia de folga ele foi fazendo as coisas. Era assim, mas era tudo arrumadinho, coisa de pobre, mas era tudo arrumadinho. Muita gente falava assim: “A gente vê que isso aqui é de madeira do lado de fora, porque dentro de casa não parece”. Porque era tudo arrumadinho que a gente arrumava. Então ficou aquilo lá, não fazia casa de jeito nenhum. Foram os meus meninos que fizeram. Tem casa lá agora - tem três casas lá - mas foram eles que fizeram. Aí depois, ele ficou... Passou muito tempo depois e ele ficou doente. Mas assim... A gente separou, só não podia ficar debaixo do mesmo teto, mas a gente... Quando chegava o Dia dos Pais, os meninos iam para lá para fazer comida, fazer comemoração, perguntava se eu ia, eu ia, eu ajudava a fazer, eu fazia as coisas que ele gostava, tudo eu fazia. Aí, depois, ele teve derrame. Depois, agora, depois de pouco tempo ele teve derrame, e aí eu ia todo dia para o hospital - ia de manhã e ficava até de tarde.
P/1 - Por quê?
R - Para cuidar, uai. E ficava até de tarde. Tinha uma mulher que ficava de noite, no hospital. Eu fiquei um mês - todo dia eu ia e voltava. Aí, no dia em que ele estava com alta, eu falei para os meninos: “Se vocês quiserem que eu vá ajudar vocês a cuidar lá, eu vou”. Aí eles falaram assim para mim: “Nossa, mãe, a senhora tem coragem de fazer isso”? Eu falei: “Lógico, por quê?” Aí eu ia todo dia, fiquei um ano, todo dia eu ia e voltava - eu ia de manhã e voltava de tarde. Cozinhava... Só não fazia faxina, fazia comida e punha até comida na boca dele, porque ele ficou... Ele esqueceu tudo assim. Eu fiz, assim, não fiz assim com carinho não, mas eu fiz assim... Quer dizer, quem sabe o jeito dele, a coisa de que ele gosta, sou eu. Então, não custa nada eu fazer. Porque levava empregada lá para cuidar, os meus meninos falavam: “Mãe, a senhora fica junto aí, porque senão... Como é que vai fazer com o pai?” Então eu ficava junto com elas lá, porque elas não faziam direito. E eu ficava. E aí teve um dia, aí Deus ajudou que ele ficou bom. Todas as empregadas que chegavam lá, ele mandava embora. Um dia, meu filho falou assim: “Mãe...”. Porque meu filho tinha um escritório em cima. “Mãe, a senhora não vem aqui mais não, porque esse velho está muito safado, viu? Ele está mandando as empregadas embora porque sabe que a senhora vem aqui para quebrar o galho. Agora a senhora não vem mais não, porque ele já está muito bom, deixa ele se virar aí agora”. Porque aí já começou a andar, mas tinha alguém para cozinhar para ele. E aí teve um dia que tinha uma mulher que falou... Uma vizinha que me contou que a outra falou assim: “A dona Nilza está dormindo aí”. Aí eu falei assim para quem me contou, eu falei assim: “Bom, eu não estou dormindo, ela sabe muito bem que eu não estou dormindo. E se eu estiver dormindo, quando eu saí daqui, eu não vendi e nem dei para ninguém. Isso aqui é meu. E também não estou fazendo nada para ninguém ver não”. Falei bem assim. É porque tem gente que... Fiquei, graças a Deus, fiz tudo que tinha de fazer lá. Muita gente ficou admirada de eu voltar para fazer. Eu fiz. Não aconteceu nada não.
P/1 - E ele falava alguma coisa para a senhora?
R - Não, é engraçado que ele não conversava mais, porque ele perdeu a voz, mas o meu nome ele sabia. Tinha dia que eu brincava com ele, falava assim: “Meu nome você não esqueceu não, seu ...”. Ele ria. Ele não esqueceu nem o meu nome e nem o do mais velho, ele falava. Mas foi muito triste, boba, a situação dele também, a gente fica com dó.
P/1 - E como foi o falecimento dele?
R - Ele ficou com aquela parte do corpo seca assim, porque usava marca-passo há muitos anos e depois teve o derrame. Teve um dia que o meu filho falou assim: “Mãe, o pai vai ter que operar”. Eu falei assim: “Se fosse eu, não deixava operar mais não. Coitado, está tão seco”. Falei assim. Ele era muito magrinho e estava seco, só via assim a marca do aparelho, cheio de fio. Aí ele falou: “Mas o médico falou que se não operar, ele morre”. Aí eu falei: “Se fosse eu, não operaria não. Dá muita dó”. Aí operou, veio, trouxe - operou aqui
no Hospital Santa Catarina. Aí o meu filho pegou e o levou para a casa dele. Ele morava num apartamento e o levou para lá, para ficar lá. E nós fomos lá para a casa dele. Fui eu, esse menino que é o meu caçula, foi o mais velho e foi a minha filha. A gente foi arrumar lá, porque ele não deixava fazer nada. A gente foi arrumar a casa, jogar aquelas coisas assim que ele não deixava jogar, não gostava de tirar nada. A gente arrumou a casa toda, só deixou lá a cadeira de rodas e a cadeira do banho. Tudo o que tinha lá a gente jogou e deixou tudo limpinho - um quarto limpinho, com a cadeira de rodas e a cadeira do banho, tudo limpinho, tudo arrumadinho. E aí foi em um sábado. Ele teve alta na sexta-feira e nós fomos no sábado para poder, no domingo, (inint) [01:53:26] embora. Aí nós fomos para lá, arrumamos tudo bonitinho. Quando foi no sábado, o meu filho me deixou no Metrô e foi lá, porque o outro morava na avenida Rio Branco. Ele foi lá levar umas coisas para o pai. Quando ele chegou, eu perguntei... Falei assim: “Como é que seu pai está?” “O pai está bom, está sentado lá fora pegando sol na guarita lá”. Falei: “Que bom”. Quando foi no domingo de manhã, eu liguei para o meu filho que estava cuidando dele e falei assim: “E o seu pai, como é que está?” “Mãe, passou mal e está no hospital, voltou para o hospital”. Aí voltou e não teve mais jeito não. Voltou para o hospital no domingo, quando foi na segunda-feira eu ainda fui ver. Aí eu cheguei lá, a minha netinha estava cuidado dele, estava lá com ele. Quando eu cheguei lá, eu falei para ela... Não, não, ele não morreu na segunda não, ele internou no domingo e ficou segunda e terça, foi na quarta. Eu fui para lá na segunda-feira, no domingo eu não fui não, eu fui na segunda. Eu fui, fiquei lá com ela o dia todo, lá junto com ela o dia inteirinho e quando foi de noite os meninos foram e ela foi embora, a menina foi embora. Quando foi na terça-feira o meu filho foi, quando foi na quarta-feira ele morreu às cinco horas da manhã. Eu falei para esse meu filho: “Agora, na hora em que ficar bom, que ele tiver alta, vocês devem trazê-lo para a casa dele, arrumem uma pessoa para cuidar dele aqui, porque é ruim ficar na casa dos outros”, falei. Ele falou: “Não, a gente vai levar embora, mãe”. Falei: “Então leva para casa, deixa ele lá, arruma uma pessoa para cuidar dele lá”. Mas aí morreu. Ficou uma semana só depois que operou de novo. O médico falou que a veia tinha secado e estava dando nó (inint) [01:55:27], também tinha que tirar.
P/1 - E como foi para a senhora receber essa notícia?
R - Fazer o quê? Aceitar. Pelo menos a minha parte eu fiz, porque ele foi muito chato para mim, ele nunca... Aí teve um dia que ele estava lá no quarto, eu ia todo dia para lá, teve um dia que eu fui e a minha nora estava lá com as meninas e ele começou... A minha neta perguntou para mim como é que fazia bolinho de chuva. Aí eu falei para ela: “Filha, eu não vou te ensinar agora não, por que vocês ficam...”. Porque a mãe ia trabalhar. Falei: “Vocês ficam sozinhos, no domingo eu vou lá para a casa do avô, aí você vai lá, eu faço e ensino a você”. Aí ela foi e o quarto dele estava em frente à cozinha assim, dava para ver o fogão e a menina perto de mim. E ele lá xingando - xingar ele xingava - xingando a menina. Aí ela falou: “Avó, o avô não gosta de mim”. Eu falei: “Não é que ele não gosta de você, ele é muito chato mesmo, ele não gosta nem dele”. Aí eu falei para ele: “Não se preocupe não, que ela não está mexendo em nada aqui e eu estou olhando ela fazer o bolinho”. Aí xingou a menina de (...), a mãe ouviu e ficou triste. Depois de tudo, eu sentei na beira da cama, peguei na mão dele, (inint) [01:56:42] “Filho…”, falei para ele assim: “Olhe bem no meu olho, se for para mim...”. Eu falei: “Estou vindo aqui na sua casa porque eu quero, não tenho obrigação nenhuma de vir aqui cuidar de você. Agora, se você continuar maltratando as crianças, eu não vou vir mais aqui”. E ele quietinho, escutando. Eu falei: “Sabe por que você tem esse convênio bom? Porque o seu filho paga. Sabe por que você tem essa casa bonitinha aqui? É porque o seu filho fez. Se eles não tivessem feito essa casa, sabe onde você estava hoje? Se você não tivesse (inint) [01:57:18]? Você estaria lá na Estrada de São Miguel, no Hospital de São Miguel lá, porque você não teria onde se tratar. Vê se trata bem as crianças porque senão eu não vou voltar mais aqui”. Aí melhorou. Ele não falava, mas ele sabia tudo. Aí parou de maltratar as crianças. Falei: “Não venho, porque eu não tenho obrigação nenhuma de vir aqui”. Falei assim, aí melhorou, parou um pouquinho de implicar com os meninos. Porque além de estar precisando, ele maltratava. É triste, é muito difícil.
P/1 - Dona Duduca, daqui a pouco a gente vai ter que encerrar a nossa conversa.
R - Está bom o papo.
P/1 - Eu não sei se tem alguma história que a senhora ficou de contar para a gente, que a gente não contou.
R - Vai perguntando aí, às vezes eu lembro de alguma coisa.
P/1 - Eu queria saber se quando a senhora veio para São Paulo, se separou dele, a senhora procurou algum outro trabalho?
R - Não, eu nunca trabalhei. Assim... Eu lavava roupa para fora, escondido dele. Porque ele trabalhava de noite, enquanto ele dormia eu lavava roupa. Ai, tem muita coisa para falar. Antes, quando ele dormia, eu lavava roupa. Quando ele ia trabalhar, eu ia entregar a roupa e trazia outra para lavar no dia seguinte, era sempre assim. Aí, quando estava na hora... Duas e meia tinha que chamá-lo. Para ele levantar, porque trabalhava de noite. Ele entrava às cinco horas no serviço, ali na Sé. Quando eram duas e meia tinha que chamá-lo, porque três e meia, quatro horas ele tinha que sair de casa. Então, o que eu fazia? Eu catava toda a roupa do varal... E não tinha máquina não, era tudo aqui na mão, esfregava tudo na mão. As mulheres gostavam da minha roupa lavada, (inint) [01:58:54]. Aí lavava, lavava e quando estava na hora de chamá-lo, eu ia no varal e catava toda a roupa e jogava pela janela do quarto dos meninos. Na hora em que ele saía, eu dobrava tudo e ia entregar. E trazia outra, eu não sentia canseira, eu não sentia nada. Assim... Quando a gente está novo, é bom; trazia outra para lavar no outro dia. Até que um dia, papo vai, papo vem, eu lavava roupa para uma mulher e a roupa da mulher era toda branca. E na minha casa - ainda era o barraco de madeira - não tinha muito espaço para estender. E aí eu peguei... E levava a roupa... E levava para estender na casa dela. Aí, um dia, eu não sei onde é que ele estava que ele me viu. Aí a minha mãe chegou lá em casa... Nós morávamos todos pertinho, a minha mãe chegou e eu falei para ela assim: “Mãe, eu estou indo lá na moça levar a roupa, a senhora quer me ajudar?” Aí o que eu fiz? Pus uma bacia de roupa na cabeça, toda torcida, bonitinha, pus na cabeça e pus um balde aqui. E a mamãe pegou outro e foi comigo para levar. Eu não sei onde ele estava que ele me viu. Ele pegou, chegou em casa e, ao invés de perguntar onde é que eu estava, o que eu estava fazendo, ele falou assim: “Você não tem vergonha de sair com uma trouxa de roupa na cabeça não? O que os amigos dos seus filhos vão dizer?” Eu falei assim: “Levar a trouxa de roupa na cabeça eu não tenho vergonha não, porque é um serviço normal, um serviço honesto. Agora, eu teria vergonha se eu ficasse no poste grudado com homem dos outros, aí era feio”. Para jogar na cara dele. “Com o marido das outras aí no poste, grudada, aí eu teria vergonha, mas lavar roupa, levar roupa para os outros...”. Mas falou, xingou, pintou o diabo. Eu falei: “Por acaso você está me vigiando?”. Não sei onde é que ele tinha ido, pensei que ele tivesse ido trabalhar e não foi. Aí a mulher falou: “Não, se a senhora quiser estender aqui, a senhora pode trazer para estender”. Aí eu estendia lá, era tudo branco, era lençol, fronha, toalha de cozinha, tudo branquinho, não tinha espaço para eu pôr lá em casa. E ele viu, não podia fazer nada não.
P/1 - Alguma vez ele chegou a bater na senhora?
R - Não, não, eu bati primeiro. É lógico, ele me enchia o saco, eu meti a mão na cara dele. Ai, credo, a gente não tinha a pia dentro de casa, a gente não tinha nada. Só tinha, graças a Deus, os filhos mesmo. Estava todo mundo trabalhando e esse um estava em casa. Aí ele ia para a escola a uma hora da tarde, eu estava no tanque como está aqui assim a casa do louro ali. O tanque ali e eu estava lavando a louça ali e ele começou a falar não sei o quê e começou a me ‘arremedar’. E eu estava com o sabão na mão e falei: “Para de me arremedar que está me fazendo raiva”. Mais ele fazia. Não sei o que é que ele estava arremedando. Aí eu peguei o pau da vassoura e falei assim: “Eu vou enfiar esse pau da vassoura nesse negocinho dele aí”. É o aparelhinho. Falei: “Mas se ele morrer, eles vão falar que eu matei”. Eu pensando assim. “Aí, eles vão falar que eu matei, então o que é que eu vou fazer?” E ele estava falando e eu falando: “Para, para, que está me fazendo raiva, não sei o quê lá”. Aí, quando foi daí a pouco, peguei o sabão e ‘pá’ na cara dele. Meti o sabão na cara dele. E ele pegou e fechou as portas: “Você vai ter que repetir esse tapa, é porque não sei o quê lá”. Eu falei assim: “Para você ver que a gente é mulher, mas a gente não tem sangue de barata não, viu? A gente também tem sangue na veia, viu? Só para você ver, só isso. Não vou bater mais não, eu já fiz o que eu tinha que fazer”. Ele foi na casa da minha mãe, chamou a minha mãe, a minha mãe pegou e falou: “O que aconteceu?” Eu falei assim: “Não aconteceu nada não, é que ele estava precisando apanhar e eu dei uns tapas nele”. A mãe pegou, entrou lá, fez as oraçõezinhas dela e foi embora. E ele ficou com medo de mim, ele ficou do lado de mim, ele ficou do lado de fora, ele só entrou dentro de casa quando os meninos chegaram do serviço, ele não entrava. Mas também não mexeu mais não. Não entrava. Aí, cada um que chegava, eu falava... Esse um que eu estou falando para você que é danado, ele falou assim: “Uai, o que aconteceu? A televisão está desligada por quê?” Eu falei: “É porque eu dei uns tapas no seu pai”. E ele falou: “É isso mesmo, velha, é isso mesmo”. Eu falei: “Para, menino”. “Não, é isso mesmo, velha, tem que bater mesmo”. E ficou. Só quem não gostou foi o mais velho. Não gostou mas também não falou nada, não. Eu falei assim: “Olha, Zé...”, falei com educação também: “Olha, Zé, o seu pai me tirou do sério hoje e acabei dando uns tapas na...”. “Ih, mãe”. Eu falei: “Ele estava me enchendo o saco”. Falou: “Meu Deus”. E ficou assim meio quieto. Quando foi no outro dia, ele falou assim: “Mãe, vai lá para a casa da comadre Chica”. Comadre Chica era a minha prima que morava vizinha, sobrinha do meu pai. “Vai lá para a casa da comadre Chica”. Porque ela é minha comadre. “Que eu vou conversar com o pai aqui”. Aí eu fui para lá, fiquei conversando com ela, até hoje eu não sei o que ele falou para o pai dele, eu sei que ele conversou com o pai lá, mas não sei o que foi. Era o mais velho. Não sei o que aconteceu. E aí ficou nisso mesmo, essa situação assim dessa... Até chegar ao ponto de separar. Ninguém ficou contra mim quando eu me separei. Eu tinha medo de sair e eles ficarem falando. Eles todos disseram: “Mãe, foi uma boa a senhora se separar. Foi bom para a senhora e foi bom para o pai”. Então ficou assim: eu ia na casa dele, fazia as coisas lá. Ele passava direto na porta da gente. Tinha a festinha das crianças - tinha muita criança - tinha a festinha das crianças, e estava todo mundo junto. Só tinha uma coisa: se eu chegasse e ele já estivesse lá, ele ficava lá. Agora, se eu chegasse primeiro e ele fosse cumprimentar, eu dava a mão. Mas se ele estivesse no lugar, eu não ia dar a mão. Ele só perguntava: “E os meninos, estão bons?” Eu falava: “Estão, estão bem”. Pronto, era assim. Mas não ficou aquele ódio assim. Só não queria ficar junto porque não dava para ficar junto. É horrível viu? Deus me livre, não dá não.
P/1 - Dona Duduca, como foi aposentar?
R - Eu? A minha aposentadoria?
P/1 - Como foi?
R - Foi por causa da cirurgia da coluna que eu fiz. Eu trabalhava na casa de um japonês - eu te falei - eu trabalhava lá... Nove anos eu trabalhei lá. E aí, quando eu tinha... Para você ver como é que são as coisas. Tinha oito meses que eu trabalhava e quando eu entrei para trabalhar... Porque eu trabalhava como faxineira, os meninos casaram-se todos, ficaram só os dois e eu trabalhava de faxineira para todo lado, tinha vergonha de trabalhar na cidade, que tinha vergonha... Então ficava trabalhando naquelas casas lá. Aí, um dia, tinha uma moça, vizinha da minha mãe, que ela namorava um japonês. Era vizinha de rua assim, de porta assim. Então, a futura sogra dela estava precisando de empregada e aí ela falou para a minha mãe, falou para a minha mãe assim: “Será que a Nilza não gostaria de trabalhar lá na casa da mãe do Kazu, porque a filha dela vai casar e ela está precisando de empregada, a moça foi embora”. Aí a mamãe falou para mim e eu não quis ir. A mamãe falou: “Vai sim, sua boba, você vai trabalhar registrada, para de ficar lavando banheiro para os outros aí e vai trabalhar sim”. Aí eu resolvi ir. Não sabia ir e a minha irmã foi comigo. Aí, chegando lá, eu falei para ela assim: “Está bom, que dia que a senhora quer que eu venha, que eu comece?” “Amanhã mesmo”. Aí, fui trabalhar. Quando tinha oito meses que estava lá, eu ainda não tinha registro porque eu não tinha documento, tinha que esperar a minha mãe ir em Minas. Porque agora a gente liga, eles trazem, passam e-mail, aquelas coisas. Então, tinha que esperar alguém ir lá buscar a minha Certidão de Casamento, que estava muito estragada. Para fazer o documento, para eu registrar. Mas a minha mãe demorou muito, já tinha oito meses que eu estava trabalhando lá e só tinha três de registro. Foi quando eu fui para casa, porque eu trabalhava até no sábado. Mas eu não caí na casa dela, eu caí na minha casa. Caí e quebrei a coluna. Dia de domingo eu lavava roupa assim... Fazia as minhas coisas no domingo, porque segunda-feira eu ia trabalhar. Como o meu filho dormia na sala, eu saí e passei pela porta da cozinha para estender roupa. Não tinha máquina, tudo na mão e os baldes assim. Aí, estava cheio de sabão e eu escorreguei e fui batendo assim. Aí, um mês depois é que veio a dor. Um dia, eu fui trabalhar... Eu cheguei para trabalhar na segunda-feira, falei: “Dona Maria, quase que eu não vinha hoje, eu levei um tombo ontem”. Ela: “Machucou?” Eu falei: “Não”. “Toma cuidado”. Eu falei: “Mas não machucou não”. Fez um mês, o meu pé fez assim para baixo e travou. Nesse meio, eu fiquei dez meses entre a vida e a morte lá em casa, até descobrir que tinha quebrado o negócio. Eu perdi o movimento dessa perna. Eu tinha medo de operar, mas aí operei, voltei a trabalhar, operei e, quando tinha um mês que eu tinha operado, eu voltei no médico. Fiz toda a fisioterapia que mandou, fiquei boa, subia no ônibus, descia do ônibus, a mesma coisa, (inint) [02:08:14]. E aí, por causa desse problema, para você ver, eu trabalhei nove anos lá, depois eu saí de lá, pedi a conta e não quis mais ficar. Eu saí de lá e fui trabalhar em um escritório aqui em Santana, de copeira. Já não fazia muito serviço não, só comida e tirar o pó. Depois de sair de Santana eu fui trabalhar como cozinheira na lanchonete de um amigo do meu filho. Ele falou que ia montar uma lanchonete, mas queria que eu fosse cozinhar. Eu fui lá no Carrão, mas eu já não podia mais registrar porque eu já estava aposentada. E no escritório de Santana, eu não registrei. Depois o meu filho montou um restaurante lá em Santana, eu fui trabalhar para ele, também como cozinheira. Com sessenta anos eu parei de trabalhar, aí fui mexer com aposentadoria, foi fácil por causa da coluna. Porque se eu tivesse mexido... Não deu trabalho nenhum, rapidinho, dentro de três, quatro meses já saiu, por causa de invalidez.
P/1 - Dona Duduca, eu queria que a senhora contasse como é a rotina da senhora hoje. O que a senhora faz hoje.
R - Aqui em casa?
P/1 - Com a vida da senhora.
R - A minha vida agora está boa demais. Fico quietinha aqui, tem uma moça que faz a faxina para mim, os meus filhos todos são muito bonzinhos, graças a Deus, me ajudam muito. Eu só faço mesmo a comida e lavo a roupa, que não precisa mais nem passar, tenho máquina, tenho tudo... E faço as coisas aqui normal, vou lá para baixo, sento lá, fico conversando, dia de sábado a minha filha vem e a gente anda também. Ontem, o podólogo veio fazer meu pé. Graças a Deus eu não posso reclamar não, só que eu não tenho mais assim... Eu não posso mais andar sozinha, por causa da... Mas eu vou voltar. E o que me fez ficar sem andar de tudo é que eu caí na escada do Metrô. Eu fiquei com trauma. Depois que eu operei e tudo, eu caí um dia na escada do Metrô, na escada rolante: “Olha a Dona Nilza rolando para ali abaixo”. E fiquei com... Agora eu não posso nem ouvir falar em Metrô que já me dá dor de barriga. É, menina, assim de um nada assim. Fomos eu e a minha filha... Nós fazíamos o pé lá no shopping de Santa Cruz, então fomos eu e a minha filha lá, era muito cedo, a gente subiu na escada para ver as roupas, ver loja. Aí deu a hora, eu falei: “Vamos descer que já está na hora de fazer”. Porque era seis horas uma e seis e meia a outra. Aí eu falei para ela assim: “Pode ficar aí Marli, pagando a moça aí no caixa, que eu vou...”. “Não, eu vou descer com a senhora, depois eu volto”. Eu falei: “Não precisa”. Ela falou: “Não, eu vou”. Aí a gente desceu, parece que a escada estava tão longe assim, tão larga assim, que eu segurei com essa mão aqui e com a outra a bengala - porque eu ando com uma bengala - aí eu fiz assim, a bengala assim, não deu, não coisou aqui, aí depois que você põe o pé... Aí eu desequilibrei, eu estava com ela, ela estava segurando o meu braço e aí eu desequilibrei e pronto, aí foi. Mas não machucou não. Só assim... As costas ralaram assim, porque ela sentou, eu não me machuquei por isso. Porque eu caí assim, eu virei assim e, no que eu caí assim, a minha filha segurou e uma outra senhora segurou e (inint) [02:11:41]. E eles não desligaram a escada. Você não acha que deveria ter desligado? Não sei, mas eu fui muito bem cuidada. Quando eu cheguei lá embaixo, o segurança já estava lá, os bombeiros estavam lá esperando, já me pegaram, me levaram, eu fui andando assim numa boa, me levou ao hospital, tomei soro, fiquei em observação lá. Vim para casa. Aí, quando foi no domingo, eu fui ao convênio, fui ao meu convênio, passei no médico, ele falou: “Não precisa nem tirar o raio-x”. Só ficou esfolado assim, vermelho assim. E aí, depois, eu fui em outro médico e ele falou assim: “Quem usa bengala não pode usar escada rolante e nem esteira”. E alguém falou para mim? Eu ficava numa boa, pegava o Metrô e ia para todo lado. Ainda bem que eu não estava sozinha. Agora, se eu tivesse caído assim tinha machucado tudo, mas graças a Deus não machucou não. E eu fiquei com trauma, agora eu tenho medo de andar sozinha, tenho dificuldade de andar, às vezes eu vou sair, eu estou com alguma das meninas, aí ela segura no braço e vou. É assim.
P/1 - Dona Duduca, como é hoje comemorar o Natal?
R - Aqui? Agora, quando eu estava boa e estava todo mundo em casa, quando eu morava em casa, todo ano era na minha casa. Agora, cada ano é na casa de um. Sempre tem um que mora em uma casa. Agora cada ano vai na casa de outro. Agora tem o mais velho que ele tem uma casa muito grande, a casa dele parece casa de japonês, Nossa, mas é grandona... Aí, a minha neta já falou: “Vó, e o Natal como é que vai ser? A gente vai fazer na minha casa porque lá tem muito espaço”. Então ela falou esta semana, vamos ver quem é que vai fazer, vai todo mundo para a casa de um. É assim.
P/1 - Eu tenho mais duas perguntas.
R - Pode fazer.
P/1 - Aí, eu não sei se a senhora quer falar alguma coisa antes, contar alguma coisa.
R - Não, agora eu acho que já acabou o meu. Pode fazer, acabou.
P/1 - Eu queria saber como que foi para a senhora contar a sua história para a gente hoje?
R - É porque nunca ninguém fez isso. Eu achei legal, vocês são legais. E porque como eu falei para o Júnior, eu falei assim: “Falar as coisas da família agora (inint) [02:13:48]”. “Não, Duduca, não tem nada não”. Eu falei: “Se eles perguntarem, eu respondo”. Mas eu não... Para você ver, agora eles me levaram lá... O meu irmão levou lá para fazer as coisas por causa disso, porque eu conheço tudo, lembro de tudo. Porque eles eram muito pequenos, eles não lembram de nada. E eu não, eu, graças a Deus, até a cor da terra de onde tinha a casa de alguém eu sei falar: “É a casa de fulano, a cor da terra, a terra vermelha”. Aí eles riam de mim, falavam: “Mas a terra é vermelha?” Eu falava: “É, a casa da minha prima era ali”. “Então quer dizer que eu falei outras coisas, eu não sei falar não”. Eu falei para ele, ele falou: “Não...”. Mas foi legal.
P/1 - Foi legal?
R - Uma experienciazinha na vida que a gente tem, assim, de ser... Como diz? De ser caipira como eu, acha que nunca vai fazer, nunca vai ter alguém assim importante na frente da gente, então eu achei legal.
P/1 - A senhora quer deixar algum recado para os seus filhos, para os seus netos?
R - Mas tem tanto neto.
P/1 - Um recado geral assim para a família.
R - Eu vou falar que eu gosto muito dos meus filhos, dos meus netos e eu estou muito feliz na minha vida. Apesar dos pesares, eu estou muito bem, graças a Deus, com a minha família. E gostei muito de vocês. Está bom.
P/1 - Eu tenho mais uma pergunta só.
R - Faz.
P/1 - Eu queria...
R - É mais uma, mais uma, mais uma.
P/1 - Agora é a última, de verdade.
R - Tudo bem, eu estou aqui, pode falar.
P/1 - Eu queria saber quais são os sonhos da senhora?
R - Minha filha, o meu sonho... Pode ser qualquer um? O meu sonho é que o meu caçula casasse. Eu tenho vontade de que ele tenha a vida dele. Eu tenho dó de morrer e ele ficar. É só isso. Às vezes eu olho para ele assim e falo: “Ai, Sérgio, eu tinha uma vontade que você tivesse a sua casinha, o seu apartamento”. “Ai, mãe, eu também tenho”. Mas eles não largam a gente, boba, esses dois... Eles não deixam. A minha cunhada fala assim: “Minha filha, esses dois não largam você não”. Mas eu tinha vontade de que ele fosse casado. Porque ele tem namorada, é quase igual casado, porque ela mora em Santo André, agora mesmo ele foi para lá no sábado e voltou ontem à tarde. E é uma pessoa assim... Se fosse para eu escolher, seria ela. Mas não é a gente que escolhe. Já faz muito tempo que eles estão juntos, ela cuida da mãe também e a mãe dela também gosta muito dele, é uma família, mas só que eu tinha vontade... Porque chega uma hora que os filhos têm que ter o espaço deles também. Aqui é muito pequeno, eu tinha vontade... O sonho é esse, aí eu morreria tranquila, sossegada.
P/1 - Dona Duduca, muito obrigada por receber a gente hoje e por ter dado esse presente lindo.
R - Imagina. Falar nisso, tem um suquinho de manga. Vocês gostam?
P/1 - A gente aceita.
R - Então está.
P/1 - Muito obrigada, viu dona Duduca?
R - Obrigada a vocês.
[02:16:42]Recolher