Meu nome é Larissa Reis. Mulher negra, feminista, 32 anos. Desde a infância, tenho tido uma vida atravessada por muitas encruzilhadas e em todas elas, encontrei nos contos um caminho para sonhar, planejar e seguir em frente. A minha relação com a leitura e com a contação de histórias está ...Continuar leitura
Meu nome é Larissa Reis. Mulher negra, feminista, 32 anos. Desde a infância, tenho tido uma vida atravessada por muitas encruzilhadas e em todas elas, encontrei nos contos um caminho para sonhar, planejar e seguir em frente.
A minha relação com a leitura e com a contação de histórias está presente no capítulo das memórias mais prazerosas da minha infância. O início desta narrativa começa, então, dentro do meu quarto. Tímida, eu costumava ler meus livros sozinha, no meu quarto. Na escola, fui incentivada a ler os livros tidos como obrigatórios. Em casa, eu selecionava aqueles que eu lia por prazer. Eu tinha muito receio de ler em voz alta e me considerava uma menina muito reservada. O racismo me calava lentamente e eu ainda não tinha noção de que o problema era este e nem imaginava como podia me defender disto. Contudo, diante deste quadro apresentado, já existia um fator que me colocava sempre em movimento e me motivava ao constante deslocamento: eu amava ler histórias e quando eu lia, me imaginava contando os enredos para uma multidão de pessoas. Era um sentimento e uma necessidade de compartilhar com o outro cada história aprendida. Contudo, eu me sentia como um corpo sem voz o suficiente para dialogar com o mundo racista e machista que já me cercava.
A minha prática com a leitura começou por volta dos 7 anos de idade e eu já gostava de ler narrativas variadas. Alegres, tristes, emotivas. Desenhos gigantes, desenhos pequenos. Páginas coloridas ou em preto e branco. Não importava a variedade, o fato é que eu amava ler histórias. Como bem enfatizei, eu lia para mim mesma, em um tom não muito alto e nem muito baixo: apenas o suficiente para me ouvir e me imaginar contando a narrativa para mais alguém. Vale lembrar que a porta do meu quarto ficava trancada naqueles momentos.
Recordo-me como se fosse ontem: eu tinha uma série de obras tidas como preferidas, mas em nenhuma delas eu me encontrava. Em nenhuma delas eu me sentia representada. Eram histórias com personagens parecidos. Isto porque, apesar de apresentarem autores diferentes, em obras diferentes, existia um aspecto que já era quase normalizado naquele período: as obras não tinham personagens negros. Contudo, eu lia os textos com bastante encanto, como se estivesse descobrindo fatores sobre outras realidades. Eu ainda não tinha maturidade e nem noção de que deveria/poderia existir enredos com personagens negros sendo valorizados, ao contrário do que eu já notava nos livros didáticos trabalhados na escola. Eu já estava acostumada a ler histórias de cunho eurocêntrico. Era o que a escola me oferecia e eu não tinha nenhuma outra referência. O meu olhar crítico sobre isto foi germinado anos depois, na faculdade de Educação.
Observando hoje as minhas memórias daquele período, tenho ainda mais certeza de que os livros de histórias não deixaram de ser companhias agradáveis para mim. Parece que o destino já me preparava para a minha profissão: hoje sou pedagoga, professora, arte-educadora e contadora de histórias afro-brasileiras. Trouxe para a vida adulta uma das minhas maiores alegrias da infância e este (re)encontro tem me possibilitado a enxergar uma das minhas inquietações diante da vida adulta. Isto porque não só conto histórias para várias pessoas, como também sigo a necessidade constante de valorizar, divulgar, estudar e enaltecer obras cujos personagens se aproximam da história e da cultura afro-brasileira. Assim, consigo me enxergar e também compreender o enorme poder que a representatividade pode ter na vida das pessoas negras.
Aproveito a oportunidade para socializar um dos processos criativos no qual eu participei e que envolveu a contação de histórias afro-brasileiras. A partir de uma pesquisa acadêmica concluída em 2017, no mestrado em Educação e Contemporaneidade (PPGEduC/UNEB), desenvolvi o Museu Virtual de Contos Africanos e Itan (MUCAI), com o auxílio de crianças de 9 a 12 anos de idade, estudantes do 4º ano do Ensino Fundamental I de uma escola pública de Salvador. Convido vocês, leitorxs, a conhecerem esta preciosidade, fonte de saberes ancestrais afro-brasileiros. O endereço é: www.museumucai.com
Avante eu persisto, contando a minha história e a de outras pessoas, valorizando a minha vida e a de quem deseja se valorizar. Não é só sobre contar um conto: é sobretudo se encontrar, se conhecer, se amar. Conhecer a própria história e a partir disto, desbravar o mundo dos sonhos presentes nos contos e na vida. Meu nome é Larissa Reis e hoje eu conto, também, a minha própria história!Recolher