Projeto História das Profissões em Extinção
Depoimento de Josepha Theotonia de Brito
Entrevistado por Luís André do Prado e Priscila Perazzo
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 8 de outubro de 1996
Realização Museu da Pessoa
Entrevista nº 01
Transcrita por Rosália M...Continuar leitura
Projeto História das Profissões em Extinção
Depoimento de Josepha Theotonia de Brito
Entrevistado por Luís André do Prado e Priscila Perazzo
Estúdio da Oficina
Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 8 de outubro de 1996
Realização Museu da Pessoa
Entrevista nº 01
Transcrita por Rosália Maria Nunes Henriques
P - Dona Josepha, qual o seu nome, local e data de nascimento?
R - Meu nome é Josepha Theotonia de Brito, nasci no Rio de Janeiro em 1933, sou filha de nordestinos, meu pai era pernambucano, minha mãe paraibana, tiveram seis filhos. E nós crescemos numa casa aonde faltava dinheiro mas não faltava amor e fomos muito felizes, uma infância muito feliz mesmo. Apesar de eu ter começado a estudar cedo com muito afinco, mas eu brincava muito, a gente tinha uma infância maravilhosa, um quintal, muitas árvores, frutas e brincadeiras assim, brincadeiras sem um fundo de dinheiro porque não havia dinheiro para comprar brinquedos, havia sim a disposição de brincar, eu e meus irmãos brincávamos e brigávamos muito. E eu fui a única que corria assim logo para estudar, eles ainda continuavam na pândega deles. Então eu tinha os meus compromissos de escola, meu horário todo o dia, aquela coisa, tinha uma vontade de fazer tudo muito bem feito e eu tinha muito orgulho de meu pai, eu queria que ele se orgulhasse muito de mim. E ao mesmo tempo que eu estudei eu também aprendi um pouco do ofício dele, ele era alfaiate, trabalhava em casa, ele fazia mais calças. E eu acabei aprendendo, eu sabia fazer todo o serviço de mão de uma calça e depois comecei a aprender a parte de máquina também. Ele só não me deixava fechar a calça porque eu acho que no fechamento é que era o segredo maior do ofício mas eu fazia, eu sabia fazer bolsos, aqueles bolsos, hoje eu não sei fazer mais, é claro Então, eu cresci assim, a minha infância foi muito feliz, muito pobre mas muito feliz realmente. Terminei o curso primário em 1940, não, em 1938, ainda não tinha idade para o ginásio, mas eu queria imediatamente continuar a estudar, tinha uma fome de saber, uma fome de ler, de estudar, incrível, mas eu sabia que eu não tinha condições, o meu pai já estava internado nessa época, ele ficou uns três anos doente antes de morrer e se já éramos pobres com ele trabalhando, sem ele então a nossa vida ficou muito mais difícil. Para dizer sem ele porque se ele estava no hospital, ele não estava em casa trabalhando, ele sempre trabalhou, trabalhava a semana toda, recebia era sexta-feira para no domingo ir na feira, ir comprar comida e pagar o aluguelzinho e a vida era assim. E eu consegui estudar num colégio particular mas sem pagar porque ele foi claro com a professora, ia me tirar da escola porque ele não tinha condições. Ela não deixou, eu continuei lá sem pagar os cinco anos. E vivia no meio de meninas muito ricas, mas nunca tive nenhuma inveja daquilo que elas tinham porque o que eu tinha para mim era mais do que suficiente, até hoje eu continuo achando às vezes que o que eu tenho é muito mais do que eu preciso porque tem muita gente que tem muito menos do que aquilo que eu tenho. Então na ocasião que eu terminei o primário, que eu queria fazer o ginásio, alguém me ensinou a ir até o jornal "A Noite" e pedir ajuda que eles iriam me ajudar e iam me arrumar uma escola para eu fazer ginásio. Então eu fui, tinha 9 anos ainda, 9 para 10 anos. E eu peguei o meu diplominha e fui lá procurar uns jornalistas, cheguei na porta, a minha mãe me levou mas ela ficou na porta, fez eu entrar sozinha. Eu falei que precisava falar com o jornalista, tive uma sorte incrível e me deparei com o chefe de redação, um jornalista antigo, o nome dele era Castelar de Carvalho, tinha uma barba enorme, tinha uma unha comprida, só uma, era interessante ele falar e escrever e escrevia... naquele tempo se escrevia com caneta molhando no tinteiro, e aquelas canetas de pena grande, as palavras que ele escrevia. Eu tenho guardada até hoje uma carta que ele escreveu me recomendando para alguém, não lembro quem porque a partir daí ele fez uma reportagem e como título ele colocou: "A menina que não quer bonecas", mostrando que o que eu estava querendo era escola, era estudar, e realmente ele conseguiu. Eu tive ginásio de graça, tinha livros, tinha uniforme, tudo que eu precisava para estudar, no "A Noite" me arrumavam. E ainda apareceu uma pessoa que me dava 100 cruzeiros por mês para estudar, mas aquele dinheiro era o que a gente usava para comer, nós comíamos com aqueles 100 cruzeiros porque o meu pai estava internado. Logo em seguida o meu pai morreu e eu continuei a fazer o ginásio com muita dificuldade. Muitas vezes eu ia sem comer para o colégio. Eu me lembro muito de um episódio, eu tinha um amigo na igreja porque eu ia muito na igreja, eu vivia lá, era cruzada, eu tinha um amigo que era congregado Mariano, era bem mais velho que eu mas a gente se dava muito bem, conversava muito, ele tocava violino e tal, mas o pai dele eu tinha medo, o pai dele era português, sabe, essas pessoas que coloca assim um pouco de medo na gente, eu nunca falava com o pai dele, chegava lá, a mãe dele era espetacular e tal. E um belo dia eu não sei como o pai dele ficou sabendo que eu ia para a escola sem comer, aí ele me chamou com aquela cara feia e disse: "Menina, todo o dia antes de ir para escola faça o favor de passar aqui." E eu ia com medo e tal, chegava lá, muito envergonhada e ele fazia para mim um lanche incrível: sanduíche, botava mortadela, queijo, fruta. E eu passei a ter alimentação naquela época sem problema. Então eu fiz o meu ginásio debaixo de muita dificuldade mesmo Quando eu terminei a gente tinha esses 100 cruzeiros que eu ganhava, naquele tempo não havia inflação, então nos quatro anos foi 100 cruzeiros, só no quarto ano ele me chamou e me deu 200 e falou para eu fazer um curso de datilografia porque quando eu fosse trabalhar eu ia precisar ser datilógrafa.
P - Quem dava esse dinheiro?
R - Ele não estava nessa época trabalhando, quem trabalhava mais eram os filhos dele, era um homem muito rico que era de Santa Catarina, sobrenome Muller, ele já não trabalhava mais e os filhos dele tinham um escritório enorme de advocacia no Rio de Janeiro, ele vivia mais em Friburgo, eles tinham um hotel. Eu não me lembro o nome do hotel... "Sans Sourci". Eles tinham um hotel muito grande em Friburgo, então ele e a esposa viviam assim, um pouco no Rio, um pouco em Friburgo. E ele leu o jornal, se interessou, me chamou na casa dele e inclusive chamou o filho dele que nessa época eu tinha dez e o filho dele mais novo tinha 14. Ele chamou esse filho, esse filho deve estar vivo ainda, até perdi o rumo dele, eu falava muito com o mais velho, o mais velho já morreu. Ele chamou ele e disse assim para ele: "Olha, é em seu nome que eu vou passar a dar para essa menina, a partir de janeiro que ia começar a escola, 100 cruzeiros todo mês para ajudá-la a estudar. É você quem está dando." Falou pro filho, e eu morri de vergonha, não por receber o dinheiro não, porque eu realmente era muito acanhada, só depois de adulta é que eu me libertei um pouco.
P - Foi ao jornal por iniciativa própria?
R - Não, foi uma pessoa que me orientou, que falou: "Vai no jornal Vai lá, eles vão te ajudar e tal". E eu tinha aquela vergonha, mas fui, enfrentei, para estudar eu faria qualquer coisa e fui enfrentar.
P - Fale um pouco da sua casa, do seu bairro na infância, das memórias que a senhora guarda dessa época..
R - Bem, a gente cresceu assim morando em casinhas muito modestas, sempre alugadas naturalmente e quando tinha algum problema... era entre dois bairros, Marechal Hermes e Bento Ribeiro, que são dois bairros ligados no Rio de Janeiro, vizinhos. E dali a gente morava numa casa, tinha algum problema, não dava mais, o homem queria aumentar o aluguel, não queria mais ou por causa de crianças, a gente mudava, mas sempre para casinhas modestas assim de dois, três cômodos. E éramos muito felizes, brincávamos muito, ajudávamos em casa porque a minha mãe ajudava o meu pai no trabalho dele além do trabalho de casa, os filhos e tal, ela ajudava o meu pai. E nós logo começamos a ajudar também, não só em casa como ajudá-lo na costura, eu muito mais do que os outros porque os outros eram muito levados. Eu era muito... eu não sei dizer como, mas eu tinha muito medo de ser chamada atenção por alguma coisa, então eu era muito ciosa de obrigação, de deveres, apesar de brincar, não deixava de brincar, eu gostava de brincar mas eu não tinha a mesma espontaneidade de brincadeira que os meus irmãos tinham. Parece que eu tinha uma responsabilidade, uma coisa que eu precisava me sair bem na escola e eu sempre achava que eu precisava fazer mais, eu não sei porque eu tinha isso. Talvez uma necessidade... eu admirava muito meu pai então talvez eu tivesse... Inclusive há um episódio que eu fui conhecendo um pouco mais, que quando o meu pai morreu... Eu não sei se é interessante entrar nesses detalhes.
P - Claro.
R - Quando o meu pai estava no hospital perto de morrer ele me chamou e pediu para mim, eu tinha 11 anos, para cuidar dos filhos dele. Eu levei aquilo a sério, e criei, sustentei a família toda e eles já estavam todos homens formados, não formados assim em escolaridade, todo mundo já adulto e eu sustentando aquilo, quer dizer, eu acho que eu fiquei fazendo o papel do pai para eles, e eu só acabei deixando mesmo de lado isso, soltando essas amarras depois que eu tive uma filha. Então eu transferi a coisa: "Não, agora acabou minha gente, se virem, porque hoje eu tenho uma filha e eu não quero saber mais de ninguém." Depois houve uma época porque eu tive uma doença de pele eu fui num psiquiatra que me indicaram que era bom, que era problema emocional, não sei o que lá. Na primeira vez, quando ele falou no meu pai eu chorei e me acabei. Depois com o tempo eu fui entendendo o seguinte: que o meu pai jogou uma carga muito grande em cima de mim quando pediu para cuidar dos filhos dele. E eu tinha essa necessidade em criança, não para me exibir, não era isso, às vezes até, eu conhecia pessoas que me censuravam porque eu era acanhada e diziam: "De que adianta estudar tanto?". Tinha madrinha e tal que dizia assim para minha mãe: "De que adianta essa menina estudar tanto?" Mas era para mim, eu não estudava para me exibir, ela queria dizer o seguinte: a menina que já fez essas coisas, já está no ginásio, já fez ginásio e não fala, não abre a boca. Realmente, eu não era exibida, eu fui me sair um pouquinho mais depois que cresci, realmente eu consegui. Inclusive falar, você está vendo que eu estou falando direto, antigamente eu não falava dessa forma, mesmo no tempo do trabalho e tal, me relacionava bem com as pessoas... Eu estou avançando, eu estou pulando...
P - Fique à vontade.
R - Mas eu não tinha essa coisa muito de falar, eu comecei a experimentar um pouco mais falar depois que eu parei de trabalhar e que eu me envolvi no movimento de aposentados, mas me envolvi de uma forma, eu dizia para todo mundo: "Falar não é comigo, o meu negócio é escrever, eu só gosto de escrever, é para escrever eu faço." Mas aí me jogaram, me jogaram mesmo para falar. Então eu comecei a conseguir exercitar um pouco mais essa coisa de falar, tanto falar quando a gente está no auditório com as pessoas, como falar numa entrevista, falar no rádio, eu falei muito em rádio, em televisão nos últimos anos em função de trabalhar com o movimento dos aposentados, não a minha vida profissional realmente.
P - Voltando à sua vida profissional, como foi o início?
R - Como eu fui para o jornal e de uma certa forma eu fui adotada pelo"A Noite" que me ajudava em tudo, depois ajudou os meus irmãos, eles foram internados através do "A Noite". Eu tive um irmão que quis estudar para padre e através do "A Noite" a gente conseguiu, quer dizer, ele foi para o seminário, conseguiu o seminário de graça porque o seminário não é barato, o uniforme que o seminário pede é uma coisa incrível e através do jornal conseguiu todo o uniforme para ele, eram quatro batinas, eram mil coisas, era tudo muito caro. E tudo que a gente precisava nesse sentido para estudar, para essas coisas, tudo "A Noite" conseguia. E quando eu estava com 15 anos a gente estava morando numa cidadezinha do Interior e eu fiquei lá lecionando, foi a primeira coisa que eu fiz em trabalho.
P - Vocês mudaram do Rio...
R - Aliás não, a primeira coisa que eu fiz de trabalho eu ainda estava na quarta série de ginásio e me chamaram para fazer um trabalho de copiar fichas em escola, ganhar alguma coisinha, eu fiz isso, em escolas na Zona Sul. Era um trabalho de vídeo, vídeo não, de passar filme em festinhas que um senhor fazia. Então ele conseguia com as escolas copiar o fichário e eu fazia isso para ele, no tempo que tudo era a mão. Eu copiava, fazia as fichinhas para ele para depois eles fazerem o trabalho deles de propaganda, foi a primeira coisa. Depois que eu terminei o ginásio, nessa ocasião a minha mãe com os meus irmãos estavam morando nessa cidadezinha, porque como eu digo, nós ficamos sem ter onde morar quando o meu pai morreu, ficamos realmente, nós moramos uns três, quatro anos assim num cantinho, encostado num lugar. E às vezes perdia aquele cantinho, arrumava outro e nessa ocasião tinha uma pessoa que morava numa cidadezinha do Interior perto do Rio que era compadre, era meu padrinho por sinal e nós fomos morar lá. Nós fomos não, foram a minha mãe com os meus irmãos, eu estava ainda na quarta série e eu fiquei para terminar o ginásio, eu fiquei na casa de uma amiga, uma amiga da escola. A mãe dela me recebeu, então, quando terminei o ginásio fui lá para aquela cidadezinha.
P - Qual era?
R - Itaguaí. Hoje é uma grande cidade mas naquele tempo era uma cidadezinha, era uma rua só e com casas só de um lado e nós morávamos na casa do meu padrinho, encostado num canto, é claro. A mulher dele era terrível e implicava com os meus irmãos, aquela coisa toda. Aí eu consegui com o prefeito da cidade ser colocada na escola para lecionar. Então eu fui para escola dar aula, a escola do Estado, mas a prefeitura ajudava com professoras. Nós éramos duas, três professoras pagas pela prefeitura, eu fiquei um ano. Mas eu não queria, a minha vida, eu não queria parar ali, eu queria fazer alguma coisa mais. Então, eu voltei para o Rio de Janeiro, para a Capital, o pessoal ainda continuou lá, eu fui morar na casa de alguém, de minha madrinha, fui morar lá, fui para Associação Cristã de Moços estudar Secretariado e "A Noite" me deu um emprego. Porque não tinha como arrumar um emprego assim tão fácil pela primeira vez. Então logo "A Noite" me deu uma vaga lá. O superintendente autorizou e eu fui trabalhar lá, não tinha muito o que fazer, mas para mim foi um mundo fantástico, maravilhoso porque o que eu tinha ali eram dois jornais, naquela época já era um jornal só. Era um jornal, três revistas, duas revistinhas de crianças e eles editavam às vezes alguns livros, eles faziam uns livrinhos também. E ali tinha uma oficina de impressão do jornal, ali tinha, o andar onde que eu trabalhava metade era a redação e metade era a administração que era o lado em que eu estava, mas eu vivia sempre procurando o outro lado. Porque o serviço não era muito, então me sobrava tempo e eu ia para o arquivo ler revistas, eu ia para o arquivo de fotografias e realmente me fascinava, eu procurava conhecer fotógrafos, colunistas, gente que escrevia. Então, aquilo para mim era um mundo onde eu me realizava, mesmo sem estar naquele, eu estava no outro, mas eu ia acompanhar o homem que ia escrever no linotipo, o revisor, tudo aquilo para mim era, ah o jornal saindo, depois havia volta também e a volta também tinha um local onde ficava tudo que voltava das bancas de revistas e tudo mais. Então eu ia para lá e ficava lendo aquelas revistas antigas. Eu achava uma coisa incrível, eu adorava muito ler e não tinha condições de comprar. Nessa ocasião eu me realizei ali porque tinha as revistas, antes eu vivia enfiada na Biblioteca Nacional, aquela coisa linda que tem no Rio de Janeiro, eu vivia lá. E lá eu fazia assim uma coisa, um pouco eu lia livros, então pegava Machado de Assis, lia, lia, lia; depois parava um pouco de ler livros e ia ler revistas antigas porque ali tem de tudo. Então eu pegava o fichário, pegava... isso era anos 40, final de anos 40, quase 50, então eu pegava o fichário, pegava uma revista lá: "O Cruzeiro" de 1930. Eu ficava fascinada, lia, lia, lia aquilo. E depois voltava a ler. Então eu li Humberto de Campos, eu gostava muito, li Eça de Queiroz, li muita coisa da Biblioteca Nacional, que realmente condições para comprar eu não tinha. E no trabalho do "A Noite" então eu tive essa condição de ler bastante revista e "A Noite" tinha revistas boas. Tinha uma revista sobre o mundo artístico carioca, tinha a "Vamos Ler", que era sobre literatura, tinha "A Noite Ilustrada". Uma vez me convidaram para tirar uma foto para sair na capa do "A Noite Ilustrada", foi uma coisa espetacular, eu posei para o fotógrafo para fazer aquela reportagem, aliás eu ainda tenho isso guardado, eu acho assim uma lembrança muito gostosa.
P - Onde ficava a redação do "A Noite" no Rio?
R - Na Praça Mauá aquele prédio que ainda existe, não existe mais "A Noite". Ainda existe lá alguma coisa, a Rádio Nacional eu nem sei como está. Porque naquela época ali era a superintendência das empresas incorporadas ao patrimônio da União, eram as chamadas autarquias, que eram do governo e não eram, uma coisa meio... é o que hoje nós chamamos de estatal, naquele tempo tinha nome de autarquias. E ali havia "A Noite", a Editora Noite que editava jornal, revistas e livros e a Rádio Nacional era uma empresa separada e naquela época talvez pela magia do rádio que estava se iniciando, auditório e aquela coisa. Eu não sei se por isso, talvez por isso sim, a Rádio Nacional ela era mais lucrativa, ela era assim a prima rica da coisa e eu ia muito lá também, nossa como eu ia na Rádio Nacional Porque mesmo trabalhando de mei - dia às seis o trabalho era pouco, como eu disse. Então eu ia lá para cima, tinha uns programas de auditório no meio do dia. Então eu ia para lá assistir aqueles programas, conhecer produtores, eu gostava de conhecer gente que produzia. Apesar que também me fascinava o artista não deixava de ser, mas eu não vivi aquele mundo de buscar artista, eu gostava de conhecer produtores. Eu me dei muito bem na época com Armando Lousada que era um cara importante no começo do rádio. Eu ia sempre lá conversar com ele. Então foi uma vida interessante, eu entrei na minha adolescência com muita dificuldade financeira, com muito pouco dinheiro, vivendo uma vida muito difícil mas uma vida muito rica, eu achei, eu achei que foi uma vida riquíssima a que eu tive. E nessa ocasião eu consegui, eu já trabalhava no "A Noite", e consegui também a pedido do "A Noite" alugar um apartamento do IAPC. Agora eu vou entrar um pouco em política também porque naquela época os institutos de aposentadoria eram separados por categorias de trabalho e o dinheiro era usado realmente, o dinheiro não era mexido como passou a ser depois. O dinheiro era usado para construir casas, para construir hospitais, a maioria dos hospitais construídos na ocasião foi com o dinheiro dos institutos. Então eu fui morar num conjunto enorme que o IAPC construiu, consegui alugar, eu era menor ainda mas deram um jeitinho lá, não sei como mas deram um jeitinho e me deram um contrato de aluguel desse apartamento que foi uma coisa fantástica. E no dia em que nós mudamos para esse apartamento nós não tínhamos dinheiro para comprar nada, nós não tínhamos quase móveis, a gente vivia assim na casa de um, de outro. E nós não tínhamos dinheiro nem para comer, mas foi em setembro e em setembro tem o dia 27 de setembro que é São Cosme e São Damião no Rio de Janeiro, aqui em São Paulo também tem um pouco mas no Rio de Janeiro é uma coisa incrível, todo mundo distribui doces. Então quando a gente mudou pro apartamento nós tínhamos carregado sacolas de doces das festas de Cosme e Damião e nós passamos uns três dias comendo doces porque nós não tínhamos dinheiro. (riso) Porque somente na segunda-feira eu iria lá no "A Noite", e "A Noite" tinha uma cooperativa e naquela ocasião mesmo trabalhando, quer dizer, nessa ocasião eu já comprava as coisas na cooperativa para descontar, mas antes disso muitas vezes eles deram para a gente, eles faziam, se cotizavam e faziam uma comprinha na cooperativa para nós. Então na segunda-feira nós iríamos, eu iria no"A Noite" para fazer uma comprinha na cooperativa mas o fim de semana foi só doce, foi formidável. (riso) Então nessa ocasião eu já estava trabalhando no "A Noite", que foram dois anos e estudando Secretariado na Associação Cristã de Moços. E em 1951 me chamaram para ser secretária do chefe de vendas da Copacabana (Farmail?), companhia de discos que estava de uma certa forma começando, essa companhia era nacional e ela começou de uma forma interessante, ela começou de uma campanha política. Um dos donos dela era amigo de um fulano que foi prefeito do Rio de Janeiro, que eu não me lembro o nome agora, e havia uma campanha política, então o fulano, eles compraram, eles importaram porque não se fazia no Brasil, eles importaram 2 mil acetados, acetato é o disco virgem, é o disco que se grava com a agulha fazendo linhas, não é o disco fabricado. Então eles compraram 2 mil acetatos para a campanha política e houve qualquer problema, chegou atrasado, não sei o que é que foi, passou a campanha, e aqueles 2 mil acetatos não se sabia o que fazer com eles aí eles fizeram um estudiozinho, alguém vivia metido em música, fizeram o estudiozinho e resolveram, a partir daqueles acetatos, criar uma gravadora mesmo e ela começou com dois nomes Copacabana e Star. Aí eles tiram o nome Copacabana, isso mais tarde para colocar... olha o paradoxo deles, o nome Copacabana era para colocar gravações internacionais e o nome Star era o nome dos artistas nacionais. Então quando eu fui chamada para lá eu fui assim com um certo receio, eu me considerava, apesar de pobre com muito pouco dinheiro, mas eu me considerava altamente protegida no "A Noite", então eu estava trabalhando ali, quer dizer, eu vivia ali desde os dez anos. Eu sentia ali que eu estava protegida, eu tinha emprego, ali tinha a cooperativa, tinha médico se tinha qualquer coisa, tinha o departamento médico. E o medo de enfrentar outra coisa era grande. Então quando me chamaram para a Copacabana eu consegui que "A Noite" me liberasse como licença, porque digo: "Se não der certo eu volto, eu estou aqui porque aqui é o meu mundo." Mas acontece que deu certo e eu fiquei 38 anos nessa companhia, eu assisti a subida, o progresso da companhia e assisti depois a sua decadência e praticamente extinção que me deixaram muito triste. Mas eu comecei ali, eles já tinham um estúdio e um andar num prédio onde tinha salas e tal, então começamos ali. Eu era secretária do chefe de vendas mas eu sempre tive uma curiosidade de começar a me expandir em outras coisas e ir aprendendo. Então era um mundo novo: o mundo da gravação. O estúdio era no mesmo andar então eu dava sempre um jeitinho quando tinha gravação de ir assistir. Naquela época gravava-se em acetato, não existia fita ou talvez não existisse no Brasil, pode ser que a fita já existisse no exterior, mas no Brasil não existia fita. Então se gravava em acetato, tudo era gravado em acetato, importava os acetatos, tinha uma máquina grande, botava o acetato ali, o artista ia para o estúdio junto com a música, era feito tudo junto, não havia toda essa tecnologia de hoje de gravar separado, tudo isso, e depois mixar e tal, não havia nada disso, era gravado junto direto. E a agulha ia girando no acetato e ali gravando a música, quando errava parava, perdia o acetato, dependendo se errava no começo ele às vezes servia para gravar mais para frente. Até uma vez eu consegui pegar um acetato desses velhos e a gente foi para o estúdio e cantei e gravei. (riso) Foi muito engraçado. Mas esse trabalho no acetato quando ele ficava bom, perfeitinho, aí eles iam, tinham que fazer aquilo com uma medida certinha para ir para fábrica para daí ir fabricar o disco. E eles já tinham montado um fábrica de discos, quando eu entrei, porque essa história desses acetatos do começo da indústria deles foi em 48, eu entrei em 51. Aí eles já tinham feito uma fabriquinha no Rio de Janeiro, pequeninha em Jacarepágua. Então eu comecei assim, tirei licença do "A Noite" e disse: "Bom, aqui eu fico até onde der." No final do ano eu não sabia disso fui saber depois, quase que eu fui mandada embora porque o meu chefe que tinha me levado para lá entrou em desacordo com a firma, eles descobriram umas coisas dele e tal e como eu trabalhava com ele achavam que "Ela também vai." Mas alguém falou com o presidente: "Não, não manda não, porque quem faz tudo lá é ela, ele nunca fez nada e tal." (riso) Então eu não sabia disso, são coisas que a gente vai saber depois, eu sei que o presidente da companhia me chama na sala, eu fui quase assim com medo. Ele me chamou para fazer uma espécie de teste para saber realmente se eu conhecia o trabalho, o nosso trabalho era vendas e a partir daí eu fiquei. Depois disso eu fui chamada para outras companhias, inclusive a Odeon. A Odeon era uma companhia importante, a matriz na Inglaterra onde gravava os artistas mais famosos da época, eu fui chamada para ir para lá. Mas eu sempre fui muito apegada ao lugar onde estava, nunca tive espírito de aventura, de sair em campo: "Não, vamos para lá, vamos ver se lá é melhor." Não dava para mim aquilo não, ali onde eu estava, estava bom. E fui continuando lá, umas duas vezes fui chamada para Odeon, outra vezes para RCA, mas fui indo. Quando eu estava com nove anos na firma, por aí, por volta de nove anos, eles resolveram, tinham mudado a direção da firma, quem tinha comprado a companhia eram os irmãos Vitale, famosos, editores de música de São Paulo, eles editavam música escrita e eles compraram a companhia porque eles queriam ter disco também, ter a música, eles tinham uma gráfica, eles tinham uma bela gráfica aqui em São Paulo. Então eles compraram a companhia mas resolveram trazê-la para São Paulo e lógico eu com 27 anos parece, 27 anos no Rio de Janeiro e me chamam para vir para São Paulo, de jeito nenhum, eu falei que não viria não. Eu digo: "Eu vou lá, eu passo dois, três meses eu ensino o que vocês quiserem, para quem vocês quiserem, mas eu volto." Mas eu falei isso mas com um pouco de receio porque eu tinha nove anos de firma, eu estava perto da estabilidade, então havia aquela dúvida se eles poderiam me mandar embora ou não, se eu seria obrigado ou não a ficar e tal. Então vim para cá e passei um ano assim... naquela coisa de bom, eu vou, mas eles me pagavam as despesas extras aqui e me pagavam viagem para ir para o Rio toda sexta-feira. Então toda sexta-feira eu ia para o Rio, voltava no domingo, continuava o trabalho e tal. No fim de um ano um dos diretores, que é com quem eu tinha mais afinidade, um dos Irmãos Vitale, um dia ele me chamou e disse: "Olha, vamos conversar, agora é comigo e vamos entrar num programa. Você vai ficar aqui? Vamos acertar ordenado e tal, vamos mudar o esquema." Aí eu acabei ficando, ele me dobrou o ordenado para eu ficar e me deu, continuava me dando, uma viagem ao Rio uma vez por mês. "Ah, está bom" Também nessa época eu já estava gostando de São Paulo, também tem isso, apesar de eu não esquecer o Rio eu sempre dizia: "Quando eu me aposentar eu volto pro Rio e tal." Eu me aposentei e não voltei, porque aí também eu já tinha uma filha estudando aqui, já sabia que em São Paulo se vivia melhor, se comia melhor, era melhor para estudar e tudo isso. Então eu fui ficando em São Paulo, a família foi vindo porque aquela coisa como eu tinha dito no começo, era eu que sustentava todo mundo da família, o chefe da casa era eu. A família foi vindo, foi vindo, menos um irmão que não quis vir, ficou no Rio. E eu continuei e aí a firma foi crescendo, mas foi crescendo bastante porque montou uma fábrica em São Paulo e nessa ocasião aconteceu uma coisa interessante, eu estava grávida e ia ter uma filha, ia ter um filho, uma filha é que veio. Ia ter um filho e eu precisava parar para ter esse filho porque eu não tirava férias na firma, eu tirava assim feriadinhos. Só uma vez na vida eu cheguei a tirar férias inteira, vivia assim de semaninhas, feriadinhos e tal. Mas eu tinha que parar, para ter um filho eu não podia deixar de parar. Então eu parei uns três meses, foi muito interessante. São coisas que acontecem na vida da gente. Nessa ocasião tinha uma pessoa trabalhando lá que conseguiu colocar na cabeça do dono que eu não estava fazendo falta. Então quando eles fizeram a fábrica quem estava montando a fábrica, que era uma pessoa contratada por eles, uma pessoa que conhecia muito da fabricação de discos, ele ficava Rio - São Paulo, Rio - São Paulo, então ele vivia pedindo ao dono da firma que me desse para eu ficar tomando conta da fábrica, da parte administrativa. E o outro dizia que não: "Não, peça-me tudo, a Josepha não" Depois que eu parei três meses para ter filho ele acabou entrando na conversa do outro achando que eu não estava fazendo falta para ele, então me deu para a fábrica, foi uma coisa muito boa para mim, mas muito boa mesmo Porque ele me chamou e disse: "Olha, nós estamos perto de... a fábrica está quase pronta." Isso eu sabia que estava fazendo a fábrica, mas eu trabalhava com vendas, ele disse: "A fábrica está quase pronta e nós precisamos alguém para lá e precisamos que a senhora vá". Eu digo: "Está bom." E fui, uma coisa nova para mim, tomar conta da produção da fábrica, porque eu trabalhava com música, com discos e tal, tal, mas com vendas, vendendo, viajava e tudo mais, mas trabalhava vendendo para as lojas. Então era um desafio novo mas uma coisa assim, não um desafio de um novo emprego, um desafio de um aprendizado diferente que eu ia achar fantástico. E realmente foi muito bom, foi muito bom em todos os sentidos para mim. Primeiro porque me deu a oportunidade de ter um horário compatível com a criação da minha filha, porque na fábrica eu começava muito cedo mas em compensação tinha hora de sair, porque a fábrica realmente encerrava, era de sete horas às cinco e meia, cinco e meia eu saía, seis horas eu estava em casa e não tinha nenhum problema de continuar, não havia porque continuar, isso na época, claro. Porque depois com o tempo a fábrica chegou ao ponto de trabalhar com três turnos. Quando ela trabalhou com três turnos eu tinha que ter pessoas, funcionários meus trabalhando no meio da noite, mas mesmo assim eu dirigia a produção dos três turnos, então eu chegava muito cedo lá e às vezes demorava um pouco a sair porque eu pegava, eu sempre pegava pelo menos dois turnos trabalhando e às vezes pegava o outro.
P - Como é a fabricação de discos, como foi a mudança do disco de 78 rotações para essa fase? Como funcionava a fábrica?
R - As prensas que faziam 78, elas funcionavam no mesmo esquema de... chamado prensa de prensar massa, mas era um tipo de massa diferente, era uma massa feita com ardósia e com uma outra coisa, que eu até esqueci o nome porque que o de 78... Mas quando eu fui realmente para fábrica que foi em 67 já não se fazia mais 78, nos anos 60 já tinha terminado o 78, nós só estávamos fazendo apenas long play. Nós começamos a fazer long play em 53, por aí, primeiro era o long play de 10 polegadas e era uma massa diferente porque ela era o chamado vinil, tem o seu nome certo, que era acetato de polivinila que é um vinil diferente, não é, que existe o vinil que fazem boneca e tal, existe o vinil que faz cano, ele é parente daquele que faz disco, mas o que faz disco tem que ser um especial, tem que ser aquele tipo. Além do vinil ele tem, e o vinil ele é branco, ele não é preto, ele é branco, ele sai uma coisa meio suja, o preto quem dá é um componente preto que depois inclusive se fazia o disco colorido. O disco colorido é que naquele componente em vez de preto era colorido: vermelho, azul, amarelo, essa coisa. Mas a base do disco era o chamado de acetato de polivinila que era um pó branco. Esse pó era trabalhado em calandras assim que nem massa de bolo porque depois que ele se misturava ali ele formava aquela .... igualzinho mesmo, preto mas como se fosse uma massa de bolo, mas só uma massa assim com uma elasticidade interessante porque esfriou ela endurecia, esquentava ela amolecia. Então ela era trabalhada ali naquelas calandras e dali eles faziam tabletinhos. Eles faziam tabletinhos assim de 10 centímetros, cada tabletinho daquele era o suficiente para dar um LP, quer dizer, já de 12 polegadas porque o de 10 polegadas durou muito pouco tempo também. Aliás eu não sei porque, eu achei uma bobagem, sempre achei uma bobagem eles terem passado do disco de 10 polegadas para o de 12 polegadas, um disco maior.
P - É do compacto simples que a senhora fala ?
R - Não, não, o compacto simples era sete polegadas.
P - Ah, sei.
R - Aquele pequeninho...
P - Compacto simples que depois saiu na década de 60.
R - É, eles substituíram o 78, ele durou alguns anos e depois de um certo tempo ele acabou perdendo completamente o mercado. Então nós tínhamos as linhas na época, era o compacto simples com envelope comum, um envelope padrão, chamava-se padrão. Fazia-se o compacto duplo, quer dizer, no mesmo espaço quatro músicas. Depois chegou-se a fazer com seis músicas também porque a tecnologia foi melhorando, foi avançando porque quando se fazia muita gravação as linhas ficavam muito juntas e não dava certo. Depois com o tempo a tecnologia foi melhorando, tanto é que houve uma época que não se conseguia colocar uma peça clássica num disco só, geralmente era álbum de dois discos, mesmo long play porque a peça não cabia. Com o tempo, com a tecnologia avançando, chegou-se a conseguir colocar num lado só 32, 33 minutos porque antes não passava de 15, 14, 15 minutos. Se passasse disso às vezes havia o perigo da agulha pular porque juntava alguma linha então a agulha chegava ali, ela não conseguia, então tinha muito essa coisa de disco pulando. Aquilo que o CD não tem hoje mas o long play na época tinha muito, os famosos defeitos, era chiado, o CD não tem, o disco pulava, ficava às vezes a agulha no mesmo lugar, ela não saí do lugar. Então isso tudo era defeito de reprodução da máquina que fazia o original.
P - Como eram as etapas de fabricação do disco?
R - Desde o começo?
P - É.
R - Então o seguinte: houve uma época em que se gravava no acetato. Esse acetato depois ia receber banhos galvânicos, primeiro era de cobre. Então fazia umas matrizes grossas, pesadas porque o banho era de cobre, a frente dela, ela ficava meio espelhada mas o fundo era bem vermelho mesmo. Depois foi avançando e foi, entraram para tecnologia do níquel. Então passou a se utilizar o níquel para conseguir sair do acetato original até ter a matriz para ir para a prensa, ali entrava três fases de trabalho galvânico para tirar do acetato, passar para uma madre porque essa madre ficava arquivada depois para dar quantas matrizes fossem necessárias para a reprodução porque a matriz às vezes se danificava, às vezes, na produção. Ou se o disco era muito sucesso às vezes precisava tirar muitas matrizes para colocar em várias prensas ao mesmo tempo. Nós chegamos a ter discos, se não me engano, nós chegamos a ter com o Benito de Paula, o Benito de Paula chegou a ter época da gente colocar paraticamente todas as máquinas fazendo o disco dele. Então essa matriz às vezes precisava ter bastante dependendo do sucesso do disco. E tinha a madre que era de onde se tirava a matriz naquele banho, era desplacado, sabe? A madre entrava no banho naquela substância química, ela ali entrava e dentro de uns saquinhos que estava cheio de níquel em barra e também se aproveitava material velho, ia no meio também, um pouco de material velho, sempre houve uma reciclagem, tanto da massa quanto do níquel. Ali aquele líquido eletrificado, ele ia dissolvendo o níquel das cestinhas e aquele níquel ia se aderindo a toda a superfície da madre. Depois que terminava um determinado tempo, esse tempo a tecnologia ia diminuindo cada vez mais, primeiro eram seis horas, depois passou para três, tudo isso foi evolução. Então depois que estava pronto era só soltar com uma ferramenta, soltar as beiradas, então aquilo saía. Aí saía um carbono, quer dizer, um lado positivo e um lado negativo, e o lado positivo é aquele que a gente pode tocar com a agulha, o lado positivo seria a madre e o lado negativo seria a matriz que ia para prensa dar discos. Então ela era montada, a prensa era aberta, abria assim, montava o lado A e o lado B. Montava ali, prendia na beirada, tinha um anel para prender a matriz, colocava o rótulo, colocava o tabletinho de massa então quando ela fechava ela esparramava a massa. E dentro dela tinha uns caninhos, uma tubulação que esquentava a massa rapidamente, esquentava rapidamente para ela se espalhar e esfriava rapidamente, tudo isso dentro de uma tecnologia, esfriava rapidamente parao disco ficar pronto. Porque na hora dele tirar o disco dali, se ele não estivesse endurecendo ele ficava todo ondulado e não servia porque ela já saía um pouquinho mole, ele tirava com cuidado e colocava num lugar e ali ele acalmava e aí tirava a rebarba, a sobra com uma faquinha e estava pronto o disco. É interessante que as pessoas chegavam na fábrica fascinadas com aquele processo porque a maioria das pessoas, e não é pessoa que não estudou não, iam universitários e tudo mais, "A gente pensava que era feito um por um." As pessoas que pensavam que se colocava um por um, não imaginava esse processo. Era um processo muito interessante e que as pessoas adoravam, sabe? Nós recebíamos visita às vezes, não só, dos artistas, gostavam de ver e tudo o mais, a gente recebia muito estudante, recebia muito grupo de estudantes, às vezes crianças e tudo o mais. Mas a gente recebia juízes, desembargadores, que nós tínhamos um dos donos que vivia metido com essas coisas de lei e levava desembargadores e as esposas lá e eles ficavam encantados com aquilo. Era uma indústria assim que não sei se pelo efeito da música, ela tem uma coisa diferente das outras indústrias, realmente ela é muito fascinante. Então isso foi a parte do disco em si, mas depois nós tínhamos a necessidade de ter a parte gráfica por causa do rótulo, a capa, porque tudo foi se aprimorando. A coisa foi se aprimorando porque no começo era uma capa comum que servia para todos os discos com um buraco no meio, era assim que se fazia, inventava um desenho lá qualquer, e aí fazia aquele monte de capa com um buraco no meio para se ler. Aos poucos foi havendo aquela necessidade de mercado de oferecer um produto mais atraente, então foi aí que começaram a criar capa para cada disco. No começo capa de uma cor, de clichê, começaram a trabalhar as capas com clichê de uma cor só, o máximo que se fazia era passar uma cor de fundo. Então um era amarela, outra era vermelha, outra era azul, outra era verde, mas se passava só uma cor de fundo. Às vezes o artista tinha uma foto, questão de economia, tinha-se um clichê, então um disco dele era com fundo azul e o outro era com fundo verde, outra com... mas com a mesma fotografia, com o mesmo clichê. Então houve a necessidade de se entrar na parte gráfica na fábrica de discos. Então foi se criando, primeiro uma gráfica meio rudimentar ainda com montagem do tipo de pegar assim para fazer o rótulo, aquela máquina de prelo, de passar para lá e para cá e depois a máquina de cortar o rótulo. Depois já se partiu para gráfica de fazer capa, então já era uma coisa mais avançada. Chegou-se à capa colorida, aí já tinha que ser quatro cores, só um ou outro disco assim de nível que não se esperava muito é que se pegava uma cor. Ou então depois houve também a parte artística havia, até hoje a gente percebe isso, há artistas que não trabalham com cores, ele trabalha com muito mais tecnologia, às vezes no preto e branco, ou às vezes ele cria uma porção de cores para chegar no preto, no preto formado de várias cores que é um preto mais artístico. Mas naquele tempo começou a entrar no colorido e tal, depois saiu-se dos clichês, passou-se para o fotolito.
P - Queria que a senhora fizesse uma avaliação da sua trajetória profissional, da sua vida. Como é que avalia esse processo todo de ter trabalhado tantos anos numa coisa que hoje já está virando nostalgia?
R - Realmente, você parte para o lado de nostalgia, é sempre nostálgico a gente lembrar do trabalho da gente, mas é muito gratificante também. E depois é como eu falei, acompanhar todos esses passos que foram muito lentos, para chegar até o dia de hoje quando a coisa é mais rápida, hoje é muito mais rápido. Eu não tenho conhecimento profundo de informática, tenho aquela coisa assim que a gente passa, a informática a gente percebe hoje o seguinte: que ela evoluiu tão rápido que se você não correr você fica para trás, a sua máquina você comprou hoje, amanhã ela já não é mais. Então eu peguei uma época que a coisa foi muito mais lenta. A existência do disco de 78 junto com a existência do long play foi mais longa, eles caminharam juntos durante mais tempo, hoje já está sendo muito mais rápido e entrando em função da coisa da vitrola. E hoje em dia você chega e não está vendo mais comprar vitrola para vinil, não estão mais comprando, então todo mundo está comprando o CD, o CD hoje ele já tem outra reprodução com vários preços, ele atinge hoje camadas, de pouco poder aquisitivo, eles já estão conseguindo comprar, tanto o aparelho como o disco em si, que ele já entrou no mesmo esquema que tinha o outro que você encontra o preço lá em cima e encontra o preço lá embaixo. Hoje já o CD também oferece, você sai por aí e encontra... talvez não seja aquele que você está procurando, mas você encontra CD muito barato hoje. Então eu acho que ele vai engolir com muita rapidez o disco de vinil.
P - A gente agradece a sua atenção, sua participação no projeto, se a senhora quiser concluir com mais alguma observação...
R - A observação que eu faço é só que acho que o progresso é muito importante e de maneira nenhuma, é como a palavra diz, um pouco de nostalgia de ver que a gente não tem mais aquele mundo de profissionais que nós tínhamos porque a fabricação do CD, que aliás eu não conheço, não posso discorrer sobre ele porque eu não peguei, não tenho a idéia de como se fabrica. Um dia ainda vou procurar, eu ainda tenho muitos amigos que continuaram no meio do disco, um dia ainda vou conseguir ver mas acho difícil porque é muito diferente, é uma tecnologia avançadíssima e os profissionais são totalmente diferentes daqueles com quem eu convivi, com grande satisfação.
P - Ok. Muito obrigado então.Recolher