Projeto Conte Sua História
Depoimento de Dina Chalbeln Bergman
Entrevistada por Mateus Igesca e Júlio Mesquita
São Paulo, 13/02/2019
Realização Museu da Pessoa
PCSH_HV716_Dina Chalbeln Bergman
Transcrito por Mariana Wolff
Revisado e editado por Paulo Rodrigues Ferreira
R – Em primeiro ...Continuar leitura
Projeto Conte Sua História
Depoimento de Dina Chalbeln Bergman
Entrevistada por Mateus Igesca e Júlio Mesquita
São Paulo, 13/02/2019
Realização Museu da Pessoa
PCSH_HV716_Dina Chalbeln Bergman
Transcrito por Mariana Wolff
Revisado e editado por Paulo Rodrigues Ferreira
R – Em primeiro lugar, eu quero agradecer a Deus e a todas as pessoas que colaboraram comigo o tempo que eu estou viva até hoje, que foram maravilhosas. Conheci muita gente espetacular e guardo muitas recordações boas de todas essas pessoas que passaram por mim. Agradecer aos meus pais, que foram magníficos também; sem eles eu não estaria aqui. E fui muito… Como eu vou dizer? Esperada. Porque eu vim depois de dois filhos homens e eles queriam uma menina e o meu pai, principalmente, queria demais uma menina, porque ele achava que menina é diferente, não é? Sempre foi meu conselheiro, foi a pessoa que sempre me deu conselhos para tudo. Ele não tinha muito estudo, mas sabia lidar comigo do jeito que eu precisava, porque eu era um pouquinho levada. E os meninos eram também, mas eu acho que ele não esperava que a menina fosse ser tão levada. Então... Mas acho que seria bom cortar isso, não é?
P/1 – Não.
R – E ele levava numa boa. Eu gostava muito de festa, porque eu brincava muito com as crianças da redondeza, eu morava em casa, então eu tinha muita chance de fazer tudo, brincava na rua, de… Aquelas coisas, como é? Queimada, batia a bola, você tinha que sair, não podia deixar... Brincava com os meninos, de empinar papagaio. Porque eu tinha dois irmãos, ia atrás deles também. E foi uma infância assim, que eu só tenho boas recordações. E tenho amigas dessa época com as quais eu me comunico até hoje. Uma mora no Rio, ela morou até mocinha na mesma rua, porque eu fui depois embora daí desse lugar, não é? E ela foi morar no Rio, com a família, porque a irmã jogava profissionalmente - acho que era basquete ou vôlei, alguma coisa assim - e ela foi também, depois, para esse campo. Depois casou lá e, na minha lua-de-mel, como eu fui para aqueles lados lá de Cabo Frio, eu visitei duas amigas…
P/1 – Da sua infância?
\
R – Uma que foi... Já eu era mocinha, da mocidade, que foi do clube, assim. E a outra era da infância mesmo. As brincadeiras de infância, maravilhosa, que ela tinha muitos irmãos e só na casa dela a gente já estava bem, sabe?
P/1 – Onde a senhora cresceu?
R – Fiquei… Primeiro, eu nasci na Vila Mariana. Depois… Uma casa que o meu pai mesmo construiu. Não ele, ele junto com os pedreiros, ele dava os palpites. E depois eu fui para a Praça da Árvore, onde eu fiquei muitos anos também. Eu fui criança, com quase cinco anos e fiquei um tempo bom, saí de lá para ir para um apartamento, e de lá eu casei. Mas lá que foi bom, porque lá começou a minha infância verdadeira, porque eu era pequena. Minha mãe não deixava eu sair muito atrás dos meus irmãos. Eu gostava de sair atrás deles, então eles brecavam um pouco, porque eles eram os meus professores.
P/1 – Dina, só vamos voltar um pouquinho para você se apresentar. Seu nome completo, a sua data de nascimento e o lugar em que você nasceu. Porque aí a gente começa… Você já está contando essa parte, a gente continua.
R – Então você quer…
P/1 – Nome completo, data de nascimento e o local.
R – Dina Chalbeln Bergman, eu tenho setenta e dois anos e onde eu morei, não é?
P/1 – Onde você começou a sua…
P/2 – Onde você nasceu.
R – Eu nasci em São Paulo, na Vila Mariana. Numa casa que foi o meu pai mesmo quem construiu, com auxílio, lógico, dos pedreiros. E então, de lá, eu saí de lá com mais ou menos quatro anos e fomos morar na Praça da Árvore, na rua Caramuru.
P/2 – Quais os nomes dos seus pais?
R – Meu pai era José Chalbeln e minha mãe era… Ela veio para o Brasil, mudou um pouco o nome, mas o nome que ela usava era Clara Chalbeln.
P/1 – E como ficou depois?
R – O nome dela, verdadeiro, é Sheila. E ela achou que, no Brasil, nome diferente, não é? Ela mudou e, nos documentos, tem os dois. Às vezes tem um que tem um nome, outro tem outro. O nome ficou sendo Clara Chalbeln, porque era mais fácil, não é?
P/1 – Ela mudou de nome quando veio para o Brasil, é isso?
R – É. E ela logo mudou, porque ela achou que ia ser complicado, sabe, estrangeiro, não fala a língua…
P/1 – Então... Conte um pouquinho a história deles, da imigração que eles fizeram.
R – Eles vieram de navio. Meu pai veio primeiro, em mais ou menos 1926, acho que está escrito isso: 1926. E ele foi um grande trabalhador, ele só trabalhava. Ele veio para cá porque lá… Ele veio antes da Guerra, da Segunda Guerra. E começou com o que ele podia começar, porque ele veio com pouco dinheiro.
P/1 – Ele já veio adulto?
R – Já veio… Já, e veio mesmo. Graças a Deus que ele conseguiu vir, porque depois ficou ruim, com a Segunda Guerra, não é? Eles tinham medo de ter que ir…
P/1 – Ele nasceu na…
R – Na Romênia, e veio sozinho.
P/1 – Sem a família?
R – Com pouco dinheiro, ficou numa pensão perto lá do Bom Retiro…
P/1 – Ele veio para São Paulo?
R – Veio. Ficou perto do Bom Retiro e começou a trabalhar. Como ele não tinha… Não sabia com o que ia começar, teve a ideia de consertar guarda-chuvas e começou com isso. Começou a consertar e foi pegando o jeito. Como ele estava perto do Bom Retiro, ele depois foi “mascateiro”, comprava as coisas e revendia.
P/2 – “Mascateiro”, é?
R – Mascate é uma pessoa que compra as coisas e vai revender. Os chineses hoje vêm aqui, eles não andam com aqueles carrinhos? Ou com coisas… É isso aí. Só que ele ia com mala, coitado, porque naquela época não tinha tanta…
P/1 – Ele ia de porta em porta, assim?
R – Ele ia de porta em porta. Ia nos bairros, fazia o que era necessário e vendia. E já vendia a prazo também, porque as pessoas não tinham dinheiro e queriam comprar. Ele falava: “Eu vendo a prazo”. Ele se arriscava, não é? Ele falava assim: “Eu confio na senhora e a senhora vai conseguir. O importante é você comprar, porque é uma roupa bonita”. Ele tinha papo, não é? Ele não falava direito ainda, falava enrolado. Não falava o Português correto.
P/1 –
Ele veio para o Brasil sem o Português…
R – Não, não sabia. Ele nem estudou muito. Ele era tipo assim… Lá, ele ajudava…
Era tipo camponês, assim.
P/1 – E os seus avós? Eles ficaram por lá?
R – Então... A família… Todos ficaram lá. Era uma época bem difícil, então o meu pai, quando ele melhorou, que ele começou a ser “mascateiro”, começou a melhorar, ele começou a mandar dinheiro para trazer os irmãos. Ele tinha mais dois irmãos e uma irmã. Então ele conseguiu trazer todos os irmãos primeiro, e começou a ajudar todos a fazer o que ele fazia. Ele mesmo comprava as coisas, já dava a mala na mão e falava: “Agora, você faz isso”. Explicava e eles iam. E, realmente, foi isso que aconteceu.
P/1 – E sua mãe?
R – A minha mãe era dona de casa. Ela fazia as coisas em casa, ela não trabalhava.
P/1 – Mas ela veio de outro país também, não é?
R – Ela veio. Veio também de navio, eles vinham de navio. Até tem um papel do nome do navio que ela veio. Eu tenho, é tipo um ‘voucher’. Eu tenho todos os documentos deles originais, porque eu achei interessante guardar. Porque isso é um legado. Onde eu parei?
P/1 – Você parou contando que a sua mãe era dona de casa.
R – Minha mãe era dona de casa e se dava muito bem com as vizinhas, aprendia a fazer coisas italianas, sírias, ela fazia muitas amizades também. E ela trouxe todas as lembranças de casa. Comidas típicas, que a gente fazia, que a minha mãe fazia. Eu não sei fazer, mas ela…
P/1 – A sua mãe veio dos países árabes…
R – Minha mãe veio da Bessarábia. É perto do meu pai, é quase vizinho, mas eles não se conheciam.
P/1 – E ela veio com seus avós ou não? Ela veio sozinha?
R – Não, ela veio com as pessoas no navio. Com os irmãos, dois irmãos mais velhos. O meu pai veio sozinho, mas ela não.
P/2 – Ela tinha quantos anos quando veio?
R – Quando ela veio, eu acho que uns dezoito, mais ou menos dezessete ou dezoito, uma coisa assim.
P/1 – E os seus pais se conheceram aqui em São Paulo?
R – Meus pais se conheceram… Porque era muito difícil para os meus tios, os irmãos dela. Eles logo levaram ela num baile, que ela era linda, e levaram num baile e o meu pai conheceu. Casou em trinta dias, trinta dias ele casou. Porque assim que era, não é? Conheceu, gostou, ficou apaixonado de cara assim. E viveram até cinquenta e um anos de casados, eu fiz ainda a festa de Bodas de Ouro.
P/1 – Eles se conheceram em que ano?
R – Agora precisa… Eu não… Está tudo escrito aí no… Tem até os papéis, tudo…
P/1 – E aí, você nasceu em 1940 e…?
R – Quarenta e seis.
P/2 – Os seus pais contavam histórias para você?
R – Os meus pais eram… Eu tinha irmãos, não é? Então, os irmãos eram muito… A gente brincava junto, eu ia atrás deles, eles brincavam com os meninos, os meninos me adoravam, porque eu sabia jogar bolinha de gude, tudo…
P/2 – Você brincava de brincadeiras de menino, assim?
R – E eles vinham às vezes me chamar e não chamavam os meus irmãos. Porque de tudo que eles faziam, eu sabia fazer. Sempre gostei de brincar. Então, naquela época, não tinha essas malícias que têm hoje, não é? Era gostoso mesmo, era puro, sabe? Era super gostoso aproveitar isso.
P/1 – Você morava em qual bairro mesmo, de São Paulo?
R – Eu morei na Vila Mariana, depois eu fui para a Praça da Árvore…
P/1 – Você morou quanto tempo na Vila Mariana?
R – Ah, quatro anos. Desde que eu nasci, quatro anos. Os meus irmãos já estavam lá.
P/1 – E aí você começou a ser criada assim, as suas brincadeiras de infância, na Praça da Árvore?
R – Lá era maravilhoso, porque era todo mundo assim... Eu já era maiorzinha, minha mãe não deixava muito, mas eu arrumei logo uma amiga, que é minha amiga até hoje.
P/1 – É a do Rio de Janeiro?
R – A do Rio de Janeiro.
P/2 – Qual o nome dela mesmo?
R – O nome dela é Ivani Rondino Paixão. ‘Paixão’ é de casamento. E era muito interessante porque só na casa dela a gente era feliz, porque era muita gente. Era assim, só brincadeira, a gente cozinhava no fogão a lenha, atrás
da casa dela.
P/1 – Vocês jovens assim…
R – Só tinha coisa boa, era muita gente, tios, tias, os irmãos…
P/1 – Vocês estudavam juntas?
R – Não. Eu estudava numa escola e ela estudava em outra.
P/1 – Você começou a estudar aonde? Ali na Praça da Árvore ou…?
R – Era perto de casa, chamava-se Olavo Bilac.
P/1 – Você começou…
R – Desde o primário. E aí foi até o quarto ano e admissão, que na época tinha, eu fiz em outra escola.
P/1 – Ali do bairro mesmo?
R – Não, daí um pouco diferente, não tinha em todos os lugares, não é?
P/1 – Você fez Letras também, não é?
R – Eu fiz Letras.
P/1 – E o seu interesse por ler começou nessa época? Por leitura, por Português?
R –
Eu sempre gostei. Foi o que eu escolhi. Eu gostava muito de Medicina, mas eu sabia que eu não ia conseguir entrar porque é difícil. Mas eu ganhei a Bolsa do Objetivo, cem por cento.
P/1 – Em Letras?
R – Para fazer Medicina. Mas acontece que não consegui. Eu prestei na Santa Casa e não consegui. Eu falei assim: “Eu não vou perder tempo, eu vou fazer uma outra coisa”. Eu gostava de Letras. Aí eu fiz Letras e me dei bem, fui professora.
P/2 – Sua matéria preferida no primário era Português ou Biologia?
R – Sempre gostei de ler, sempre gostei de fazer tudo a respeito. Só que era difícil entrar em Medicina, sempre foi, não é? Eu fiz um cursinho no Objetivo muito bem feito, mas eu não queria ficar enrolando. Aí fui fazer isso, deu certo. E no primeiro dia em que eu entrei para cursar Letras, bem no primeiro dia, veio um rapaz na porta e falou assim: “Tem aula lá na rua São Jorge”, que é lá naquele bairro do Corinthians, do campo do Corinthians…
P/1 – Ah, sim, Itaquera.
R – Então... Era uma escola boa que eu iria trabalhar um ano lá para dar… Foi a primeira vez que eu dei Francês lá. Mas depois eu só dei Português. Foi a primeira vez.
P/2 – Escola regular mesmo?
R – É. E aí foi ótimo, porque eu nem tinha começado a estudar e naquela época, podia, não é? Não precisava ser formado. Aí eu fui, trabalhei um ano lá e passei num outro concurso na Prefeitura. Era um concurso rápido, que ia trabalhar três horas e estava perto de onde… Era na Radial Leste. Então, eu falei: “Ótimo”. Eu tinha dois empregos, não é?
P/1 – Caramba.
R – E foi mesmo o que aconteceu. Eu fui com mais duas amigas que passavam na porta e estavam… Isso nós vimos no jornal, sabe? Uma amiga falou: “Saiu aqui uma coisa para trabalhar três horas”. Falei assim: “Eu quero”.
P/1 – Três horas?
R – Três horas. No começo. Depois aumentaram, porque eu acabei ficando. Era contrato. E foi interessante, porque eu saía da escola, já ia para o trabalho. E eram só três horas, então dava tudo certo. E foi muito bom, todos os empregos eu me dei bem, que eu acabei ficando vinte e dois anos na Prefeitura, mas contratada, não é? Mas aí, aumentaram o horário um pouquinho e eu pegava aula sempre de manhã, ou senão, à noite. Então, eu fazia de tudo. Foi isso, sempre deu tudo certo. Eu sou aposentada, mas da Prefeitura não. Eu sou aposentada só do estado. Da Prefeitura, eu paguei o restante com outro curso que eu fiz, de guia técnica de turismo. Deu tudo certo, não sei se é isso que tinha que falar, tudo. Vocês vão cortar alguma coisa?
P/1 – Não, não, está ótimo.
R – Mas é muita coisa, não é? Tem que ser mais sucinto, não é?
P/1 – Não.
P/2 – Não precisa. Uma pergunta, voltando um pouco para a infância também. Assim... Eu estava pensando: qual a sua primeira lembrança, a lembrança mais antiga?
R – A minha bicicleta.
P/2 – A sua bicicleta?
R – É, porque eu vivia pedindo para o meu pai. Era a única coisa que ele falava: “Não, eu não posso agora”. Aí eu tinha tios por parte de mãe e eles tinham… O meu tio, que me levava sempre para Bertioga, eu cheguei a perguntar para ele se ele tinha as bicicletas das filhas - eram três filhas. Ele falou: “Por quê?” “Porque eu quero uma, se for possível. Uma usada, porque o meu pai não quer me dar”. “Não, eu te dou”. Mandou cromar as partes, chegou, aquela bicicleta fazia um sucesso na rua, que era só a minha bicicleta. Eu tinha que esperar para andar porque faziam fila, e aí foi maravilhoso porque eu não me incomodava de nenhum jeito, porque eram todos meus amigos, não é? E quando você é criança, está ótimo tudo! Ficava a turma aqui, o outro ia andar um pouquinho, voltava, ia outro, e eu podia andar só de vez em quando. Mas eu estava contente, porque todo mundo estava contente com a bicicleta. Poucas pessoas tinham… Poucas crianças tinham bicicleta. E eu consegui a minha, e era um aro bom porque não era muito grande - era um aro menor, 24. Quer dizer, as rodas eram menores, a gente andava direitinho em cima dela. Eu aprendi na bicicleta do meu irmão, porque a dele era enorme, mas eu enfiava o pé assim, dentro, e tentava andar. E aí, quando ele descobriu, ele começou a pôr cadeado. Aí eu falei: “Quer saber? Deixa lá a bicicleta, vou pedir para o meu tio” (risos). Esse tio era ótimo, qualquer coisa ele fazia.
P/2 – Qual era o nome dele?
R – O nome dele era Solomon, era irmão da minha mãe. Esse era o mais novo, porque tinha o mais velho, também era ótimo. Eram solícitos em tudo, os dois. Eles adoravam a minha mãe e a minha mãe fazia aquelas comidas para eles virem comer. De lá, da Europa, as comidas típicas. Eles ficavam… A minha mãe fazia travessas enormes, ficavam lá conversando, tomando vinho, sabe? Eles traziam vinho. A minha mãe fazia as comidas, eles não queriam nem voltar para casa, queriam só comer. Lembrança de casa, da casa deles.
P/1 – Seus pais deram bastantes costumes, assim, tipo…?
R – Meus pais eram muito… Meu pai era muito religioso. Ele rezava de manhã, quando acordava; à tarde, quando chegava do trabalho, rezava de novo. E era muito… Essa parte dele... Ele não tinha muitos amigos, porque o negócio dele era trabalhar. Às vezes trabalhava até domingo, mas era uma pessoa idônea, uma pessoa correta e só trouxe coisas boas para a gente. Eu estou falando muito, não é?
P/1 – Não, fique tranquila. Tem entrevistas que duram assim muitas horas, seis horas. Então, fique tranquila.
R – É, depois corta um pouquinho.
P/1 – Tudo o que a gente gravar é seu e vai ter no site também, escrito em texto. E o vídeo, a gente faz alguns vídeos curtos, de poucos minutos.
R – Mas a história fica, não é?
P/1 – É só para você ficar à vontade. Fique à vontade para falar. Então, sua mãe trouxe também muitos costumes, assim? Porque você estava falando da comida…
R – Sim, as coisas todas ela fazia como ela aprendeu. Ela ficou sem mãe com doze anos. A mãe dela faleceu. Então o pai casou-se de novo. Eu não quero falar aquela palavra chata de mãe, que quando não é mãe, não é? E ela sofreu muito, porque ela tinha aqueles costumes. Quando ia começar o inverno, eles tinham que lavar os tapetes, deixar a casa em ordem para poder, depois, não fazer mais nada, só as comidas. Eles faziam também, não sei como eles armazenavam, mas eles faziam algumas coisas que podia, não é? Que dava. Então ela trabalhou muito, que ela ficou com pleurite - água no pulmão.
P/1 – Sua mãe?
R – Minha mãe. Porque ela tinha… A mãe dela mandava lavar os tapetes lá fora, eram enormes, e ela era criança, doze anos, ela não tinha força, assim. Mas ela não queria contar para o meu avô, ela não queria contar para o pai dela, e ela fazia. Então, chegou uma hora em que ela ficou ruim. Aí levaram ao médico lá e ela teve que ficar numa… Tipo fazenda de uns amigos do pai dela, do meu avô, para poder se recuperar. Ficou seis meses nessa fazenda para se recuperar. Recuperou-se, mas foi difícil, hein! Porque água no pulmão, não é? Porque ela lavava, tinha que lavar aquele negócio, um tapete enorme, não era só um… Porque lá, no inverno, era muito frio e tinha que estar tudo limpo, porque depois não ia fazer mais nada, não é? Ia esperar passar o inverno. Aí, foi uma coisa que me entristeceu muito porque ela, quando contou, ela chorou, sabe? Então ela… Mas sobreviveu, voltou. Aí então, quando ela já era mocinha, ela veio para cá, não é? Aí acabou tudo. Aí foi melhor, porque casou, o meu pai sempre foi muito legal. No começo, foi meio duro. Porque em um mês não deu para se conhecer bem assim, mas aí... Mas não chegou a se separar. Os irmãos falaram: “Não, ele é bom, ele é trabalhador”. E, realmente, ele era muito trabalhador, trabalhador demais. E meio rude. Porque o que ele sabia da vida, se ele viveu lá no campo, sei lá?
P/1 – Teve que se adaptar com a cidade, não é?
R – Teve que se adaptar aqui. E ele foi melhorando. Ele melhorou muito depois que eu nasci, porque ele gostava muito…
P/1 – Em que sentido?
R – Era demais. Ele era grudado, mas ele era severo. Eu quase cheguei a apanhar mesmo, de cinta mesmo, ele não aguentava mais, mas a minha mãe era o meu escudo (risos), minha mãe ficava na frente, ela não deixava. Mas era caso, era caso dele fazer a coisa…
P/1 – Por que ele ficava bravo? Você falou que você era malcriada…
R – Era. Depois de dois irmãos, você tem ainda dois professores, você não vai ser melhor? Tem que ser melhor, não é? Eu era arteira, mas não era assim, era mais leve, era mais escondido, fazia mais escondidinho. Mas deu tudo certo.
P/1 – Sua mãe então…
R – Eu me lembro de uma coisa... Que eu gostava de muitas festas, não é? E o meu pai tinha o costume de comprar na venda as coisas, os produtos. Era típico da época. E tinha duas cadernetas: uma ficava em casa e a outra com eles lá, não é? E eles vendiam muita coisa, principalmente chocolate Lacta 100%, e mais todos aqueles doces. E eu gostava de fazer festa. Então, eu fazia muita festa com as crianças, eu gostava de alegria.
P/1 – Como eram as festas?
R – As festas eram maravilhosas. Eu comprava as coisas lá, com a caderneta do meu pai, e aí ele descobriu porque era um rabisco do dono da venda, era uma letra muito… Não dava para entender. Então ele chegou com a caderneta lá para a minha mãe e falou: “Clara, você sabe o que é isso que você comprou?” “Não sei, vê com a Dina, porque a Dina costuma comprar coisa lá. Ela vai comprar para mim, deve comprar para ela”. ”E você nunca perguntou?” “Não, eu estou sempre aqui na cozinha, vou ficar perguntando para ela?” Aí ele foi lá com a caderneta saber. “Ah, é sua filha, ela vem, ela compra chocolate, compra todos os doces e faz a festa mesmo, deve fazer, porque ela não vai comer tudo aquilo”. Isso é de criança, e até hoje eu gosto de festa, eu faço até na… Eu andei meio afastada do grupo, mas eu gosto disso, eu gosto de ver o pessoal… Meu pai era assim também festeiro, fechava a casa, o quintal, a frente…
P/1 – Ele costumava fazer festas típicas, assim?
R – Ele fazia… Por exemplo, o meu irmão, quando fez a Bar Mitzvah, quando o menino tem treze anos faz uma festa, vai na Sinagoga. Aí, o professor achou que era bonitinho - tinha acho que oito para nove anos - eu falar um trecho em hebraico e aí ele vinha dar aula para o meu irmão e já dava aula para mim. E eu achei que tudo bem, era uma coisa nova, não é? Então tudo bem ler um texto, eu não sabia nem o que eu estava lendo, mas eu falei direitinho, porque ele ensinou. Mas aí eu fui muito mais aplaudida porque eu falei depois do meu irmão (risos). Eu roubei a cena e ganhei um dinheirão, viu!? Porque tinha esses irmãos da minha mãe, eles tinham o costume de dar dinheiro para guardar para comprar alguma coisa, uma roupa, na época era assim. E ficou… Meu irmão falou assim: “Mas você roubou a minha vez aqui, eu ganhei menos que você” (risos). Porque era bonitinha, pena que não usava assim tirar muita foto, mas eu tive que subir numa cadeira para ficar todo mundo em volta, para aparecer. E eu apareci mesmo.
P/1 –
Quantos anos você tinha quando isso aconteceu?
R – Nove.
P/1 – Seu irmão estava completando treze?
R – É, treze. Eram quatro anos de diferença.
P/1 – E o seu irmão mais velho…
R – Esse era… Não, o segundo. O mais velho, mais quatro anos. Meus pais faziam filho de quatro em quatro anos, era tudo certinho. Era certinho.
P/1 – Você tinha um irmão que era oito anos mais velho que você e um outro que era quatro anos mais velho?
R – Era. Teve um que faleceu quando nasceu, não chegou a nascer. Então teve, acho, que uma diferença aí. Eles tentaram de novo. E deu certo. Acho que era para ser, não é? Bom, e o que mais vocês querem saber?
P/2 – Fale um pouco da sua… A gente podia retomar um pouco da escola. O seu primeiro dia de aula, como é que…
R – Ah, o primeiro dia de aula foi difícil. Mas eu fui tentando com um jeito melhor, recortava… Tinha essa minha amiga, que fez Letras comigo, me ajudou muito, sabe? Ela falava assim: “É melhor fazer com figuras”. Então, ela criou um flanelógrafo, que era de feltro, com duas barras de cabo de vassoura, para eu pendurar na frente e falar Francês com as figuras, além de olhar no livro. Eles tinham as figuras também…
P/1 – Isso na escola?
R – Era um relógio, uma cadeira…
P/1 – Você teve Francês na escola?
R – Isso na escola. Então a minha aula era esper
ada. Era, graças a Deus. Não por… Não é nenhum mérito a mais, mas é por causa dessa inovação, porque ninguém fazia isso, não é? Eu ia com o meu flanelógrafo e era melhor para mim. Então, toda lição que eu tinha que dar, eu já mudava as figuras todas, entendeu? Então, eu prendia com aquele negócio de…
P/1 – Pregador?
R – Não, de tirar madeira… Lixa! Lixa. Eu comprava lixa e colava na figura e no flanelógrafo, era fácil. Era de feltro, era verde. Eu acho que eu tenho ele até hoje, não sei por onde anda, mas eu acho que eu tenho…
P/1 – Você começou a
aprender Francês quando?
R – Olha, eu fiz um pouco de Aliança Francesa, mas eu aprendi com essa minha amiga mesmo, porque ela me ajudava muito na pronúncia, não é? Então como eu só dei um ano, eu dei quase o livro todo. Eram mais textos assim e, na época, foi uma experiência, mas eu não dei mais não. Porque... Uma que caiu. O Francês não existe mais, não é? Não existe o logo. Aí eu parti para outro - Português - e deu certo.
P/2 – E você tinha quantos anos aí, desculpa?
R – Acho que vinte. Dezenove ou vinte.
P/2 – Esse foi o primeiro dia que você deu aula?
R – Foi o primeiro dia (risos). O primeiro dia que eu entrei na Faculdade…
P/2 – Primeiro dia que você entrou na Faculdade…
R – Isso é fora do normal, porque eu levantei logo a mão, eu nem sabia que eu estava… Onde era, eu não tinha falado ainda. “Depois, você vem aqui fora que eu vou falar, vou te dar o endereço”. E era lá…
P/1 – Você começou a trabalhar assim que você entrou na Faculdade?
R – Eu entrei na Faculdade, estava sentada na sala já, minha sala, aí surgiu isso. E depois de alguns dias, uma veio com um jornal, com uma coisinha assim, minúscula, lá atrás, que tinha que prestar um concurso, e era para contrato de um ano. E eu fui. Um contrato de um ano que eu falei: “Ah, três horas por dia, um ano”.
P/1 – E voltando para a sua juventude, aí você terminou o ginásio… Como que você começou o ginásio?
R – Ginásio?
P/1 – Você fez Científico?
R – Não… É, eu fiz Científico.
P/1 – Científico?
R – É. Voltando aí onde eu estava falando, foi bom porque eu fui trabalhar, tive um emprego em que eu fui trabalhar num lugar. Porque eu falava assim: “Ah, pai, acho que com você não vai dar certo, você é muito mandão”. Não mandão, mas eu falei: “Você é muito exigente”. Aí ele falou assim: “Então vai procurar um outro emprego”. Aí eu procurei e achei um lugar que era uma marcenaria, móveis, ele vendia móveis, marcenaria, quem sabe? Aí, cheguei lá, o cara falou: “Você vai ter que fazer tudo isso”. Eu fiquei lá só até à tarde, porque eu não gostei (risos). Aí ele falou: “Mas você não vai gostar?” Eu achei um lugar em que tinha que limpar banheiro também, não é? Eu falei: “Pô…”. No meu pai eu nem precisava fazer isso tudo, não é? No meu pai era tranquilo, eu só ficava um pouco na hora do almoço, duas horas, três horas. Aí eu falei: “Ah não… É o seguinte: tem um pouco de pó aqui, eu tenho bronquite e não vai dar certo”. Estou falando, mas vocês não colocam isso, pelo amor de Deus. Aí foi… Aí eu tive que trabalhar no meu pai, porque aí eu tive que realmente…
P/1 – Você foi ajudar o seu pai a vender…?
R – Foi muito melhor, porque o meu pai era grato, ele dava comissão, ele falava assim: “Se você vender aqui…”. Ah, eu vendia. E para quem? Para japoneses.
P/1 – Você dividia tudo com ele?
R – Não. E para japoneses ainda. Eles me adoravam. Japonês quando confia... Eu tive muitos amigos japoneses porque onde eu morava, perto do Bosque da Saúde ali, eram muitos japoneses, não é? Então eu me habituei muito com eles, eu sabia muito bem como tinha que tratar. E aí, o pessoal… Eles vinham comprar. Então o meu pai ia almoçar, eu ficava com o rapaz lá. Quando o meu pai voltava, esse rapaz ia almoçar, ou ele trazia, tal. Então ele falava assim… Eu ficava lá cuidando também, fazendo alguma coisa, observando como ele estava fazendo - eu gostava de observar as coisas, sabe? E era interessante, porque ele lixava, depois ele tinha que pintar e eram umas pinturas quase como hoje, umas coisas que eles faziam… Meu pai também sabia fazer.
PAUSA
P/1 – E aqui você escreveu que, durante a sua adolescência, nas horas de lazer, assim, o que vocês costumavam fazer? Vocês iam para clube?
R – Eu ia para o clube também…
P/1 – Que tipo de clube?
R – Hebraica.
P/1 – Hebraica?
R – Hebraica.
P/1 – Tipo, de festa, ou tipo esportes, assim? O que acontecia dentro do clube?
R – Eu fazia natação, tinha ginástica, não é? Ficava batendo papo na piscina…
P/1 – Isso depois da escola?
R – Sempre no sábado, domingo e nas horas que podia. Porque eu tinha que trabalhar também. Não se esqueça de que eu voltei. Aí ele pegou firme, sabe? Eu tinha que fazer aquele horariozinho dele, mas isso foi bom porque eu só aprendi. Porque nessa época, eu era estudante ainda, não é? Então, não tinha muita obrigação. Mas se tivesse que ficar, eu ficaria. Porque eu sempre cuidei deles. No final, fui eu que cuidei mesmo. Eu que dei apoio, o Waldemar também, meu marido. Ele sempre foi… Ele procurava saber o que a minha mãe queria, a marca que queria, sabe? Tudo certinho para eles passarem bem, porque no final eles não estavam tão bem, assim. Meu pai não tinha aposentadoria, porque ele pagava para todo mundo que trabalhou com ele e para ele não. Ele achava que não precisava, porque ele ia ter… Ele tinha… Porque tinha um imóvel e tal, tinha um aluguelzinho, mas não dava, sabe? Não dava muito para ele. E ele foi muito poderoso quando moço. Ele era... Ele não pensava em se divertir, só pensava em trabalhar, e isso que foi o bom dele porque ele crescia cada vez mais. Mas… Você tem alguma pergunta?
P/2 – Namoro, assim…
R – Ah, namoro! Namoro… Era querida no clube, tinha uma aparência. E tinha um grupo, sempre tive grupos de amizade, não é?
P/1 – Esse grupo frequentava…
R – Inclusive, a minha amiga que mora no Rio é israelita e era do grupo, e é uma pessoa maravilhosa. Eu me encontrei com ela depois de quarenta anos, porque quando eu casei também passei pela casa dela, no apartamento. Ela já estava casada. E ela, naquela época... Foi muito bom, porque a gente se dava com… Tinha seis, às vezes até mais gente no nosso grupo, e era na piscina, no final de semana. Eu peguei um trabalho também na rua Augusta, então, na hora do almoço eu ia para o clube, de ônibus (risos), para encontrar, porque tinha gente lá, não é? Então chegava lá, ficava um pouco na piscina, tomava banho, pegava o ônibus lá, andava para pegar na avenida…
P/1 – Para voltar para casa?
R – Peguei um emprego que era numa loja, que vendia lá coisas, roupa… Mas aí eu falava: “Se eu chegar um pouco atrasada, eu pago esse horário, o senhor desconta”. Ele não sabia aonde eu ia. Em vez de almoçar lá perto, não, eu ia para o clube, porque eu queria ficar moreninha, tal, era broto ainda nessa época, não é?
P/1 – Tinha muita paquera no clube?
R – Tinha paquera sim, tinha bastante. Só que é o seguinte: a paquera… Naquela época, a gente era muito, sabe, puro. Não era essa coisa… Nem podia tanta coisa, você sabe disso, não é? Naquela época era… Hoje não,
hoje você já conhece, conhece tudo, não é? Não, naquela época era pausado, não tinha nada disso, casava virgem. E eu casei tarde ainda, porque todas… Essa minha amiga casou logo, casou com vinte e pouco, porque quando eu fui visitar, ela já estava casada. Porque eu fui para a minha lua-de-mel, que eu fui para Cabo Frio, e era caminho. Então…
P/1 – E aí, você nessa época dos clubes, aí você começou a fazer cursinho para vestibular no Objetivo, não é?
R – Ah sim! Aí, com muita sorte, ganhei a Bolsa toda lá, que eu nem…
P/2 – O que você fez para ganhar a Bolsa?
R – Porque eu fiz um bom… Eu tinha… Eu lia muito, mas pena que eu não persisti, porque eu queria fazer Medicina, mas não foi mal, não é? A vida… Eu não me arrependo, porque eu acho que Medicina não ia dar certo. Porque a gente é escravo da Medicina - eu vejo nos meus primos, é muito difícil. Medicina não é assim... Você tem que dar plantão, eles contam que eles dão muitos plantões, porque recebe e dá para pagar as contas. Porque senão, não dá para pagar as contas. nem sempre tem paciente que vem no consultório. E é caro, tudo particular, então eles… Eu acho que foi bom, porque não ganhava muito… E quando eu entrei na Faculdade, o meu pai me deu um carro.
P/2 – Qual era o carro?
R – Era um fusca 66, verde garrafa. E esse fusca foi do meu irmão. O meu pai comprou dele e eu tinha um dinheirinho ajuntado, eu quis oferecer para o meu pai e o meu pai falou: “Não, mais tarde, quando eu te comprar um novo”. Eu falei: “Opa, vou juntar mais”. Juntava dele mesmo, às vezes, porque ainda não estava com toda essa bola, só que eu ganhava muito bem.
P/1 – Trabalhando como…?
R – Não! Nos dois empregos, quando eu entrei na Faculdade, para trabalhar, aí eu ganhava, entre os dois empregos, eu ganhava mil e cem. Eu pagava cinquenta de Faculdade e cinquenta de gasolina. Aí, o meu pai recolhia mil. Ele falava assim: “Tudo você pede para mim” (risos). Era uma forma de não me deixar gastar, não é? Então eu pagava a Faculdade e a gasolina. Ele pagava tudo o que acontecia no carro, tal, mas chegou uma hora em que ele falou… Depois de alguns meses, ele falou: “Olha, eu vou vender o telefone e o dinheiro que você ganhou eu vou colocar também”. Porque era mil, ele recolhia mil, era muito dinheiro. O carro custava tipo treze e meio, quatorze mil, uma coisa assim, novinho, zero. Aí, ele falou assim: “Eu vou usar esse dinheiro e em vez de você ficar parada na estrada por causa de pneu, por causa de não sei o quê, você vai ter um carro zero”. “Opa, obrigada”. Aí eu fui com o meu tio lá na fábrica, perto da fábrica…
P/1 – Do fusca?
R – Do fusca, para comprar um fusca zero. Primeiro vendemos o carro. Pegou aquele dinheiro e o resto ele inteirou um pouco, um pouco ele também vendeu o telefone de casa para mim…
P/1 – Telefone era bem difícil, não é?
R – Telefone tinha preço. Ele vendeu o telefone também, só que ele ficou com um pouco, porque ele deu uma parte, eu dei uma outra. Ele não pegou tudo meu também, fez uma coisa assim para eu não ficar triste, sabe? Porque era meu dinheiro, não é? E ele gostava que eu guardasse, sabe? Ele falava assim: “Você é igual a mim, você é a única aqui de casa” (risos). Eu fazia tudo como ele gostava, porque ele era bom demais. E os meus irmãos tinham um pouco de ciúmes, porque eles falavam: “Por que ela?” (risos) “Porque ela está fazendo Faculdade”. Ele falava assim.
P/1 – Os seus irmãos não fizeram Faculdade?
R – Ele usava, não é? Mas eles eram trabalhadores, os dois eram muito trabalhadores. O mais novo era esperto, sabe? Foi vendedor, mas ele… Primeiro o meu pai abriu lojas para eles e depois não deu certo, porque os dois casaram e as esposas… Sabe como é, é difícil tudo, não é? Então eles tiveram uma loja lá em Cubatão, enorme, tipo Arapuã, assim…
P/1 – Loja de quê?
R – De móveis, de tudo. De utensílios... Eles inovaram. Mas depois não deu certo. Eles tinham depósitos em Cubatão, isso. Tinham charrete, tinham peruas, tinham caminhão, era uma grandeza, sabe? E várias lojas alugadas, assim. Fora assim, na avenida, para estocar coisas. E eles estavam muito bem. Só que não deu muito certo, sabe? A minha cunhada queria voltar para São Paulo, e aí teve que se desfazer. E aí, acabou.
P/1 – E por que em Cubatão?
R – Porque lá que surgiu… Desculpa, eu estou fazendo barulho. É um costume que eu tenho de puxar a corrente.
PAUSA
R – Não deu certo porque um veio para cá, o outro ficou lá, precisou de ajuda, o meu pai me fazia levar o carro inteirinho de alimento para ele. Porque o mais velho também… Ele era doente, tinha bronquite asmática, bem ruim mesmo. Então a gente ficava preocupado aqui, não é? O meu pai falava: “Hoje é dia de levar alimentação lá, vamos levar para dois meses”. “Ah, pai, mas não dá para ir no fusca, vamos comprar lá mesmo”. “Tudo bem, vamos comprar lá, mas nós temos que ir”. Aí íamos para lá, comprávamos tudo, enchia a casa de comida. O meu pai era assim, tranquilo, e sabia que tinha que fazer, ele tinha que fazer mesmo. Ia morrer de fome? Aí… Porque um veio para cá, o dinheiro… Quase o meu pai perdeu tudo, porque era… Como é? Filhos e Limitada. Até eu ia entrar, se eu tivesse alguma coisa. Eu ia entrar também, as coisas, as casas… Aí, o meu pai… Isso não põe lá, porque vai ficar muito chato. Não põe na história não, viu!? Eu estou extrapolando aí, porque… É uma história muito grande, uma história de vida, não é?
P/2 – Mas essa é a ideia, mesmo. É história de vida, mesmo.
R – Mas era para guardar essas coisas.
P/2 – Se você ficar cansada…
R – Vocês deviam me brecar, viu!
P/2 – Não. Outra coisa, se você ficar cansada em algum momento e quiser fazer uma pausa, usar o banheiro, é só avisar.
P/1 – E me conta dessas viagens que você fazia para Sorocaba, que você fazia com o seu tio. Sorocaba…
R – Não, não. Era… Bertioga.
P/1 – Bertioga.
R – Aí, era interessante. Porque era só alegria, não é? Alegria o dia todo. Quando a gente não ia para a praia, ficava comendo fruta lá, lendo… Nós tínhamos o pai da segunda esposa do meu tio, ele tinha uma biblioteca lá. Era imensa e tinha uma rede assim, lá fora, mas coberta. A gente pegava os livros lá, quando não queria ir para a praia, eu lia muito lá, também. A minha prima não gostava muito, mas ficava lá fazendo outras coisas, não é? Mas eu gostava de ler. E foi interessante, porque essas idas eram boas, porque eu ainda era menina, não estava ainda… Não era sócia ainda do clube. Eu fiquei mais para frente, porque aí ele casou-se de novo. E eu já não estava gostando muito de ir. Apesar de que ela é uma pessoa maravilhosa também, foi professora, tal, mas eu achava que não tinha que ir mais, não é? Aí eu queria ir para o clube, porque já tinha idade para ir para o clube, treze anos, aí eu fiz os meus pais… Tinha aquele sócio individual, então ele fez todos os meus irmãos, eu, ele fez para sócio individual, não tinha comprado o título integral. E eles achavam que nós que tínhamos que aproveitar, não é? E a gente aproveitou mesmo esse título, tudo. Depois, quando casei, o Val comprou um título familiar. O meu era individual, mas dava direito a tudo, não é?
P/1 – E me conta como você conheceu o Val.
R – Então... O Val, eu frequentava um lugar ali na Haddock Lobo, agora é um prédio…
P/1 – Ele é israelita, também?
R – É. Eu frequentava lá porque o pessoal era israelita, então a gente ia lá, depois a gente saía, ia assistir alguma coisa, ou um filme ou um teatro, ou senão a gente ia comer alguma coisa, comia também, comia ou tomava um sorvete. E numa dessas que eu fui, com o meu carrinho novinho, meu fusquinha amarelo, lindo... Só que não dava muita sorte essa cor não, nunca mais comprei nada amarelo…
P/2 – Por quê? O que acontecia?
R – Porque não sei… Tinha umas raspadinhas, tal, sempre acontecia alguma coisinha e eu ficava chateada, porque com aquele velhinho nunca aconteceram coisas na lataria, não é? Bom, aí um dia eu fui, estava todo mundo ali, eu sentei no sofá e eu vi que ele passava para lá, para cá, mas eu estava com um rapaz aqui conversando, com um pretendente, talvez, não é? E depois sentou um outro aqui também, dos dois lados. E eram amigos, que a gente se conhecia lá, tal…
P/2 – O que era esse lugar?
R – Aí um levantou, o Valdemar estava de olho. Ele veio sentar, ele sentou ali, porque a gente ficava esperando onde que a gente ia, se ia para o teatro... Naquele dia nós fomos num teatro e, antes, fomos tomar sorvete ali no… como chama ali? É um nome bem… Todo mundo conhece, é uma sorveteria de anos… Desde aquela época, ela ainda existe.
P/3 – Alaska, não?
R – É! No Alaska. E tinha aquelas mesas e aquelas cadeiras lá, e a turma era grande, não é? E lá podia parar com o carro, não era assim como hoje que não tem lugar, você tem que pôr no estacionamento. Então eu fui com o meu carro. E aqueles dois meninos foram também, porque eles não largaram, e o Valdemar também foi (risos), eu dirigindo o carro.
P/1 – Foram os três no carro?
R – Foram os três no carro. Porque estava assim mesmo, o negócio. Eu via, as meninas não tinham ninguém nos carros, porque eles não foram lá, não é? Tinha uma que estava sozinha. Eu não falei porque eu achei que eles queriam ir comigo, estavam mais à vontade comigo lá. Eu acho que eles estavam me paquerando, mas eu fiquei na minha, ainda não tinha escolhido ninguém. Porque eu não conhecia direito, assim, para escolher logo assim. Não me atraiu assim. E o Valdemar, chegou, sentou e falou assim: “Você já comprou ingresso para o teatro?” “Já”. “Ah, porque eu vou comprar o meu e ia comprar o seu”. “Não, imagine, eu já tenho”. E voltou e sentou, porque o lugar estava vago. Aí, não me largou mais. Daquela época em diante, eu fui de carro. O carro dele ficou lá e eu fui até onde estava o carro, eu fui com o meu carro, porque eu sempre gostei de dirigir, não gostava que ninguém dirigisse. Aí eu voltei e ele foi atrás de mim até onde eu morava, foi me seguindo, porque ele achou que já era tarde, não sei, sei lá o que ele achou. Aí ele falou assim… Pegou o telefone… Ah, ele tinha dois ingressos daquelas feiras de utilidades domesticas - UD - falou: “Estou com dois ingressos aqui”, até mostrou: “Será que você não queria ir comigo no domingo, no sábado?” “Não sei, me liga em casa”. Porque eu não sei, podiam ligar outras pessoas também, quando você é jovem, você é jovem, não é? E a minha mãe sempre me ajudando aí com as coisas. Ele ligou, aí eu falei: ”Então vem”. Ninguém ligou, vou sair com o Valdemar. Aí, nunca mais. Aí continuou, não é?
P/1 – Foi quando vocês começaram a namorar?
R – É. Começou.
P/1 – Foi quando isso aí?
R – Eu tive outros, antes… Um que era médico, ele já faleceu. Nossa, ele me adorava, mas ele era… Não sei te explicar. Como faltavam quatro anos para ele se formar, ele não podia falar nada, ele só saia comigo, ia ao cinema, a gente comia cachorro-quente, ou sei lá, naqueles Doguinho, perto daqueles cinemas que tinha antigamente na rua Augusta, sabe? Acho que ainda tem. Mas era praxe, você ia ao cinema e já descia, comia um lanche, pegava o ônibus e já voltava. Era de ônibus que a gente ia, sabe? Porque ele não tinha carro. Aí era uma paixão mesmo, foi minha paixão. Mas o Valdemar também foi. Mas esse aqui era meio assim, indeciso, sabe? Eu fui até conhecer os pais dele, tudo. Morava… Agora eu não lembro o nome, mas eu sei… Pais maravilhosos, simpáticos, simples, mas muito bonzinhos. Eles fizeram uma comida especial, uma mesa farta, sabe assim? E eu conheci por intermédio… Esse menino, o ____01:01:42____ eu conheci por intermédio da minha amiga japonesa, que foi minha amiga no Liceu Pasteur. Eu fiz uns anos no Liceu Pasteur. E eu tinha acho que dezessete anos.
P/1 – Você fez o quê no Liceu?
R – Eu estudei lá também. Aí então, essa minha amiga… Mas não foi nessa época, foi bem antes, não é? E ela sempre estava em contato, falava assim: “O meu namorado tem um amigo judeu, você não quer conhecer? Ele é simpático, uma pessoa muito boa, tal”. “Ah, tudo bem, vamos lá”. Aí eu fui e gostei. E eu era mais mocinha, porque o Valdemar eu já conheci mais tarde. E aí saí bastante, gostei muito dele, a gente sempre naquela vidinha, ônibus, ele não tinha… Ele estudava na USP, não tinha dinheiro mesmo. Era simples. E aconteceu um fato bacana, que fui com uma outra amiga, ela foi fazer exames ali em Higienópolis, onde era? Na casa do… Foi o Carcova que atendeu a minha amiga. Ele entrou, eu fiquei vesga, porque eu já estava casada, eu namorei quatro meses e meio só, não é? E eu gostava dele, sabe? Mas não deu certo, porque ele era muito indeciso, assim, e foi um dia que ele veio na minha casa e tinha gente lá, ele ficou assim chateado porque eu pedi para ele entrar só um pouco, aí ele ficou chateado, não sei, sei lá. Eu vi que não estava dando, aí eu não estava com problema, graças a Deus, eu ia no clube, era sempre querida, tinha turma, tinha rapazes junto, tinha… Tinha esse outro lugar que eu ia na Haddock Lobo. E é perto daquela padaria famosa, sabe, aquela… Tem uma padaria naquela rua, ali, na Haddock, uma de esquina, assim… Que tem tudo lá, sopa, já fui até conhecer. Agora é moda. Tem tudo lá dentro, pizza, tem… Então, naquela época não tinha, era padaria normal. E ficava aqui na esquina, sabe?
P/2 – E o que era esse lugar? Na Haddock Lobo?
R – Sabe onde tem aquela escola, perto da Haddock Lobo, perto da Augusta? Onde eu ia era perto da Augusta…
P/1 – E o que era esse Haddock Lobo?
P/3 – Era a rua.
P/2 – Mas o que funcionava? Era um café?
R – Ali era onde eu ia ficar lá à tarde, conversava, depois a gente saía, todos universitários israelitas, não é? A gente procurava fazer o que o meu pai queria. O meu pai queria assim, então não custava nada, era só seguir o que ele queria e eu muito menos não ia ferir o meu pai, sabe? Porque já tinha o problema com o meu irmão mais velho, que ele casou com… Católica… Eu não achava nada disso. Para mim é normal isso, mas eu não ia feri-lo. Tinha um rapaz na minha rua, que eu voltava com o namorado, às vezes, de carro, e ele estava esperando lá para sair para ir na padaria comer um pedaço de pizza comigo.
E eu tinha que ir, porque eram meus amigos de infância, amigos, amigos mesmo. E ele estava interessado, ele está até numa foto aqui. Ele foi convidado, a irmã, família, não é? Era interessante, porque era cheio de vida, sabe? Eu não tinha tristeza nenhuma, não tenho até hoje, graças a Deus, porque eu tento não deixar me pegar. Porque, ultimamente, está difícil. A gente vai ficando mais velho não é brincadeira. pega uma doencinha, uma gripezinha, já tem uma dorzinha nas costas: “Val, será que eu vou conseguir sobreviver?” (risos). Aí ele fala: “Para com isso”. Não, porque ataca as costas assim, perto do pulmão aqui, não é brincadeira não. Eu estava ruim também esses dias passados, mas é por causa de ventilador. Estava muito quente, quatro dias, cinco dias, até te mandei o negócio… Aí eu passei mal para caramba, viu! Mas foi ventilador. Eu colocava no chão, tinha no teto, no chão, e pouca roupa, só o necessário, sabe? E aí fiquei ruim. Aí, qualquer coisa: “Já conheço o seu disco, eu sei o que você vai falar”.
P/1 – Então, voltando um pouquinho. Você prestou vestibular e onde você foi fazer Letras?
R – Então, Letras… Aí agora é outro… Aí, meu Deus, ele sabe, o Valdemar. Eu estou esquecendo agora as coisas. Não está escrito, não é? Não tem nada escrito.
P/1 – Espera aí…
P/2 – Mas como foi esse período da Faculdade, assim?
R – O período foi tranquilo, porque a gente sempre trabalhou em grupo. As pessoas eram maravilhosas e amigas. Sempre sobra uma amiga de todos os lugares. Gente que acompanha, gente que ajuda. De todos os lugares. Da Pedagogia, de todos os lugares, sempre tive bons amigos. A gente precisa de gente. A gente não pode ficar… Eu sempre fui a única menina, não é? Esse meu irmão que tenho agora, que é o que ficou, que está vivo, ele tem a família dele. O que eu posso receber são os vídeos dos filhos, da filha que mora em Israel, ela manda vídeos, manda… Porque ela foi embora há pouco tempo, está ainda… não está na casa dela, ela está como imigrante. Então, eles mandam vídeos, mostram a menina, a menina é uma graça, ela segurava a minha mão naquele corredor, não queria largar, até na hora de entrar, sabe, no avião, ela ficou segurando. Até eu fiquei assim porque ela não segurou a mão nem da avó, nem do avô, sabe? Porque eu sempre brinco, faço brincadeira, ia visitar quando ela morou em Curitiba, ela vinha… E eu sempre brinquei com ela, deixava ela subir em cima de mim, fazia tudo… Ela fazia o que quisesse de mim, porque eu não tinha neto, não é? Então, os netos do meu irmão são meus netos, não é? Mas essa era demais! Essa daí era… Demais, demais! Tenho aí as fotos dela, mas é tudo pelo whatsapp.
P/2 – Você manda depois para a gente.
R – É isso aí. Tem mais alguma coisa?
P/1 – Tem bastante coisa ainda.
R – Tem?
P/1 – Você fez a Faculdade de Letras e depois fez a de Pedagogia?
R – É.
P/1 – Aí, na mesma Faculdade?
R – Não, essa Faculdade era… Agora é Uninove, era Nove de Julho. Eu fiz num bairro depois do shopping lá, mas eu esqueço o nome. Eu ia só aos sábados. Fiz a faculdade… Só aos sábados, em dois anos. Eu me formei até supervisão. Podia ir para frente, o meu curso foi de dois anos. Mas só aos sábados. O Valdemar tinha se acidentado com o carro…
P/3 – Você já era casada?
R – Já. Isso foi em… Acho que foi em 1984, mais ou menos. Mais ou menos isso, depois pergunta também para saber exatamente.
P/3 – O acidente?
R – O acidente foi assim... Eu estava em Santos, com o meu filho, no apartamento, e nós tínhamos amigos perto, que era, inclusive, amigo do meu marido, ele, não é? E nós estávamos dormindo, e na madrugada… Ele estava trabalhando, ele não veio, ele ia vir, não é? Mas eu sabia que ele não ia pegar o outro carro, ele ia vir de ônibus, porque ele estava sozinho, para quê ele ia pegar outro carro e lá nem tem garagem para dois? Nem tem para um, porque é coletivo; se está cheio, não entra. Aí, eu estava dormindo e esse amigo dele, acho que até já faleceu, que a gente… Veio avisar que o Valdemar estava acidentado, estava na Santa Casa. Aí foi duro, viu! Ele adormeceu na direção, ele... Não sei se estava com o cinto completamente colocado... Ele nunca teve um resfriado, nunca vi aquele menino doente, nunca, nunca! É forte, forte mesmo! E aí ele ficou ruim mesmo, lá. Lá eles fizeram uma operação no pé, na perna, não sei, no pé, puseram um monte de coisa lá. E afetou a vista, porque ele usava óculos e esse negócio entrou no olho e aí teve que vir para cá com ambulância, foi uma coisa muito ruim que aconteceu. Eu não esperava… Eu tinha comprado… Eu tinha uma Brasília e eu fui com a velha, eu falei: “Ele não vai pegar…”. Nunca fez isso, vai pegar a nova? Eu não venho com a nova, por que ele vai pegar, não é? Aí pegou a nova e veio, só que ele estava com sono e quando chegou ali no… Aí ele entrou num poste e aquilo, conforme a batida, aquele negócio veio todo, sabe, aquela lataria o prensou.E o óculos, como ele não estava muito seguro aqui com o cinto, o óculos entrou na vista, ele perdeu a vista, só ficou com o branco do olho. E tem uma prótese. E aí ficou bem um tempo para… Fez uma lente e tal, mas demorou para voltar. Mas ele nunca teve nada, uma saúde de ferro, nunca ficou resfriado, mesmo a mãe falava, nunca aconteceu nada com ele. Mas é porque sempre fui eu que dirigi. Depois disso, não deixei mais ele dirigir, porque eu gosto também, não é? Então eu falo: “Você vai falando e eu vou dirigindo”, porque é difícil. Aí eu já fiquei com medo. Ele não dormiu e tinha que vir correndo para cá? Não. Ele ficou porque ele tinha que trabalhar, não sei o quê, então não ia dar para ele ir. Eu também devia ter esperado, o que me custava ficar esperando? Mas eu vou adivinhar um negócio desse? Tinha até foto, porque tiraram foto, puseram na primeira página, o jeito que ficou o carro, assim, sabe, para dentro. E se salvou mesmo porque esse amigo que estava lá, eles tentaram telefonar, não tinha essa história de telefone e nem tinha lá, porque eu ia de vez em quando, mas tinha esse amigo lá e ele lembrou do telefone do amigo, ele estava na maca lá e falou: “Ligar para tal lugar, que a menina se chama Roseli, o meu amigo está lá”. Porque ela conheceu esse amigo na minha casa. Aí ele veio lá e já falou: “Dina, corre porque o Valdemar está no hospital, ele está acidentado”. E aí eu corri, deixei o Gustavo com os pais da minha amiga, não levei o Gustavo, porque a gente não sabe, não é? Aí o Gustavo era pequeno, ele nasceu em 1976, era molequinho ainda.
P/1 – Mas teve uma boa recuperação no final?
R – Isso é para sempre, não é? Isso é uma coisa que vai indo, sabe? Foi uma batida muito forte, ele pegou pneumonia, teve que ficar numa casa de repouso, porque eu trabalhava, não ia dar para fazer tudo e eu pus ele nessa casa, que depois a menina se tornou minha amiga, também, o pessoal todo. E sabe o que ela fazia lá no Pacaembu, essa dona? Ela ia todos os dias comprar coisa lá naquela feira que tem lá embaixo, que tem todos os dias, e dava para ele comer bacias de agrião, bacias de verdura. Ela levava: “Valdemar, você tem que comer isso que é o seu café da manhã”. E ele comia. “Porque isso vai curar o teu problema aí, vai ficar melhor”. Ficou três meses nessa casa aí. Eu ia lá à noite e tal, quando eu podia, porque estava difícil. Todo mundo ia visitar, uma casa boa, pessoal tratava bem. E eu não podia… Como é que eu ia tratar dele? Não dava. Então eu achei melhor fazer isso. E o pessoal maravilhoso, super… Cuidaram dele, ele sarou porque ficou lá, porque eu duvido que no hospital iam dar agrião. O hospital começa com um monte de coisa, depois uma sopinha que você não quer comer, depois não sei o quê, e não é gostoso… E eu não estava com muito tempo, porque aí quem ficava mais com ele era a mãe dele. Ficava mais. Ela ia lá, ficava lá, às vezes até dormia com a gente, dormia lá. Foi uma história. Essa foi a história da minha vida, viu! Foi duro essa época, muito duro. E ele queria voltar para o trabalho, ele era tão assim, sabe? Então, ele estava no segundo andar, pessoal tinha que descer, não tinha elevador, ele tinha que levá-lo pela escada, com a cadeira, sabe?
P/1 – O Valdemar trabalhava com o quê?
R – Trabalhava na Prefeitura. As coisas vão acontecendo, não é? Isso foi duro. Isso é um ponto…
P/1 – Você já tinha filho?
R – Já, tinha, ele nasceu em… Eu casei em 1974, ele nasceu em 1976.
P/2 – Você escreveu que teve uma moto?
R – Tive. Uma moto. É que eu queria asa delta, mas ele não quis dar. Ele falou: ”Não, você é muito dispersiva, você não vai conseguir, você vai morrer. E eu não quero que você morra”. “Então você me dá uma moto”. Na hora. Não quer dar isso, mas dá isso então. “Moto eu te dou”. Aí, como eu já tinha um tempinho, eu estava primeiro contratada para um ano na Prefeitura e eles prorrogaram, mas eu tinha que fazer seis horas e trinta e seis minutos. E eles acharam que eu tinha que ter um acerto de contas, e era justamente o dinheiro de uma moto. Aí, eu sem falar para o Valdemar, eu fui lá no Mappin, era uma Harley-Davidson, uma 125…
P/1 – Uau!
R – Ah, era para começar, vamos começar bem, não é? Pelo menos é uma Harley-Davidson. Aí, eu comprei à vista. Porque era o dinheiro exato da moto, exato. Era uns dezoito mil, uma coisa assim.
P/1 – Você já tinha carta de moto?
R – Dos anos que eu trabalhei, que faltou lá, não sei o quê. Aí eles fizeram o acerto e eu fui lá reclamar: “Esse dinheiro não é meu, pode tirar da minha conta”. “Não, isso é seu, é o acerto”. “Ah é? Então está bom”. Então comprei essa moto e ele falou: “Mas eu tinha falado com o meu amigo, ele ia me vender uma…”. “Tudo bem, então vai lá no Mappin e fala que a sua mulher está grávida, fala alguma coisa”. Porque, na época, eles devolviam. E fez. Foi lá, não tive essa moto, só na lembrança, assim, de vista, não é? Aquela imagem maravilhosa, aquela moto enorme, nem parecia 125. Linda, era muito bonita, vermelha. Na época era cor, não era preta, agora… Se fosse preta era mais bonita ainda. Aí ele falou assim: “Está bom”. Foi lá no Mappin, eles devolveram porque ele falou que eu estava grávida, inventou lá e eles devolveram inteirinho - e era um dinheirão. Mas como eu vi na conta, eu corri, que ele falou que podia, não é?
P/1 – E você já tinha carta de moto nessa época?
R – Eu nunca tive carta de moto. Andei para tudo quanto é lado sem carta. Eu não passava, eu botava o outro pé, eu sempre fui muito boa motorista, mas na moto não pode pôr esse pé esquerdo quando você está fazendo… Você tem que tudo fazer com o pé direito, você não pode fazer isso. É mais ou menos isso, não é?
P/1 – Eu não sei, eu não…
R – Você não tem moto?
P/1 – Não tenho.
R – Aí, eu ia fazer, fiz umas duas vezes, não consegui passar. De carro, eu fiz com dez aulas. Isso porque eu não queria nem dez, mas era praxe, tinha que fazer com dez. Então eu fiz percurso, muito percurso, aquelas balizas. Aí o rapaz falava assim: “Mas a senhora tem carta de carro?” “Tenho”. “Ué, por que não está passando na moto?” “É com vocês, não é?”. Quem era o culpado? Era eu (risos), mas aí, andei sem carteira…
P/1 – E para onde você ia com a moto?
R – Uma vez me pegaram. Pegaram. Aí eu estava indo para a Radial Leste, errei o caminho e desci assim, uma descida que ia para um monte de lugares. E tinha um guarda bem ali na baixada. Quando eu vi, eu tentei ficar calma porque eu não tinha nem carta, eu não tinha nada. Eu comecei a inventar uma história, eu falei assim: “Eu vou ter que levar a sua moto”. “‘Seu’ guarda, pelo amor de Deus, isso não existe. Se o meu marido souber, eu estou grávida, mas ele não sabe que eu peguei a moto dele”. O coitado nunca nem sentou na moto. “Ele não sabe, porque se ele souber que eu estou aqui na rua com a moto ele vai ficar louco, porque eu estou grávida”. Não estava, mas eu falei.
P/1 – Esse negócio de falar que estava grávida era por quê?
R – Porque andando de moto, e o marido vai saber. Foi uma história que eu inventei na hora.
P/1 – É que isso aconteceu quando você comprou a moto, também.
R – Hã?
P/1 – Quando você foi comprar a moto, isso aconteceu também, não foi?
R – Com a moto?
P/1 – É.
R – Com a moto, primeiro, ele comprou uma do amigo, uma cinquentinha, mas aí…
P/1 – Ah, devolveu…
R – Devolveu a minha moto e comprou essa: “Primeiro, você aprende nessa”. O cara chegou e falou assim: “Você já andou de moto?” “Não, só de bicicleta”. “Então eu vou te ensinar”. “Como é que faz?” “Aqui o pedal, faz isso… Aqui breca…”. “Tá, então eu vou dar uma voltinha”. Saí andando e voltando. Só que eu fui devagarzinho, deu para pegar, tranquilo. Só que era uma moto que misturava gasolina com óleo…
P/2 – Diesel.
R – Ela tinha um problema. Yamaha. Era Yamaha, bem simplesinha, azulzinha, assim e tal. E eu ia na Radial Leste com ela e para Capão Redondo, ia para todos esses lugares. Um dia, eu estava de capacete, cheguei na… Estava quase chegando na escola, aí a supervisora vinha atrás e como eu entrei na…
P/1 – Você estava levando a sua supervisora de moto?
R – Ela chegou, ela não acreditava que eu era professora de lá, não é? Ela mandou chamar, falou assim: “Eu sinto muito, mas você vai guardar a moto aí e você vai voltar, que eu vou lhe levar para a sua casa”. “Mas não posso, que amanhã
eu vou usar a moto, não vai estar chovendo“. E chovia mesmo, sabe, eu estava toda molhada, mas eu sempre levava, num plástico, uma outra blusa. Blusa eu levava, calça, às vezes, não. Aí, ficou que ela não deixou, ficou a moto guardada dentro da escola mesmo, não é? Ela não permitiu de jeito… “Você é louca”, ela falou: “Nessa motico aí, vindo para o Capão Redondo”. Ela ficou louca, ficou muito amiga minha, foi até minha escolha, quando eu entrei no concurso, porque eu fiz concurso para entrar. Aí ela foi comigo para escolher, o Valdemar foi também. Ela foi… Ficou minha amiga, era supervisora, ficou minha amiga. Agora eu não sei por onde ela anda, porque morreu todo mundo lá da casa dela - mãe, pai, então não sei se ela continua naquele casarão lá. E eu também não tenho tempo nem de ver, nem de ligar. Eu não tenho esse tempo todo que eu tinha antes, não é? Mas ela foi muito legal. Só que eu não queria deixar a moto, eu ia continuar com a moto, ia para casa e tal. Mas eu não queria falar “Não” para ela, porque ela ficou nervosa quando ela me viu naquela aguaceira lá, andando com a motico lá. Com o carro já é perigoso, imagine com moto, ainda cinquentinha? Ela dava muito trabalho, então misturava… Aí eu falei: “Tudo bem, eu andei como você quis, agora vamos vender essa moto…”. E teve logo comprador, sabe, porque ela tinha pouca quilometragem, nove mil, uma coisa assim. Aí ele falou: “Tá bom. Agora vamos comprar…”. Um dia, ele me ligou e falou: “Estou aqui no Carmona”. “O que é isso?” “Estou comprando uma moto, já comprei. Que cor você quer?” (risos) “Eu não gosto muito da Honda, eu queria Harley-Davidson, tem aí?” “Não, aqui é a Honda” ‘Mas tudo bem, então compra vermelha”. Vermelha era a que eu ia comprar. Aí comprou, eu fui motoqueira quatro anos. Eu caí na Vinte e Três, na frente daquele navio... Sabe aquele navio que tinha? Até fiz uma vez a festa do Gustavo, de três anos, tem até o álbum dele…
P/1 – Que navio é esse?
P/3 – É perto da Tutóia…
R – Perto da Tutóia, era um restaurante dentro do navio. Então eu convidei todas as pessoas que eu ia convidar no salão e a gente serviu pizza, era uma pizzada e foi muito bonito, levamos um bolo bonito e tal, Nossa, o pessoal achou bárbaro dentro do navio. Tinha muitas crianças, não é? Família toda, amigos...
P/3 – Você caiu lá?
R – Eu caí bem na frente, perto tinha um estacionamento. E aí, quando…
P/1 – Você se machucou muito?
R – Graças a Deus, acho que foi… Eu tinha um santinho de Nossa Senhora da Aparecida no meu bolsinho da minha… Tinha usado umas camisas da Levi’s, bem bonitinha, assim, com uma golinha bem fininha, era moda, sabe, andar com calca de brim. Eu estava com aquela… Tinha um bolsinho, quando eu fui pegar o capacete eu vi… Estava em cima da peça, não sei como… Eu tenho sempre nos carros, tenho São Judas Tadeu, tenho todos! Eu tenho todos e tenho ainda a reza que eu faço em hebraico (risos), eu tenho tudo no carro. Porque realmente é necessário, não é? Hoje em dia... E depois, as multas que eu levo, é bastante multa também porque eu gostava um pouco de andar mais rápido. Mas agora está caro o negócio. (risos) Aí não dá mais. O Valdemar reclama, ele fala… Primeiro, ele escondia, agora ele não esconde mais, ele fica… Ele fala para o Gustavo e para mim não. Eu falo: “Gustavo, eu tenho multa?” “Mãe, não tem”. Mas ele mente, porque ele manda ele mentir (risos), mas ele falou que agora eu só tive uma, esse ano que passou eu só tive uma. Mas porque eu andei vinte a mais, assim, coisa mínima, sabe? Mas eu tive multa. E a multa cresce, eu não sei te falar, ela não é mais um valor fixo.
P/1 – Quanto mais multas você tem… É isso?
R – Não, eu só tive uma esse ano. Eu estou bem comportada. Não dá para correr também, você faz só besteira. Aí, quando da moto? Eu não sei…
P/3 – É, o acidente. Você parou de andar de moto, é isso?
R – Aí, pôs a moto… Tem um estacionamento ali, tem várias coisas, tem médicos, então lá embaixo tem estacionamento, pararam dois motoqueiros, foi no dia primeiro de 1984. De 1984, dia primeiro. E eu estava com uma amiga, que a gente… A amiga que cuidou… Que os pais cuidaram do Valdemar, virou amiga, não é? Então o carro já estava pronto para eu ir viajar, o único jeito era pegar uma moto. Vou pegar a minha moto. Ela falou: “Mas eu vou junto”. Eu tinha dois capacetes, pusemos o capacete e fomos. Aí, duas pessoas é outra calibragem de pneu, eu não tinha calibrado, só calibrava para uma, que era eu. O pneu acabou estragando, o de traz. A sorte é que eu não estava na esquerda. Com duas pessoas, eu sempre tive muito cuidado. Caí quase perto da guia lá. Porque eu estava naquela outra mão. A moto voou assim, quase chegou na minha perna, mas, graças a Deus, foi Nossa Senhora Aparecida aqui, que eu tenho ela até hoje. Eu compro também nas igrejas, ponho nos carros, ponho em todo lugar, sabe? Ponho ela, São Judas, todos! Ponho no carro… Isso aí é praxe minha. Então, eles colocaram a minha moto lá, trouxeram o papelzinho para quando eu melhorasse e me puseram num táxi para ir para o hospital. Eu fui, não tive nada, só arranhou. E tanto é que wno dia seguinte eu já fui embora. Estava com dores, tal, mas… Mas a moto ia queimar a minha perna, porque aquilo escorregou assim, eu caí, mas não chegou a pegar - faltou isso! Só senti um calor assim, mas não pegou, não fez nada. Isso foi tapete colocado para não acontecer nada, sabe? E foi o santinho aqui no bolso. Nossa Senhora Aparecida não permitiu. Agora, o capacete rachou inteirinho e caiu fora, mas a cabeça ficou inteira. Não sei se está boa ainda (risos).
P/1 – Vamos voltar um pouquinho? Queria saber mais de você. Você é israelita, como religião… Conte um pouco das tradições de infância e como foi o seu casamento…
R – Não, a gente frequentava muito mais com os pais. O meu pai não gostava muito que não frequentasse, então como eu nunca fazia nada contra ele, porque ele era uma pessoa que não merecia, nunca... Então eu ia, encontrava com as minhas primas, com os meus primos. A gente ficava lá fora, ficava um pouco dentro, rezava muito pouco, mas os pais estavam lá rezando, não é?
P/1 – Era igreja de bairro ou…?
R – Na Sinagoga daqui da Vila Mariana.
P/1 – Ah, da Vila Mariana?
R – É. Do Asilo dos Velhos. E agora a gente frequenta uma outra casa, que é um rabino muito interessante, a gente encontra com as pessoas e ele é muito simpático, então não vou mais… Vou na Sinagoga lá quando são datas em que você é obrigado. Aí eu vou lá. Mas ele fica sentido, o rabino de cá. Ele é um amor, ele trata bem a gente. O Valdemar frequenta mais, que ele vai às vezes sábado, fica a manhã toda, às vezes sexta. A gente está um pouco falhando lá porque, ultimamente, a gente tem muita coisa para fazer. Eu invento coisas e não dá para fazer tudo, eu tenho que ir embora na sexta, às vezes, quando eu entrego o Gustavo, eu já vou sexta para Santos. Eu estava arrumando um pouco a propriedade lá, que está velha. Então, é tudo comigo, sabe? Eu tenho que chegar e ver se é isso que eu quero, como eu quero. Chega um ponto em que você tem que fazer as coisas e você tem que abraçar tudo. Não tem como, minha vida…
P/3 – Já que ele perguntou da religião, o seu filho frequenta também como vocês, a religião?
R – Eu?
P/3 – Não, o seu filho.
R – Não, só os meus irmãos. Hoje em dia fazem na menina com doze anos. Mas eu não fiz.
P/3 – Não fez o dele?
R – Não. Meu pai não falou nada, meu pai fazia mais para eles, que eram homens. Então o primeiro, ele fez uma festa imensa, que foi na própria Sinagoga lá. E para o meu irmão foi em casa, aonde a gente morava, com tudo - encomendou mesas, cadeiras, sabe? Era assim: a frente toda ocupada, jardim de inverno, quintal, todos os lugares com toldo para poder entrar bastante gente, que ele era festeiro mesmo. Festeiro.
P/1 – E o seu casamento, como foi?
R – No meu casamento, o meu pai já não estava tão bem, foi desapropriado de uma propriedade na Vila Mariana, onde é o Metrô Vila Mariana, e aí só deu para fazer bolo e champanhe, mas foi uma festa bonita. Ele queria fazer muito mais, porque era a filha mulher, não é? Mas não deu.
P/1 – Mas me conta como foi a festa? Champanhe…
R – A festa foi boa, no final me raptaram e me levaram para um restaurante, já estava combinado. Eu não sabia, mas entre os meus primos - eu e os meus cunhados - estava combinado que era para o Valdemar fazer a mala, levar a mala, eles iam pôr no carro e fazer eu trocar a roupa. E o Valdemar pôs tudo na mala, ele pôs uma roupa mais ou menos que ele achava lá e fomos para o restaurante ali na Bela Vista. Famoso até, agora não sei se… Não tem mais nada famoso, não é? Mas na época em que eu casei, Roberto, não sei, era uma coisa assim. Aí fomos todos, foram os primos, os casados, o meu irmão, todo mundo.
P/1 – Ele quebrou os copos?
R – Lá ele quebrou, na Sinagoga. Sim, é praxe, não é? Quebrar… Foi uma cerimônia bonita assim, na Sinagoga, tudo.
P/1 – E vocês foram passar a lua de mel no Rio de Janeiro, foi isso?
R – É, começou… Fomos parando. Foi longa, que a gente foi de carro. E a gente chegou até Cabo Frio. E deu para passar nas minhas amigas, no Rio. Antes, nós paramos em... Como é? Eu estou assim, já… A gente acaba esquecendo… Não é Campos de Jordão…
P/3 – Petrópolis?
R – Não, o Valdemar depois te fala, que eu esqueci. Passamos lá e depois fomos parando. E a gente… Teve um fato muito gozado aí, mas, pelo amor de Deus, vocês não coloquem isso de jeito nenhum. Que a gente foi num hotel, a gente achou que era hotel, e a gente desceu com todas as malas, em vez de deixar lá no carro, mas eu não sabia onde estavam as coisas também, sabe? Uma loucura tudo. Aí, a gente foi num hotel, descemos, ficamos um dia só. Aí depois, fomos visitar a minha amiga. Quando chegou, eu contei para a minha amiga (risos), aí o marido escutou e falou: “‘Meu’, é hotel de viração”. Aí eu falei… Não me senti bem porque tinha cortina, eu comecei a
querer… Foi isso que salvou, porque a gente não chegou nem a ficar muito, não é? Mas a gente contou essa passagem, aí eles riram, eles riram tanto! Só aconteceu coisa… Porque a gente não tinha vivência dessas coisas naquela época, a gente para conhecer um hotel era só mesmo casando, não é? Não tinha isso. A gente casava virgem. Não era mal, a gente estava orientado para isso. Hoje é outra época, e acho a época de agora maravilhosa. Você tem que acompanhar, senão fica fora e é bom conhecer bem, assim. Mas casamento era assim. E aí, eu me perdi…
P/1 – Você está contando da lua-de-mel.
R – Aí contou para o meu amigo lá, a minha amiga, e o meu amigo escutou, o marido. “É hotel de viração, vocês foram lá?” E deu risada. Aí eu falei assim para o Val: “Val, era hotel de viração, mas não parecia”. Porque era tão bonito, com cortina, tal. E de frente ainda, sabe? Era um lugar bacana. Acho que era Campos de Jordão mesmo. É rota, Campos de Jordão? Eu sei lá, eu sei que nós fizemos a nossa rota. Pergunte para ele que ele vai saber direitinho. Ah, não foi Campos não, porque Campos é frio. Foi outro lugar. Bom, pode ser. E a gente foi indo e foi parar em Cabo Frio. Em Cabo Frio, a gente ficou numa casa, no fundo da casa, sabe? Era ótimo, porque a casa mesmo eram muitos quartos, a gente não queria. Até que ele perguntou: “Não tem um quartinho no fundo?” “Tem uma edícula completa” “Ah, então é isso que a gente quer”. Até saiu baratinho. A gente estava tão magro naquela época, a gente comia macrobiótica, sabe o que é isso? Macrobiótica é uma comida que você só come arroz, come meia xícara de chá, uns legumezinhos que vem num pires, assim, quando você come no restaurante. A gente comia no restaurante a maior parte… A gente estava tão magro, tão magro, que parecia verde. Mas a gente voltou bem queimado de sol, porque Cabo Frio é forte para caramba, não é? Aí teve um episódio muito gozado, que a gente foi comprar um peixinho ali na praia e uma cervejinha. Porque ali não estava mais fazendo macrobiótica. Porque nem tem. Onde você vai comprar? Fazer aquela comida? Aquela comida tem que fazer em casa mesmo, ou no restaurante. Naquela época tinha dois restaurantes bons e tinha uma casa também que a gente se reunia, era mesa assim, sentava todo mundo se olhando, era interessante, sabe? Comer junto com aquele pessoal. Então, era ali na Vila Mariana mesmo, ali perto já da Prefeitura, uma daquelas ruas. E então... Onde eu parei?
P/1 – Você está contando…
R – Ah, fui comprar um peixe lá. Ele foi, pediu o peixe e aí o cara falou: “Saco vazio não para em pé”. Que ele viu, acho, que era lua-de-mel, não é? (risos) Aí eu falei: “Val, pelo amor de Deus, pega dois” (risos). Eu sempre brincando, sabe? “Duas cervejas”. “Não…”. “É, duas cervejas, vai lá e pega” (risos). Mas foi tão gozado o cara falar, sabe? E eu tirar na hora, acabar com a coisa, não é? E os peixinhos eram assim, sabe, era uma coisa que nem a cerveja ia fazer mal. Naquela época, não tinha zero ainda. Agora eu tomo zero, só de vez em quando, não é? Mas tem álcool. Foi interessante esse episódio aí que foi… Ah, tinha um lugar, uma lagoa, em que você tomava banho nu. O Val falou: “Vamos tirar tudo para tomar banho?” “E se aparecer alguém?” “E daí? Todo mundo toma aqui, por que a gente não pode?” (risos). Pena que a gente não fotografou nada, entendeu?
P/3 – Vocês foram?
R – Claro! Imagine, não é? Falava e fazia “Vamos tirar sim, é o praxe aqui, tem que fazer assim”. E não veio ninguém, mas também nós saímos rapidinho. Era só para fazer (risos), só para dizer que fez. Mas podia ficar de maiô. Mas não tinha graça, tinha que tirar. É outro papo, nunca tirei uma roupa assim na água, não é? Hoje o pessoal tira… Tem aquelas praias de nudismo. Que só podia fazer quando era jovem. Porque agora jamais, não é? Agora, quando fica velho, fica cheio de vergonha. Naquela época não tinha vergonha nenhuma, estava tudo em dia (risos).
P/1 – E dois anos depois tiveram o Gustavo, não é?
R – É, depois de casados nós tivemos o Gustavo.
P/1 – E como foi? Ele nasceu em São Paulo?
R – Foi… Tive um probleminha que não conseguia ter filho, aí fui no médico, o médico deu três caixas de remédios, acho que era pílula, e eu tive que tomar as três. Na segunda, quando nós fomos viajar, eu já estava grávida. Antigamente eles não encucavam. Era um médico que morreu… Quando eu fui agora no cemitério, por causa de um primo, eu olhei assim para trás e está lá já, eu não sabia que ele tinha morrido, porque a gente… Agora eu não consultava mais, mas… Fiquei tão chateada por causa disso, porque ele era ótimo. Você vinha com qualquer coisa… Quando eu fui lá, eu fui porque eu trabalhava na Prefeitura, as meninas todas iam lá, era uma clinica interessante porque a gente sentava no jardim ali, esperando a vez. E ele chamava, quando saía um ele pegava outro, por fila, assim, por ordem de chegada, e sempre gostei dele porque a gente nunca ficava doente. Porque ele já dava o remédio e falava… Escrevia no remédio os dias: ‘Dois dias você toma isso”. Pronto, se não passar, você torna a vir. Passava. Entendeu? Aí, toda a minha família ia nele, era lá perto do…
P/1 – Legal. Qual era o nome dele?
R – Espera aí… Marcos, o sobrenome é bem complicado… Espera aí… Doutor Marcos. Ele era maravilhoso, maravilhoso, ele fez o nascimento do meu filho, porque naquela época se fazia tudo, não é? Então você entrava lá com qualquer coisa, ele tinha um mapa enorme na parede, ele explicava o que você tinha... Você não entende mesmo, você aceita, não é? Eu acompanhava. Era rápido, sabe? Primeiro ele fazia a demonstração dele lá: o que você tem, era ótimo para tudo. Ele cuidava da família inteira. Era assim. Antigamente eram médicos de família, tinha que saber tudo. E ele fez o parto do Gustavo.
P/1 – Foi parto… Foi cesariana…?
R – Era para ser normal, porque eu fiz yoga durante… Quase o tempo todo. Quando eu soube, eu já fui fazer yoga para ter um nascimento sem precisar… Parto normal. Aí, então, eu estava muito ansiosa no dia, um dia antes dele nascer, porque ia ser tudo normal, não é? E aí eu falei que não estava muito bem. Era um dia antes da data, ele tinha marcado para dia dez de julho, e eu dia nove tive esse negócio, meio… Fiquei meio assim, nervosa, será que está na data? Será que não está? Aí, liguei correndo e ele falou assim: “Mas já estourou a bolsa?” “Já”. Não tinha estourado a bolsa. “Então, seis horas da tarde eu vou, que agora eu tenho que atender as pessoas. Então, você vai às seis horas para o São Luiz e eu vou atender lá”. Aí cheguei lá, não tinha luz. Mas eles tinham gerador, não é? Então eu subi, fiquei esperando e ainda estava um pouco tensa. Aí eu queria descer, porque eu queria ir no banheiro. “Mas você vai fazer na comadre”. “Eu não consigo”. Desci - ele sentou, o Gustavo sentou. Aí ele falou assim: ‘Agora tem duas opções”. “Então não quero mais parto normal”. Acho que foi o nervoso. Ele já estava encaixadinho, já tinha feito o exame. Mas o Valdemar também sentou, a mãe contou. é gozado isso, não é? O Valdemar, na época dele, ele sentou também. Mas na dele não teve cesárea. Foi tirado. Aí é pior, não é? Mas deu tudo certo. Aí foi super tranquilo. A família veio… Nossa, era um tal de… Eu não aguentava com o pessoal que entrava no meu quarto, eu estava um pouco tensa ainda, sabe? E eu estava nervosa, não tinha visto ele ainda. Mas o pessoal vinha, ia ver no berçário, lá. O nenê, depois que veio para mamar, aí eu fiquei mais calma. Eu não tinha leite também, acho que o nervoso parou tudo, sabe? E aí o Valdemar também ficava ansioso, mas não falava nada. Aquele povo todo lá no quarto, aí eu tive que estourar, falei: “Eu não aguento mais”. Comecei a chorar, foi todo mundo embora da sala, sabe? Porque a professora de yoga falava assim: “Você vai ter, mas se encher o seu quarto e você não aguentar, pode fazer um jeito para todo mundo sumir”. E aí eu fiz. Não foi da minha cabeça não, eu fiz porque eu tinha… Porque eu não aguentava aquele pessoal falando, em pé, eu estava sem ar, sabe? Estava nervosa, eu fiquei muito nervosa. Porque era para ser normal, eu fiz sete meses e meio de yoga no Mizuki, eu morava… Eu vinha fazer, vinha na minha mãe, minha mãe morava lá perto e aí já passava lá, porque tinha que fazer, não é? Yoga é… E era uma professora que estudou, Nossa, ela era ótima, nem sei onde ela anda mais. Depois fazia ducha, mas não grávida, depois continuei fazendo ginástica lá o tempo todo.
P/1 – E nessa época, você estava trabalhando com o quê?
R – Nessa época?
P/1 – É, você trabalhou primeiro dando aula de Francês, depois…
R – Logo em seguida, só Português.
P/1 – E você estava concursada?
R – O Francês saiu, não tinha nada no mercado disso. E eu tive muita sorte, porque… Francês mesmo, minha amiga dava toda reportagem, não é? Era aula do livro. Eu estava com um pouquinho de receio, que eu fiz um pouco, estudei um pouco, mas eu não continuei. Mas eu estudei… Eu fiz Francês, porque Inglês eu achava mais difícil, entendeu? Eu não queria dar aula de Francês, mas foi o que surgiu, você tem que pegar, não pode brincar nessa hora. Ninguém queria, porque ninguém fez Francês lá, só eu e a minha amiga, praticamente, que estava ali naquela sala… Eu e ela, a Eliana. Eliana foi maravilhosa, depois ela fez outro curso também. E você sabe que eu nunca mais encontrei com ela? Só foi uma época assim, da escola, nunca mais. Ela mora por ali onde eu morava, não mais em casa, num apartamento, mas a vida dela também mudou. A vida muda, das pessoas, não é? A gente ficava sentada num salão escutando música, a mãe sentava junto, tinha muitas irmãs e um irmão, quando via, tinha uma penca. E eu gosto de gente, então era maravilhoso isso.
P/1 – E depois disso você foi trabalhar em escola do governo?
R – Só do estado. Do estado. E a Prefeitura era outro assunto.
P/1 – Foi contratada, não é?
R – Na Prefeitura, como auxiliar de fiscalização. Mas depois, quando mudou, eu fui trabalhar dentro, era escriturária assim. Mas eu perdi de fazer um concurso, ia passar direto do que eu estava fazendo para fiscal mesmo. Mas como eu vinha muito pouco, eu vinha três horas, eles nem me conheciam direito, praticamente, não é? Então não me avisaram. Os meus amigos eram todos na rua, não… Só uma vez me parou na rua e falou assim: “Dina, não entrega tudo que você vem entregando não, porque nós vamos ter que fazer tudo igual”. Porque a gente ia na rua e ia vendo os problemas que tinha: bueiro; árvore tampando coisa; construções se estava tudo certinho; documentações. As irregularidades da rua. Esse era o meu trabalho. E eu tenho uma amiga que fala: “Você ia ver se estavam caindo as folhas das árvores”. “Não, não era brincadeira não, era sério”. Porque eu fazia mesmo.
Tanto é que o rapaz veio atrás de mim para falar assim: “Olha, Dina, faz devagar, divide isso, porque nós vamos ter que fazer igual a você. Senão, nós vamos ser mandados…”. Porque era um contrato, não é? Eu falei: “Ah, está bom”. Vou fazer o quê, não é? Só que eu fazia tudo muito de uma vez, entendeu? Eu fazia porque achava que tinha que trabalhar. Mas não entregava tudo como… Eles mandavam entregar seis papéis preenchidos com coisas... Mas eu era mais honesta, não queria fazer isso. Só que eu não queria prejudicá-los, mas o meu chefe depois… Muitos foram embora e eu fiquei - eu e mais poucas pessoas ficamos. Depois desistiram, porque tinha que trabalhar mais tempo. E era dentro, fazendo serviços de escriturário. Mas eu perdi a chance, porque tinha o concurso e eu não fui avisada. E tinha que logo se inscrever porque era direto, não precisava fazer prova. E o dinheiro, outro dinheiro, não é? Porque o dinheiro era menos, e era praticamente o dobro. E hoje poderia ter me aposentado com mais um pouco. Porque é pouco, professora ganha muito pouco. Mas, graças a Deus, tenho tudo isso, não é?
P/1 – Quer voltar essa história, então?
R – É uma história bem interessante, que é da infância isso ainda. Então, é que dessa casa que a minha amiga, que é até hoje, a Ivani, era uma situação assim fora do normal, porque a gente brincava de tudo, e quando foi… Naquela época, para comprar as coisas, você comprava na Sears, antiga Sears, onde é agora Shopping Paulista, sabe? Então, o meu pai ficava na fila, comprava louça estrangeira, comprava relógio antigo, tipo antigo, de mesa, talheres, tudo importado, não é? Eu tenho a louça ainda, até hoje, tenho as coisas, tenho o relógio, o meu filho quis ficar com o relógio. Então, ele ficava na fila para comprar as coisas que ele achava que tinha que comprar. Aí, chegou a hora da geladeira e da televisão. Eu me dava com essa minha amiga, Ivani, e lá tinha muita gente. O meu pai foi para ficar na fila para comprar a geladeira, porque era o certo, comprar a
geladeira primeiro para conservar os alimentos. E o pai da Ivani comprou a televisão, que foi ótimo, porque nós todos aproveitávamos, a rua inteira, porque tinha uma sessão de filmes de desenho, rosquinha São Luiz, um negócio assim, aí nós ficávamos sentados na sala, tinha a rosquinha São Luiz também, que cada vez um trazia um pacote. A mãe da Ivani comprava também e nós assistíamos aos desenhos e depois íamos embora, não é? Mas a televisão servia para nós também. E o gelo eu fazia, porque tinha que fazer na forminha, tinha sempre umas forminhas e mandei o meu pai comprar mais duas, porque não dava. Tinha que fazer muito gelo lá, não é? O negócio do gelo não era muito grande, era pequeno, sabe? Então fazia o gelo, tudo quadradinho, botava no saco e aí, batia, ficava tudo soltinho, e ela levava. E todo mundo tomava água geladinha. O gelo era de água boa. Naquela época, não era tão ruim a água, hoje eu acho que não consegue tomar muito da rua. Mas, Nossa, foi ótimo, fazia o gelo para eles. E com muito gosto. Trabalhava, porque dava trabalho, tinha que pôr água na forma, tirar, depois não cabia lá em cima, tinha que levar, sabe? Era muito interessante, tudo passagens, não é? Eles mereciam tudo, porque… Depois, pena que eles foram embora tão cedo para lá. E eu fui visitar uma vez, fiquei no apartamento deles, mas não era igual mais, já éramos bem grandes. Era diferente, porque lá era o nosso reduto, o quintal, o fogão à lenha, sabe, era tudo brincadeira. E a mãe ajudava, a mãe dava as coisas para a gente cozinhar na… Já aprendia. Aprendi lá um pouco. Porque a mãe incentivava, sabe? A gente fazia no fogão à lenha. Tinha panelas mais velhinhas, assim, a gente fazia tudo lá. A gente comia lá também. Um pouquinho, que criança não come, quer só brincar. Comia pouquinho, depois eu tinha que comer em casa também, senão o meu pai ficava bravo. Eu comia um pouco lá. Tinha uma vizinha também... Tinha uma vizinha que era meio apaixonada, sabe? Dona Farilda Kandir, que quando eu cheguei lá, com quatro anos e pouco, que eu ficava no murinho, aquela fita no cabelo, sabe, o tamanho… Está nas fotos aí. Sentava no murinho ali e ficava, e ela estava na casa ao lado há muitos anos. Então ela vinha me paquerar: “Ai, que menina linda…”. E acabei ficando amicíssima dela, minha segunda mãe. E foi muito bom, porque tinha lá a criançada, e tinha ela. E ela teve uma época bem ruim, ela se tratou ali na rua Silvia, sabe? Tinha problema no estômago. Então, quando ela voltava, tudo que ela conversava lá com o doutor, ela conversava comigo. É interessante isso, porque eu vinha da escola, ficava um pouquinho com ela, que depois eu tinha que ir lá no meu pai, não é? E ela contava tudo, tudo! E eu fui escutando, eu era muito boa ouvinte também.
E, de vez em quando, perguntava alguma coisa, mas sempre ouvindo mais. E para ela era ótimo, porque ela tinha… Não sei se na época tinha… Já tinha três filhos - tinha o José, tinha o Antônio, que foi secretário da Zélia, aquela… Porque ele fez um voto errado lá, não sei o que deu de errado na hora de votar, ele não mora acho que mais aqui. O menor acho que mora, mas eu não fui mais visitar também, faz tempo. Não dá, é muita coisa, não é? Cuidar do Valdemar, do Gustavo, não está fácil. Eu não consegui nem ir para a Cinemateca, um ano e pouco… Está bem atrapalhado. E aí, eu fui muito boa ouvinte, eu adorava, uma pessoa assim boníssima, culta, e a gente tomava sempre um cafezinho com aquele pó, e então ela conversava comigo, ela sabia o que estava acontecendo, então ela lia na xícara e falava…
P/3 – Ah, a borra.
R – É, a borra! Ela lia a borra, sabe? “Você vai arrumar um namorado”. Aí eu arrumava, que era praxe mesmo, era novinha, não é? Aí, não sei o quê… Não sei o quê lá… Eu ficava doida para tomar aquele café (risos), me incentivava, sabe? E era muito bom para mim porque era uma pessoa maravilhosa. E ela foi prometida para o marido dela, sabe? Prometida. O marido era bem mais velho que ela. E ela era linda, morena, com o cabelo comprido, linda, linda, linda e ele feio, feio, feio que dói, sabe? E tinha que ser ele, porque foi prometida de criança, não é? Tem essas histórias, ela era síria. Mas ele era uma pessoa boa, não tem nada, mas é a religião. E ela teve três meninos, não teve menina, então ela era apaixonada por mim, que loirinha, com cachinhos, sabe assim? Minha mãe punha aqueles laços. Sempre aqueles vestidinhos, não era feio, assim, eram uns vestidinhos bonitinhos, curtinhos, mais curto do que… Da época. Da época era mais compridinho. Mas minha mãe era mais moderna. Então, ela ficava apaixonada. Quando me via, saía correndo. E ela não podia sair da porta ali, que o marido não queria… Ela fazia compra, quando chegava ali, ela só podia pegar ali do jardim para dentro, ela não podia sair do jardim para fora, ela não podia ir na rua. Só com o marido. Eles são assim. Manga, era manga comprida. Calor, então era manga comprida. Só não usava véu, mas manga comprida. Linda, passava um calor com aquilo lá. O meu irmão falava: “Mas como ela é linda”. Logo que a gente foi morar lá: “Como ela é linda”. Morena assim. mas aí… Ela aguentou tudo, mas ficou com esse problema no estômago. E aí ela foi se cuidar lá na rua Silvia, é um hospital ali, é psicoterapia, não é? E aí, sempre que ela voltava, ela falava comigo tudo que falou com ele. Mas como ele te perguntava - como vocês estão fazendo comigo - eu fazia mais ou menos assim com ela, que eu queria saber, eu era curiosa, sabe? Queria saber. Mas ela faleceu com... Acho que menos de sessenta, muito menos. Uma perda. Ela começou a pintar com nanquim, mas você não sabe que quadros ela fazia, era tão inteligente! Está lá com o filho, só sobrou um menino solteiro, não sei, depois eu não fui mais. Era um menino que eu cuidava dele também, sabe? Que era o José, o Antônio e ele… Esqueci o nome... Luizinho! E ele era um amor de menino, ele era tranquilo, terceiro filho, e um amor. Estudo, tudo, mas depois ela morreu, não incentivava mais, não é? Ele também... Não era igual, porque eu tinha muita amizade com ela, não é? Era minha vizinha, depois ela mudou ali perto da Drogasil, na avenida, num prédio assim, que dava entrada para… O prédio dela era entrada na rua das Rosas, depois tinha outra rua que eu não me lembro o nome. E eu ia muito lá. Mas depois a vida muda, não é?
P/1 – E vamos voltar agora. Você estava trabalhando na Prefeitura e depois disso foi quando você começou a dar aula, ou não? Ou foi antes?
R – Foi junto…
P/1 – Aula de Português.
R – Primeiro foi Francês. E depois, logo em seguida... Porque na época de distribuir as aulas, eu aí... Então eu ia fazendo ponto, eu não tinha ainda feito concurso, mas eu estava fazendo ponto, que tudo ia contar no futuro, eu não podia perder nada, porque já que eu comecei, então vamos lá, não é? Eu gostava. Era uma atividade, eu vivia em atividade, porque eu precisava mesmo também de atividade. Quanto mais coisa para mim era melhor.
P/1 – Você foi diretora, não foi? Que você falou.
R – Vice. Vice-diretora.
P/1 – Como foi?
R – Foi porque eu tinha feito o curso, ela ficou sabendo, veio oferecer para mim e para outra professora. A outra professora não quis, quis ficar com as aulas. Ela falou: “Dina, você aceita? Eu preciso de você”. “Vou aceitar”. Faltavam uns cinco anos ainda para se aposentar. Ela falou assim: “Só que conta diferente, fora das aulas vai contar diferente”. “Mas quanto diferente?” “Acho que é pouca coisa a mais, não sei”. “Tudo bem, vamos lá”. E foi maravilhoso, porque eu saí da sala de aula. Porque os meninos estavam insuportáveis, eu dava aula à noite e para levar à noite não é brincadeira, precisa ter…
P/1 – Você dava aula em que…?
R – Português.
P/1 – Não, mas em que região?
R – Vila Mariana. porque primeiro eu fui parar muito longe - Capão Redondo, perto do Jardim Botânico, lá, Zoológico. Era longe, mas quando eu peguei… O que você perguntou? Desculpe.
P/1 – A região em que você trabalhava.
R –
Região sempre era longe, mas a gente se removia, então em todas as épocas, eu ia certo e pegava o máximo de aula que eu podia, o máximo! Tudo que podia e tinha direito eu pegava.
P/1 – E você trabalhava com que idade, assim?
R – Eu trabalhava muito porque tinha os dois empregos ainda.
P/1 – Você trabalhava com criança de quantos anos quando você dava aula?
R – No ginásio. Primeira série até a quarta. Pegava também colegial, o que dava. Eu dava muita Literatura no colegial e assim foi passando a minha vida, e estou aqui hoje.
P/1 – E o que você preferia? Dar aula para o ginásio ou para o colegial?
R – Olha, tudo é bom. Porque você tem que se manter ocupado. Nunca é bom ficar desocupado. A vida toda eu fui ocupada. Agora, eu pensei que fosse descansar, mas tenho que cuidar de mim, do meu marido, do meu filho, das pessoas em volta que eu conquistei. Tem pessoas que ficam chateadas, tem uma amiga que pôs uma lente agora na vista, ela estava com problema, ela viu que eu não estava ligando, aí eu falei… Porque sempre eu ligava, mandava… Mas eu estou com muita coisa, não tenho tempo para ficar no whatsapp falando, eu nem faço aquelas outras coisas porque eu não vou poder cumprir, sabe? Então… Até passou, você perguntou a minha idade, eu não falei, hoje que eu fui ver. Se não fosse o Gustavo... Ele fala: “Mãe, cadê o seu celular?” Ele que olhava quando chegava, e ontem ele não olhou. Ele sempre está por perto porque ele sabe que eu estou fazendo tudo, eu tenho que fazer tudo em casa. Empregada eu tinha, mas não tenho mais e até arrumar a pessoa certa não é fácil, então você tem que assumir… Eu sempre assumi tudo, então não custa. Só que eu sou velha agora, não é? E tenho dores também. A máquina quebra, você faz no manual. “Vamos comprar”. “Eu não vou saber”. Esses botões aí, eu fico doida com esses botões, eu não sei mexer, tem que pedir auxílio dos universitários. Então foi isso. Sempre foi tudo muito bom, basta estar trabalhando.
P/1 – Depois, quando você começou a fazer as aulas de técnico de turismo?
R – Aí eu falei: “Eu vou me aposentar em 2000, uns dois meses antes”. Fiz a conta, falei: “Gustavo, você não acha que eu daria bem como guia?” “Você ia dar muito bem, você é ótima”. “Vamos inscrever?” “Eu vou te inscrever”. E foi. Fiz a prova, fiz em um ano, passei, era uma prova fácil também, bem mais fácil do que Faculdade. Bem fácil. Mas tinha gente que não passava, não. Bem fácil, eu passei quase em um dos primeiros lugares lá, eu não sei se era segundo…
P/1 – Essa é a prova do bingo, não é? Ou não?
R – Que bingo?
P/3 – Que depois ela fez… Você tinha que fazer o trabalho de conclusão no ônibus.
P/1 – No ônibus, isso.
R – Ah, de fazer a festa? Isso foi quando eu estava fazendo o curso lá no Senac.
P/1 – De turismo?
R – A nossa prova… A minha, graças a Deus, era divertir o público e depois falar sobre o cemitério, quando passava. Eram poucos, falar algumas coisas ali, que marcaram para eu falar. Mas o bom foi que eu fui fazer o que eu sei fazer: a brincadeira. Porque isso é maravilhoso. As pessoas todas sorrindo, ganhando prenda, sabe? Ninguém ficou sem ganhar. Foi… Toda viagem foi maravilhosa, e lá também porque a gente conheceu…
Curitiba é lindo, nós fomos fazer lá, Curitiba é muito interessante, tinha bastante coisa para conhecer, tinha que fazer certas coisas, ‘voucher’, não sei o quê, não sei o quê lá, na entrada, sabe? Coisinhas mínimas, que dava para passar, não é? E eu gostei muito de fazer o curso, porque a turma... Vocês vão ver as fotos, eu tirava foto deles. Era um grupo grande, um grupo bom, tinha de tudo lá - professore,s, diretores. E você acredita que eu já tinha dado tantas aulas e eu tinha vergonha de ir na frente para fazer qualquer trabalho? E eu não conseguia, ficava travada, sabe? Mas eu insistia, eu falava: “Não é possível, eu faço teatro, faço isso, aquilo, aqui eu vou dar vexame?” Por causa disso eu fui fazer teatro também. Porque eu me sentia assim, que estava... Como é? Uma gota fora d’água? Não sei. Tem uma coisa assim, não é? Porque eram pessoas que… Sabe, não eram meus alunos mais. Sabe? Ficava com medo de fazer alguma coisa errada. Olha, fui fazer teatro, começou a melhorar a paúra. Fiz cinco anos de teatro por causa disso. Fiz cinco peças e tem uma que eu trouxe até… A mais importante foi ___02:17:31___. Foi no clube, teve oitenta participantes, vocês vão ver, eu trouxe os prospectos. Onde eu estou, eu velei um morto, eu falei alguma coisa, e foi muito boa. Porque era de ____02:17:51____, era lindo. Tinha cantores convidados, solistas convidados, um era do clube mesmo e quatro convidados. A festa foi boa, depois nós fomos comer ali no shopping, eles foram. Alguns deles foram também. Foi muito interessante. Muito interessante mesmo. E o que eu fui fazer… O curso que eu fui fazer me ajudou muito, porque eu só inventava. Acho que por isso que me escolheram para fazer a história no ônibus. Porque eu sempre animei. Quem fizesse aniversário, eu comprava lá um… Tipo, um bolinho assim e eu tinha velas de…Uma velinha assim, simples, branquinha, ou azul, o que tinha eu comprava. Não lá, eu já trazia comigo, era o meu… Já ficava junto, porque tinha aniversário do professor, a gente já inventava de comprar alguma coisa para o professor. E nós também fazíamos a festa lá no refeitório, lá no restaurante. Então, quem tirava as fotos? Eu. Eu tirava todas as fotos, eu tenho muitas fotos, que eu não trouxe tudo, mas eles saíram todos rindo, eu quase não saí na foto, e quem tirava era eu. Eu subia na cadeira, fazia brincadeira e aí eles riam e saía todo mundo rindo, sabe?
P/3 – Esse grupo de teatro era do clube?
R – Do clube. Era… O nome dele… Eu tenho que ficar escrevendo, que eu esqueço. Eu lembro daqui a um pouquinho. Ele faz teatro fora também, é um espetáculo. Eu fiz teatro com aquele Cacá…
P/3 – Rosset?
R – Não, aquele outro.
P/3 – Diegues?
R – Não, não. Era do clube mesmo, e ele deu um workshop de um mês. Foi maravilhoso, ele é maravilhoso. Ele já trabalhou na Globo, trabalha na Globo, várias novelas. Uma moça que fez comigo, fez aquele programa humorístico da Globo: “Sai do armário”. Ela que fez com a gente, eu tenho a foto. Vários saíram de lá para fazer. Eu não fui porque eu tinha sempre muitas ocupações e eu nunca nem tentei, mas eu fazia workshop sempre. Quando aparecia alguma coisa, eu tinha um tempinho, era um dia só por semana, eu ia. Sempre. Eu fiz no SESC, eu fiz no Ipiranga, eu pus o meu marido também para fazer lá, fiz em Pinheiros, fiz em vários SESC.
P/1 – E você fez dança de salão e piano também, não é?
R – Não, piano eu não fiz. O que você falou, foi piano que você falou?
P/1 – É, piano.
R – Não, é o meu filho.
P/1 – Seu filho?
R – É, ele estudou piano desde os quase seis anos, faltava alguma coisa para fazer seis, ele começou com flauta, com marimba, com um monte de coisa, depois passou direto para o piano e se formou em piano.
P/1 – E o seu filho faz o quê, hoje?
R – Ele se formou engenheiro têxtil, trabalhou doze anos, pediu para ser mandado embora porque passou num concurso e agora ele faz muita dança de salão, faz muito… Porque ele tem mais folga, não é? Porque ele trabalhou em Poá por doze anos, foi difícil. Mas era bom ficar porque o ordenado era melhor. Mas ele não aguentava mais, que ele fala que lá não dá para morar: “Mãe, eu não consigo morar lá, é chato, não tem nada para fazer”. Aí surgiu esse concurso, ele fez, passou e foi, está no estado.
P/1 – Ele é casado, tem filhos?
R – Não, não é casado, viaja muito. O ano todo ele já está programado para os feriados, as férias, ele é programado, sabe? Ele já compra, vai pagando, sabe? O salário é pouco, mas ele consegue pagar tudo que ele faz. Quando não dá, a mãe dá um jeito, não é? Mas ele gosta muito de dança de salão, ele foi… Ele dança tango atualmente, mas dança samba... Agora ele vai fazer salsa, porque ele vai para Cuba, já está marcado. Acho que é abril. Ele já descobriu onde tem, eu falei: “Vai fazer, tem uns passos diferentes, você não vai saber, não é?” Ele adora dançar. Adora. Muito gostoso ele. Ele é um companheiro. Ele gosta da gente, leva a gente, sabe? Ele é… Eu não peço nada. “Mãe, nós não vamos sair?” Gosta de sair com a gente, gosta de ir comer no restaurante, vai junto, sempre. Desde criança ele foi espetacular. Eu falo para ele casar porque eu quero um neto, mas… Ele falou: “A vizinha não adotou, mãe? Vai lá de vez em quando” (risos). A vizinha, no começo, que agora a menina já tem três anos, então era um tal de ficar junto, mas depois não dá mais, que a criança já está indo para a escola. No primeiro ano de aniversário da criança,
ela é maravilhosa essa menina, é esperta, parece até com a mãe, até o cabelo, tudo, o jeito… Acho que pega, não é? E aí, era demais, a nossa vida era assim, junto, praticamente, ia lá embaixo, ficava lá olhando, ela ficava andando ali no carrinho, a gente empurrava. Mas agora mudou, eu estou com uma vida tranquila? Não, então eu tenho que fazer o que tem que fazer. Eu estou achando bom porque assim eu não fico com pensamentos diferentes, porque a gente pode mudar um pouco, mas estando com a mente ocupada, as mãos... Eu tenho um pouquinho de dor, mas tudo bem. Vai, não é? Vamos levando. Mas ele fala: “Vai lá na vizinha, você não ia?” Mas não é assim, porque eu tenho muita marionete. Quando eu me aposentei… Como eu sempre gostei de marionete que põe na mão, tinha aquela cortina também, sabe? Que amarra. Então... Eu sempre gostei disso. E quando eu vejo qualquer coisa diferente, ‘meu’, já vou comprando. Eu viajei para a Europa, eu trouxe de lá muita coisa também, porque era... Nós viajamos com os escoteiros, o meu filho fazia escotismo e então surgiu uma oportunidade, minha amiga falou assim: “Dina, você não quer aproveitar, tem duas vagas. Uma para você e outra para o…”. O Gustavo já não era mais… Ele tinha acho que dezoito, dezenove anos. “Mãe, se você for, eu vou”. Era férias. Aí, fomos. Foi bom, mas a gente visitou muitas igrejas e museus. Agora, igreja era demais, sabe? Eu não sei porque isso, não é? Só uma vez fomos no Bateau Mouche, lá na França, e mesmo assim choveu para caramba e não deu nem para ficar curtindo fora, tinha que ficar lá embaixo. A gente tinha uma capa, mas começou a chover forte, a gente desceu. Ficou lá com todo mundo. À noite, a gente tinha que ir dormir e teve um dia em que o Gustavo passou muito mal e era em hostel, um hostel. Já quase no fim da viagem. Acho que febre, eu fui medir, eu tinha termômetro, ele estava com um febrão. E eu estava com medo porque a minha amiga estava em outro quarto e eu nem sabia onde ela estava exatamente. Aí eu falei assim: “Gustavo, desce, vamos lá para o chuveiro, vai tomar um choque térmico”. Mas eu estava com o coração na mão, porque eu nunca me senti tão sozinha na minha vida como naquele dia, sabe? Porque é difícil. Ela estava em outra… Eu acho que até longe de mim, porque era uma casa enorme, assim, na praça, um hotel enorme, como eu ia achar? Eu tinha que dar uma solução logo, porque eu medi, estava com febrão, aí eu abri a água gelada lá do chuveiro e ele entrou, depois a gente dormia em beliche, eu falei: “Fica aqui embaixo, eu fico aqui perto de você”. Aí ele… Se não fosse aquele choque térmico que eu dei nele, eu não sei, acho que eu arrisquei, mas eu salvei. Eu fiquei apavorada, porque num lugar em que você não conhece ninguém, eu não falo o Inglês - devia ter feito Inglês, não é? E ainda há tempo, se eu tiver memória boa, tem tempo ainda. E aí, salvei meu filho. Mas o dia inteiro a gente tinha que sair dez horas de lá, porque eles limpam, eles querem que todo mundo fique fora do hotel. Porque depois tem o almoço, lá eles estavam dando almoço. Pago, não é? Almoço pago. E aí, nós saímos e ficamos num banco lá, e estava um pouco de vento, eu falei: “Ai, meu Deus do céu, vamos ver se a gente consegue ficar dentro de algum lugar. E ele estava caído, fiquei tão apavorada, liguei para o Valdemar, foi o Valdemar ligar para o meu cunhado médico lá, que mora longe também. Aí o Valdemar falou: “O que ele tem?” “Não sei, eu também não tinha esse jeito de levar todos os remédios, porque hoje em dia eu levo uma bolsa de remédios, sabe, já nem vou comprar mais, porque… Batata isso, não é? Então eu tinha só o termômetro e água. Não podia salvar ele ali. Falei: “Vou jogar ele na água”. Aí saiu de lá cambaleando, quase não aguentava segurar ele, enxuguei rápido, deitou na cama, cobri e rezei muito, foi um dia… Foi o pior dia da minha vida. Longe, apavorada, não falava idioma, nós tínhamos convênio, nós fizemos convênio de viagem, mas é horrível, você não fala o idioma, a minha amiga acho que… A filha falava um pouco, o filho também, mas é pouco. Ficamos apavorados, sabe? E aí, já estava quase na hora de ir, estava já nos dias para ir embora, e aconteceu que não sei, nossa passagem… Eu não fui lá falar que eu queria ir logo, então eles foram para outro lugar, os escoteiros. O meu filho não foi porque ele não era dessa turma e a gente ia voltar no dia certo… Aí, até isso, eu tive que ficar mais alguns dias lá, a mais, esperar poder viajar, eu e ele. Eu acho que foi uma das piores coisas da minha vida, porque é triste, longe, é… E o Valdemar não queria deixar, ele falava assim: “Pega uma excursão. Não vai fazer isso. É escotismo, não sei o quê”. É diferente. E nós tivemos um problema na França. Um grupo… A gente estava em
grupo, o nosso guia, o principal, andava com uma bolsa de couro aqui, com todos os nossos passaportes e eles vieram para atacar a bolsa dele, porque viram que era tudo um grupo de crianças, tinha gente alta, mas eram crianças. Então… Adolescentes, não é? E aí, os meninos estavam de olho e eles ajudaram. Um recebeu um corte assim no rosto, assim, grande, e ficou sangrando, sabe? Na defesa, porque defenderam o principal que estava nos levando, porque eles vieram direto para aquela bolsa, porque eles iam pegar quantas…
P/3 – Passaportes.
R – Passaportes. Isso aí foi uma coisa muito ruim para mim, muito ruim para ele também, porque ele veio meio doente de volta. Porque no aeroporto ele já não podia andar, ele estava meio assim, caído, com dor nas pernas. Aí, quando nós chegamos aqui, nós fomos correndo aos médicos, tal, falaram que era dor de crescimento. Mas nós vasculhamos e ele não teve nada mais. Mas agora que ele dança muito, sempre está com os pés na água quente, sabe? É muito gozado. Eu falo: “Mas por que você vai dançar?” “Mãe, eu adoro dançar”. E dança com todo mundo, não tem idade para ele, sabe? É velho, é gente mais velha, é gente mais nova, ele não está nem aí, é ótima pessoa. Até um dia, ele foi num lugar, ele tinha que vestir uma camisa para fazer a propaganda daquela camisa, daquele local. Falaram: “Se você vestir a camisa, você não precisa pagar nada, nem a entrada, nem a comida, nada”. Ele aceitou, era para dançar e para comer. Aí ele foi, encontrou com uma prima do Valdemar (risos), falou assim: “Gustavo, você aqui! Que surpresa”. Com aquela camisa, ele tem até hoje, ele usa assim, é preta, bacana. Ele falou assim: “Você vai dançar comigo. Você veio aqui para dançar, você vai ter que dançar”. Dançou com ela e com todas as amigas que ela tinha trazido (risos). Eles fazem de vez em quando isso nesse local, para angariar acho que fundos, alguma coisa, e pagar o pessoal. E era… Tinha show, tinha tudo, não é? Ele… E convidaram-no. Agora que sabem que ele aceita, ele tem várias aulas gratuitas em vários lugares, gosta. Ele tinha um tio assim, que era muito dançarino. E ele dança bem, dança muito bem. Ele quer dançar comigo, mas eu não sei, eu acho que estou dura, eu dançava quando era mocinha. Eu não consigo dançar assim, difícil. Dancei muito.
P/1 – Me fala sobre o Seco.
R – O Seco? Quando eu me aposentei, eu fui parar lá porque quando você se aposenta, não tem mais nada para fazer, só coisa de casa. Então lá, você faz trabalhos manuais, você está com gente que precisa de você, tem de tudo lá. Inclusive a Irene… Agora não sei se chama Seco, acho que continua. Eu fui até uma vez, numa festa que teve, de São João, São Pedro, uma festa que teve, o grupo cresceu que é uma coisa. Muito mais gente do que tinha na minha época, e tem muita gente com problema, muita gente com problema. Eu fiquei sentada, eu fiquei vendo, porque a gente participou de um correio elegante, aí tinha um rapaz que mora no meu prédio, que eu vejo que ele está com problema. Ele conserta TV, conserta computador, e eu vi. E então eu falava para as minhas amigas: “Leve aqui, vamos escrever uma coisinha para ele”. Para ele se animar, tirar ele para dançar, e tal. E ele… Eu não sei se ele sabia que era eu quem mandava, mas eu mandava a toda hora, tinha que pegar o papelzinho e escrever. E aí eu dava para as minhas amigas, porque se eu fosse, não ia dar certo, não é? E ele ia dançar, mas não estava assim... Ele está piorando, judiação, sabe, conheço ele desde bebê, nasceu no prédio. Ele tem quase a idade do Gu, ele é mais novo, porque ele veio depois da irmã. Nossa, um monte de roupa do Gustavo foi para ele, um monte, porque estava lá guardada. Quando eu soube que ela ia ter, falei: “Você não quer pegar? Eu não vou mais ter mesmo, foi difícil o primeiro”. Aí dei. Tudo o que tinha do Gustavo eu dei, que podia servir, boas, ela aceitou, usou. Ficava com mais tralha, é tralha, juntar coisas que… Hoje, a gente junta um pouco porque morre um, morre outro, deixa isso, deixa aquilo. O Gustavo não deixa dar, porque ele vai levar para a casa dele. Eu falei: “Que casa? A sua casa é essa, então”. “Eu vou embora então, fica com as coisas ai”. Não deixa eu dar aparelho, não deixa eu dar o relógio do meu pai, sabe? Tudo para ele lembra, não é?
Foi muito feliz com ele. Muito, muito feliz. Eles eram… O meu pai ia abrir a loja, ele era pequenininho, ele primeiro passava lá para ver o Gustavo sair de carrinho, porque tinha uma moça que cuidava, para tomar sol. Então ele saía com o Gustavo, abria lá todos os negócios para tomar sol, tudo certinho para não ficar com problema, e quem passeava? O meu pai. Ele era grudado no meu filho. Era. Acho que não tem mais nada, não é?
P/1 – E o circuito de maioridade?
R – O circuito foi maravilhoso também, porque você vai num lugar, falam de outro, você vai experimentando.
P/1 – Me conta como funciona…
R – No começo era muito mais assídua, porque tinha teatro, tinha… A gente falava só, não interpretava, nada. Mas era interessante. Tinha sempre algum exercício e, no começo, só eu que frequentava, o Valdemar só começou há pouco tempo, mas também não está indo por minha causa. Eu falo: “Vai sozinho, não precisa de mim”. Não adianta, quer ir junto. E eu tenho coisa para fazer, eu não posso ficar lá três horas e depois ter que trabalhar na madrugada. Eu estou cansada. As coisas andam. Então, quem vai fazer a comida? Sou eu. Ainda bem, porque senão eu não sei onde eu estaria também. A gente nunca sabe o que a pessoa pode sentir, não é? Então, é melhor trabalhar em casa. Mas está tudo bem, graças a Deus, estão todos aí, o meu marido, o meu filho. Tem pouca gente já da minha família, muito pouca gente. Primos, todas aquelas fotos lá, a maioria já não está. Nem tios, nem tias, nenhuma. Eu tenho setenta e dois anos também, não é? Impossível. Só se tivesse gente com cento e vinte, cento e trinta anos. Não dá, não é? Então é isso. É difícil. A gente tem que andar conforme o que está acontecendo, não adianta querer ficar de braços cruzados.
P/3 – Você estava fazendo teatro atualmente, não?
R – Não, atualmente eu só fazia workshops. Eu fiz um recente, que
era às quintas-feiras, e era teatro de rua. Eu tenho as fotos. Eu fiz um lá no Municipal, no chão mesmo, nas escadas, no chão, do outro lado, é muito doido lá, na época do… Era uma época em que estava tendo futebol, tinha um cara doido lá, então a gente ia atrás do cara, tinha outro tocando lá, é interessante, porque são coisas que você não vai acreditar o que vai acontecer. Eu falava assim: “Mas, Val, eu não vou poder, tem que andar lá da rua de lá até aqui”. “Você vai conseguir sim, vai sim”. Um dia, eu estava fazendo ali perto do Gustavo, onde ele trabalha, eu não lembro, uma praça... E o Gustavo foi almoçar. Quando ele voltou (risos), ele fez assim: “Olha minha mãe”. Que de onde ele trabalha, não dava para ver. Mas ele, na volta, ele falou que aquele dia ele fez até um caminho diferente, ele foi num outro restaurante, no outro lado, porque já estava cheio o do lado de cá, aí encontrou comigo. Aí eu falei: “Gu, olha o professor, vai lá conversar”. Ele me fez fazer esse curso porque ele viu e falou: “Mãe, você está precisando, já faz tempo que você não faz”. Aí eu fui. Ele ajuda, sabe? Ele procura, várias coisas ele faz assim comigo. Filme também, traz aquele monte de filmes para a gente ver. Quando ele vê que eu estou meio assim, ele põe um atrás do outro e, sabe...? É o nosso esteio mesmo, ele é muito legal. Sorte, graças a Deus, não é? Ou a gente merece ou não. Mas a gente tem que fazer também… Tem que ser recíproco.
P/1 –
Dina, encaminhando para o final já, tem alguma coisa que você gostaria de contar que você não contou, que a gente não incentivou?
R – As coisas vão acontecendo. Quando vocês estão falando, eu lembro. Agora, eu acho que tem que agradecer mais uma vez a Deus, a todas as pessoas que me acompanharam, que me acompanham até hoje - os meus pais, onde eles estiverem; os meus tios, todos; toda a minha família, porque é uma família maravilhosa. Meu irmão, a família dele, todas as pessoas, a gente procura sempre agradecer porque estão ainda aí, tem gente muito boa aí no pedaço. A professora psicóloga Nori, porque se não fosse você, eu não viria. Não por nada. Porque eu não seria convidada, não é? Como é que eu ia descobrir isso? Porque ela fez tanto por nós. O que ela fez, olha, ninguém fez, todo tempo que eu estou lá, porque eu estou anos no… É muito tempo. As psicólogas que vinham lá, não dava. Eu não quero falar mal, mas não era para nós, porque nós já temos uma certa idade e a gente quer ver coisas que a gente não viu. E ela está certa, sabe? Foi uma benção, é uma benção essa pessoa, você é demais, tem que agradecer todos os dias, porque quando eu a conheci, eu falei assim: “‘Meu’, o que é isso?”. Porque eu já rodei muito, fiz muita coisa, andei, conversei com tanta gente, tinha amigas escritoras - a Olga Savari, conheci também no cinema, assim, foi tão assim que eu acho que ela já faleceu, porque faz um tempo que a gente não se comunica, não é? Várias pessoas maravilhosas. Tem outra que também é psicóloga, maravilhosa também, mas a gente tem que agradecer quem está aqui, presente, porque isso foi uma coisa… Eu aceitei tudo, porque se vier dela, o que vier eu faço. Onde for, eu estou presente. Porque ela merece tudo, nossa amizade, nossa… Olha, tudo o que eu puder fazer, eu vou fazer. Pode me chamar o dia que você quiser, onde for. Eu tenho umas ideias, eu falei para você, não é? E eu sei que está na hora de falar com ele, porque… Se ele vai lá primeiro, vai só olhar um negócio que não tem nada a ver, que eu quero que ele veja esse trabalho que você faz, porque um casal que eu conheci, aí começamos a conversar... Porque eu converso muito, e aí estavam tomando lá o café ali perto… No posto de gasolina tem um lugarzinho ali, tem um café, tem um pãozinho de queijo de provolone que eu nunca tinha comido, então eu fiquei freguesa um pouco, sabe? Eu até preciso parar porque senão a minha barriga vai crescer. Aí, conheci esse casal e eles são maravilhosos. Os dois, eu tenho eles no whatsapp, eu quero que você talvez… Eu não sei se eu que tenho que falar primeiro com eles ou se você fala com eles direto.
P/3 – Eu queria dizer que eu acho que, em primeiro lugar, parabéns para você, para vocês que têm essa idade e têm essa abertura de participar de coisas novas, de buscar, de rever a história e integrar, aos setenta e dois anos. Então, eu acho que o agradecimento é meu.
R – Eu acho que eu estava com medo, um pouco, porque eu esqueço. Você viu que eu esqueço palavras? E eu já penso que eu já estou naquela coisa pior, porque… Mas é muito ruim, porque eu não esquecia e agora eu esqueço, então eu fico... Porque eu quero saber tudo, eu quero lembrar. Então, se o Valdemar está do lado eu: “Val, onde era mesmo…?” Aí ele ajuda muito, sabe, ele me ajuda. Até o Gustavo, eu fui contando a história, mas era muito mais curta, e ele sentou e falou: “Mãe, pode deixar, é fácil, eu coloco. Se eu não colocar, depois você lê e eu faço de novo”. É um anjo. Ele é assim. Pode não gostar? Esse é o filho que eu pedi para Deus, não é?
P/3 – E agora, setenta e dois anos dá para pensar que é fácil, não é? É uma caixa muito cheia de vivências, mesmo. É muita coisa.
R – Eu tenho muita coisa porque eu acho que sempre quis fazer as coisas, sabe? Eu não parei. E eu devo ao meu pai, porque o meu pai, uma vez eu falei assim: “Pai, acho que eu vou parar de estudar” - na oitava série. Aí ele: “Então você vai trabalhar na loja, direto. Agora você vai trabalhar direto”. Ele falava assim: “Eu não admito isso”. “Mas o tempo todo, pai? Não dá, eu não aguento, é muita coisa, lá ficar vendendo móveis”. “Então vai estudar”, Aí eu continuei. Ele não deixou eu parar não. Porque ele não estudou, ele foi até o segundo ano primário e era essa potência! Veio para cá sem saber falar Português, sem falar nada. Ele fazia sinal. Comia banana e pão. Ele falava assim: “Era o mais barato que tinha, tinha que pagar a pensão, comprar as coisas, consertar, eu tinha que fazer alguma coisa”. Ele comeu até o fim da vida banana, para falar a verdade. Sempre tinha uma dúzia de banana lá porque meia ele comia num dia. Ele comia muita banana. E andava. Quando ele parou de trabalhar, porque ele teve um acidente, assim, leve, mas ele parou, fechou a loja, aí ele comia muita banana. Então, por isso que ele andava, andava para caramba. Ele andava, andava, andava… E quando ele cansava, pegava o ônibus - já não pagava, não é? - então ele pegava o ônibus e depois descia e continuava andando (risos). Andava muito. Aí, a última coisa que aconteceu para ele é que ele estava em pé, sozinho, lá na cozinha - ele já tinha oitenta e quatro anos - e ele estava… A minha mãe foi no cabeleireiro, voltou, quando ela olhou a bacia: “Você não está enxergando? Está com sangue puro aí”. Ele era diabético, adivinha? Aí começou a história. Em quinze dias ele foi, mas quinze dias antes, ele chorou. Pela primeira vez a minha mãe viu ele chorar. Porque ele não chorava, ele era… Minha mãe falou: “Ele está com alguma coisa”. Até me ligou, falou, eu já fui lá e falei assim: “Aconteceu alguma coisa?” Parece que ele estava sentindo alguma coisa, não sei te falar, ele sentiu isso. E aí, quinze dias depois até comprei uma bota assim, mais larga dois números, para ele poder andar. Porque eu sabia… e daquele tipo de veludo que não é veludo, aquele material mais molinho, que não tem… Que não tem nada dentro para machucar. E não chegou a usar, mas eu comprei e ele estava no auge com aquela bota, sabe? De camurça. Aí, a minha tia, a irmã dele veio visitar, a única tia, irmã dele veio visitar, sabendo que ele não estava bem, não estava andando mais, e ele morava num apartamento, ela veio com a filha, tal. Então, ela já estava indo embora, tinha que pegar o elevador, já estava segurando, ele falou: “Fany, vem cá, preciso mostrar uma coisa”, adivinha? A bota (risos). Era assim, tudo que eu fazia para ele era com carinho, sabe? “Ela foi me comprar uma maior para eu poder andar”, ele falou. Ela já não estava mais. Aí, foi embora. E ele morreu no banheiro, tomou banho, se enxugou e morreu no banheiro, do coração. E eu estava numa reunião de Pedagogia. Eu peguei a minha bolsa e falei: “Não está na hora, mas eu estou achando que eu preciso ir na casa dos meus pais”. E fui. Cheguei lá… A minha mãe falou assim: “Eu não conseguia te avisar”. Foi na hora do almoço. Porque ele almoçava às onze e meia, ele morreu mais ou menos naquela hora. E a minha mãe abriu a porta, ele estava no chão, caído já. Aí, ela não sabia o que ele tinha, fomos falar com um médico dele, que era aquele meu médico, não é? Ele falou: “Ele não está respirando, ele faleceu”. Aí que foi… Foi triste demais, porque era muito bonzinho, muito amigo, muito idôneo, Nossa, as prestações dele, pagava com antecipação porque ele não podia… Sofrido, não é? O cara sabia das coisas, que não pode… Ele tinha dinheiro lá na Europa e teve uma troca de governo e não era pouco dinheiro, ele tinha um dinheiro guardado no banco. E quando mudou o governo, ele perdeu tudo aquilo lá. Perdeu todo aquele dinheiro que ele tinha guardado, que era tostão por tostão, sabe como é difícil quem trabalha, não é? E aí, quando ia mudar de governo aqui, ele avisava todo mundo, os meus tios: “Vão com a mala lá, tira todo o dinheiro que vocês tiverem, porque…”. Agora é complicado, você põe na aplicação, é difícil, não é? Mas antes, você colocava o dinheiro lá na poupança e tirava na hora. Perdia o juros que vinha no mês, mas… Aí ele avisava os meus tios, os irmãos da minha mãe, os mais chegados, todos ele avisava: ‘Vai lá e tira o seu dinheiro”. Trazia para casa. E tinha uma caderneta dele lá do banco, e era na época do Kandir, foi na época do Kandir que ele faleceu, da Zélia. Aí, a sorte é que nós encontramos no paletó dele, que ele tinha pouca roupa também, no bolso, uma bolada lá. Eu não sei se ele previu isso e ia trazendo para casa, porque tinha pouco, depois, nas cadernetas - tinha muito pouco, que dava para tirar. Mas o maior, tinha uma gaveta que ele falava assim para a minha mãe: “Se morrer um dia, quem pode abrir essa gaveta é a Dina”, que ele tinha confiança em mim. Muito mais do que nos meus irmãos. Ele achava que eu ia dividir tudo certinho, ia fazer as coisas certas. Aí, só eu podia abrir essa gaveta. Na sala, tinha um armário bonito, com duas gavetinhas; nessa, tinha as coisas dele. Tinha também no paletó. Paletó era menos, porque era coisa para ele, para minha mãe ir no cabeleireiro, tal. Para comprar uma coisinha. Mas foi isso. Uma família maravilhosa, saudades de todos. Ah, minha moto! Eu estou lembrando agora. Eu quero acabar logo, porque eu sei que está muito longo. Mas a minha moto, as primeiras pessoas que pediram para eu ir buscar foram os meus primos, filhos da irmã do meu pai. Um médico e a outra era professora também, de Faculdade. Quando eles souberam, foram os únicos meus aliados, porque os outros não comentavam. “Vem aqui com essa moto”. Mas era já com a boa, que a outra não dava, eles eram fortes. Na garupa ainda, não é? Aí, eles moravam ali na Indianópolis, ali, sabe? Numa casa que ele fez, que ele teve três filhos adotados, que ele era ginecologista e não podia ter filhos, não sei. Eu não sei quem não podia lá, e ele fez uma casa com quatro quartos: um para o casal e um para cada filho ter o seu banheiro e o seu quarto para não brigarem. Não era todo mundo junto, não. Uma casa linda, com tudo. Sabe? Era… Ficou para a que não casou, ficou para ela por enquanto, acho que ela está lá. Ela ficou sozinha, três Faculdades, tal, mas não casou. Teve uns namorados, mas não deu certo. Pode ser que ainda tenha, não é? É a mais nova. Todos casaram, os dois… Um é médico também, é como ele, médico. E é tudo adotado - é um menino e duas meninas. Esse menino é a cara do meu primo, a cara dele, é a convivência, não é possível isso. Bonzinho igual ao meu primo assim, fofo mesmo. E as meninas, uma casou muito bem, com um cara… Ela é madame, quando vê a gente… Eu até nem fico muito perto, porque eu não gosto, não é? Ela não era assim. A gente sabe de onde ela veio, não é? Foi adotada, tinha que ser humilde, ela não é humilde. Eu nem chego muito perto. Se eu vejo num casamento… Que agora não tem muito, eles não convidam, só quando os pais convidavam para tudo, mas agora não tem mais tanta festa. Mas eu acho errado, porque… É que ela não sabe de onde ela veio, não é? De onde ela tivesse vindo, ela tinha que ser humilde, porque só ganhamos assim, não adianta botar a mais do que você é, a gente tem que ser o que é. Acabou! E cada vez mais se contentar com o que é, sabe? Não adianta, foi bom, está ótimo. Se você falar ao contrário, piora, entendeu? Sempre com positivismo. E trabalhando. Pode ser em casa, pode ser uma coisa diferente, fazendo… Teatro foi muito bom também porque ele abre, te abre… Até eu queria convidar a sua filha, mas esse último lugar era… Não eram os lugares que eu frequentava assim, era muito diferente, eu achei que não podia convidar. mas ela até já foi assistir uma peça deles, eu não sei, mas a Inara, não é? Mas eu não queria que ela… Deixa ela procurar sozinha, às vezes não é nem o dela, a gente inventa a coisa para a pessoa, a pessoa vai lá fazer, isso tem que ser porque a pessoa gosta. Se a pessoa gosta, ela vai fazer que dá certo, entendeu?
P/1 – Dina, e quais são os seus sonhos?
R – Saúde. Primeiro lugar, ter saúde para ir levando e, de vez em quando, fazer uma viagenzinha um pouquinho longe de Santos, assim. Porque eu só fiz aquela viagem para a Europa, uma vez só, fiquei trinta dias com os…
P/3 – Com os escoteiros?
R – E foi uma viagem que eu não aproveitei. E eu tinha que obedecer o Valdemar. “Não vai”. “Mas é barato, Val, mil reais os dois”. Mil dólares, sei lá, era uma coisa assim. Aí, sei lá, era muito barato. E minha amiga estava lá, ela era chefe, então, estava sempre comigo, sempre estava junto e conheci também na praia essa amiga. Na praia. Eu fui fazer piquenique do outro lado ali de Santos, ali, Porto Farinha, não sei o quê, uma coisa assim, porque eu olhava daqui, assim, de fora, de Santos, eu achava que tinha tanto mar e tanta coisa ali, casas, e eu falei assim: “Poxa, vamos ver como que faz para chegar lá”. Então, um dia, eu fiz uma… Enchi um negócio de isopor, bem grande assim, guaraná, bebida, água, sanduíches, tudo que você pode imaginar, doces, chocolate e chamei o Gustavo: “Gustavo, vamos levar uma cadeira no carro, a gente desce lá com uma cadeira, com um guarda-sol”. E tinha que pegar um barco para ir para aquele lado. Adivinha? Tinha que ir. Conheci minha amiga Cida. Ela… Eu conheci lá, ela estava… As crianças viam a gente comendo, eles iam para a água, e ela estava hospedada na casa da amiga dela lá, numa casinha simplesinha, mas estava hospedada lá. E eu ofereci para eles, porque eu trouxe um negócio cheio de coisas, aí eles não aceitaram. Foram chamar a mãe. Aí, a mãe veio, a Cida. Aí a Cida veio, ela primeiro foi para a água, eu fui para a água, aí eu falei assim: “Você que é a mãe deles? Eles não quiseram aceitar o sanduíche. Olha, está às ordens, porque eu fiz bastante, está sobrando, nem que não estivesse sobrando, tem para todo mundo aqui”. “Muito obrigada, eu estou hospedada aqui na casa da minha amiga, nós vamos
almoçar”. “Mas acho que eles estão com vontade do que eu estou comendo”. E, verdade mesmo. Eles… Tinha uma de seis, outra… A menina mais velha acho que tinha onze, doze e o menino acho que está no intervalo, ali, o Alex. Então, adivinha? Eles aceitaram, eles comiam com uma vontade que você não podia fazer ideia. Eu dei guaraná, eu tinha copinhos plásticos, eles fizeram a festa que não quiseram mais almoçar (risos).
P/3 – Isso em Santos?
R – Em Santos, na ponta da praia. Você vai lá onde saem os barquinhos que vão para… Como é que eu falei antes? Negócio de farinha, é tão bonitinho, mas pena que tem aqueles navios parados. Mas é sossegado, só tinha eu e mais um grupo ali, umas pessoas. E tinham essa crianças que… Até hoje são nossos amigos, não é? Eu vou nas festas, uma das filhas, a mais velha, tem uma foto em que eles estavam com a gente, ela ia muito comigo para Santos. E a filha mais velha casou-se, ela tem três filhos gêmeos, trigêmeos - duas meninas e um menino, olha a sorte! E a minha amiga fica meio que escrava agora. Ela tinha negócio de comida, parou. Mas as crianças agora estão grandes. Até quatro, cinco anos eu fui, mas agora, daqui para frente, tem a outra que mora no outro lugar, fica com ciúmes, tem que também ir na outra, mas não tem dado. É muita coisa. Mas crianças maravilhosas, Nossa, festas imensas a filha faz, com tudo que tem direito.
P/1 – Quais são as coisas mais importantes para você, hoje?
R – As coisas mais importantes são viver com saúde, ter as pessoas que eu gosto, continuar a minha vida. Gostaria de continuar fazendo workshops, ou teatro, que eu tivesse tempo para fazer isso, porque não é fácil. E viajar um pouco também para lugares que eu nunca fui, pode ser até Lindóia, lugares simples também, que para velho é melhor até. Porque, antigamente, eu levava muito a minha mãe, com a minha tia que faleceu com noventa e três anos, era a irmã do meu pai, ele a trouxe para o Brasil, não é? Então, eu levava muito para Lindóia, todos os lugares que tinham água, assim, para elas se banharem, elas gostavam. Ficavam no hotel, comiam por lá. E a gente levava e ficava dois dias assim, no final de semana. E depois voltava para buscar assim, depois de uns quinze dias, vinte, não é? Elas ficavam bastante descansando. Aí, o meu pai vinha assim, de vez em quando, no final de semana, ele vinha quando ele podia, porque às vezes ele não podia, ele trabalhava. Só trabalhava.
P/1 – Dina, o que você achou de contar a sua história?
R – Eu não pensei que eu fosse lembrar… Eu estou muito contente porque isso avivou a minha memória, eu achava que já estava doente, sabe, verdade, porque eu andei esquecendo mesmo as coisas, eu esqueço as palavras. Nomes, que eu não deveria. Mas é que, às vezes, não têm muito convívio comigo, também, as pessoas, não é? Eu achei maravilhoso, eu quero agradecer a vocês, porque eu estou até emocionada com tudo isso, porque eu lembrei… Eu achei que nunca iria lembrar tanta coisa como eu lembrei hoje, sabe? Vocês são ótimos, porque vocês ajudaram muito, porque… E me salvaram, porque acho que ainda posso continuar com a minha cabecinha. Posso continuar fazendo as coisas, porque não é fácil também chegar na minha idade, eu pensei que ia chegar e não ia conseguir mesmo. Eu tive medo de chegar hoje. Mas como eu comecei a mexer nas fotos, também, e isso me ajudou muito, porque tudo tinha um porquê, aquelas fotos… Muita coisa… É um armário assim, com um monte de álbuns e fotos soltas, fotos do filho, que ele faz muitas viagens também, ele manda muita coisa para a gente, e então isso foi um presente mesmo. Eu que quero agradecer a vocês por me tolerar todo esse tempo, que não é fácil. Agora, tudo coisa que eu falei a mais vocês não coloquem, só um pouquinho assim… Para falar, o universo…
P/1 – A não ser que você queira mesmo que corte, mas não tem nenhum problema ter um monte de detalhes maravilhosos.
R – Mas eu volto, eu falo coisas que talvez…
P/2 – Normal, memória é assim mesmo.
R – Algumas pessoas vão ler, da família também pode ler, não é? Já comecei a ficar preocupada com as fotos, porque como a gente tem muitas fotos e tem fotos que eles iam no fotógrafo, sabe? Essa do meu pai, eu acho que tirou lá onde… Tranquilo que aquela foto é de lá, e acho que ele chamava o fotógrafo também, da loja, para tirar da loja. Depois, acho que comprou, comprava a máquina, mas antes ele tirava foto de tudo, ele gostava das irmãs, tem muita foto. Foi muito difícil eu selecionar as coisas para trazer, muito difícil. A minha mesmo, acho que não tem muita, tem mais de criança, sabe? Porque minha mãe enfeitava demais a gente, vocês vão ver, é muito engraçado. Eles punham aqueles laços assim, me fantasiava de russinha, tem fotos de russinha e era sempre bem arrumadinha, sabe?
Porque a gente vê fotos antigas e não eram assim. Ela era caprichosa mesmo. Foi uma alegria isso para mim. Foi muito gostoso voltar para… E conseguir que eu lembro ainda, que eu lembro tudo. Porque isso para mim foi um teste até (risos). Eu agradeço essa paciência de vocês, toda, e eu acho o trabalho maravilhoso de vocês. Eu não esperava isso, porque eu não estava presente na Cinemateca. Eu estava… Há um ano e meio eu acho que não frequentava assim, totalmente, mas o tempo que a gente está, que eu estava lá, foi muito bem aproveitado. Agora, tem que fazer o que tem que fazer. Tem que continuar e tem que cuidar das pessoas que estão do meu lado, que estão mais velhas. Eu não quero ficar mal, eu quero que fique bem. Que possa me acompanhar mais ainda. Não está fácil fazer tudo que tem que fazer em casa, é porque vocês não fazem nada em casa, não é?
P/1 – Eu faço.
R – Faz mesmo?
P/1 – Faço.
R – Você sabe como é duro, não é? E se não fizer, não tem camisa para usar no dia seguinte. Você não tem comida se você não fizer. E aqui, todo mundo come bem, viu! Não pode faltar banana que o outro que come banana é o Valdemar. Então, banana, já venho com três dúzias na sacola. Mas está muito bom, eu só posso agradecer a vocês por terem me tolerado aqui.
P/2 – Obrigado.
R – E continuar o serviço, que está maravilhoso. Nem sabia que existia, fiquei sabendo quando eu vi o mapinha, o mapa, que o meu filho trouxe. Nossa, tem tanto museu aqui! Está na redondeza toda, aqui. É só ir. E tudo interessa e a gente nunca deu valor, porque os professores levavam assim a algum museu, na Pinacoteca, naquela outra lá em frente, mas nunca foi assim, não foi uma como vocês estão fazendo. Isso aí é inédito. Eu não sabia disso. Para mim foi um presente de Deus isso. Presente da Nori, de vocês todos. Eu peço perdão se eu saí fora de alguma coisa.
P/1 – Que é isso! Foi ótimo.
R – E se der para cortar alguma coisa, se vocês acharem que tem que cortar alguma coisa pode cortar, eu não vou ficar chateada, porque eu já não vou lembrar de tudo que falei. Foi muita coisa, não é?
P/1 – Então está bom. Obrigado Dina.
R – Eu que agradeço.
FINAL DA ENTREVISTARecolher