Memória Oral do Idoso
Oficina Cultural Mário de Andrade
Depoimento de Olga Cordone
Entrevistado por Vacilique e Glaucia
São Paulo, 17 de outubro de 1992
Realização Museu da Pessoa
Entrevista MOI_HV021
Transcrito por: Fernanda Regina
P/1 - A senhora começa dando o seu nome completo, onde nasce...Continuar leitura
Memória Oral do Idoso
Oficina Cultural Mário de Andrade
Depoimento de Olga Cordone
Entrevistado por Vacilique e Glaucia
São Paulo, 17 de outubro de 1992
Realização Museu da Pessoa
Entrevista MOI_HV021
Transcrito por: Fernanda Regina
P/1 - A senhora começa dando o seu nome completo, onde nasceu, nome dos pais, nome dos avós... Onde eles nasceram... E aí, começa a contar o que a senhora acha que é importante como marco da vida da senhora. Pode começar.
R – Já posso começar?
P/1- Sim, pode começar. Qual é o nome da senhora?
R - Meu nome é Olga Cordone.
P/1- Sim, nasceu onde?
R- Nasci em São Paulo, no Bom Retiro. Isso há 70 anos. Nascida e criada na época de enchentes, né? E filha mais velha de um casal descendente de italianos.
P/1: Como era o nome dos pais da senhora?
R- Meu pai chamava-se Brasílio Galli e a minha mãe Itália Otartto. Os meus avós que eram italianos.
P/1: De Que lugar da Itália?
R: O meu avô, de Rovigo. E a minha avó, cremonense. De Cremona. Passei a minha infância e juventude no bairro do Bom Retiro. E de lá, saí pra me casar. E a casa em que vivi, ela encontra-se ainda de pé. Foi feita pela minha avó, quando voltou da Itália como imigrante. Ela mesmo fez os tijolos, ela mesmo fez o reboque pra construir a casa, que resistiu à todas as enchentes que houve na Marginal do Tietê que ainda não era retificado. Eu saí do bairro pra me casar.
P/1: Com quantos anos?
R: Isso eu tinha... 23 anos. Saí do bairro pra me casar e continuei no bairro depois de casada. Só recentemente que eu me mudei pra Barra Funda, que é o lugar que eu moro até hoje. Tive uma infância muito submissa ao pai. Depois, com uma certa idade, muito submissa ao marido, conivente com filhos. Conivente com todos. E me esquecia de que eu era um ser humano. E que também já tinha direitos adquiridos. Direitos adquiridos por ter cumprido já uma missão. O quê que eu fui fazer da minha vida? Os filhos já crescidos e casados, tendo ido embora de minha casa, a qual estava sempre repleta de gente. Eu acabei ficando doente. Adoeci quando eles saíram de minha casa e precisei ir a procura de um médico. Eu supunha que esse problema de saúde era proveniente de uma cirurgia de varizes que eu havia feito porque quando eu cheguei em casa, o que foi que eu senti? O primeiro mal-estar que caracterizava, foi caracterizado e depois confirmado de que não tinha nada a ver com a cirurgia. Era um problema de depressão. E essas depressões surgiram naquela época e até há bem pouco tempo ainda, eu tinha essa depressão cíclica. Quer dizer, elas vinham... Vinham de uma forma muito dolorosa e de uma grande dificuldade pra eu me recuperar e sair dessas frases de depressão. O que me fez sentir como eu me sinto hoje aos 70 anos, foram as análises que eu fiz. E essas análises fizeram com que eu tivesse um autoconhecimento. Aí eu comecei a saber lidar com a minha personalidade. Foi aí que eu me posicionei: diante de marido, diante de filhos, batendo o pé e dizendo eu também sou gente! Eu tenho direito de fazer aquilo que eu gosto e não de fazer só aquilo que fui obrigada... Que eu me obriguei a fazer. Foi quando eu tive, comecei a ter uma atividade profissional. Pra eu começar a exercer essas atividades profissionais, eu comecei a contragosto da família. Mas o médico enfatizou, se eu não tivesse uma atividade não como eu disse no início, que eu fosse obrigada a fazer, mas alguma coisa que eu gostasse realmente de fazer... Eu iria enlouquecer.
Veja, mesmo sendo já uma pessoa adulta, com 48 anos de idade, quando me tornei uma profissional daquilo que eu amo, mas amo com paixão até hoje, foi uma oportunidade que me surgiu. Depois dos meus filhos casados, se eu tinha em mãos uma escolaridade de primário e até o terceiro ano de colegial, que foi feito no colégio Santa Inês, a oportunidade que me surgiu foi o Senac. Isso no ano de 79, 80... E essas oportunidades surgiram pra que eu pudesse desenvolver um trabalho que também me apaixonou. Então eu fui esteticista e tive grande dificuldade inclusive de entrar pra fazer o curso de Estética, porque quem financiava naquela época a profissão de esteticista, era o comércio de São Paulo. Só que eles admitiam pessoas até os 40 anos. Eu já estava com 48, então houve problema... Eles não queriam me aceitar. E eu tive que falar com a supervisora do Senac naquela ocasião, que era a Irene Bojano que era radialista e expliquei a ela a dificuldade, que havia uma necessidade de fazer alguma coisa por indicação médica. Ela disse: “Nós vamos fazer uma exceção, se você conseguir passar pelo psicotécnico, que todos os alunos prestam pra poder desenvolver esse trabalho”. E foi aquilo, difícil... Eu tinha ali universitários, que se preparavam pra fazer essa profissão de esteticista e maquiadora e toda a área de beleza: de cabelo, de rosto, de corpo... Completo! Então eu escolhi a profissão de esteticista e escolhi a profissão de maquiadora. Beleza da cabeça aos pés.
P/1: Era isso que a senhora queria fazer?
R - Queria fazer, me apaixonei! Agora, quando eu consegui entrar, eu pegava na mão do meu marido e saía na rua gritando e gritando pra o mundo inteiro, consegui! Consegui! A minha vibração era como se eu tivesse entrado numa Universidade. Quer dizer, que eu tinha conseguido alguma coisa na minha vida. O meu marido até se assustou com aquele meu entusiasmo, com aquela coisa que eu estava sentindo. Pra encurtar um pouco a história, porque seria muito longo descrever... Vamos falar uma coisinha com prioridade? O meu professor de estética era formado em Genebra com doutora N G Payot. Todo mundo pensa que é homem e não é homem, era uma mulher. E essa informação, ele passava para as alunas. Ele era extremamente exigente e costumava me chamar frequentemente de “negra africana” e de “fera”. No encerramento do nosso curso, eu perguntei a ele, por que que o professor me chama de fera e negra africana? E ele me respondeu: “porque quando você não tem modelo o teu beiço cai até aqui” e uma fera porque quanto mais problemática a pele da modelo, mas eu dizia pra deixar pra mim. Deixa pra mim, porque era uma pele que se via resultados e aquilo me empolgava. A partir disso, eu comecei a exercer a atividade de esteticista, atender a domicílio com frasqueira nas costas. Eu comecei a participar de todos os congressos que me apareciam pra que pudesse me aprimorar na minha profissão. E exercia, eu passei a ganhar alguma coisa com a minha profissão, certo?
P/1: Foi a primeira vez que a senhora trabalhava profissionalmente?
R: Foi a primeira vez que eu trabalhava como profissional. E como profissional, você deve já ter ouvido falar dos produtos da Natura. A Natura estava entrando no mercado e eu estava saindo como profissional do Senac e passei, conheci toda a vida da Natura desde o início. A Natura nasceu em um sobradinho de front ao West Plaza, ali na Pompéia. E eu pesquisava muito com Luís Seabra, ______ e cuidados de beleza com plantas, certo? Agora, eu fazendo a profissão, fui convidada a trabalhar em um Centro Estético de Luxo, de primeira categoria. Era o La Belle Fame. Ele ficava de front ao shopping center Iguatemi. A sala de estética era minha, eu tinha responsabilidade. Não que eu tivesse entrado como sócia, mas me deram uma responsabilidade e eu tinha direito de fazer o que eu achasse conveniente. Foi uma época muito feliz da minha vida, porque nós não tínhamos clientes para fazer uma limpeza de pele. Nós só cuidávamos de fazendeiras que vinham de avião, desciam no Campo de Marte, onde tinham os motoristas esperando e era de onde elas vinham para o Centro Estético.
Eu era assalariada, mas o que eu ganhava de gorjetas eram. Foram umas gorjetas grandes. O que ganhava de presentes eu não posso nem descrever! Foi uma época muito importante da minha vida, muito gostosa!
P/1: E como o marido da senhora reagiu?
R: O meu marido reagiu com uma violência extraordinária. Porque ainda hoje, apesar de eu ter 70 anos, ele me trata como se eu fosse uma menininha na idade em que ele me conheceu: Uma menina de 15 anos. E pra mim, pra o meu marido e para os meus dois filhos, que são executivos, homens inteligentes, pra eles, meu trabalho é rival. Porque todos eles são extremamente obsessivos. Eles acham que eu deveria apenas me dedicar a família, aos netos, aos filhos, fazer tricô e ver televisão. Mas eu tenho ainda muita coisa a fazer e aprendi na minha vida, (através de análise) eu aprendi a dizer NÃO! Que era uma palavra que eu nunca falei na minha vida. Porque aí eu entendi em mim, que já tinha direito adquirido. E que eu tinha direito de fazer o que gostasse de fazer, como eu disse no início. E não aquilo que eu me obrigava a fazer. Então eu comecei a desenvolver uma atividade, foi quando surgiu numa doença do meu marido, eu tive que sair do La Belle Fame. Foi muito triste pra mim sair, mas eu tive que cuidar do meu marido que sofreu dois infartos. Então a prioridade total era dos cuidados do meu marido, ele sempre foi a minha prioridade. E a família, os filhos também. Só que naquela época não havia condições, eu tinha que deixar tudo pra dar assistência a ele. E, naquela época, o médico se admirou ele não ter falecido. Foram dois infartos gravíssimos, ele conseguiu superar os infartos com (Galardia??) e voltou a exercer a profissão dele que era de mecânico. Ele pensou e assumiu uma filosofia de vida: “Eu vou morrer então vou fazendo aquilo que eu gosto”, e me liberou para que eu pudesse voltar a fazer aquilo que eu tinha feito. Só que eu não pude mais voltar como esteticista do La Belle Fame porque o meu cargo já estava ocupado. Foi quando surgiram os cursos da USP ano de 1980 e outro no ano de 1981. Mas por que eu fiz os cursos na USP? Porque os cursos eram de extensão cultural, pra inovar dentro da minha área de trabalho, dentro da área da estética. Foi na época que ainda não existiam os shampoos, os cremes, à base de plantas. Só que pesquisando, eventualmente, o que serviria para minha área de trabalho, é que eu me apaixonei pela área de saúde e cheguei a conclusão de que não existe saúde sem beleza. Só que em Centros Estéticos, não nos é permitido dialogar com as clientes. Porque não é comerciável. Porque eu ataco a causa e não trato apenas os sintomas. E se você elimina a causa, automaticamente os sintomas desaparecem. Daí ele não é comerciável, porque a paciente não volta mais ao Centro Estético. Só que como eu comecei a ter oportunidade, comecei a ser conhecida pelo meu trabalho, eu comecei a ser convidada a participar de programas de televisão, que aliás eu fiz todos e fiz trabalhos com a ala Shermann ______, acho que praticamente durante um ano, fazendo cuidados de beleza na Globo. Cuidados de beleza com plantas medicinais. E eu era tão ingênua, a satisfação era tão grande em poder fazer uma televisão, que todo o meu trabalho de pesquisa foi sendo entregue, através dos programas de televisão, em tratamentos capilares, tratamentos de pele, de como cuidar da beleza com plantas medicinais.Até que o próprio professor da USP, meu professor Orestes Carboni, professor Panizza, me fizeram ver e me perguntaram o quanto eu ganhava para fazer televisão. Eu disse, eu nunca ganhei nada! Ele disse: “Mas como? Você ainda não aprendeu que o quê se dá de graça é caro? Assim o teu trabalho não é valorizado”. Eu sempre fiz aquilo mais pelo amor, sem me preocupar com aquilo que eu ia ganhar. E os filhos me faziam cobranças porque infelizmente a partir do momento em que meu marido adoeceu, eu passei a ser alimentada pelos meus dois filhos. Com um currículo imenso, fazendo cursos em universidades, junto com os meus professores da USP. Fiz na faculdade de São José dos Campos e passei a fazer não só cuidados de beleza, mas também cuidados de saúde. Aí começaram a se interessar pelo o quê que eu fazia na área de saúde. Então eu comecei a intitular os programas que eu fazia na área de saúde sobre “Os usos e os riscos de plantas na medicina popular”, porque aquele conceito de que se plantas não fazem bem, mal também não fazem, é totalmente errado: as plantas curam, mas também matam. Então eu comecei a desenvolver um trabalho de orientação à população, e através da Secretaria de Cultura do município de São Paulo, eu fui fazer no Parque Raul Seixas, na Cohab II, para aquela população bem carente. Agitando a DEPAVS (Departamento de Áreas Verdes)?? Consegui 3.500 mudas e organizei um mutirão para fazer com que aquela população participasse junto comigo no espaço onde nós trabalhávamos e fazermos a nossa horta comunitária com plantas medicinais, orientando aquela população desde o preparo da terra sem aditivo, o plantio, a colheita, a secagem, armazenagem, os usos e os riscos de plantas na medicina popular e nos tratamentos de beleza. Por incrível que pareça, as pessoas dão mais valor aos tratamentos de beleza do que a saúde. Quando deveriam dar valor primeiro a saúde e depois a beleza, e porque não fazer tratamentos paralelos, de dentro para fora e de fora para dentro? Meu trabalho começou a ser conhecido e eu comecei a fazer os programas de televisão. Eu fiz praticamente todas elas. Eu fiz jornalismo, rádio, todas as bibliotecas, fiz Mário de Andrade, (O Lazer do Meio Dia??), um Centro Cultural no Jabaquara, a Monteiro Lobato e em todos eles focando nesses dois assuntos. Representei o Brasil em Congressos Internacionais, um dado pela AITA (Associação Internacional de Terapias Alternativas). Nesse congresso, vieram cientistas de todo o mundo. Estava participando desse evento, uma pessoa de Pernambuco que já trabalhava junto a população, com plantas medicinais. Depois desse evento, 63 pessoas ficaram insatisfeitas porque a maioria dos trabalhos vieram do mundo todo em forma de fármacos já elaborados e todos que foram assistir esse congresso tinham a intenção de aprender alguma coisa com plantas in natura, principalmente o pessoal do Nordeste porque eles sabem de fontes seguras que os navios de outros países entram pelo Rio Amazonas e levam de lá o que querem. Levam madeira, levam minérios, levam plantas medicinais para os seus países de origem, onde existe uma tecnologia evoluída e se extraí os princípios ativos das plantas. O que vem de volta para nós como matéria-prima importada e fora do poder aquisitivo da população.Então veja, a minha grande meta, a minha grande revolta, é ouvir a população carente e que é a maioria sem condições de se medicar. Essa gente não tem nem condições de se alimentar, de poder sobreviver. Então eu comecei a procurar uma oportunidade de começar a desenvolver um trabalho para essa população que é a maioria.
Só que infelizmente eu fui de chapéu na mão em câmara, na assembleia. Todo mundo achava o meu trabalho maravilhoso, mas nunca consegui apoio de nenhum lugar, de nenhum político que se interessasse em dar essa oportunidade a população, como conhecimento e cultura, como educação, inclusive em escolas, por que não? Onde houvesse um espaço onde esse trabalho pudesse ser desenvolvido. Foi com uma procura muito grande que eu consegui algumas coisas. Quando eu fiz esse congresso, me surgiram convites da Itália, da Bélgica e da Polônia. Foram convites verbais. Na Itália, isso há pouco tempo e poucos meses, veio o convite oficial, á nível de intercâmbio cultural. Então o que eu fiz? Traduzi o meu currículo e fiz uma carta em italiano oferecendo a minha profissão, porque eu sei há quantos anos eu venho batalhando pra conseguir desenvolver esse trabalho aqui, para os brasileiros.
Essa oportunidade não aparece, então isso vem me causando uma mágoa e uma desesperança e isso eu posso falar por dez anos de batalha para conseguir essas oportunidades. Então eu fui pra Itália, através da associação dos Vênetos, de onde meus avós pertenciam. Procurando certidão de óbito pra fazer comprovação de que eu era descendente de Vêneto, encontrei do meu avô com muita dificuldade. Minha bisavó era italiana, mas meu avô que acabou me credenciando pra que eu pudesse ter esse intercâmbio cultural. Porque lá eles diziam: Vitório Gotardo, italiano. Localidade de nascimento: Rovigo. No momento em que eles disseram que tinha Rovigo na certidão de óbito, ficou comprovado que eu tinha descendência de Vêneto, que é a parte nobre da Itália. E há pouco tempo, eu até me arrepiei em pensar, uma coisa que pra mim estava tão distante, que eu achava utópico e que nunca iria acontecer, aconteceu. E eu me vi sabe? Em um avião da Aerolíneas, tomando todo o cuidado para fazer essa viagem com o meu esposo, passando por uma quantidade enorme de médicos, porque eu sou portadora de um problema cardíaco e meu marido também. Pra ver se eu tinha condições de viajar de avião, porque são muitas horas de viagem. Então eu fui assessorada pelo meu cardiologista e pela minha psiquiatra, pra que eu realizasse esse trabalho com tranquilidade. Se, por acaso, eu entrasse em pânico, por estar lá no alto e sem ter recursos, o médico me deu um medicamento porque caso eu entrasse em pânico eu tomava. Eu tomaria esse medicamento e dormiria até chegar a Itália, mas para a minha surpresa, no momento em que o avião decolou, eu soltei o meu cinto e comecei a passear pelo avião. Fiquei conversando com todo mundo e nessas doze horas eu não tive um segundo de sono. Conversando com todo mundo, contando da minha vida, que eu estava realizando o meu sonho. Quando me dei por conta, estava descendo em Milão. A primeira escala foi no Rio e do Rio direto pra Milão. Estava encantada por olhar de cima do avião, aqueles terrenos, sabe? Aquela organização nas plantações e aquele arrepio no corpo de dizer: essa é a terra dos meus avós. Aliás, fomos para Roma primeiro, depois Milão. Lá já nos aguardava uma condução para nos levar até onde nós íamos ficar. Que foi em Vicenza, que era um lugar de centro cultural dos Vêneto. E a partir daí, todas as manhãs, quando eu me levantava, eu já encontrava a condução à minha disposição. Foi um mês de Cinderela! Conheci toda a parte Norte da Itália e era recebida pelos governadores das províncias, que aqui nós chamamos de prefeitos. Lá eles são conhecidos como “comune” de cada cidade.
Nós fomos, vamos dizer assim... Assessorados. Conhecemos Pinacotecas, obras de arte, os passeios, os lugares mais conhecidos... Almoçávamos junto com os prefeitos e depois de almoçarmos tínhamos a condução pra voltarmos a sede central. Eu tive a oportunidade de ir até a divisa com a Áustria, até a divisa com a Suíça. Conheci o Lago de Garda, conheci a Cortina D’Ampezzo, a Veneza, toda a parte Vêneta da Itália, que eu nem imaginava que um dia eu pudesse estar lá. Depois de terminada essa parte que estava dentro do convênio da Itália, eu tive a oportunidade de conhecer a parte Sul, que fizeram um preço, praticamente, um preço de custo pra conhecer o restante da Itália. Aí que eu fui conhecer Capri, Roma, eu fui conhecer velho mundo de ponta a ponta. Quando eu me via dentro daquilo, eu pensava: será que é um sonho?
Pra mim, eu tinha sensação de que aquilo era um sonho, sabe? Agora, para a minha surpresa, quando eu visitei a parte Sul da Itália e havia ficado distante 15 dias da parte Norte que eu havia visitado, quando eu cheguei em casa, eu já tinha emprego fixo para trabalhar na Itália. Um convite de (Pádua??) e outro convite, que nessas alturas eu participava de um partido político, (que era o partido político brasileiro de mulheres), em que eu entrei com a intenção de divulgar o meu trabalho, porque de política eu não entendo nada. Então eu estava preparando as minhas coisas, guardei as minhas cartas, que vinham da Itália para que eu me fixasse lá, pra levar no partido e as pessoas verem que eu já tinha um compromisso assumido.Quando eu fui fazer o meu trabalho, eu era assessora da presidente do partido, fazendo a recepção dos convidados que chegavam. À tarde, eu fui procurar as cartas pra mostrar pra minha presidente e para as minhas amigas de partido e eu não encontrei mais, elas desapareceram. Eu não sei de que forma, mas desapareceram. Os encartes das províncias que eu conheci se encontravam na bolsa, mas as cartas de emprego não. Eu quase enlouqueci! Eu saí pelas ruas, na Xavier de Toledo virando as latas de lixo na esquina com a 7 de Abril... tão desesperada eu me encontrei de ter perdido aqueles documentos, porque já tinham o número do protocolo, o nome da pessoa que estava me convidando, a cidade em que eu ia trabalhar, a Universidade que eu iria participar. Porque com esses acontecimentos do Collor, que vocês devem estar a par, mas ele levou lá pra fora e valorizou muito a flora brasileira! E houve um interesse muito grande em cima, porque estava no momento. Então veja, chegando em casa, quando eu mostrei todo o meu desespero para o meu marido, que eu havia perdido o convite e as cartas, porque eu não me lembrava: tinha levado também para tirar xerox daquele documento e ficar com a original. Ele falou: “Olha, não é destino de ir porque eu de qualquer forma não iria mesmo”. Eu falei, “E por que nós não iríamos?” e ele falou: “Você sabe que nós estamos no fim da vida. Eu estou com 74 anos. Vocês quase com 70. Nós temos aqui os nossos filhos e os nossos netos. Você acha justo? Você iria passar o dia inteiro em uma Universidade? E eu, o que ficaria fazendo? E os nossos filhos? E não é que você iria dar um curso e depois voltaria para o Brasil, você teria que se fixar”. Então eu fui obrigada a admitir que ele tinha toda a razão. Quanta saudade eu iria sentir! E se houvesse alguma coisa? E ele já doente como estava... Então eu acabei me conformando por não ter me fixado na Itália. Restam ainda dois convites, que foram verbais, mas não oficiais. Então se eles forem oficializados, eu vou ter a oportunidade de ir a Bélgica, porque eles já trabalham junto da população, com cerca de 300 plantas.
P/1: Dona Olga, e atualmente a senhora faz o que? Quais são as suas atividades?
R: Eu estou dando aulas em duas universidades e fiz a abertura da PUC, da Universidade Aberta para a Terceira Idade.
P/1: E o que é a Universidade Aberta para a Terceira Idade?
R: Foi a abertura para a terceira idade. Essa Universidade, ela tem uma porção de atividades, para que a pessoa idosa possa ter a oportunidade que não tiveram na nossa idade. Então existe música, dança, eventos culturais...
P/1: Desde quando isso?
R: Isso foi em uma época... Agora fazem... Não fez um ano ainda. E ele começou a ser expandido, porque a primeira foi em Campinas. A primeira Universidade Aberta para a Terceira Idade Foi em Campinas. A segunda foi a PUC. A Universidade Católica já está fazendo. Ontem, conversando com o reitor da Universidade de Santos, a intenção é de se fazer uma universidade aberta para o público. Porque está abrindo um interesse muito grande. Eu para dar aula em Santos, eu tenho que dar aulas em auditório. Eu tenho duas turmas de idosos que não dariam em uma sala comum.
Então eu tenho que dar aula em auditório e nos dois enfoques: tratamentos de saúde e tratamentos de beleza. No momento em que eu me tornei internacional, os convites começaram a aparecer. Eu passei a existir como profissional. Agora aparece um contato de interesse pela linha cosmética, porque eu tive a Henkkel e a (Rexi)?? Para desenvolver fórmulas cosméticas medicinais.
P/1: A senhora leciona em duas universidades?
R: Duas universidades e mais uma universidade, que é o Espaço Ecológico Jânio Quadros, eles já têm uma atividade na qual eu preciso fazer contato. Exatamente nesse momento, eu estive na Secretaria de Cultura, não do município. Mas do Estado de São Paulo. Então lá, eles me deram uma relação de todas as oficinas culturais do Estado de São Paulo. Não só da capital, mas mesmo do interior. Então o que fiz na semana passada? Eu fiz um contato com as oficinas culturais daqui da grande São Paulo. E todas elas estão se preparando para fazer a programação aqui do ano de 1993. Mas aí seria um trabalho, não só para a terceira idade, mas um trabalho para todas as faixas etárias, para crianças, para adultos e para idosos. Então há um interesse em todas essas oficinas culturais. A última em que eu estive foi aqui na Oswald de Andrade, que é do bairro em que eu pertenço. Me parece que houve um interesse com o meu trabalho e uma programação para ser feita com idosos no ano que vem.Agora eu estou aceitando todas as oportunidades, até atingir a minha meta, que é aquele povão que não tem condições, como eu falei no início, da aquisição desses medicamentos naturais. Semana passada eu fiz um programa em mais uma rádio, a Rádio Bandeirantes. Por incrível que pareça, houve um retorno tão grande! Como nunca me deu televisões ou outras estações de rádio, ou revistas, ou matérias de jornais. Estava sendo inaugurado um transmissor de alcance em todo o Brasil. Então eu passei, fiz a gravação do programa e eles me disseram que não sabiam quando o programa iria para o ar. E no dia seguinte a gravação, eu me surpreendi. O telefone tocando adoidado, eu tinha ido as compras e tinha uma quantidade enorme de recados pra contato.
P/1: Dona Olga, até por uma questão de tempo, a gente vai tentar sintetizar. Eu tirei algumas perguntas pra fazer pra senhora.
R: Pois não, pode perguntar.
P/1: Uma receita para a beleza?
R: Receita para a beleza e para o não-envelhecimento, porque eu tenho uma idade cronológica de 70 anos, mas psicologicamente eu tenho uma idade de 25 anos! Porque eu estou ativa, eu estou atuante, eu sou participante, eu sou carente de calor humano. Quando eu dou aula para aquelas pessoas, falando daquilo que eu gosto, pra quem gosta de me ouvir, eu não quero o relógio na frente. Tira o relógio da frente. Então eu tenho um horário a ser respeitado, mas eu sempre fico a quem quiser ficar e a perguntar o que quiserem, porque eu gosto de responder, mas com todo o prazer, certo?
P/1: E pra beleza, qual a receita?
R: Pra beleza a receita é se manter ativa, fazendo aquilo que você ama. Não importa o que seja, não importa! No momento em que você fizer aquilo que você ama e tendo liberdade e tendo garra pra fazer, e tendo vontade própria, e tendo metas para chegar, pontos a chegar, você vai encontrar mil e um obstáculos na tua frente. Mas vocês vão, vocês que são tão jovens, eu tenho certeza que vocês traçando uma meta para chegar lá, vocês nem vão se permitir morrer! Porque vocês tem vontade, toda a vontade do mundo de atingir aquela meta e aquele objetivo. Pelo menos é o que sinto! Isso me faz sentir jovem! Jovem como vocês, que são universitárias! Como as crianças nos quais eu chego até elas e não espero elas chegarem até mim. Porque eu já tive uma vivência e essas crianças ainda não viveram. Então eu tive que chegar até elas, e não esperar que elas cheguem até mim. E é o convívio que eu tenho com os meus netos. Eu tenho um neto que é um gigante de 18 anos. Ele brinca comigo, ele fala “Oh, baixinha! Como é que vai?” Me pega pela cintura e me suspende. Um dos meus netos, olha pra mim embevecido e pergunta: “Vovó, você é cientista?” O meu filho fala: “Mas que cientista nada, a sua avó é uma curiosa!” Perdendo o potencial de uma criança, que está interessada pelo meu trabalho. Quando nós passamos pela rua, ele diz: “Vovó, com isso aqui dá pra você fazer um shaampo? E esse aqui? Como é que faz o creme? Eu posso ir na sua casa pra ver como é que você faz?”. Então ele se mostra muito interessado, mas os filhos ciumentos dizem: “Ah, isso é besteira da vovó. Vovó faz porque é curiosa. Como eu disse no início, eles são muito ciumentos. Muito ciumentos e possessivos, como é o meu marido. Mas como eu disse antes, eu aprendi a dizer não. Bato o pé e vou em frente! Hoje, no dia seguinte ao dia do professor, eu fui pra dar aula em Santos e convidada a participar de uma confraternização dos professores da universidade. Foi a primeira vez que eu fiquei longe do meu marido! Essa e quando eu fui em duas convenções em Brasília, porque ele não quis ir comigo, ele não dá auxílio e também nem me pergunta como foi, o que aconteceu, como é que foi e o que aconteceu. E eu dormi procurando o meu marido na cama e não achando, sabe? Depois eu vinha dialogando comigo mesma...Quer saber de uma coisa? Deixa de ser boba! Ele te estimulou pra você ir, está tão preocupada com o quê? Vai pra casa curtindo tudo o que você passou! Eu cheguei em casa 1 hora da madrugada com a professora de teatro. Eu não tomo álcool, ela tomou uma cervejinha... Ela se esparramou, queria que eu entrasse na dança também, mas eu estava sozinha no meu lugar. E a professora se esparramando, porque ela não tem compromisso nenhum! Sei dizer que eu me senti uma menina de 25 anos, porque pra mim 25 anos é ser uma menina! Eu sinto prazer de viver! Eu sinto um grande prazer de viver e não vou admitir o Pedrão me levar antes, hein?
Não vou admitir de jeito nenhum, eu tenho muita coisa pra fazer ainda!
P/1: Dona Olga, qual é o seu sonho?
R: O meu sonho é atingir o povão, o povo carente. No qual eu poderia ser tão, mas tão útil! Não só com o trabalho, mas levando uma palavra de conforto, uma palavra de amor, que essa gente é tão carente de todas as formas...veja, nesse programa que eu fiz na Bandeirantes, eu fiz uma coisa que eu jamais devia ter feito e eu nunca mais vou fazer: eu aprendi na universidade, que existem plantas pra uma simples dor de barriga até o câncer. E quantas pessoas cancerosas que me telefonaram e que já estavam em casos terminais, porque as pessoas que me telefonavam, eram pessoas da família e eu não podia dar uma esperança, mas pelo menos eu pude dar uma palavra de conforto. Uma palavra de amor, uma palavra de todo o amor que você possa dar a essa pessoa, porque eu não posso dar ilusão a ninguém. Porque o câncer quando curado e tratado de início, seja de forma homeopata, seja de forma naturalista e se a pessoa tiver muita vontade de viver, aí se realiza o milagre da vida! A pessoa se cura, certo?
Então, se eu não pudesse dar uma ajuda para o problema de saúde, eu pelo menos tive a satisfação de dar uma palavra de amor e conforto. Você tem alguma coisa a mais a perguntar?
P/1: Sim, você já leu almanaque alguma vez?
R: Não, eu não conheço.
P/1: O que você acha que tá sendo dando esse depoimento que vai constar no Museu da Pessoa?
R: A grande esperança que eu tenho é que se eu um dia morrer antes do meu esposo e os meus filhos viverem, eles pegarem esse almanaque na mão e dizer: a minha esposa, a minha mãe, foi alguém. Eu sempre quis me por a altura dos meus filhos, porque meus filhos são dois homens de caráter e personalidade com H maiúsculo e quem fez esses homens fui eu. E eu tenho um orgulho, que só Deus é que pode avaliar! Porque eu não tive carinho de mãe e todo o carinho que eu não tive da minha mãe eu transmiti para os meus filhos. Daí as vezes eles se queixavam de tanto amor!
P/1: Sua mãe faleceu quando você tinha quantos anos?
R: Eu tinha nove anos. E eu só vim a saber agora, depois de velha que eu não permiti e não perdoei a minha mãe ter morrido. Porque eu não tive mãe, não tenho uma filha, não tenho uma irmã, porque meus irmãos moram longe. Eu me sinto muito solitária, sem ter com quem trocar. Daí eu me entrego para o meu trabalho de corpo e alma, porque pelo menos ele me realiza como ser humano.
P/1: Eu acho que é só, muito obrigada.
R: Não por isso.Recolher