família pegou a gripe espanhola. Essa gripe se generalizou pelo Rio de Janeiro inteiro. A minha família toda teve a gripe, menos eu, eu e a cozinheira, de modo que nós é que cuidávamos dos doentes em casa, inclusive eu fui à Penha comprar uma galinha para fazer canja para os meus doentes. Eu tinha 17 anos. No bonde eu vinha com a galinha embrulhada; o motorneiro disse: “É proibido trazer galinha no meu bonde” Eu disse: “Não é galinha.” Ele disse: “É galinha.” Eu disse: “Não é galinha.” Aí quando eu desci, disse: “É galo.” Aqui na cidade não havia mais frango, já tinham acabado todos, eu consegui um galo velho. A cura dessa gripe espanhola era com um sal, o nosso médico era da saúde pública, doutor Rangel. Era um médico da saúde pública, era um médico da família. Ele que tratou a minha família, acho que era um sulfato, eu não me lembro bem. Os sintomas de quem tinha gripe espanhola eram dor de cabeça e dor no corpo, a mesma coisa que as gripes de hoje, dor no corpo, moleza... A peste bubônica também foi uma doença de começo de século. Eu menino, antes dos 6 meses eu tive peste bubônica. Eu curei naturalmente, os médicos me desenganaram. Minha mãe chamou o Murtinho Nobre. Minha mãe e meu pai chamaram o doutor Murtinho Nobre, que era sobrinho daquele ministro da Fazenda, o Murtinho, com as agüinhas dele eu fiquei bom. A peste bubônica também foi um surto no Rio, foi generalizada. Houve uma mortandade. Não sei bem como foi gerada a peste, a pulga do rato que transmitia a peste bubônica, a pulga do gato que transmitia a peste bubônica. Era por falta de saneamento, naquela época as casas não tinham tetos, não eram concretados, era madeira em cima de terra. Eu morava no segundo andar. Depois veio a varíola, que foi combatida por aquele cientista Oswaldo Cruz, porque o Brasil pediu à França para vir um médico para combater a peste bubônica; o médico disse: “Vocês têm aí um brasileiro que tinha sido formado na França capaz de fazer isso, doutor Oswaldo Cruz”, e foi ele que criou aqueles mata-mosquitos que visitavam as casas para combater o mosquito da transmissão da febre da varíola.
CASA
Eu morei em vários bairros da cidade. Na companhia da minha mãe eu morei na rua do Viana. Onde hoje é o Vasco, na rua Mariz e Barros e na rua Senador Furtado. A casa da Gávea foi depois; quando eu estava na escola militar o meu pai comprou. Ele tinha reformado a casa da Senador Furtado. Ele gastou um dinheirão para reformar a casa, quando a casa estava reformada o proprietário pediu a casa. Ele foi, saiu e comprou uma casa na Gávea. Ficava na rua Marquês de São Vicente, 147, antes da PUC. Era uma casa enorme, um casarão enorme. Tinha uma frente de 48 metros e 200 metros de fundo. Depois passou uma avenida pelo terreno da minha casa, que ficou com três frentes, uma frente para Marquês de São Vicente e duas frentes para essa avenida.
COSTUMES
Papai era um grande amigo dos cachorros, ele tinha uma criação nessa casa, um canil com uns 30 cães. Ele fazia criação; agora, não vendia cachorros - dava de presente, nunca vendeu cachorros.
EDUCAÇÃO
Bom, em 1907 nós nos mudamos da rua Evaristo da Veiga para a rua Moratório, também no centro da cidade, e lá existia uma escola pública primária dirigida por uma grande professora, dona Eugênia, grande amiga de minha mãe, e nessa escola eu fui matriculado. Depois, acompanhando as mudanças de minha mãe, eu fui para uma escola na rua do Viana e depois para uma escola na rua Mariz e Barros. Da escola Mariz e Barros, no penúltimo ano, em 1912, quis me candidatar ao Colégio Militar. Porque eu queria ser militar. O que me motivava a seguir a carreira era que, quando meu pai morava na rua Senador Furtado, nós íamos muito à Quinta com os cachorros, e ali existia um quartel de artilharia em São Cristóvão, do qual mais tarde eu parti para ir para guerra, no quartel Dante Areia, e eu admirava muito os exercícios que eles faziam na Quinta. Ficava encantado com aqueles exercícios e me apaixonei pelo Exército. Quis seguir a carreira militar. Não havia vaga no Colégio Militar do Rio, mas ia abrir um colégio em Barbacena e ia abrir um concurso no Rio para a matrícula nesse colégio, e fui aprovado. Em 13 de agosto de 1913, quando eu tinha 12 anos de idade, me matriculei no Colégio Militar de Barbacena no dia da sua fundação. Esse período escolar foi ótimo. O Colégio Militar era um grande colégio, além do ensino teórico, ministrado por professores militares - além de serem muito capazes, eram muito dedicados aos alunos. Barbacena era uma cidade pacata, à tarde eles iam quase sempre ao colégio para perguntar se nós tínhamos compreendido as aulas. Nos sabatinavam e nos perguntavam. Foi um curso muito interessante. Por outro lado, também no sentido militar, foi muito eficiente a instrução. Ótima. Ginástica sueca, equitação, esgrima, tudo isso praticava no Colégio Militar. Eu fiz curso de equitação durante 4 anos, 5 anos, e saltava a cavalo, obstáculos a cavalo etc. Tiro ao alvo, tudo. Foi muito bom o colégio. Eu tenho muitas saudades daquele tempo. Aí, em 1917 eu terminei o curso do colégio, fui comandante aluno, matriculei-me na Escola Militar. Aqui no Realengo. Naquele tempo ainda não havia ainda a Academia das Agulhas Negras em Resende. Foi na escola do Realengo, cujo curso eu terminei em 1920. Saí aspirante em janeiro de 21. Fui muito bem classificado, podia escolher um quartel no Rio para servir, mas preferi ir para o interior do Brasil. Eu queria muito conhecer o interior do Brasil. Fui para Itu. Naquele tempo era interior, no 4º Regimento de Artilharia Montada, onde eu iniciei a minha carreira militar oficial.
Na escola em Barbacena eu fui comandante-aluno, isto significa que eu tinha terminado o curso em primeiro lugar e comandava o batalhão escolar. Fazia paradas, muitos exercícios, muitas evoluções, inclusive eu participei de uma parada no Rio de Janeiro em 1917 antes de terminar o curso. De uma parada aqui no Rio de Janeiro, no campo de São Cristovão, onde eram realizada as paradas. Vim de Barbacena em outubro, chegamos e fomos para o Colégio Militar e de lá fomos para a parada. Parada de 7 de setembro de 1917. As paradas eram feitas no campo de São Cristóvão. Ainda não existia a avenida Getúlio Vargas.
TRABALHO
Minha carreira de oficial começou como eu já disse no 4º Regimento de Artilharia Montada. Foram três anos de trabalhos intensos. Inclusive eu chegava a trabalhar até a noite porque eu era diretor da Escola Regimental. Havia o ensino para os analfabetos - o quartel alfabetizava os soldados que não sabiam ler nem escrever, mas com o auxílio dos professores do Estado. Eu tinha que dirigir. Eu quem dirigia esta escola. Por outro lado eu também era professor de uma espécie de segundo grau para o ensino dos candidatos a cabo e a sargento do regimento. Foi um trabalho muito intenso durante três anos, aprimorei meus sentimentos do cumprimento do dever e de amor à pátria nesse quartel. Fui instrutor e instruído.
EVENTOS HISTÓRICOS
Segui com o meu regimento para São Paulo na Revolução de 24 de julho dirigida pelo general Osório de Lopes. Acabei sendo preso, não participei da retirada porque fiquei doente, fui recolhido ao quartel em Itu, não participei da retirada. Acabei sendo preso e condenado a dois anos de prisão como réu confesso.
Fui revolucionário, participei depois da Revolução de 1930. Eu já estava livre da Revolução de 24 porque eu já tinha cumprido a pena. Estive preso em vários lugares, incluindo na Ilha Grande. Porque eu estava no hospital, houve umas fugas e o governo nos transferiu pra Ilha Grande. Várias pessoas estiveram presas comigo. O Eduardo Gomes, o pai do Fernando Henrique Cardoso, o Leonidas Cardoso, o irmão dele, o Ciro, vários. Os mais conhecidos são esses. Outros são que ninguém conhece, mas os mais conhecidos foram estes. Agora, quando eu estava solto, soubemos - eu não estava confabulando, mas soube pelo tenente Falconiere - que ia haver uma revolução em Minas e no Rio Grande do Sul, a Revolução de 30, que estava prevista para o dia 3 de outubro. Nós estávamos mantidos em liberdade no apartamento do pessoal do Ministério da Guerra. Fugimos no noturno no dia 2 para Barbacena: o Falconiere, Eduardo Gomes, Cordeiro de Farias, Tinoco, Nelson de Melo e fomos para Barbacena - menos o Cordeiro, que seguiu para Belo Horizonte. Lá chegamos na madrugada do dia 3. Às 5 horas da tarde o senador Antônio Carlos de Andrade, que morava na cidade, nos comunicou que tinha rompido a revolução no Rio Grande do Sul e em Belo Horizonte. Dessa revolução eu participei ativamente, e ela terminou com o movimento deflagrado no Rio de Janeiro, o movimento de conciliação nacional, de pacificação nacional feito pelo general Tasso Fragoso, general maior do Exército. Aí terminou a revolução, veio Getúlio, e essa junta governativa chefiada pelo general Tasso Fragoso passou o governo para o Getúlio.
O episódio mais marcante da minha participação na Revolução de 30 foi o seguinte: eu fui designado para comandar dois batalhões da polícia mineira. Para isso tive que ser graduado e promovido para major - somente para esse efeito, não para vencimento, para efeito disciplinar. Recebi ordens para cobrir Barbacena contra qualquer ação do quartel 12 ali de São João Del Rey. Fui para o rio das Mortes e fiquei em frente ao regimento. Nesta ocasião o tenente, o oficial e algumas praças, do valor de um pelotão mais ou menos, estavam destruindo a ponte do rio das Mortes, por onde passava a estrada de onde eu estava para o quartel. Eram duas alturas do rio das Mortes, uma ao norte e outra a sul. Eu estava no sul. O comandante do batalhão da polícia assentou um batalhador e ia atirar. Me repugnou aquilo. Ia ser uma mortandade, uma carnificina. Isso me repugnou, o proibi de atirar. Ele ficou raivoso, babava, tremia. Eu cheguei a temer até pela minha vida, mas me acalmei e disse: “Você vai estragar meus planos, vai denunciar a nossa posição aqui.” E contei o que eu ia fazer: “Eu vou subir aqui o morro, atravessar lá...” E foi isso que eu fiz. Durante a noite eu subi para leste, para a margem sul do rio das Mortes. Ele dava pé a vau - atravessamos para a outra margem e amanheci em frente ao quartel. Eu estava angustiado, ia ter que combater os meus próprios companheiros. Nisso vejo uma bandeira branca. Fiquei aliviado, fui para o quartel, fui recebido de braços abertos. Em vez de luta, confraternização. O quartel não se rendeu, aderiu.
CASAMENTO
Depois da Revolução de 24, eu, já livre, me casei. Casei com Maria da Glória Levy Cardoso, filha de um fazendeiro lá em Itu.
NAMORO
O namoro começou lá em Itu. O pai dela era fazendeiro e eu fui fazer um exercício de tiro real na fazenda dele. Ele me cedeu a fazenda para fazer o tiro real, depois do tiro eu fui à fazenda agradecer a gentileza dele de ter me cedido o terreno para fazer esse exercício; foi aí que eu conheci a Glorinha e comecei o namoro. Saía para passear, mas eu não tinha tempo nem para namorar, quando eu estava no quartel nem tinha tempo. Aos sábados, assim, eu ia num cineminha com ela, dançávamos num clube social que existia lá em Itu, dançávamos juntos quase todo sábado e domingo, mas eram aquelas matinês. Na praça, passeávamos na praça aos domingos, ao som de uma banda de música que fazia retreta nas praças. Retreta, tocava nas praças.
No quartel nós fazíamos caçadas nas tardes de sábado. Nós não descansávamos, as quartas-feiras, que eram destinadas à limpeza do material do quartel, e os sábados eram destinados a faxinas também, mas nós oficiais fazíamos sobretudo exercícios a cavalo, principalmente caçadas à raposa. Os saltos altos de obstáculos e principalmente caçadas à raposa. Com isso a minha mulher - naquele tempo minha namorada -, que já montava a cavalo muito bem, já participou dessas caçadas conosco.
MIGRAÇÃO
Tem um episódio sobre as iniciais WLC bordadas nos meus lençóis. Foi depois da Revolução de 24, eu já livre, tinha me casado. Essas iniciais bordadas foi o seguinte: eu já tinha sido condenado a dois anos, mas o Supremo Tribunal Federal reformulou a nossa sentença, nos condenando a cinco anos. Eu, já era casado, fugi fui para Paranaguá, depois para uma grande fazenda de café em Jacarezinho, onde eu fui trabalhar. Lá o fazendeiro, com a minha presença, e vendo a Glorinha, deixou a casa e foi morar com uma senhora com quem ele já vivia, lá na cidade de Jacarezinho, e me deixou a fazenda. Eu e minha mulher morando na fazenda e dirigindo as filhas dele. Tomando conta das filhas dele, que eram duas moças já casadouras. Uma era até noiva, e nós tomávamos conta delas. E como eu tinha aquelas iniciais WLC, eu inventei um nome para mim. Eu passei a chamar Walfredo Leite Costa.
Porque me perguntaram: “Que iniciais são essas?” Toda a minha roupa, as minhas toalhas, tudo era bordado. A minha sogra era cuidadosa; bordou toda a roupa nossa. Bom, o Supremo Tribunal Federal reconsiderou num recurso a punição de cinco anos, retornando a dois, aí eu fiquei livre. Li no jornal essa notícia lá em Jacarezinho, no “Estado de S. Paulo” eu li esta notícia, aí falei ao fazendeiro. Esse jornal me foi mandado pelo agente da estação da estrada de ferro que era situada lá na fazenda, e esse agente me mandou o jornal, inclusive estava o meu nome e dos que estavam libertados. Estava meu nome, e eu fui ao fazendeiro, mostrei o jornal e disse: “Olha, eu não vou poder continuar na fazenda porque eu sou oficial do Exército. Já estou livre e vou me apresentar.” “Eu já desconfiava que o senhor era um criminoso, mas era um homem de bem.” Ele não achava meu nome, ele falava: “Senhor Walfredo, eu não acho seu nome.” “Mas meu nome não é esse, meu nome é esse, Waldemar Levy Cardoso.” Fui para o Rio, me apresentei e fui reintegrado no Exército.
TRABALHO
Bom, quando eu fui para Paranaguá, com auxílio de meu sogro, eu comecei a trabalhar na compra de camarão em Paranaguá - que era abundante a pesca de camarões -, e remetia embalados esses camarões em tonéis com gelo; eram embarcados nos navios da costeira que levavam o camarão para Santos, onde era comerciado. Meu sogro me auxiliou nesse empreendimento. E eu tinha um bom lucro. Eu comprava camarão a 1 cruzeiro, cobrindo todas as despesas; era vendido em Santos por 4 cruzeiros e cobria todas as dívidas, e eu ainda ganhava 1 cruzeiro em cada quilo de camarão. Vivia muito bem, mas encontrei um oficial que não simpatizava comigo, e nem eu com ele, fiquei com medo que ele me denunciasse, abandonei esse serviço e fui para Jacarezinho.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Eu, terminada a revolução, fui promovido a capitão por antigüidade a contar por 29 de agosto de 29, quando eu completaria, teria direito a promoção. Fui promovido em ressarcimento. Fui designado para comandar a minha unidade antiga em Itu, onde eu fui comandar uma bateria. Era interventor em São Paulo o João Alberto, que era meu colega também da escola militar, não de Itu, ele era uma turma abaixo da minha. Uma comissão de ilustres personagens de Itu, grandes fazendeiros, banqueiros, médicos, advogados, me procurou - inclusive um deputado dentro do partido decaído, PRP, o partido que perdeu a revolução - e me pediram uma indicação de prefeito para a cidade. Eu achava que aquilo era uma colaboração que eu ia prestar ao João Alberto. Escrevi uma carta contando esta história e pedindo a nomeação desse senhor, que era Joaquim Pacheco, para ser o prefeito. É nomeado um outro. Eu escrevi uma carta desaforada para o João Alberto. Nisso, aparece lá um indivíduo pedindo 5 contos de réis ao seu Joaquim Galvão, que eu tinha indicado para prefeito, para deixar o cargo. Veio perguntar se dava, eu disse: “Não dei nenhum tostão.” Fui para São Paulo, procurei o João Alberto, contei essa história e disse: “Você nomeou ele para prefeito e olha o que está acontecendo.” Ele mandou buscar uma carta, aquela carta desaforada minha, estava escrito o seguinte despacho: “Um prefeito nomeado por engano não pode continuar, demita-se seu Fulano e nomeie só o senhor Joaquim de França Pacheco, prefeito da cidade.” Foi aí que apareceu esse outro prefeito, eu contei essa história, e ele disse: “Você é que vai nomear esse prefeito.” E me indicou, me deu uma nomeação cuja função era nomear e demitir o prefeito. Eu achei muito pouca essa missão. Eu aceitei; não podia deixar de aceitá-la, aceitei essa comissão. Eu achei muito insignificante a incumbência dessa comissão e propus ao João Alberto, como não existiam mais as Câmaras Municipais, criar um Departamento de Administração Municipal para administrar as prefeituras, fiscalizar as prefeituras. Ele concordou, foi criado esse departamento. Uma das atribuições era fiscalizar a administração municipal. As prefeituras, em quase sua totalidade, com exceção de duas, estavam endividadas e muito endividadas sob a forma de letras de câmbio assinadas pelos prefeitos. Essa dívida era impagável. Eu resolvi normalizar a situação das prefeituras fazendo empréstimos consolidados e liquidando essas dívidas. Estabeleci umas regras com os prefeitos, e dentre essas regras estava o seguinte: como todas elas, como quase a totalidade da dívida era de letras de câmbio, na responsabilidade do prefeito, era fácil de tomar como tomadores desse empréstimo os credores, porque eles não tinham nenhuma garantia de recebimento. Eu instruí os prefeitos: “Eles não têm nenhuma garantia de recebimento e impetrar as ações contra a Prefeitura para recebê-lo, de modo que eu proponho o empréstimo voluntário em que sejam tomadores os credores com o prazo de pagamento de 15 anos e juros de 5%.” Todos aceitaram, no que ficou normalizada a vida das prefeituras, menos uma, uma que estava nas mãos dos credores já, era Descalvado, o prefeito era Hugo qualquer coisa. O prefeito chamava-se Hugo de qualquer coisa, tinha sido nomeado por mim e tinha uma imobiliária. Eu combinei com todos os prefeitos fazer um empréstimo que eu chamei de Cooperação Municipal, cada prefeitura entrou com uma importância, as maiores com 12, as pequenas com 5, e as outras não entraram com coisa nenhuma. As pequenininhas não entraram com coisa nenhuma. Com isso eu levantei a importância necessária da penhora sobre a prefeitura, fui a cartório e levantei a penhora - foi um trabuco. Normalizaram-se inclusive essas prefeituras, os credores não tinham interesse nenhum em receber a dívida porque eles queriam mandar na cidade. Eu exerci esse cargo no departamento várias vezes. Saiu o João Alberto, eu fui para Itu, fui nomeado pelo general Rabelo para o mesmo cargo. Um mês depois que eu passo a ser nomeado, ele me passa um telegrama para eu assumir um cargo que tinha para mim. Um mês depois, nem fui consultado, aí tive que tomar posse. Saiu o Rabelo, veio o Pedro de Toledo. O Pedro de Toledo me chamou para eu ocupar esse cargo - eu não conhecia o Pedro de Toledo -, e disse: “Não quero.” “Então vai falar com Getúlio porque foi ele quem me indicou você para esse cargo” Aí aceitei.
EVENTOS HISTÓRICOS
Bom, ele aderiu à revolução de São Paulo, eu não. Eu pedi demissão, eu fui demitido e fui para Itu. Estava em Itu no quartel quando houve uma prontidão. Eu fui dormir na minha bateria, no meu gabinete da bateria. Altas horas da noite, fui acordado por um oficial de pistola na mão e dois sargentos também com pistola. Fui preso e levado para o Cassino dos Oficiais, lá o a oficialidade me apelou para que eu participasse da revolução. Neguei, disse ser uma contra-revolução. “Não, vai ser marcha framboa”, “Não.” Pode ser marcha framboa, mas não aceitei porque eu achava que aquilo era uma contra-revolução, os mesmos políticos do PRP querendo voltar para o governo, aí já aliados com o partido da UDN, já aliados com o Partido Democrático de São Paulo. Eu não aceitei. Fui preso na imigração de São Paulo. Lá na imigração, o Klinger, que era o comandante da revolução, tinha sido o meu comandante em Itu, da bateria de Itu, muito meu amigo - acho que ele me queria como um pai, quase -, me chama, me faz ser levado ao gabinete no quartel-general de São Paulo e diz-me o seguinte: “Levy, eu sei que você não quer aderir, você me dá a palavra de honra que não foge? Você vai para Itu, ficar com sua família lá em Itu.” Dei a palavra e aí fui para Itu. Lendo nos jornais, senti que a revolução estava no fim, aí vim a São Paulo e me apresentei ao Klinger. Disse: “Vim, não para participar da revolução, mas para auxiliá-lo na manutenção da ordem em São Paulo.” Ele disse: “Não, você vai para o Rio, o primeiro trem vai sair essa noite para o Rio.” À tarde me encontrei com o coronel Herculano, que era o comandante da Polícia Militar, chefe da revolução da Polícia Militar em São Paulo - eu o conheci como chefe de gabinete do Pedro de Toledo - e ele me disse o seguinte: “A revolução está perdida, se nós tivermos a garantia do governo federal de que serão mantidos os postos dos subordinados nós entregamos as armas.” À noite eu parti. Em vez de descermos no Rio, desci em Rezende, onde estava o quartel-general de Góis Monteiro, onde comandava as forças que enfrentavam São Paulo. Lá encontrei Galvaber, que tinha sido meu companheiro também em Itu e que me levou ao Góis. O Góis eu já conhecia de São Paulo, porque era comandante da região quando eu estava no Departamento das Municipalidades. Conversei com ele e contei essa história, ele mandou chamar uma representação da força policial de São Paulo a Rezende. Fez-se paz. Eu portanto concorri para o término da revolução de São Paulo realizando a paz, proporcionando a paz.
EDUCAÇÃO
Depois da Revolução de 1930 eu retornei ao Exército, fiz o curso de aperfeiçoamento de oficiais e a Escola de Estado Maior, Comando de Estado Maior. Recebi o diploma de Estado Maior com a presença do Getúlio Vargas. Os presidentes assistiam normalmente a formatura nas escolas do Estado Maior. Essa formatura foi a maior emoção possível. Eu estava julgado capaz de dirigir e comandar no Exército, grandes unidades no Exército.
EVENTOS HISTÓRICOS
Sobre o movimento de novembro de 37, o Estado Novo, eu fui contra. Eu estava em manobras no Rio Grande do Sul. Fui contra, mas aceitei a situação e continuei a colaborar com Getúlio, com o governo. Eu depois da Revolução de 30 eu passei a ser legalista. A Segunda Grande Guerra começa em 38... Eu servia no Estado Maior do Exército, quando fui convidado pelo general Cordeiro de Farias para comandar um grupo de artilharia da Força Expedicionária Brasileira. O Cordeiro de Farias foi meu colega de turma na escola de aperfeiçoamento e na escola de força maior, de modo que me conhecia muito bem e me convidou para comandar esse grupo, e eu aceitei. Esse convite significava ir para a guerra. Ele me deu um prazo de 24 horas. Eu disse: “Não, é um dever do militar participar, o maior prazer de um soldado com seu país em guerra.” E aceitei de imediato, não quis prazo para pensar. Eu comandei um grupo de artilharia, os maiores ataques de Monte Castelo e de Montese. Depois tive que parar o meu grupo para que fossem cedidas as nossas viaturas para o transporte rápido da infantaria para a perseguição. Aí, só depois de retornados os meus caminhões, tratores dessas peças, é que foi constituído o destacamento sobre o comando geral, constituído pelo meu grupo, pelo esquadrão de regressimento do Capitão Peteluga. Fomos desde Módena, pela estrada de Bolonha, até Alessandria, onde terminou a guerra; quando terminou a guerra em Bolonha eu já estava em Alessandria, ficamos lá três dias, a guerra terminou no dia... na Europa, em 8 de maio e guerra terminou na Itália em 2 de maio.
Todo o equipamento nosso foi americano, nós fomos sem material; recebemos todo equipamento americano pelo acordo de empréstimo e arrendamento. Não foi de graça - o Brasil pagou tudo isto, o Brasil pagou todas as despesas nossa da FEB. Nós não fomos mercenários, lutamos pelo Brasil por conta do Brasil. Recebemos todo esse equipamento, e nós artilheiros, com a missão francesa, à qual muito devemos, ficamos capazes de empregar a artilharia com grande eficiência, mesmo naquela época moderna. Os nossos conhecimentos de artilharia eram bastante suficientes para entender toda a tecnologia moderna americana, porque o que o americano fez era uma simplificação do comando de tiro, porque o capitão-comandante de artilharia do francês, ele era um virtuoso. Ele era capaz de fazer um tiro com toda a precisão, como era capaz de fazer um tiro improvisado, partindo do nada, sem nenhum soldado, pela sua experiência ele atirava e acertava. Ele acaba regulando o tiro e acertando os alvos. O americano simplificou isso criando uma central de tiro em que os elementos eram calculados pelos calculadores e transmitidos pelo comando para a central de tiros; elaboravam os alvos que eram conduzidos para as peças. Então não houve um aperfeiçoamento, houve uma simplificação. Ao contrário, o processo francês era muito mais preciso do que os processos americanos. Como eu disse, nós brasileiros fomos bem preparados, fomos dispensados na Itália, fomos dispensados de participar de exercícios, fomos diretamente para a frente, para a guerra, porque fomos dispensados. Isso consta de um boletim da artilharia do comandante Farias salientando este fato. Que o Brasil foi dispensado, dado o trabalho realizado no Brasil para a preparação da artilharia. De fato fizemos uns exercícios direcionais, fizemos todos os exercícios possíveis no Brasil no campo de Jecinó e no campo real com infantaria no terreno apoiado pela artilharia.
O brasileiro tem uma grande capacidade de adaptação, o inverno foi rigoroso, era novidade para nós. Quando caiu a neve pela primeira vez, parecia que eu estava em outra área. O panorama era outro, mudou-se completamente, parecia outro. Os soldados americanos sofriam muito no que eles chamavam pé de trincheira, do frio nos pés. O soldado brasileiro tirava a meia, botava jornais, embrulhava os pés em jornais e calçava as galochas. Não tinham pé de trincheira. Os americanos ficaram admirados: “Como é que os brasileiros não tinham pé de trincheira?” Aprenderam conosco isso.
O que mais me marcou nessa experiência de fazer a guerra foi a precisão. O que mais me marcou foi a precisão da artilharia, a decisão da infantaria e artilharia, foi isso que mais me marcou, esta íntima ligação entre infantaria e artilharia. Nós tínhamos os oficiais de ligação junto aos batalhões, nós tínhamos oficiais de observadores avançados juntos, as companhias de pelotões e essa ligação íntima permitiram que a artilharia brasileira fosse eficiente, precisa e oportuna, garantindo a vitória da infantaria. Na época eu era tenente-coronel. O Brasil participou mais ou menos com 25 mil homens, sendo 20 mil de uma divisão de infantaria, e tinha os elementos auxiliares, mas de ligação com americanos, mas a tropa mesmo era uma divisão de infantaria. Essa divisão única no meio de muitas divisões americanas e de outros países, como a África do Sul, a Polônia. Eram muitas, mas a divisão brasileira se salientou, foi ela que conseguiu fazer aprisionar uma divisão alemã de infantaria e uma grande parte daquela divisão blindada americana do after cool, do Rommel, que estava na Itália, foi feita prisioneira pelos brasileiros. Os brasileiros se relacionavam muito bem com os outros contingentes. Nós de ambas as partes procurávamos nos entender perfeitamente e cooperamos muito uns com os outros. Não houve nenhuma discrepância na nossa ligação com o nosso entendimento. Nós nos dávamos bem com os italianos. Aliás, a língua italiana era língua comum na guerra - tanto com os americanos como os alemães prisioneiros, a nossa língua era italiana, era língua comum. Os interrogatórios eram feitos em italiano, mas eu aprendi a falar italiano simplesmente em ouvir, eu já falava italiano só em ouvir. As canções italianas, nós cantávamos todas as canções. Eram belíssimas. Eu me lembro de uma que era a floresta do bosque, a vida del bosco. A vida na floresta. Eram canções maravilhosas. Nós cantávamos o hino brasileiro - sempre que tinha oportunidade nós cantávamos o hino brasileiro, com uma diferença: em vez de dizer “Nesta terra”, nós dizíamos “Nossa terra.” Cantávamos a canção do Expedicionário, cantávamos em inglês e português. A canção dos Expedicionários, nós cantávamos: “Não permita Deus que eu morra sem que volte para lá, sei que tenho por divisa o valor que simboliza e a vitória que virá.”
A chegada no Brasil dos expedicionários foi grandiosa. Ficamos muito emocionados, fomos recebidos pela população de braços abertos. Chegamos, o povo se aglomerava tanto que o desfile acabou quase que afunilado por uma pequena frente. Fomos muito ovacionados. Eu me lembro bem desse desfile, nos emocionou muito e rapidamente fomos conduzidos, o grupo estava tão treinado que estava terminado o desfile e ele foi para o Realengo, onde deixamos o material e dispensamos o pessoal. Foi tão rápido que não esperavam que nós chegássemos lá, não tinha ninguém nos esperando porque não pensavam que fôssemos lá tão rápido.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Quando chego da guerra, não sou promovido. Sou promovido só em 68, sou promovido a coronel. Em 48 passei a servir no Estado Maior do Exército e depois fui comandar o regimento Malé em Santa Maria, de lá fui convidado pelo general Roberto, ministro da Guerra, para ser o chefe do gabinete. Terminada a chefia do gabinete eu fui nomeado adido militar do bureau em Paris, junto à Embaixada do Brasil em Paris. Em 1951. Fiquei em Paris até 1953, depois retornei ao Brasil e fui comandar o regimento Deodoro, Itu, onde eu tinha servido como tenente. Fui comandar em Itu, onde depois fui promovido general de brigada, depois exerci funções de chefe do Estado Maior, fui promovido a general de divisão, comandei duas grandes unidades de São Paulo e depois fui promovido, já depois da Revolução de 64, fui promovido a general de Exército e fui chefe de Departamento de Divisão Geral do Exército, o maior órgão logístico do Exército naquela época.
EVENTOS HISTÓRICOS
Quando aconteceu a Revolução de 64 eu estava chefiando o Departamento de Pessoal, fui transferido da Segunda Divisão de Infantaria em São Paulo para o Serviço Militar, órgão burocrático, sem comando. Quando me apresentei ao ministro da Guerra, vindo de São Paulo, que era o meu colega de turma, Jair Dantas Ribeiro, eu perguntei: “Por que vocês me transferiram?” “Você não merecia confiança do governo.” Aí, no departamento eu comecei a acompanhar, junto com o Castelo, esse movimento revolucionário de 64, mas tínhamos muito entendimento estreito; a nossa opinião era de manter o governo do Jango enquanto fosse possível, mas não podíamos ultrapassar pelos acontecimentos, e foi o que aconteceu. Quando houve aquele comício da Central do Brasil e aquela reunião dos sargentos com o presidente da República, e o Automóvel Clube, foi o sinal do basta, porque estava sendo atingida a hierarquia militar, a disciplina da hierarquia militar. Fui eu que comuniquei ao Castelo que o Murici, que era o comandado na diretoria militar, tinha partido para Minas para fazer a revolução, foi quando Castelo então resolveu fazer o levante no Rio. No final, depois de vencida a revolução, eu estava no quartel-general do Gabinete do Costa e Silva com o Geisel redigindo a mensagem da vitória da revolução, fazendo um comunicado para o povo da vitória da revolução. Já era madrugada, já era dia 1º de abril; quando assinou o comunicado, o Geisel disse: “Não, vamos datar de 31 de março, porque dia 1º é dia do engano, dos tolos.” Já era primeiro de abril... Aí disse o Geisel: “Não, 1º de abril não”.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Bom, eu ia atingir o limite da idade em 4 de dezembro de 66. Havia as promoções em novembro, e eu não queria deixar por causa de alguns dias, deixar de dar a minha vaga para um companheiro meu ser promovido, então pedi demissão. Passei para a reserva, mas o ministro da Guerra pediu que eu continuasse como marechal exercendo as funções de chefe do Departamento de Provisão Geral do Exército, onde eu só deixei no dia 2 de dezembro, quando foi nomeado o meu substituto, para o qual eu passei o comando, a direção.
Em 1966 eu já era marechal, fui promovido, depois que eu fui para a reserva. Primeiro fui promovido na ativa, depois que eu passei para reserva. Foi na ativa, e depois que eu passei para a reserva, tanto que eu exerci este posto de marechal, eu acabei exercendo o Departamento de Provisão Geral do Exército. Ter chegado a marechal é o máximo, eu fui ao ápice da carreira, sinto muito orgulho disso.
RELAÇÕES COM O GOVERNO
Quando o Costa e Silva deixou o Ministério para subir à Presidência da República, eu fui ao gabinete me despedir dele, e ele me disse: “Se eu for o presidente da República você vai ser o presidente da Petrobras.”
EMPRESA
Em 1954, logo após a guerra, era muito difícil, muito sombria a situação do Brasil no que concernia aos combustíveis líquidos. Havia muita dificuldade de abastecimento. Ou o Brasil teria que restringir o seu desenvolvimento ou teria que lutar contra esse estrangulamento que se avizinhava. O Congresso Nacional, pela vontade do povo brasileiro, promulgou a lei 2004, de 3 de outubro de 1953, que instituiu o monopólio estatal do petróleo e criou a Petrobras, a união do monopólio à Petrobras, o órgão para exercê-lo, daí foi criada a Petrobras.
CAMPANHA “O PETRÓLEO É NOSSO”
Quando eu estava na Itália, na guerra, na fase defensiva do inverno, a minha posição era freqüentemente visitada por um oficial americano do serviço do material ibérico do Quinto Exército. Tive oportunidade de várias conversações com ele por diversas vezes, em todas elas esse oficial, que tinha sido convocado como capitão, vindo de um órgão americano ligado ao petróleo, chorava, reclamava não poder o país importar petróleo do Oriente Médio e dizia: “Estamos queimando nosso petróleo, estamos acabando com as nossas reservas.” Isso me calou, foram umas três ou quatro vezes que ele me disse isso. Em toda a reunião ele repetia a mesma coisa. Isso me calou fundo, me despertou para a importância do petróleo no mundo. Assim, quando houve a campanha do “O petróleo é nosso”, eu sem nenhuma dúvida fui favorável a essa campanha. Assisti às conferências no Clube Militar, mas não participei direto delas, mesmo porque eu passei a maior parte do tempo afastado como militar em Paris. Na minha volta, logo depois em 54, eu vim em 53, em junho de 54 estava fundada a Petrobras.
Eu não participei da campanha porque era comunista, porque os comunistas se apropriaram desse pretexto, desse interesse nacional para tomar conta da campanha. Eu sou nacionalista, sempre fui. Patriota e nacionalista. Quem não é nacionalista no seu país? Quer alguém mais nacionalista que os americanos, que nacionalizam até as pessoas?
CONSELHO NACIONAL DO PETRÓLEO
Quando o General Costa e Silva ia deixar o Governo, o Ministério da Guerra, para se candidatar a presidente da República, antes dele sair eu fui ao seu gabinete me despedir dele. Eu era chefe de Departamento da Provisão Nacional do Exército, fui ao gabinete me despedir dele. Batemos um papo na saída; ele me disse: “Se eu for o presidente da República você vai ser o presidente da Petrobras.” Quando eu passei para a reserva, no dia 2 de dezembro, fugi para o meu sítio para ser esquecido, quando é nomeado o general Candal Fonseca presidente da Petrobras, aí vim ao Rio e tomei todas as providências para a minha residência, para minha mudança em Itu, já estava com as minhas passagens no bolso para voltar para São Paulo quando eu recebo um telefonema do Costa Cavalcanti, que em nome do Presidente da República me convidava para presidente do Conselho Nacional do Petróleo. Eu neguei, e minha mulher, que estava do meu lado disse: “Você está sendo grosseiro.” Caí em mim e disse ao ministro, afinal era um convite do presidente da Republica, caí em mim e disse ao ministro: “Ministro, eu vou aí no seu gabinete amanhã, marca uma hora.” Fui, e na chegada ele disse: “Conversei por telefone ontem à noite com o Costa e Silva, e ele disse para você ir lá falar com ele” Eu disse: “Vou ser apertado, vou ser pressionado.” Aceitei logo, aceitei a presidência do Conselho Nacional do Petróleo. Uma das atribuições do conselho era fiscalizar a aplicação da política nacional do petróleo. Havia nessa ocasião quatro refinarias particulares - além da Petrobras, quatro refinarias particulares, uma pequenina em Uruguaiana, do Matarazzo, que produzia 400 barris por dia, uma no Rio Grande do Sul, a Ipiranga, que produzia 9 mil barris por dia, e a de Capuava e Manguinhos que produziam 20 mil barris por dia. Elas estavam fora do monopólio, porque já existiam quando foi criada a lei 2004, quando foi sancionada a lei 2004 elas já existiam e foram garantidos os seus direitos. Eu era obrigado pelo dever legal a defender o monopólio. Havia divergências na relação entre a Petrobras e esses órgãos, e eu procurei agir na Petrobras como um juiz, defendendo o monopólio, mas assegurando os direitos das unidades particulares. Atuei como um juiz na dissolução desses problemas garantindo o direito de cada uma. Outra atribuição do conselho era o abastecimento nacional do petróleo. Era uma outra grande atribuição, para mim até mais importante. O petróleo naquela ocasião era livre. A importação do petróleo naquela ocasião era livre, o petróleo estrangeiro não era monopolizado nesta ocasião, de modo que era livre a importação. Então meu trabalho como presidente do conselho era fiscalizar e apoiar os programas de importação das refinarias visando assegurar o abastecimento e o preço desses derivados. Limitou-se portanto a isso a minha fiscalização no que se referia ao petróleo. Agora, os derivados sim, os derivados eram produzidos pela Petrobras e pelas subsidiárias. O problema da distribuição dos derivados era um problema logístico ao qual eu me dediquei profundamente, com entusiasmo. Criei zonas tributárias das refinarias com áreas, com bases, incluindo só as bases para distribuição, tudo visando minimizar os transportes e baratear os custos e portanto os preços dos derivados. Eu posso afirmar que o povo brasileiro tinha preços nos combustíveis menores do que as grandes potências no mundo, principalmente na Europa. O combustível brasileiro era mais barato do que na Europa. O povo brasileiro podia se considerar feliz neste aspecto.
TRANSPORTES
O sistema de transporte para abastecimento era por mar ou por via fluvial. Os transportes eram por barcaças e navios. Por terra, por caminhões, estrada de ferro e oleodutos. Havia uma grande distorção nacional do que se refere aos transportes. Predominavam sem dúvida nenhuma os transportes rodoviários. Havia uma preponderância dos transportes rodoviários no Brasil, como ainda há hoje. Eu procurei para cada caso o melhor transporte possível. Não podíamos compreender que grandes massas de derivados de petróleo fossem transferidas para grandes distâncias por caminhão. Era o caso da carroça com capim que o burro levava para as grandes distâncias - comia no caminho o capim que levava. Quando chegava ao destino não tinha mais capim.
DISTRIBUIÇÃO
Criou-se um terminal em Belo Horizonte - Ibiruçu - para carregamento de caminhões, carregamento de vagões ferroviários, e se passaram a transportar seus derivados para Goiás por ferrovia. Por outro lado as distribuidoras remetiam, abasteciam Brasília comprando seu combustível na refinaria de Belo Horizonte, Gabriel Passos, vendia aos seus caminhoneiros que por sua conta em risco levavam para Brasília e distribuíam. Era muito cômodo para eles esta situação. Não queriam modificá-la. Combinei com a Petrobras fazer um terminal em Brasília para receber, armazenar e distribuir derivados. Reuni em meu gabinete todos os diretores das distribuidoras da Shell, da Esso, da Ipiranga, todos eles e disse: “A Petrobras vai construir uma base em Brasília, vou levar os derivados de trem, por ferrovia para Brasília, para este terminal. Aconselho e vou fixar o preço em Belo Horizonte, igual em Varginha, igual de Belo Horizonte.” Podia fazer isso porque a lei me permitia, o conselho, indenizar transportes para equalizar os preços do petróleo no território nacional, por exemplo, dar ao produtor em Brasília o mesmo diesel para seus tratores, o mesmo que ele tinha em São Paulo ou em Belo Horizonte. Era essa a finalidade da equalização. E eu pude fazer isso. Quando eu pedi aos presidentes das distribuidoras, foi água na fervura. Imediatamente eles aceitaram, e os derivados passaram a ser conduzidos por via férrea para Brasília. Havia uma refinaria, a Duque de Caxias, que não tinha nem embarque ferroviário. Da ferrovia não ia. Eu consegui da rede ferroviária, eu construí um terminal para Duque de Caxias, que passou a distribuir também. Além de ir por caminhão, também por via férrea, para o interior do Estado do Rio.
CONSELHO NACIONAL DO PETRÓLEO
A relação era o CNP e a Petrobras, era a fiscalização da Petrobras. Eu já contei que já havia tido esses conflitos, mas mantendo o direito de cada uma. Era obrigado a respeitar o monopólio, mas garantir o direito de cada uma.
PETROQUISA
O Conselho participou da criação da Petroquisa... Funcionavam nessa ocasião as refinarias de São Paulo, em 1974... Já em 1974 o Conselho Nacional de Petróleo declarou, estabeleceu que a petroquímica não era do monopólio, que podia ser exercida, que podiam ser levantados empreendimentos quer pela Petrobras, quer pela iniciativa particular. Então estava livre a coisa. Entretanto, até 1968, não obstante um decreto de 65, 66, que dava condições favoráveis para o desenvolvimento da Petroquisa, a indústria permaneceu incipiente. A Petrobras foi sem dúvida a criadora da indústria petroquímica do Brasil, com a construção de uma unidade para fertilizantes em Cubatão que produzia fertilizantes hidrogenados - o chamado, o conhecido nitrocálcio, o tão afamado nitrocálcio. Também uma outra unidade em Cubatão, para produzir a borracha sintética - em Cubatão não, em Duque de Caxias. Duque de Caxias fundou a fábrica de borracha sintética. Então isso foi ao que se limitava até 1968 a petroquímica no Brasil. Existia um grande projeto do grupo Capuava, da refinaria de Capuava, que instituiu uma grande empresa petroquímica com base na nafta. Já fazia mais de um ano, um ano e meio ou dois, e essa usina continuava no papel. Não conseguia financiamento porque a indústria utilizava matéria-prima monopolizada e por outro lado davam influentes combustíveis. Assim, quem ia se interessar pela construção de uma grande unidade, de um grande empreendimento, quando a matéria-prima era monopólio do Estado? Ninguém. Eu procurei o ministro Delfim Neto, da Fazenda, que era um grande desenvolvimentista, e combinei com ele. Expus a situação e combinamos fazer uma reunião no Ministério da Fazenda. Essa reunião se realizou com a presidência do Delfim, com a presença dos ministros das Minas e Energia, Costa Cavalcanti, do Planejamento, Hélio Beltrão, do presidente da Petrobras e do presidente do CNP. Foi resolvido nessa reunião que o petróleo, que os combustíveis produzidos pelas petroquímicas seriam propriedade da Petrobras, por causa do monopólio que iria a Petrobras declarar. Que indenizaria as petroquímicas produtoras desses derivados com uma participação financeira, uma contribuição financeira para a matéria-prima utilizada para a produção desses combustíveis. Ficou resolvida a questão. Foi em minha casa porque ninguém acreditava que alguém pudesse participar com a Petrobras em algum empreendimento que era monopolista. Na minha casa eu redigi um decreto criando a Petroquisa e permitindo a sua associação com capitais nacionais e estrangeiros. Criei, assegurei o fornecimento de matéria-prima por preços internacionais. O governo assegurava aquisição de matéria-prima pelas petroquímicas por preços internacionais e estabelecia as normas que liquidavam de vez com essas discussões, com essas pendências entre as refinarias e as petroquímicas, que se entrelaçavam na sua produção. Ambas produziam derivados, ambas produziam gases para petroquímica, então foi estabelecida a relação que devia existir entre as unidades, com isso o petróleo ou o projeto da Petroquímica União tomou embalo. A Petrobras logo se associou a esse empreendimento e dela participou, também uma infinidade de companhias internacionais de renome no ramo que trouxeram para o Brasil uma tecnologia de capitais muito favoráveis ao Brasil. E daí surgiu o primeiro pólo petroquímico brasileiro, com esse projeto da Capuava. Antes mesmo de terminarem os trabalhos de terraplenagem da instalação da refinaria, ela foi tanto de interesse nacional que criou-se, antes dessa terraplanagem. Teve que aplicar 50% a produção de eteno, antes mesmo dela ter sido construída já tinha dobrado a produção e notou-se a necessidade de uma maior produção de eteno, que era de 200 mil toneladas e passou para 300 mil.
UNIDADE
REPLAN
Durante meu período na presidência Nacional do Petróleo também autorizei a construção de Paulínia. Bom, o Conselho Nacional de Petróleo, em 1968 o consumo de derivado de petróleo aumentou muito no Brasil, da ordem de 15%, acompanhando o desenvolvimento nacional, que também era grande. Com isso era feito o balanço de consumo do conselho, e o balanço entre o consumo e produção ia resultar em 69 num pequeno déficit de derivados. Então o conselho, em assembléia geral da Petrobras, o Conselho Nacional do Petróleo comunicou à Petrobras a necessidade dela construir. Pedi ao Pedro Vaz que construísse, nos desse a possibilidade de uma refinaria em Paulínia e tomasse outras providências para aumentar a produção de derivados para o futuro, de modo a garantir o abastecimento futuro.
UNIDADE
REFAP E REGAP
Ainda na presidência do Conselho Nacional de Petróleo foram inauguradas as refinarias Alberto Pasqualini, no Rio Grande do Sul, e Gabriel Passos, em Minas Gerais. Mas mesmo com essas refinarias inauguradas, em 68 ainda viria o déficit, é por isso que o conselho mandou aquela autorização à Petrobras para tomar essas providências de aumentar o refino, outras atividades do conselho.
PETROS
Bom, no conselho eu ainda tive oportunidade de ver aprovado pelo conselho, numa assembléia de março de 68, um projeto da Petrobras para aposentadoria dos funcionários da Petrobras. Depois de feitos os estudos atuariais, demorados, levados ao Ministério da Fazenda e à Assistência Social, foi aprovado. Então voltou para o Congresso, e foi aprovado pelo conselho na minha administração ainda. Não pude criá-lo porque foi muito curto, o meu prazo da Petrobras do conselho, já estava no fim do conselho, houve também uma outra coisa...
GESTÃO EMPRESARIAL
Eu criei, organizei os novos estatutos da Petrobras que foram aprovados pelo governo com um decreto - eu não me lembro o nome - no fim de 68. Nesse estatuto estabelecia facilidades para a construção das subsidiárias da Petrobras, inclusive tirando a exigência de tratado internacional para a criação de uma empresa para explorar petróleo no exterior, de uma subsidiária da Petrobras no exterior. Criou-se ação preferencial para permitir que brasileiros, mesmo natos, que não podiam ser preferenciais, o fossem. Essas ações preferenciais não poderiam de maneira nenhuma ser transformadas em ações ordinárias, com isso aumentou-se muito o capital da Petrobras. Criou-se também um quadro de carreiras para funcionários para ter promoção pelo mérito e assegurar-lhes a possibilidade de verter cargos de alta importância na empresa.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Eu estava no cargo havia 2 anos já, no Conselho Nacional do Petróleo, sou chamado pelo Costa e Silva, que me disse que o Candal, presidente da Petrobras, ia pedir demissão - ou pediu demissão para poder continuar a sua brilhante carreira militar -, com isso entregava-se a Presidência da Petrobras. O Costa e Silva me convidou, me chamou e me convidou para assumir. Eu disse: “Não quero nada disso, eu prefiro continuar no conselho.” Cheguei a indicar um nome a ele para o cargo; ele disse: “Não, é você quem vai.” Fui, assumi a presidência em março de 69.
GESTÃO EMPRESARIAL
Nessa época, em 1969, o Brasil produzia mais ou menos 200 mil barris de petróleo, aliás convém lembrar que quando foi fundada a Petrobras, o Brasil consumia mais ou menos 200 mil barris de petróleo em combustíveis. Já quando eu assumi a presidência, consumia 400 mil barris de petróleo, e nesse período em que se dobrou o consumo nacional as despesas em divisas permaneceram constantes. Isso quer dizer que a Petrobras deu um lucro, deu um prêmio ao Brasil de 200 mil barris por dia nesse período de 15 anos. Nessa época um barril custava 2 dólares. Quando eu assumi, a Petrobras produzia mais ou menos 200 mil barris de petróleo. As perspectivas de produção de petróleo eram pessimistas. Os engenheiros Lauro Vieira e Mário Campos apresentaram relatórios pessimistas quanto à produção em terra, isso levou a Petrobras a fazer a pesquisa no mar, sendo então descoberto nessa época um campo, o campo de Guaricema, altamente promissor das pesquisas no futuro. Mas em terra a Petrobras - isso foi ainda, a construção desse campo foi ainda no governo, na presidência do Candal Fonseca, foi ainda na presidência dele, foi em 68, eu já encontrei essas pesquisas no mar - por outro, lado apesar da Petrobras contratar as maiores e as mais importantes empresas de prospecção no mundo, não havia no Departamento de Previsão um único local de uma organização para perfuração em terra. Resolvi então dirigir meus esforços para intensificar a geofísica e intensificar a produção secundária dos postos em terra, a recuperação secundária dos postos em terra com injeção de gás. Em mar não tínhamos recursos e material, plataformas, nem engenheiros em número suficiente capaz de lidar com essa nova tecnologia que acabara de ser descoberta no Mar do Norte. Procurei contratar uma plataforma, pedi autorização ao governo para contratar uma plataforma. No meio das tentativas ela desapareceu, naturalmente procurou um rumo mais interessante para ela, assim não pude continuar na coisa, mas o Costa e Silva...
EMPRESA
Quando eu assumi a Petrobras, já havia aprovado pelo conselho um plano trianual de investimentos e um plano anual de atividades. Os recursos para esse plano eram na ordem de 3 e meio milhões de cruzeiros, sendo que mais da metade, 1 milhão e 900, se destinavam à pesquisa e à produção de petróleo. Isso significa que a Petrobras, apesar de querer aumentar a sua capacidade de refino, tocando a sua auto-suficiência, ainda dava prioridade à pesquisa. Pelo seu dever dava prioridade à pesquisa do petróleo. Os recursos disponíveis gerados pela Petrobras eram suficientes, da ordem de 1 milhão de cruzeiros por ano. Eram suficientes para a execução desse plano com uma pequena falta de recursos com a moeda estrangeira.
GESTÃO EMPRESARIAL
Havendo essa falta de recursos e estando na presidência da Petrobras, fui a Londres. Por intermédio do Ministério do Interior da Inglaterra consegui um empréstimo num banco para comprar mais ou menos 50 milhões de dólares - valor na época do câmbio, 100 milhões de libras, correspondendo mais ou menos na época a 100 milhões de dólares.
Com prazo de 15 anos, juros de 5% e títulos pelo valor de face, quer dizer, sem nenhuma comissão. Consegui o empréstimo, aí abri a primeira concorrência internacional para a construção da Refinaria de Paulínia, para a construção da unidade termoelétrica da refinaria. Ganhou a indústria japonesa. O Japão ganhou a concorrência, mas não pude continuar as obras. Agora, para acelerar as obras eu constituí uma comissão de execução de obras prioritárias na Petrobras. Era o grupo executivo de obras prioritárias.
Com grande liberdade, subordinada diretamente ao presidente da Petrobras, mas com grande liberdade de contratar serviços no exterior. Internamente, no exterior, comprar materiais não produzidos no Brasil, comprar no exterior, isso causou uma grande ciumeira na Petrobras, mas eu conduzi firme a questão. Fui e nomeei para esta questão o doutor Orfila Lima do Santos, um grande engenheiro que tinha construído o oleoduto do Rio de Janeiro e Belo Horizonte e era considerado um grande tocador de obras. E depois da concorrência que ganhou o Japão, eu fui ao Costa e Silva e pedi demissão; não pude levar avante, acompanhar a construção desses empreendimentos. Foi nomeado para me substituir o general Geisel. Antes da posse ele me procurou no conselho e eu tive oportunidade de ter uma conversa ampla com ele. Primeiro eu fiz uma exposição do que era a Petrobras, depois disse a ele sinceramente o que eu queria fazer, mas não podia porque tinha sido muito curta a minha gestão na Petrobras. Entre essas coisas eu disse: “Manter o programa da produção de petróleo inclusive da comissão especial de obras. Cria a Petrobras Distribuidora.” Porque a Petrobras já distribuía derivados para as Forças Armadas, para as grandes empresas públicas, para o combustível dos navios, então era preciso legalizar a situação criando a Petrobras com igualdade, como não era do monopólio, com igualdade de condições com as demais distribuidoras. Lembrei a ele a necessidade de construir uma subsidiária para a construção de derivados de petróleo no exterior, e lembrei ainda que ia ser necessário num futuro, não logo, mas no futuro, a construção de uma refinaria no Paraná. Já avisei a ele que havia no futuro uma construção de uma refinaria no Paraná. O Geisel atendeu os meus pedidos. Tive a oportunidade de depois de deixar a Petrobras, de assistir à inauguração de Paulínia, como foi construída num prazo recorde de três anos.
Fiz um discurso na minha saída da Petrobras. Fiz um grande agradecimento para o governo por ter sido nomeado para a empresa. Fiz um grande elogio aos funcionários da empresa pela dedicação e pelo esforço que eles empregaram, sendo eles “o homem é que faz a máquina funcionar.” Fiz um grande elogio aos meus direcionados, dos empregados da empresa e concluí dizendo que me considerava realizado na vida depois de mais de 50 anos de serviços à minha pátria. Lamentei que não podia, que não deveríamos deixar de acelerar as pesquisas no mar, a produção no mar.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Pedi demissão da Petrobras quando Costa e Silva morreu. Foi em 1969. Eu estive 9 meses na Petrobras, foi muito curto o meu período na Petrobras. Fui para o meu sítio, estava lá construindo a minha piscina quando aparece o Cacau, coronel Barros Nunes, que tinha sido o meu relações-públicas na empresa. Tinha vindo da cidade, encontrei um carro, entrei, era ele. “Ó você por aqui. Que bom; veio me visitar?” Ele disse: “Não, vim lhe fazer um convite em nome do Geisel, para você ser conselheiro da Petrobras e mais, quer que você viaje hoje mesmo para o Rio.” Almoçamos e pouco depois saímos para o Rio, cheguei de madrugada. Nesse mesmo dia seguinte fui eleito o presidente do Conselho da Petrobras. Era mais ou menos 1971, março mais ou menos de 1971. Fiquei como conselheiro até 1985, quando foi eleito o presidente Sarney para Presidência da República. Aí pedi demissão, era presidente da Petrobras o Helio Beltrão, que tinha sido meu companheiro quando eu representava a Petrobras presidindo o Conselho da Oxiteno de São Paulo. Oxiteno fabricava oxiteno, que era matéria-prima para poliéster. Durante esses 15 anos, com uma interrupção pequena em que fui conselheiro do Conselho de Administração e assisti a todo desenvolvimento da Petrobras.
PRODUÇÃO
Nesses 15 anos, o que mais me marcou foi a descoberta do petróleo em Campos e, uma outra coisa, eu pus no conselho recursos para elevar a produção nacional para 500 mil barris de petróleo. Quando eu deixei a Petrobras, já estava prevista a produção no futuro próximo de 800 mil barris, mas nós produzimos um pouco mais de 200 mil barris, e eu forcei o conselho para determinar recursos para a organização de um plano visando à produção de 500 mil barris por dia no Brasil. Esse plano se realizou - a Petrobras começou a produzir 500 mil barris de petróleo por dia.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Hoje não tenho nenhum elo de ligação com a Petrobras. Quando eu passei a consultor eu passei a ser empregado da Petrobras, contribuía para o INPS. Fui convidado para contribuir para a Petros. Não quis. Eu disse: “Eu não quero me aproveitar dessa situação para amanhã ser beneficiado com uma aposentadoria que eu julgue imoral”.
Ainda hoje freqüento a Petrobras, ainda há pouco tempo fui convidado para participar de um almoço que muito me orgulhou esse convite, porque principalmente representava, fui convidado para representar todos os ex-presidentes e conselheiros da Petrobras. Discursei em nome dos ex-presidentes e conselheiros durante o 49º aniversário da Petrobras. Na gestão do Francisco Gros.
GESTÃO EMPRESARIAL
Eu tenho o discurso inteiro que fiz no 49º Aniversário da Petrobras, no dia 3 de outubro de 2002. O discurso foi: “Excelentíssimo Francisco Gros, presidente da Petrobras. Senhores conselheiros, senhores diretores, minhas senhoras, meus senhores. Não poderia deixar de expressar neste momento os sentimentos que nesse momento me animam. Foi para mim uma honra o convite que recebi da direção da Petrobras para participar do almoço em comemoração do seu 49º aniversário. Me considero altamente distinguido com o privilégio que me foi concedido de representar aqui os ex-presidentes e os ex-conselheiros da Petrobras, e é nesta qualidade que lembro ter sido a preocupação de todos eles, de um lado, de dispor a empresa de excelentes servidores e de outro, mantê-la afastada da política partidária. Foi permanente o cuidado com o recrutamento e aperfeiçoamento do pessoal. O recrutamento teve por base o mérito, quer com realização de concursos públicos, quer com atração dos jovens formandos que mais se distinguiam nas escolas superiores para realização de estágios e após, quando fosse o caso, serem incluídos no quadro da empresa. O aperfeiçoamento se processava através de cursos internos ministrados por consagrados mestres internacionais e também pelo envio de seus melhores profissionais que passavam para freqüentar escolas, as melhores escolas do mundo. Esses ao retornarem passavam a ser mestres de seus camaradas. Carinho especial dedicavam ao nosso Centro de Pesquisas, estimulou-se um pessoal com a organização dos quadros e carreira; precisamos dar a promoção, o mérito de cada um. Graças, portanto, a todos os ex-presidentes e ex-conselheiros dispomos hoje de um quadro de empregados e um Centro de Pesquisas reconhecidos mundialmente e temos o privilégio no mundo da exploração e produção do petróleo em águas profundas e muito profundas. A Petrobras em seus 49 anos de atividade priorizou a exploração e a produção do petróleo procurando atingir a auto-suficiência. Foi uma luta incessante em que a produção e o consumo tal como na guerra do canhão contra a couraça, mas já divisamos com muita segurança a vitória da produção. A Petrobras igualmente procurou atingir e manter a auto-suficiência do refino pela simples razão de serem os derivados produzidos em suas refinarias muito mais baratos do que os importados. O refino também era o maior gerador de recursos para o desenvolvimento, além de contribuir para a valorização do nosso óleo e economizar divisas. Nossas refinarias, utilizávamos 80% do nosso petróleo pesado, muito mais barato do que os leves, nossas despesas gerais e de mão-de-obra muito menores do que nas refinarias estrangeiras. Na construção de refinarias já empregamos 80% de equipamentos nacionais - e nacionais são também os projetos, a mão-de-obra e os materiais de construção. Penso que a Petrobras pode e deve produzir petróleo no exterior, mas também intensificar a produção interna para o consumo de suas refinarias, exportação e principalmente o aumento de seus reservas, como óleo americano na Itália. Igualmente a Petrobras deve e pode construir refinarias no exterior, mantendo internamente alto senso dos derivados por segurança. Em 1968, quando eu exerci a presidência da Petrobras tomei conhecimento do grande interesse do justo geólogo Geonísio Barroso, de saudosa memória, que na época diretor de exploração, de criar uma subsidiária para atuar no exterior preferencialmente associada a empresas estrangeiras com o duplo propósito de produzir petróleo para o Brasil e aperfeiçoar nessas técnicas na opção conjunta com os estrangeiros. Minha presidência foi muito curta, mas Geisel, meu sucessor, realizou o grande sonho de Geonísio Barroso criando a Braspetro. Já mais tarde, a partir de 99, o presidente Reichstul deu significado, deu impulso para a internacionalização da Petrobras e a atual direção pelas metas que se propôs tudo vem realizando a fim de torná-la uma grande empresa internacional de energia e petróleo, igualando-se no futuro às suas sete irmãs. Para finalizar quero tomar emprestadas as palavras do renomado jornalista Joelmir Betting publicadas no “Globo” de 28 de setembro findo: “Há 22 anos o Brasil importava um em cada quatro barris e sangrava a dólares de hoje com o petróleo alheio um déficit cambial de 19 milhões de dólares, agora em julho de 2002 houve um superávit em barris de petróleo.” São portanto mais que justas a homenagem e o parabéns que prestamos à Petrobras e ao seu presidente, conselheiros, diretores, técnicos e empregados pelo transcurso do seu 49º aniversário. Muito obrigado. Marechal Levy Cardoso, ex-presidente. Quero aqui assinalar ainda: “Avante, Petrobras. Orgulho-me de você.”
FAMÍLIA
São 102 anos de idade, a experiência de um século, minha vida agora eu passo em casa, não sei ficar sem ocupação. Passo em casa meus dias lendo jornais, assistindo televisão, mas só a parte jornalística, as outras não me interessam. Só a parte jornalística, e quando não tenho mais nada a fazer jogo paciência, a paciência de cartas. A minha casa é a matriz da família, é lá que se reúnem todos meus filhos e netos, não só nas grandes datas da família como na vida diária com meus netos. Essa minha relação com meus netos é tão íntima que eles chegam a telefonar para a cozinheira da minha casa dizendo: “Eu vou almoçar amanhã com o vovô aí, faça esse prato assim, assim que eu quero comer.”
CASAMENTO
De casado tenho 75 anos, agora em 31 de março desse mês vou fazer 75 anos de casado. A dica para estar casado há tantos anos assim é compreensão e amor.
FAMÍLIA
O nome da minha filha é Míriam de Cardoso, formou-se em psicologia pela faculdade Santa Úrsula. Foi professora da escola superior, foi diretora do projeto Rondon - não sei se sabe o que foi esse projeto Rondon. Projeto que trabalhava com os estudantes para conhecer o Brasil. A missão desse projeto era muito importante, esse projeto foi substituído por um projeto da mulher do presidente... Dona Ruth Cardoso, Comunidade Solidária. Só que o outro projeto não era político, era mais dirigido à formação patriótica dos universitários. Eles trabalhavam com as comunidades, ensinavam às comunidades as suas especialidades, inclusive a construir privadas, a escovar os dentes, a aplicar curativos de emergência. Tudo isso eles faziam com a comunidade. O outro filho foi Claudio Levy Cardoso, esse eu queria que ele fosse médico, ele chegou a cursar a faculdade. Eu estava em Paris quando ele abandonou o curso, não quis ser médico, disse que não dava para aquilo, não queria ver sangue. Antes de eu ser presidente, muito antes, eu estava no gabinete do Lott em 57, muito antes de eu ir para Petrobras, ele fez concurso e foi nomeado comprador da Petrobras. Na categoria de comprador da Petrobras. Prestou, foi chefe de compras - cargo que geralmente é desempenhado por engenheiros - e prestou muito bom serviço à empresa. Na minha presidência eu o passei para o meu gabinete, para que ele ficasse livre da influência dos vendedores sobre ele. Quando saí, eu o fiz voltar ao cargo que ele estava. O terceiro foi o Roberto, engenheiro mecânico, formado pela faculdade Mecânica de São Paulo, teve morte, casou-se, teve dois filhos e uma morte instantânea. Para ele nascer eu fui para Itu, para eu ter um filho ituano. Ele tinha uma fazenda em Porto Feliz, depois de Itu, uma fazenda em Porto Feliz a 20 quilômetros do meu sítio. Ele vinha para São Paulo, não para o meu sítio, ele vinha para São Paulo e sofreu um desastre na porta do meu sítio, desastre de automóvel. Um caminhão pegou o carro dele; eu disse: “Meu filho foi para Itu para nascer e foi pra Itu para morrer”.
Eu tenho 11 netos e 14 bisnetos. Tudo o que eu tenho é a minha família hoje. Tudo o que eu tenho hoje é a minha família.
TRABALHO
Quando eu ia para o meu sítio eu sempre produzia 30 mil frangos. Era um sítio produtivo. Eu produzia 30 mil frangos por mês, tinha 30 matrizes de porcos para produção de porcos, criava por ano mais ou menos cem porcos gordos - em 5 meses alcançavam 7 arrobas - e tinha uma plantação de café de 12 mil pés. Muito produtivo, porque eu adubava com o esterco das galinhas e dos porcos. Eu tinha uma produção, como eles chamam hoje, orgânica de café. Eu comecei essa criação na casa da Canoa, eu era apaixonado por galinha e pela lavoura e ela, agricultura. Quando eu convivia com os meus cunhados na fazenda do meu sogro, conversávamos muito sobre agricultura. Eles eram engenheiros agrônomos por Piracicaba e conversávamos muito sobre agricultura, e também fui trabalhar em café na fazenda em Jacarezinho, de modo que eu era apaixonado pela lavoura.
AVALIAÇÃO
O segredo para chegar aos 102 anos é bom humor e a consciência tranqüila. Eu posso dizer, como Ademar de Barros: “Neste bolso nunca entrou dinheiro de ninguém a não ser o meu.” Aí perguntaram a ele: “E o outro?” Não, não quero mudar mais nada em minha vida, estou por poucos anos, estou com o pé na cova. Estou por poucos anos, tenho certeza disso.
Já comprei meu túmulo no São João Batista. Apesar de não pensar muito na morte, quando ela vier eu vou.
ENTREVISTA
Acho que esse projeto é uma grande contribuição a ser prestada pela Petrobras para o povo conhecer a Petrobras. O Exército fez um semelhante para a FEB. A história oral da FEB, ele fez com oito volumes; eu participei também. A mensagem que fica para os funcionários e os trabalhadores da Petrobras de hoje é: “Eu me orgulho de vocês todos, só.”
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