Entrevista de Olgamir Amancia Ferreira
Entrevistada por Luiz Egypto
31/03/2021
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número SINPRO_HV007
Transcrito por Aponte
Revisado por Luiz Egypto
0:00
P/1 – Boa tarde professora! Muito obrigada por ter aceitado o nosso convite. Eu queria que a senhora com...Continuar leitura
Entrevista de Olgamir Amancia Ferreira
Entrevistada por Luiz Egypto
31/03/2021
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número SINPRO_HV007
Transcrito por Aponte
Revisado por Luiz Egypto
0:00
P/1 – Boa tarde professora! Muito obrigada por ter aceitado o nosso convite. Eu queria que a senhora começasse dizendo o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento?
R – Eu me chamo Olgamir Amancia Ferreira, eu nasci em Cavalcante, no estado de Goiás, nasci no dia 8 de março de 1958.
0:29
P/1 – Qual sua ocupação atual professora?
R – Eu sou professora, sempre fui professora e continuo professora.
0:39 - Qual o nome dos seus pais, por favor?
R - Zózimo Ferreira dos Santos e Oterlina Neri dos Santos.
0:47
P/1 - E o que faziam os seus pais?
R - Minha mãe é professora, professora aposentada, professora no interior do estado de Goiás e meu pai um produtor rural, tinha uma fazenda no interior de Goiás também, onde eu nasci eu nasci na verdade numa fazenda.
1:06
P/1 - A senhora tem irmãos?
R – Tenho, tenho sete irmãos.
1:12
P/1 – E onde a senhora se localiza nessa escadinha de irmãos?
R - Sou a quarta.
1:21
P/1 - Como chamava o lugar onde a senhora nasceu? Área rural do município de Cavalcante é isso?
R – Isso, e a fazenda São João dos Costas, que e família da minha mãe, no município de Cavalcante em Goiás.
1:35
P/1 - A senhora conheceu os seus avós?
R - Minha avó sim, avó e bisavó.
1:45
P/1 - Da parte de pai e da parte de mãe?
R - Da parte de pai eu conheci minha avó, da parte de mãe eu também conheci e vivi com a minha avó e minha bisavó da parte de mãe. Os avôs, tanto da parte de pai como da parte de mãe, eu não os conheci.
2:03
P/1 – A senhora lembra do nome deles?
R – Sim, o meu avô por parte de pai é o Joaquim Ferreira dos Santos e minha avó é Amancia, o meu nome é Olgamir Amancia também em homenagem a ela, Amancia Dias Machado, a minha avó por parte de mãe é a Cesária da Costa Ferreira e o esposo dela que eu não conheci, Francisco Neri Sampaio e a minha bisavó era Olíria Costa Ferreira.
2:40
P/1 - Como é que era essa casa lá na fazenda, onde a senhora passou a infância? Como é que era como se distribuía? Como é que era descreva ela, por favor?
R – É uma casa comum do interior de Goiás, eu me lembro pouco, porque eu sai de lá com seis, para sete anos, mas é uma casa grande, nós tínhamos a família grande,
essa casa na verdade é importante registrar, ela era da minha avó materna, que minha vó ficou viúva com 25 anos e só tinha minha mãe de filha, então quando meu pai se casou, ele deixou a fazenda da família dele e foi morar na fazenda que era da minha avó. Que foi onde eu nasci. Eu e a maioria dos meus irmãos, nós nascemos lá, alguns irmãos nasceram na cidade de Cavalcante, foram para o hospital, eu não, eu nasci realmente na fazenda. Então era uma casa grande, com vários quartos, aquele estilo de casa bem simples do interior de Goiás, janelão de madeira, pintadinha de branco, essas coisas assim, com quintal imenso, tinha uma coisa espetacular, porque da janela do quarto dos meus pais a gente via a cachoeira, que é uma cachoeira bem bonita que tem lá na região. Aí eu sempre brinco, que esse meu jeito de me relacionar com o mundo tem a ver com ter nascido olhando para uma cachoeira. Aí já é meio o meu folclore, porque nem sei se eu estava olhando para cachoeira, mas é porque eu tinha de fato esse ambiente da cachoeira próximo a casa.
4:31
P/1 - As crianças tinham obrigações, assim em casa, a mãe dava mandados as crianças?
R – Não, não! Não tínhamos nenhuma obrigação além de estudar; eu cresci numa família que o princípio era estudar.
Minha mãe era professora, como eu falei, e ela dava aulas na cidade, em Cavalcante. Então a gente ficava muito mais tempo com a minha avó, por isso que eu disse que eu tive uma convivência forte com a minha avó materna, ela cuidava mais da gente, junto com pessoas que trabalhavam na casa e minha mãe passava uma boa parte do tempo dando aula na cidade, ela deu aula em cidades, ela dava aula também na área rural. Então ela passava muito tempo inclusive fora de casa, mas a grande obrigação que nós tínhamos na atribuição cotidiana era estudar. Eu fui alfabetizada com seis anos.
5:22
P/1 – Foi alfabetizada em casa?
R – Em casa pela minha mãe.
5:25
P/1 – E como se deu a transferência para Cavalcante?
R – Não! A transferência [foi] direto da fazenda aqui para Planaltina, a cidade onde eu moro no Distrito Federal. Nós moramos aqui desde 1966. Como eu disse eu sou a quarta, a minha irmã mais velha ela tinha ido para a cidade chamada Arraias, Campos Belos, Arraias na região que hoje é Tocantins, para estudar fora. Depois meus dois outros irmãos moravam em Cavalcante, numa casa que meus pais tinham em Cavalcante, para estudarem. E minha mãe percebendo, nós éramos a época sete filhos, ela disse: olha, não tem mais condições de mandar um filho para cada lugar para estudar. E como ela sempre deu muito valor para essa questão da educação, ela fez todo o movimento para que a gente pudesse estar num lugar, onde ela pudesse estar com seus filhos e que eles pudessem estudar. Então à época a gente tinha um primo dela que morava aqui em Brasília, ainda no início da capital, da construção da capital, ele tinha vindo para Brasília. Minha mãe inicialmente pensou em se mudar para Formosa ou para Anápolis ou Goiânia, que são cidades que eram referências importantes para o pessoal que morava ali no interior de Goiás, era uma professora de Goiás. E esse primo dela orientou que não, que ela deveria vir para Brasília que aqui teria mais possibilidade de os filhos estudarem do que ir para um outro local. De forma que em 1964 meus pais compraram uma casa aqui, que é onde a gente cresceu posteriormente, mas a gente só se mudou em 1966, porque todos os anos meu pai adiava mudança, porque tinha uma justificativa de uma fazenda, de uma coisa ou outra e ia adiando. Aí por fim minha mãe meio que radicalizou e exigiu, de forma que em janeiro de 1966 nós nos mudamos para cá. Eu era bem pequena ainda, toda minha trajetória, a minha formação, ela se dá ou na fazenda, ou aqui em Planaltina. Na cidade de Cavalcante que consta no meu registro, eu só ia em momentos muito eventuais, para uma comemoração, ou uma doença, para ir ao dentista, ou coisa que o valha, fora isso não tinha nenhuma relação com a cidade.
7:59
P/1 - E como é que era Planaltina que essa menina encontrou, como é que era esse lugar?
R – Era uma cidade imensa comparada com o universo em que eu vivia, mas quando nós nos mudamos, nós nos mudamos para Avenida São Paulo, que hoje está no centro da cidade, mas que a época, era o limite quase da cidade. Era uma avenida próxima a duas escolas, que era uma referência importante para a compra da casa, mas que estava já no limite mesmo da cidade, acima só tinha mais uma rua. E a cidade posteriormente ela vai crescer muito, de forma que hoje, isso que era o limite é praticamente o centro. Então eu vou encontrar um espaço, um mundo, que é radicalmente diferente do meu mundo, que era o mundo lá da fazenda, porque o meu mundo era o mundo ali da minha comunidade, que era com as pessoas que trabalhavam na fazenda. Quando minha mãe, inclusive atendia muitas vezes os primos dela, que ela foi professora praticamente de todos, então em vários momentos eles iam para nossa casa para estudar, então a minha vivência era muito ali, naquele espaço da fazenda. Eu não tinha vivência urbana, minha vivência urbana basicamente ela toda vai se dá aqui em Planaltina.
9:15
P/1 - E como é que essa garota se divertir em Planaltina, lugar novo, todo para ser explorado?
R – Olha, eu sempre fui muito de estar brincando com os meus dois irmãos mais velhos, como eu disse, minha irmã morava mais distante, a gente não teve uma relação, a minha irmã mais velha, mas os meus dois irmãos eles eram muito próximos, até porque eles ficavam muito na fazenda, porque meu pai os buscava, Cavalcanti era muito pertinho. Então estava sempre por lá, e eu sempre brinquei muito com eles, lá na fazenda brincava com aquilo que era próprio, de estar montando a cavalo, montando no jumento, fazendo essas coisas, aqui não podia fazer isso, mas aí eu brincava de finca, eu brincava de bete, eu brincava de tudo que os meninos brincavam eu brincava também.
10:08
P/1 - E a escola, para qual escola a senhora foi?
R – Eu fui para Escola Classe 1 de Planaltina, que é bem pertinho da casa onde a gente cresceu, dava para ir a pé, e aí de fato foi um outro mundo, é uma outra realidade, porque era uma Escola Classe, era a época uma das principais escolas aqui da cidade, só tinha uma outra que era a Paroquial, que era vinculada aos padres. Então essa escola era um mundo, gigantesco, para você ter uma ideia, eu me lembro que quando eu fiz a minha primeira amiguinha na escola, eu ficava procurando por ela a partir do sapato que ela usava,
para poder achá-la no meio daquele mundo, como ela tinha um sapato muito bonitinho, diferenciado, eu vivia procurando por ela pelos pés, pensa o que significa isso, como o sapato era diferente, era a forma de eu achá-la em um mundo que era muito grande para mim.
11:05
P/1 - Q que a menina Olgamir queria ser quando crescesse?
R – Ah, eu só não queria ser professora, na verdade essa aí já é uma questão mais adiante um pouquinho, eu dizia que queria ser uma contadora. Por quê? Porque eu tinha uma referência de um primo do meu pai, que morava em Anápolis e que era contador, naquela época ele tinha uma condição muito importante, assim ele era uma figura que se vestia muito bem, então ele se distinguia. Meu pai era um homem simples, do campo e ele era uma pessoa assim, muito imponente, vistosa, vamos dizer assim, acho que aquilo mexia comigo, com o meu imaginário, era o símbolo do sucesso que eu tinha na minha frente. Então eu queria ser contadora, e eu não queria ser professora, essa que é a verdade. Minha mãe era professora, eu tinha um outro parente do meu pai que também era professor, a minha irmã mais velha se tornou professora. Então eu venho de uma família de professores, então eu não queria muito ser professora, só que aí quando eu terminei aqui em Planaltina o ensino fundamental e ia para o ensino médio, eu falei que não queria fazer o normal, a época era uma escola normal. Não sei se você conhece Planaltina, só para situar, é uma cidade do Distrito Federal, que é uma cidade muito antiga, ela é anterior à Brasília, talvez também por isso meus pais tenham escolhido vir para cá, porque ela tem uma identidade muito grande com Goiás, com a cultura de Goiás, ficava também um ponto de saída do DF rumo à localidade onde eu havia nascido, então eu penso que isso contribuiu. Então veja bem, então aqui em Planaltina a época quando eu terminei o Ensino Fundamental, a gente tinha poucas opções, ou você fazia a escola normal para tornar professora, ou você tinha opção de fazer os cursos técnicos na área de contabilidade, essas áreas, secretariado, etc... Quando eu terminei o ensino fundamental, eu quis fazer o ensino técnico em contabilidade, que só tinha a noite e meus pais resistiam, porque eles não queriam que eu estudasse à noite, porque eu era muito jovem, tanto que eu terminei o curso de contabilidade com 17 anos, o ensino médio, o que seria o ensino médio hoje. E eles não queriam, porque a escola à noite também funcionava num tempo mais alargado que funciona hoje. Mas eu insisti muito, que eu queria era aquilo, e meus pais autorizaram, mas Planaltina era uma cidade muito pequenininha, não é esse mundo que a gente tem hoje. Então o diretor da escola, todo mundo se conhecia, as pessoas se conheciam, o diretor do colégio de Planaltina, onde tinha o curso noturno, ele quando viu a minha matrícula no curso noturno, ele foi à casa da minha mãe, e aí disse para os meus pais que eu tinha que fazer o curso normal, afinal de contas eu era moça, uma jovem, mulher, que deveria ser professora, que essa é a profissão das mulheres. Esse era o entendimento do professor Afrânio. E aí ele convenceu minha mãe, aí minha mãe, “mas ela não quer ser professora”.
Aí ele conversou comigo, e eu dizia que não queria, ele me fez uma proposta, que depois eu soube inclusive o principal motivo. Ele fez a proposta de que eu fizesse a escola normal durante o dia, e contabilidade à noite, e ele só pode fazer isso, porque na verdade hoje eu entendo, ele bloqueou duas vagas públicas na época, é isso é impensável, entendeu? Mas porque ele fez isso? Porque a escola normal estava tendendo, a escola normal aqui de Planaltina, a fechar, porque não tinha pessoas matriculadas. Então ele fez essa opção, e ele contou a mim depois, que ele acreditava que com o passar do tempo, eu iria me apaixonar pela minha condição de professora e que eu não daria conta, racionalmente falando de fazer os dois cursos. Porque a escola normal ela funcionava o dia todo, era intensivo, era chamado normal de 4 anos, a gente estudava de manhã e à tarde, era um currículo radicalmente diferente, tanto que quando nós terminamos, nós podíamos dar aula com concurso público para a sexta série, não apenas para primeira e quarta série, entendeu? E ele apostava nisso, o noturno também era muito intensificado, não era como hoje que são de 7h30 às 22h e alguma coisa, a gente começava às sete da noite, e ia quase 23h da noite. Então ele apostou um pouco de que eu desistiria no meio do caminho, e que eu ficaria só com a escola normal. Só que isso não aconteceu, eu acabei concluindo os dois cursos, tanto o curso de técnica em contabilidade, quanto o curso normal. Só que eu terminei o normal em dezembro, fiz o concurso da Secretaria de Educação, passei no concurso e fui chamada imediatamente, porque tinham poucos professores no Distrito Federal, em fevereiro eu já era professora, março eu já era professora contratada, concursada na Rede Pública de ensino aqui do Distrito Federal. E acabei não usando a contabilidade, exceto para fazer o meu imposto de renda mais adiante, nunca usei, aquilo que era minha referência.
16:45
P/1 – Perfeito! Bom, tentaram, mas não conseguiram.
A senhora assumiu a primeira turma em que ano mesmo?
R – Eu assumi a primeira turma em 1978.
16:58
P/1 – Como é que foi isso, esse seu primeiro dia?
R – Olha, eu diria que é um momento de contradições mesmo, porque ao mesmo tempo, que quando eu assumi era algo muito importante para mim. A essa altura eu já tinha me apaixonado realmente por ser professora, já gostava muito, mas como eu disse a gente foi habilitado para dar aula até a sexta série, e eu poderia dar aula de Matemática, que algo que eu gosto muito, tanto que a minha graduação posteriormente é nessa área. Então a nossa formação normal, permitia a gente a dar aula de Ciências e Matemática, entretanto, quando eu passei no concurso aqui em Planaltina, somente duas alunas da escola normal foram aprovadas, nesse concurso. Que foi uma colega de turma, a Auri e eu, então nós fomos assim, chamadas, convidadas, por todo mundo, todo mundo queria, porque não tinha professor. Então a gente era desejada por todo mundo, por todas as escolas que tinham aqui na época. Quando eu fui para tomar posse, para assumir a minha turma, esse professor, o professor Afrânio que tinha sido diretor da escola quando eu era normalista, ele era então o diretor do que hoje é uma Regional de ensino, a época Complexo Escolar, eu não lembro o nome exato. Ele estava na direção geral aqui da cidade, na área de educação, quando eu cheguei para tomar posse, ele me disse que tinha lá os pedidos de algumas pessoas. Eu queria ir para uma escola para dar aula de Matemática, que era o Centrinho, uma escola que eu tinha uma referência importante do meu estágio. Só que quando eu cheguei lá, tinha um convite, quase que uma convocação de uma diretora de uma escola onde eu havia estudado, e que queria que eu fosse para lá. E na hora que eu cheguei, o telefone ainda de gancho, eu falei: não quero não! Eu vou para o Centrinho, eu quero trabalhar com a Dalia, à experiência foi ótima e tal. E aí a diretora, professora Marisa, ligou no mesmo instante, ou ele ligou para ela e ele me botou o telefone na mão, tipo assim, “então diga a ela que você não vai para a escola dela”, mais ou menos assim. Aí eu não tive coragem de dizer que não iria, acabei indo para essa escola, tá certo. Trabalhar com uma turma de ensinos iniciais, 1º ano, 1ª série a época que falava, de primeira série que não era exatamente o que eu queria. E aí para compensar, para eu não ficar apenas nessa parte, ele me autorizou, eu fui trabalhar numa escola à noite, aí eu trabalhava com um projeto, dando aula de ciências e Matemática à noite, era o Projeto Minerva. Porque aí de manhã eu ia para o Plano Piloto, para fazer a preparação para o vestibular, então eu trabalhava à tarde. Como é que foi essa minha experiência? A primeira experiência como professora do ensino fundamental, da primeira série, ela é uma experiência ao mesmo tempo muito bonita, no sentido de que eu tinha ali a oportunidade de colocar em prática o que eu tinha aprendido na Escola Normal, mas era uma tensão muito grande, porque eu era também muito jovem, e hoje eu vejo, ainda que muita gente fica, “ai você é uma professora excelente”,
eu diria, que nem tanto, entendeu? Porque a gente não entendia muito o que eram as pessoas, o que era o ser humano e tal, os níveis, os ritmos de aprendizagem, isso não estava claro para mim, naquela minha fase inicial. Mas aí eu dei aula um ano e meio nessa escola, como professora, inclusive acompanhei a minha turma de primeiro ano, quando ela passou para o segundo ano, parece que houve uma boa repercussão da minha atuação, porque os pais pediram para eu dar prosseguimento, a diretora da escola também, e eu continuei com essa turminha até a metade do segundo ano. Aí eu vou explicar porque foi só até a metade tá. Então é uma experiência que foi muito interessante, ao mesmo tempo, como eu disse, eu dava aula à noite para alunos adultos, esse era algo muito importante para mim, porque os alunos com quem eu trabalhava, eram alunos trabalhadores, que não tinha estudado no seu tempo correto e eu era a mais jovem da turma, todos os alunos eram mais velhos que eu. E aí eu dava aula de Matemática e Ciências, eu tinha muito prazer em trabalhar com eles, entendeu? Então também me apaixonei muito, tanto que eu comecei com o projeto, na verdade o projeto João da Silva, e no semestre seguinte eles passam... O João da Silva correspondia ao que seria hoje de 1º a 4º, 5º ano e o Minerva correspondia do que seria de 5º ao 8º, 9º ano hoje, entendeu? Mais ou menos isso. Então eu trabalhei com eles um semestre com o João da Silva, e no semestre seguinte eu já estava no Projeto Minerva, que era esse projeto com os adultos, então essa foi a minha trajetória, isso em 77. Em 1978, no meio do ano eu saí da Secretaria de Educação, pedi demissão em 1978, porque eu havia passado no vestibular na Universidade Federal da Paraíba, para o curso de engenharia química, que começava no segundo semestre. Então eu fiz o vestibular no início do ano, final de um ano, inicio do outro, mas as vagas eram, desse curso eram abertas para o segundo semestre. Então eu continuei dando aula para essas turmas até a metade do ano, e tive que pedir demissão, porque a época a secretaria não tinha nenhuma política, para você se afastar para estudar, tinha que pedir demissão. Então eu pedi demissão e fui estudar fora, então é uma interrupção, e eu vou voltar só depois em 1982, então é isso.
22:54
P/1 – Formada pela Universidade Federal da Paraíba?
R – Não, não formada pela Universidade da Paraíba, aí é outra história. Eu fui estudar na Paraíba no curso Engenharia Química, lá eu conheci o meu o meu primeiro marido, me casei, tenho um filho, e depois eu me separei. E ao me separar, eu retornei para Planaltina, para casa dos meus pais, e tranquei o curso na Paraíba, eu não tinha terminado ainda, porque eu tive que interromper, aí eu tranquei o curso, e quando eu voltei para Brasília, como eu já tinha um filho, eu não podia mais me dar o luxo de apenas estudar. Porque quando eu fui para Paraíba, meus pais assumiram, para que eu pudesse só estudar, inclusive quando eu me casei, essa foi uma condição que o meu pai impôs, de que eu não pararia de estudar. Então quando eu voltei, como eu tinha um filho, não dava mais, eu tive que abdicar da possibilidade de ir para a Universidade de Brasília, ou de tentar pelo menos. E eu fiz a licenciatura em Matemática no CEUB, que é uma instituição privada, e o curso de Matemática, primeiro porque eu gostava, e segundo porque eu aproveitaria boa parte dos créditos que eu tinha desenvolvido na engenharia química, tanto que com um ano eu concluí o curso de licenciatura em matemática. E aí de novo eu fiz o concurso da Secretaria de Educação, e o meu reingresso na Secretaria de Educação como professora.
24:27
P/1 – Professora, como se deram as suas primeiras aproximações do movimento social?
R – Olha só, a minha primeira aproximação, ela se dá ainda no ensino médio, com o movimento estudantil, eu já participava a época da ditadura militar, meu irmão era uma liderança estudantil. Eu já pelo menos ajudava a distribuir algumas cartas, inclusive quando eu estudava à noite, ia mais cedo para botar as cartas nas mesas dos meus colegas e tal, e depois na universidade... Meu irmão mais velho, que eu sempre tive uma relação de muita aproximação, ele foi presidente do diretório, do DA 11 de Agosto, da Universidade Federal da Paraíba, que eu também fui para lá não por acaso, que meus dois irmãos foram estudar lá, então por causa disso eu já participava do movimento estudantil. Não como membro do diretório, mas como estudante, militante da área estudantil. Quando eu retornei então, em 1982 para a Secretaria de Educação, a gente estava exatamente naquele momento de muita luta por democracia no Brasil, os sindicatos tomando cada vez mais força e fazendo a luta social. Eu comecei a participar das assembleias, então assim, de forma que todas as agendas que aconteceram do período que eu estava, de 82 em diante, que aí aparece a minha primeira greve em 1985, eu participei de todas. E aí como eu era uma pessoa muito ativa, eu acabei participando sempre na agenda como comando de greve, naqueles coletivos que organizavam os processos no âmbito das escolas, então sempre participei muito atentamente, principalmente nessa segunda fase. Na primeira fase que é o período de 77 a 78, foi um período muito curto, eu estava acabando de chegar na escola, nessa época o movimento sindical ainda estava muito arrefecido. Nós tínhamos a associação de professores, mas a atuação era ainda muito incipiente, tanto que a primeira greve é em 79, é um período que eu não estava na secretaria.
26:51
P/1 – Mas na sua segunda estada na secretária já sindicalizada?
R – Ah, sim, assim que eu assumi, eu já me sindicalizei, eu nem sei de quando é a sindicalização, mas é algo de atuação imediata no sindicato, de estar participando das reuniões que aconteciam, à época era o pessoal do Libério que era a direção do Sindicato dos Professores e que tinha feito toda uma luta para transformar de associação para sindicato, porque o sindicato ele aglutinava tanto a rede pública quanto a rede particular, que era um diferencial, para o resto do país, então assim, eu já me envolvi desde o início. Mas muito nessa linha aqui em Planaltina, muito na coordenação da greve, não só da greve, nas agendas que o sindicato fazia, eu estava sempre muito atenta ali observando e tinha sempre uma opinião a dar, acabava que eu era convidada para acompanhar alguma comissão, alguma coisa, eu estava sempre envolvida, mas muito focado aqui na cidade de Planaltina. Como Planaltina tem além da zona urbana, ela tem uma zona rural grande, muitas escolas na zona rural, eu participava. Às vezes tinha que fazer visita, o sindicato ia até escolas rurais, ir pedir ajuda apoio dos colegas das escolas, e eu sempre fui, e outra coisa também, e que desde que eu me tornei professora também que eu me lembre, eu sempre nas escolas onde eu trabalhei, eu era indicada pelos colegas para ser representante sindical. Quando nós conquistamos o direito de ter representação sindical, porque se eu não me engano isso só vai acontecer lá para 86, 85, não, 85 já teve greve, então 84, por aí. É que a gente vai ter a representação sindical reconhecida em lei, aí tem que olhar a legislação, não me lembro exatamente, antes você fazia uma representação, mas ela era meio, não é clandestina, mas ela não era regulada em lei, então você tinha uma representação, mas não estava instituído, isso será instituído por força de acordo coletivo.
Aí quando se instituí por força de acordo coletivo, a partir de então eu vou me tornando, ano após ano nas escolas que eu trabalhava delegada sindical, mas adianta a gente constituiu um conselho político de Delegados Sindicais que tinham um caráter Regional. Então você tinha nas cidades o conselho que era eleito, eu não tenho certeza, mas me parece que na relação de que para cada 10 escolas você tinha direito a um conselheiro político, se eu não me engano é isso. Eu me lembro que eu fui eleita e fazia parte desse conselho, só que de novo, o conselho ele tem uma característica Regional, então conselho político de Planaltina reunia, nós éramos cinco aproximadamente, na época tinha cinquenta e poucas pessoas, hoje tem um pouco mais, deve ter quase umas setenta, aqui na região. Então nessa época a gente se reunia para discutir as escolas, então tinha uma ação muito forte, e isso já aconteceu em todas as cidades. E eventualmente tinham as reuniões gerais, dos conselheiros, mas aí eram mais esporádicas, mais espaçadas, porque também a distância entre as cidades e o Plano Piloto, ela não é tão pequena, tem cidade que é bem pertinho, mas outras nem tanto, e na verdade naquela época, os deslocamentos eles eram mais difíceis para gente, então a gente ficava mais circunscrito ao espaço regional.
30:28
P/1 – De todo modo professora, nessa sua segunda fase, e com essa sua militância Sindical de Base, a senhora tem alguma mobilização que tenha marcado a sua lembrança, algum fato que tivesse... Podia relatar?
R – A mobilização que preparou a greve de 1985 e a própria greve de 1985, que é a primeira greve que nós realizamos depois da de 1979, que eu não participei, que eu não estava aqui. Mas assim, foi à primeira greve realizada pelo sindicato nessa esteira da redemocratização, e aí o que acontece. Porque com a greve de 1979, como muitos professores, foram inclusive demitidos da Secretaria de Educação, houve um arrefecimento muito grande no movimento sindical, então quando eu entrei 1982, as pessoas tinham muita resistência e tinham muito medo, porque a gente estava ali, saindo de uma ditadura, caminhando ainda para sair de uma ditadura militar, as pessoas se sentiam muito desestimuladas. Então quando em 85, retoma ali 84, 85 um debate mais efervescente sobre a democratização das escolas, a necessidade da gente, porque tinha um debate no Brasil de democratizar a sociedade, então passa pela democratização da educação e tal. Então o que acontece... Nós fizemos uma greve e nos reuníamos na escola onde eu estudei, onde eu fiz a escola normal, que é o Centrão - Centro Educacional 1 de Planaltina, era o local que tinha o maior auditório à época, então nós nos reuníamos lá. Aí tem duas coisas que marcam muito a minha trajetória nesse momento, uma foi que a primeira assembleia que nós reunimos ali, nós não tínhamos muita noção, e de repente a gente que por conta e risco, aqueles mais ousados já tomaram conta do espaço para dirigir. E aí eu me lembro, que o meu professor de contabilidade, que gostava muito de mim, que era diretor da escola à época, já como meu colega, ele falou: “Olgamir, presta atenção, vocês têm que pedir autorização para a assembleia, a assembleia tem que eleger quem vai dirigir esse negócio aqui.” A gente estava fazendo movimento inverso, no afã de responder. E aí nós fizemos, fomos eleitos, para poder constituir um meio que comando de greve aqui em Planaltina. Esse é um dado importante, que foi um aprendizado na prática dos processos democráticos, no afã de fazer democracia à gente estava errando radicalmente. E uma segunda questão, é que a gente se reunia nesse auditório da escola pública começamos todas as assembleias, atividades eram lá, e de repente chegou uma ordem do governo de que a gente não poderia mais utilizar e nós tivemos que passar a nos reunirmos no subsolo da Igreja Matriz, que é na praça da casa onde eu moro, onde eu cresci, entendeu. Então a gente se reunia ali no subsolo da igreja, então assim, nós não podíamos nos reunir dentro dos espaços da Secretaria de Educação, isso é algo que marca. E a tensão que foi aquele momento, porque como era uma primeira greve, depois dessa de 79, e o medo era gigante, então cada vez que chegava as informações, e as pessoas não tinham WhatsApp, não é como hoje. Então quando as informações chegavam, as ameaças, as pessoas chegavam assim para você, e diziam, “pelo amor de Deus, sai dessa frente de batalha, você vai ser demitida”. A tensão era muito grande, entendeu, muito grande. Todos nós tínhamos muito medo do que poderia acontecer, mas nós resistimos bravamente, conseguimos fazer uma greve em 85, depois em 86, e ai foram várias greves até que a gente conseguiu conquistar várias questões importantes para nossa categoria.
34:25
P/1 – Quando se dá sua vinculação orgânica com o SINPRO?
R – Ela se dá nesse momento da criação do representante regional, aí é uma vinculação, porque o conselho político, ele é vinculado à estrutura do sindicato, aí já é nos anos 86, já é na gestão que a CUT assumi o sindicato dos professores, se eu não me engano é 86. Então aí que se tem o conselho político de delegados sindicais, e ele faz parte de uma estrutura, da estrutura do sindicato, ele não é parte no sentido... Mais de deliberações, um espaço de consultas importante, entendeu. Reconhecido, está no estatuto do sindicato, tá certo. Então é aí que se dá a minha relação orgânica com sindicato, já é nesse período de 86 em diante. O meio do conselho político, não como diretora do sindicato.
35:26
P/1 - E nessa gestão que pela primeira vez uma mulher passa a ser presidente do sindicato?
R – A professora Lúcia Carvalho, exatamente nessa gestão. Havia um debate muito forte na sociedade pela democratização, pela democratização do próprio sindicato, da participação maior das mulheres, não fazia sentido, nós somos a maioria da categoria, mais as direções do sindicato mesmo, o nosso, de professores, tinha uma forte presença masculina, quando na verdade nós éramos uma categoria hegemonicamente, éramos não, nós somos uma categoria hegemonicamente feminina. Então já tinha um debate muito sobre isso, mas era mais do que a questão de gênero, era a questão mesmo da luta, de organizações de base, era um debate muito forte, que é o debate feito à época pela Central Única dos Trabalhadores, pelo movimento sindical em geral. Eu nunca pertenci a Central Única, eu já fui dirigente como parte desse debate, mas assim, porque teve um momento que a corrente Sindical Classista que eu participo, fazia parte da central, mas aí o que acontece. O movimento sindical ele sentia a necessidade de enraizamento nas bases, então ele vai fortalecer muito a organização de base, com essas estruturas, de delegacias sindicais, conselho de delegados, a própria representação que passa a ser legalizada, vamos dizer assim, essa legalização é anterior na verdade, ela já é na gestão anterior do delegado sindical por escola que tinha acordos coletivos, nós vamos mudar de acordo coletivo apenas em 88, quando a gente passa a ser estatutário, se eu não me engano. Que é quando a gente entra na lei 1711, aí nós deixamos de ser celetistas, porque até então nós éramos celetistas, ainda que nós fossemos públicos, do setor público, mas nós éramos regulados pela CLT, e então tínhamos os acordos coletivos de trabalho. Ha eu já tinha uma vinculação também quando se escolhiam os representantes de base da comissão de negociação do sindicato, eu já tinha representação em comissões de negociação, eu já participava já de um longo tempo, entendeu.
38:04
P/1 – Foi essa mesma gestão que encaminhou a reforma estatutária que substituiu o esquema presidencialista para um sistema de colegiado na direção. Como é que a senhora avalia esse processo?
R – Olha só, esse foi um movimento importante, eu diria, porque sai dessa condição do presidencialismo para a questão do colegiado, muito nessa linha mesmo, de que precisava democratizar os espaços, então você passa a ter uma estrutura mais horizontal na gestão do sindicato. Então isso eu penso que fortalece, porque você não centraliza mais as decisões numa pessoa, ou numa executiva, mas você socializa, você divide, compartilha com os gestores do sindicato, que na verdade representa os interesses da base da categoria. Por que não são porta-vozes de si mesmo, ou pelo menos não deveriam ser. Então você tem um espaço mais democrático, vamos dizer assim, mas eu diria que a democracia maior não é só o fato de transformar num colegiado, numa direção colegiada, porque ainda que fosse uma gestão colegiada você tinha ali por força da correlação de forças, no interior do sindicato você tinha pessoas que acabavam tendo mais poder, mais força, desde a composição, da distribuição dos cargos, das atividades, quem ficava em determinadas estruturas, que são estruturas de mais poder ou menos poder, eram vinculados a uma determinada força política. Eu diria que a democratização se dá porque se institui o colegiado, mas por que se fortalece também cada vez mais a atuação da base do sindicato, por meio dos organismos de base. Isso é que de fato, inclusive do conselho político, que para mim é um dos grandes prejuízos que o sindicato passa a ter depois de um certo tempo, que é o esvaziamento desse espaço. Porque ele é um espaço que ao tempo que ele está na estrutura do sindicato, ele é apartado da direção do sindicato, no sentido de que ele não se subordina, ele tem uma voz própria, entendeu. E quando foi se esvaziando, a gente percebe isso muito assim, quando algumas direções, como se ele não existisse aí você passa a se reunir muito esporadicamente, que você não cria ali uma sistemática de acompanhamento, você acaba perdendo força e tal. Então eu diria que associado a essa questão, eu diria que tem essa dimensão mesmo da base sindical estar mais estruturada, inclusive com muito investimento na formação sindical. Se bem que esse investimento na formação ele é posterior, ele é mais forte um pouco adiante.
40:55
P/1 – Eu queria uma reflexão sua dividida em duas partes, mas ambas têm a ver com a luta sindical, com a militância sindical, vis-à-vis os governos aliados, um de Cristovam Buarque, outro de Agnelo Queiroz. No governo Cristovam parece que as relações entre o sindicato e o governo, embora jogassem do mesmo time, digamos assim, não foram lá muito serenas, não é verdade?
R – Sim não foram, essa época eu era da direção do Sindicato dos Professores, eu fui diretora do SINPRO de 92 a 98, e o que acontece quando é eleito o governo do professor Cristovam Buarque, primeiro a gente tem um movimento, que é à saída de várias pessoas da base do movimento social, especialmente do movimento sindical, para compor o governo. Isso não é um erro, muito pelo contrário, você não forma um quadro da noite para o dia, então quer dizer, aquelas pessoas que eram expoentes nos espaços públicos e dos sindicatos, aqui no Distrito Federal muitas carreiras públicas, então muitos sindicatos vinculados à área pública. Esses colegas passam a compor a estrutura do GDF, do governo do Cristovam. Qual é a grande questão que me parece está posta nesse momento, é a dificuldade que o movimento sindical teve, de lidar com uma gestão pública, que está na sua mesma trilha, um caminho, uma concepção de mundo muito próxima do sindicato, que teve no sindicato na categoria dos professores, uma base de sustentação muito forte, e sermos capazes de distinguir o papel de governo e o papel de sindicato. Porque veja bem, quando nós elegemos o professor Cristovam, eu falo nós, porque os professores contribuíram muito para isso, e eu me coloco nesse espaço. Nós elegemos um governo, mas nós não fizemos uma mudança da estrutura social, da forma de organização do Estado, nem nada que o valha. E as pessoas, às vezes o movimento sindical muitas vezes ao analisar o governo, analisavam o governo como se ele tivesse todas as condições de poder. Então a gente assume o governo, mas não necessariamente se apropria de todos os espaços de poder, e de decisão, é um governo de frente, é um governo amplo, é um governo que tem aqui uma perspectiva, mas o governo federal tem uma outra, radicalmente diferente, e ele tem que ser capaz de lidar com isso. Então a gente tem essa dificuldade, muitas vezes os colegas professores que imaginaram que ao eleger o governo, sua vida estaria resolvida, ou seja, de uma incompreensão dos limites e de um entendimento sobre o que é a importância da correlação de forças nos espaços governamentais, esse é problema. No outro lado, com todo o respeito que eu tenho a professor Cristovam Buarque e tenho muito, o professor Cristovam não deixa de ser uma pessoa muito vaidosa, e uma pessoa muito centrada nele mesmo, muito convicto daquilo que ele desenvolve. O que a gente testemunhava muitas vezes, na tentativa de responder as críticas que vinham do movimento sindical e do movimento social, o professor às vezes acusava o movimento, ao contrário de fazer um debate com movimento, entendeu. Então assim, você tem de um lado uma categoria que não via solução para os seus problemas, nem tinha como ver, porque não era mágica, é política. Por outro lado, você tinha um governante que também se distanciava e não conseguia dialogar com o movimento social, chegando mesmo a acusar esse movimento social, tá certo. Então assim, numa relação ruim, que não ajudava, então foi muito tensa a relação com o governo. E aí você tinha incompreensões de todos os lados. Você tinha dentro do sindicato, o que a gente chama assim, você tinha setores que já tratavam o governo com o inimigo, um governo que era um governo aliado, mas já tratava com o inimigo, não conseguia fazer distinção das dificuldades que o governo podia enfrentar, já comparava, botava na mesma seara de um governo liberal, neoliberal, que não era, não era, a despeito de quaisquer erros, de muitos erros que foram cometidos. E de um outro lado você tinha pessoas também numa posição muito adesista, que aí o que eu digo que faz a confusão do que é o papel do sindicato. Entendia mais ou menos assim: como nós apoiamos esse governo, esse governo é da base, tem a sustentação da base, nós não podemos criticá-lo. Eu acho que é aí que a linha tênue, entre entender o que é você fazer a crítica, uma crítica consequente ao governo, mas sem jogá-lo na seara de um governo Liberal, mas não deixa de fazer a crítica para não ter uma postura adesista e negar inclusive o papel do movimento social de luta reivindicatória, mas sempre centrando o seguinte, o sindicato ele não pode deixar de fazer a luta da reivindicação da categoria, mas ele não pode se voltar, e essa uma concepção que eu esposo para uma questão meramente corporativa, porque se a gente fica apenas no corporativismo, nós não sairemos do lugar. Como eu defendo uma concepção classista de movimento sindical, eu entendo que o sindicato faz a crítica, ele luta inclusive nesses processos com Patronato, mas ele não pode perder de vista um projeto mais amplo, estratégico de sociedade. Então nesse sentido, o corporativo não pode se sobrepor ao estratégico, e que às vezes a gente percebia que acontecia muito no âmbito das análises que eram feitas, era mais ou menos assim: ou é muito bom, ou é muito ruim, tá certo. Ou é porque é nosso é bom, ou porque não fez o que reivindicamos é ruim, uma relação muito reduzida, dualista, binária que não ajuda a entender a realidade. Esse foi o grande problema que nós tivemos. E eu diria que é um problema muito comum, até para o movimento social e o movimento sindical, porque nós não tínhamos a experiência de governos democráticos, a gente tinha experiência de governo autoritário, governo autoritário a gente sabia bem como lidar, como rechaçar, então a gente passa a ter um governo, e aí que é um governo de marca democrática, mas que a gente não compreende muito os limites, ou então adere só porque tem uma chancela de uma cor ou uma marca, não pode ser nem 8 nem 8000, acho que foi o dificultador
principal.
47:55
P/1 – A senhora tem uma experiência no executivo de quatro anos, na Secretaria das Mulheres no governo Agnelo e atravessou uma greve complicada, importante de 2012, como é que se dá esse embate entre a militante sindical que tá no posto executivo, sendo confrontada por uma realidade que em princípio estaria do outro lado?
R – Sim, com certeza! Não é uma questão simples, porque me parece que... A gente reposiciona essa fala que eu fiz anteriormente, como uma diferença, no governo do governador Agnelo, a gente viu uma... Primeiro a gente já tinha vivido a experiência do Cristovam tínhamos aprendido inclusive, quando da derrota do Cristovam, então eu acho que muita coisa já tinha sido passado a limpo, eu diria pelo movimento social. No governo do Agnelo, nós tivemos um governador que ele responde de forma muito sistemática às demandas das categorias, não à toa se você observar posteriormente, esse governo até hoje paga caro por todas as concessões que fez, concessões de todas as negociações, e as concessões feitas à época, durante a gestão. Bom, enfrentar uma situação você estando na condição de governo e vendo a sua categoria do outro lado da Praça do Buriti, se manifestando, não é uma coisa simples, mas o que eu fiz é o que eu sempre penso que é o correto fazer, que era de estabelecer diálogos, tanto com o governador, no sentido de mostrar a legitimidade, ainda que o governador nunca tivesse dúvidas da legitimidade do pleito, mas de tentar encontrar saídas para a construção de soluções, para a resolução do impasse, quanto também de interlocução com o setor dos professores, para tentar entender cada vez mais, e a gente encontrar saídas. Em nenhum momento eu me afastei da categoria, muito pelo contrário, eu sou professora, meu filho é professor, tá certo. Então assim... De matemática, para você registar, e a primeira coisa que ele fez quando assumiu a secretaria de educação, ele saiu da secretaria, assinou o contrato e foi ao Sindicato dos Professores, assinar sua ficha de filiação. Eu sei por que de lá o pessoal me ligou, “adivinha quem está aqui?” Que era o mesmo menino, que quando criança ia comigo para o sindicato, ficava lá, então de repente ele era professor, só para situar. Então veja bem, em nenhum momento eu deixei de olhar como uma professora, alguém que estaria ali na militância, de chamar atenção inclusive, dos cuidados que era necessário se tivesse, no trato com a categoria, das não declarações intempestivas, acho que contribuiu muito para isso, de chamar atenção para as não declarações intempestivas. Porque eu me lembrava de quando eu era diretora do sindicato, e que às vezes eu amanhecia e pegava o Correio Braziliense e tinha uma declaração do governador Cristovam que me obrigava um agir, que não era às vezes o que eu gostaria, mas a declaração dele não nos ajudava, entendeu. Então era assim, era a fala dele, uma declaração assim intempestiva como primeira página de jornal, desqualificando o professor, desqualificando sindicalista, dizendo inclusive dos mandatos dos sindicalistas, eu me lembro coisas desse tipo, que não ajudava. Então nesse sentido muitas vezes eu conversava e chamava atenção, para que nós que estávamos na estrutura do governo, aqueles que eram os negociadores do governo, que tomassem muito cuidado nas suas falas, nas afirmações que fizessem tanto para os colegas sindicalistas que estavam ali, com quem a gente muitas vezes tinha estado ao lado, quanto para imprensa, principalmente para imprensa, porque a forma como isso é reverbera é muito ruim. Acho que nesse sentido eu pude contribuir, para que a gente não tivesse mais tensionamentos, do que tivemos. Mas é normal também, porque muitas vezes a gente tem, as dificuldades são as mesmas, nós elegemos o governo que muitas vezes avaliamos que fizemos a revolução e mudamos as estruturas de poder, e quando nos deparamos com isso não aconteceu, é difícil lidar.
52:33
P/1 - Depois do governo Agnelo, qual foi a sua trajetória? Voltou para a sala de aula?
R – Sim, eu sempre estive na minha sala de aula e quando eu sai da Secretaria de Educação, na verdade quando eu saí do Sindicatos dos Professores. Deixa eu só registrar um outro fato, em 1998, na verdade 97, quando eu fui para me candidatar para o Sindicato dos Professores, não minto, 92, 98 foi quando eu sai. 1992 quando eu fui para o sindicato dos professores, um pouco antes eu não iria, eu estava me preparando para a seleção do mestrado na Universidade de Brasília, eu queria dar continuidade a minha formação acadêmica, só que na época nós avaliamos enquanto força política, que era importante, tínhamos a oportunidade de fazer a composição de uma direção com os setores inclusive da CUT, e eu acabei postergando esse meu sonho de ir para academia, de continuar meus estudos. Então eu entrei em 92 com o compromisso de que sairia em 96, são três anos, 95, 96. Só que ao final do primeiro mandato, aí de novo tinha a demanda, porque tínhamos elegido um governo democrático em 95, muita gente tinha assumido a direção, então era importante ficar, etc, etc... E eu fiquei por dois mandatos, até 98, então de 92 a 98 eu estive na direção do Sindicato dos Professores, atuando inclusive como secretária de Formação, a gente tentou trabalhar muito essa questão da formação, até para a gente compreender um pouco melhor a realidade. Pois bem, em 98 quando eu saio do Sindicato dos Professores, eu retomei isso que era para ter assumido em 92, eu retomei o meu espaço de formação na academia e voltei para a universidade, para estudar, continue professora na sala de aula, mas o meu foco aqui agora era a academia. Nessa época eu inclusive fiquei na direção da CUT, representando a força política, mas já era uma ação mais geral assim, não era, porque o sindicato ele tem uma exigência ali permanente, que não tem como você fazer outra coisa. Então em 98 eu volto para Universidade, volto para estudar, vou fazer meu mestrado ou meu doutorado, e aí faço imediatamente o concurso para Universidade de Brasília. Nesse meio tempo eu completo tempo necessário para me aposentar como professora, só que eu não tinha idade para isso, pela lei eu não poderia me aposentar, então em 2010 eu assumo a Universidade de Brasília, suspendo a minha atuação, pego licença sem remuneração da Secretaria de Educação, porque eu já tinha tempo suficiente de trabalho e assumo a Universidade de Brasília. E aí eu passei a ser professora da Universidade, então quando eu estava na condição de secretária no governo do governador Agnelo, eu já era professora da Universidade de Brasília. E eu fiquei ali, depois fui com o Agnelo, em 2011 ele me chamou para ir para secretaria, fiquei depois retornei ao final do governo, e de novo, para minha sala de aula, que é meu espaço, é onde eu sempre basicamente estive. Fora esses dois períodos da secretária e o período do sindicato, que naquela época a gente só ficava no sindicato, não atuava em sala de aula, pois bem, é um pouco isso. Na universidade eu estou há 10 anos, vai para 11 anos agora, já se completou 11 anos, então tem 11 anos que eu estou na UnB. Também eu assumi o cargo de gestão, tem duas gestões, na primeira gestão da professora Márcia, que a primeira mulher reitora da Universidade, ela me convidou para assumir o decanato de extensão, ela cumpriu aí os seus quatro anos, eu estive com ela esses quatro anos, a frente da extensão da Universidade de Brasília, e ela me convidou para o segundo mandato. Então eu estou no primeiro ano, que ela tomou posse agora em novembro passado, no meu segundo período como decana de extensão da UnB, então de novo num cargo de gestão, só que agora da Universidade. E atualmente como presidente do fórum nacional de pró-reitores de extensão, que é um Fórum Brasileiro que reúne todos os pró-reitores, eu fui eleita recentemente.
57:19
P/1 – Professora, tendo em vista toda sua experiência sindical, sua experiência em sala de aula, sua experiência de gestão, quais a senhora considera os desafios mais prementes que se colocam diante do SINPRO hoje?
R – Eu penso que tem vários desafios para o sindicato, um primeiro deles, é que a gente vive um momento de descrédito, de desconfiança, de uma construção de uma desconfiança muito grande em relação ao movimento social, e isso acaba não impactando numa articulação maior dos segmentos. Um outro, é a renovação muito grande da categoria, essa categoria que está aí, ela é uma categoria muito jovem, ela já encontrou uma realidade muito diferente daquela que se tinha lá no início dos anos 1980, que você não tinha direito absolutamente nada, quando você era celetista e você não tinha mesmo direito. Então às vezes eu converso muito com o meu filho, e falo: olha, hoje um professor entra na Secretaria de Educação e ele tem a coordenação pedagógica, ele tem a jornada ampliada, que são importantes para a educação, são importantes para o profissional da educação também, mas que ele acha que sempre foi assim, ele já encontra essa realidade dada. E isso faz com que ele não compreenda que aquilo tudo é resultado de um processo histórico, de muitas lutas, de muitas manifestações, de muita rua, professor com o rosto no sol em frente ao Palácio do Buriti, fazendo noites de vigílias nos espaços de poder, para conquistar cada um daqueles elementos que estão ali agregados a sua vida profissional.
Então essa renovação, ela cria um lapso, vamos dizer assim, entre o que nós éramos e o que nós somos, o que não quer dizer que a gente tem que viver do passado, “há, nós éramos assim, etc...” Mas conhecer a sua história é importante, então eu penso que um dos desafios é investir na formação, é investir na memória, nenhum povo que não sabe quem ele é consegue enfrentar as suas vicissitudes, sem saber das suas histórias e da sua memória. Então se um professor chega hoje à secretaria, ele precisa entender de onde vem, como é que era, e o que pode não ser. Porque tudo que nós temos, são conquistas que estão ali materializadas, mas a história também tem mostrado que isso pode deixar de estar. Cada dia que passa a gente percebe tentativas de desqualificação da nossa condição profissional, então a gente tem que estar atento. Eu acho que esse é para mim é um dos grandes desafios, além desse momento que a gente vive, de um estímulo muito grande ao individual, quer dizer, eu sou de uma geração que na Secretaria de Educação, a gente lutou demais para ter a gestão democrática, demais, a gente compreendia bem o que era ser gerido, teve a frente da gestão da escola, uma pessoa que nem relação com a sua cidade tinha, uma pessoa que te olhava de cima para baixo, numa relação extremamente verticalizada, que não considerava a fala de um professor. Então a gestão democrática para gente significava dar vozes aqueles que estavam na sala de aula, no chão da escola, construindo a escola. Porque a gente não tinha isso, professor não era ouvido, se professor não era ouvido, você imagina estudante, técnico, servidor técnico. Ninguém era ouvido na escola, as minhas primeiras diretoras, isso já na segunda rodada, porque na primeira nem se fala, na segunda rodada da minha vivência na Secretaria, elas nem em Planaltina moravam, entendeu. Era as professoras lá do Lago Norte do Lago Sul, que vinham fazer a gestão de escolas que elas mal conheciam, de população que elas mal conheciam. Eu tinha uma diretora, que ela deixava o carro em um lava-jato próximo à escola, para não deixar na escola, porque ela tinha medo dos meninos sujarem o carro dela, porque afinal de contas era uma escola periférica. Hora, nós que vivemos isso, sabemos o que foi conquistar o direito, como diz a época, o professor Fábio Bruno, já morreu, que foi o nosso secretário de Educação, que garantiu a nossa primeira experiência junto com o secretário Pompeu de Souza, a época o Pompeu era o secretário e o professor Fábio Bruno, ele era o diretor da antiga Fundação Educacional, que era onde a gente estava vinculado. E não me esqueço de uma assembleia, isso é um marco na minha história, uma assembleia na escola normal, no processo de redemocratização mesmo, foi a nossa primeira experiência ali, 85, 86, essa assembleia. Onde ele, é uma assembleia sindical, e o secretário de educação, e o diretor-presidente da Fundação Educacional, vão e dizem para gente assim, chega me arrepio, “peguem na maçaneta da porta da sua escola, porque a escola é da comunidade escolar, entendeu? A partir de agora vocês podem entrar, não tem espaço privado mais na escola, todos os espaços podem... Logico que ninguém, a balbúrdia, como uns pensam né, dentro de um ritual. Mas que dizer, não existe mais aquela sala como tinha em algumas escolas, a sala do diretor, as vezes tinha um sofá lindo, tudo chique, com bandejinha, tudo arrumadinho, sofisticado, entendeu. E nós professores ficávamos relegados a espaços extremamente adversos, entendeu, amontoados. E a gente não podia entrar na sala do diretor não, pense, era se fosse convidado. Então, para gente a conquista da gestão democrática, ela tem um sentido muito forte da democratização do espaço, da gente poder dizer do ponto de vista pedagógico, do ponto de vista da avaliação do que pode e deve ser feito na escola. Então uma conquista gigantesca, você fala em gestão democrática hoje com professor, ele tira assim, “mas porque tudo isso”? Porque ele já vive num espaço, que tá construído ali as condições para ele falar, para ele dialogar, para ele propor, ter um projeto político pedagógico construído. E ele não consegue compreender, não é nem que não consegue, ele já chega e se apropriando daquilo da forma como está dada. Então daí a necessidade disso, por exemplo, quando eu entrei na secretaria a gente não tinha direito a esse horário destinado para formação, como que fala, a coordenação pedagógica, a gente não tinha. Naquele meu primeiro ano lá em 77, 78, eu tinha direito a uma substituição uma vez por semana, para alguém ficar na minha sala, para eu poder preparar as aulas. Só que para o meu azar, a pessoa que era responsável pelo o que seria minha turma, essa pessoa era também assessora da diretora, então sempre a diretora precisava dela, então eu nunca podia fazer, então eu tinha que fazer minha coordenação pedagógica aos sábados e domingos e me preparar para o vestibular. Então era mais ou menos isso, mas essa não é a trajetória da professora Olgamir, essa é a trajetória dos professores e das professoras daquele período. Então assim, essas lutas todas elas precisam ser rememorados, não com saudosismos, mas como marcos, como espaços de lutas e de conquistas, que precisam ser permanentemente vigiados, no sentido da sua manutenção e para avançar, porque nós avançamos muito, me lembro bem, que no Sindicato dos Professores, quando nós começamos esse debate da gestão democrática Luiz, nós falávamos na eleição do diretor, essa para gente democratizar era eleger o diretor de escola, ai nos elegemos. Quando elegemos na primeira experiência os diretores, nós observamos que só isso era pouco, porque os diretores eram eleitos, o primeiro porque nós elegemos a maioria daqueles que já eram diretores desde a ditadura militar. Porque meio que perpassava ao nosso raciocínio, de que algumas pessoas nasceram para serem diretores é para serem chefes, “isso é coisa para alguns, não é coisa para todos”. Tanto que várias vezes a gente chegava para os colegas e falava: você pode se candidatar, se candidate. As pessoas não queriam, porque achavam que não podiam. A minha percepção é, se você é um grande professor na sala de aula, se você está ali na vivência cotidiana com os meninos e meninas, você tem tudo para ser um grande gestor, porque você entende do que é a atividade fim da escola, entendeu. Então se você tá aberta e democrática a escutar, construir, você tem todas as condições para ser um bom gestor. Mas as pessoas não tinham isso, porque existe uma tradição, de que fulano era diretor, a irmão era diretora, o avô era diretor, e coisa que o valia. Era um cargo, distinção. Então a gente tinha muito esse problema, então nós acabamos elegendo os gestores antigos, que tinham o mesmo traço, ou gestores novos quando assumiram, entenderam que tinham que ter a mesma postura que o diretor anterior, para ser um indivíduo reconhecido como tal, às vezes mudava até a forma de se vestir, para poder se enquadrar nesse novo ritual que estava posto para ele. Aí nós entendemos que não bastava isso, que era preciso democratizar mais, só a eleição não era suficiente, que era preciso ter o conselho escolar com a participação, ou seja, um espaço de participação da comunidade escolar, pais, alunos, professores, ou seja, esse aprendizado foi na construção histórica, não foi mágica. Aí vimos que o conselho escolar era importante, mas continuávamos replicando na escola, modelos da política que víamos lá fora, coisa que o valia, mais adiante entendemos a necessidade do projeto político pedagógico comum à materialidade, desta discussão mais ampla na escola. E assim a gente vai construindo as coisas para tornar mais democrático, mas o que a gente não pode perder a referência é da democracia no ambiente de educação, isso nós não podemos perder referência, e isso é aprendizado. Então eu diria que o desafio do sindicato hoje é também fazer a formação, por isso eu até comprimento por essa iniciativa de ter um museu de memória, para que as pessoas possam compreender de onde vem. Porque antes de mim inclusive, tem vários colegas que lutaram que caíram na luta, o Sindicato dos Professores nasce no movimento lá da Associação dos Professores, que eu não estava na época, mas que eu sei de colegas que enfrentaram a ditadura militar, como o colega Olímpio que faleceu, entendeu. O sindicato foi espaço de acolhimento das pessoas que passaram por situações extremamente difíceis na ditadura, essa apropriação ela é fundamental por parte dessa categoria tão renovada, tão jovem, tão competente do ponto de vista das metodologias de aprendizagem, mas que precisa se apropriar também dessa questão da história. Porque é uma geração que nasceu ali nos marcos do individualismo, do estímulo ao individual, do estilo ao salve-se quem puder. Então isso precisa um pouco ser superado e ter mais uma lógica de classe, de se entender como uma categoria profissional, como classe explorada. A gente tem muito professor achando que nós estamos acima dos processos de exploração, claro que a forma de exploração, a natureza dela é diferente, porque nós estamos falando de uma produção de caráter imaterial, nós não estamos falando de uma produção na materialidade ali de um determinado produto qualquer, nos estamos falando de formação, mas existem processos de exploração, que a gente está testemunhando agora na pandemia como tem se intensificado a exploração dos profissionais, as condições de trabalho e tudo mais, agora. Eu acho que o outro debate importante que o sindicato precisa fazer deste momento que nós estamos vivendo e do adoecimento dos professores.
1:09:48
P/1 - Vamos supor a seguinte situação, embora já tenha vivenciado isso em casa, mas eu queria uma reflexão sua. A senhora está diante de uma jovem de um jovem que decidiram serem professores, o que a senhora diria para eles?
R – Eu diria com muita tranquilidade, que é a melhor coisa que ele pode fazer na vida, porque ser professor é algo que dá sentido à nossa vida, essa é a primeira questão. E aí você pode falar: poxa professora mudou bastante. Mudei, mudei muito e a minha vivência na educação que me faz perceber a importância de ser professora, mas acima de tudo, de ser uma professora que busca todos os dias entender que mundo é esse, com que público eu estou lidando, quem é esse sujeito com quem eu dialogo e de como aquilo que eu faço pode impactar a vida dele. Então a segunda questão que eu diria é: isso é de fato a melhor opção que você fez na sua vida, mas pense no impacto que tem a sua atuação sobre a vida do outro. E esse outro muitas vezes é uma criança, é uma adolescente. De toda forma, essa relação entre professor e aluno, é uma relação de assimetria do ponto de vista de poder, do poder do conhecimento, etc... Não dá para dizer que não a assimetria, mas eu diria assim, você pensar no outro, ter a referência no outro, de como a sua atuação profissional, pode reverberar sobre ele para a vida toda. É algo que precisa ser considerado desde o primeiro dia que a pessoa assume a condição de ser professor ou professora, mas que é algo assim inimaginável, não tem como você medir o impacto disso. Também sobre as nossas próprias vidas, de como a gente vai mudando nosso olhar sobre o mundo, sobre as pessoas, a partir da vivência na escola.
1:11:52
P/1 – Professora, sem lhe pedir nenhum exercício de futurologia, mas como à senhora vê o futuro da educação no Brasil?
R – Nossa, eu nem sei como responder isso, eu diria que nós hoje temos uma base alargada de reflexões acerca da educação, coisa que a gente...
Grande medida nós não tínhamos, então nós temos a possibilidade de conhecer muitas experiências, que foram desenvolvidas ao longo do tempo e eu diria que o futuro da educação no Brasil ele não pode ser tratado dissociado do futuro do próprio Brasil. Ele tem que estar relacionado àquilo que nós queremos para o país. Eu imagino Luiz, que nós sempre temos em confronto na nossa sociedade, dois projetos, é uma forma meio reduzida, para não dizer que é reduzida, eu diria que é uma forma mais didática de tentar entender, lógico que em cada grupo aqui, você tem variações, mas eu diria que nós temos, grosso modo, dois projetos em debate na sociedade historicamente. Você olha a história do país é isso que você vai ver um projeto que quer um país desenvolvido, mas cujo desenvolvimento econômico-social ele tem as pessoas na sua centralidade, então nesse projeto a educação é algo pensado para já, e algo pensado como um direito universal, ou seja, algo para ser assegurado com qualidade para todos e todas em todos os níveis. Então o futuro da educação num contexto desses, é um futuro promissor, de uma educação vinculada à sociedade, vinculada a um projeto de desenvolvimento, vinculado a nossa condição humana, eu diria que é uma educação que é para gente se tornar cada vez mais humanos, ok. De outro lado, você tem um projeto que também pensa o desenvolvimento, mas não pensa o desenvolvimento tendo as pessoas na centralidade, ele pensa o desenvolvimento tendo as pessoas como artifício para alcançar os lucros, alcançar a lógica da produção, independentemente de como isso repercute sobre o mundo, sobre as pessoas, sobre o cenário onde a gente vive, sobre, inclusive, a própria natureza, o meio, etc... Nesse projeto, o futuro da educação ele não existe numa perspectiva democrática, o futuro da educação ele volta, eu diria, ao passado da nossa educação, que é de uma educação para poucos, de uma educação para manter a estrutura social altamente desequilibrada, hierarquizada, é um futuro de volta ao passado mesmo, no sentido de que é para formar os que vão gerir que vão pensar na estrutura mais ampla da sociedade, os que vão executar, nessa lógica mesmo de assimetrias permanentes e de verticalidades. Então o futuro vai depender das escolhas que nós façamos para o projeto de sociedade que nós estamos vivendo. Se for para uma sociedade democrática, um futuro esperançoso, é um futuro de educação para todos e todas. Se for para um projeto de inversão da lógica democrática, então não há futuro, é volta ao passado como a gente tem testemunhado muitas vezes. É volta ao passado tentando impedir a crítica, impedir a liberdade de expressão dos professores, romper com autonomia das escolas para escolherem seus dirigentes e opinarem sobre os projetos políticos pedagógicos, é o retrocesso para que uns pensem o projeto da escola. Nós já vivemos tempos que os nossos projetos desenvolvidos em escolas públicas, não eram pensados nas escolas, eram pensados no gabinete, no gabinete do secretário, do ministro, ou coisa que o valia. Por isso que eu digo que não é um futuro, é um retorno ao passado.
1:16:11
P/1 – Professora, eu estou satisfeito. Teria alguma coisa que a senhora gostaria de ter dito e não disse alguma coisa que eu não estimulei a dizer?
R - Talvez dizer que por mais que a gente pense, que o sindicato ele seja uma estrutura que não está dando a resposta que eu preciso, naquele momento, isso é um pouco uma mensagem que eu gostaria de deixar, é de que nós só temos chances de construir uma escola mais democrática, uma educação com qualidade que se referencia nas pessoas, na sociedade, se nós tivermos organizações fortes, e a organização forte, é uma organização que se sustenta no coletivo, nas construções mais coletivas possíveis. Então nesse sentido, sustentar o nosso sindicato, sustentar que eu digo, não é só, a sustentação financeira também importante, mas é sustentar no sentido de estar ali, de contribuir, de refletir junto, de caminhar junto, de fazer a crítica ao sindicato, à direção do sindicato. Sindicato é a nossa representação como categoria profissional. Fortalecer o nosso sindicato eu penso que é algo que todos e todas devemos assumir como uma tarefa cotidiana, cotidiana. Eu sou uma professora aposentada, continuo contribuindo com meu sindicato, não apenas do ponto de vista de uma contribuição financeira que é fundamental, mas eu diria que contribuindo à medida que eu posso com reflexões, dialogando e penso que essa tem que ser a tarefa de todo mundo, o sindicato ele é para a categoria, e é um espaço para buscar uma transformação de fato da realidade, e assim como eu me filio ao meu sindicato da rede básica, que eu sou professora aposentada da educação básica, eu me filio e sou filiada ao sindicato da educação superior. Porque eu considero que são estâncias de organização dos trabalhadores e trabalhadoras, importantíssimas, e se os trabalhadores e trabalhadoras não tiverem esse espaço para ajudar a refletir, estruturar, e planejar a luta coletiva, nós não temos como avançar. O avanço não é individual, ainda que queiram dizer para a gente que sim, as conquistas são sempre coletivas.
1:18:44
P/1 – Professora, como é que a senhora se sentiu participando dessa entrevista? Como é que avalia isso?
R - Para falar a verdade eu fiquei feliz quando conversei com você, quando você disse desse espaço de memória mesmo, a partir das pessoas, penso que é um registro, é a memória do sindicato, é a memória dos professores. Quero muito ver e rever, falas de pessoas que antecederam, e pessoas que vieram depois, que tem outras percepções sobre esse processo. Eu acho que isso contribui substantivamente, para que a gente se conheça, e que a gente possa continuar fazendo esse caminho, importante para a educação, porque assim, às vezes as pessoas inadvertidamente pensam que o sindicato só luta pela questão profissional ali né, a valorização dos professores num sentido estrito, como se fosse, a valorização é o salário. Se você voltar no tempo é possível que você já tenha feito isso, e pegar as pautas de reivindicações dos professores, elas eram pautas com muitas agendas, muitas agendas, algumas agendas, claro que de ordem financeira, porque nós somos antes de tudo trabalhadores e trabalhadoras e vivemos do nosso trabalho, nós não somos abnegados, vocacionados, nós somos profissionais, é como tal precisamos ser reconhecidos, isso passa pela valorização salarial, mas não é só isso. Os professores lutam, também pela educação de qualidade para todos e todas. E quando você tem um professor com melhores condições de trabalho, que inclui, por exemplo, uma jornada adequada, um salário adequado, um espaço adequado para poder atuar, isso ganha o professor individualmente, enquanto sujeito, mas ganha educação, uma perspectiva mais ampla. Por isso eu penso que um dos desafios hoje é analisar a condição da pandemia, porque o que nós estamos testemunhando são os professores trabalhando com muita dificuldade. Por que não foram preparados para isso, na sua formação, tendo que enfrentar um mundo remoto, porque não é educação à distância o que nós estamos fazendo, é um trabalho remoto com muitas limitações e com muito sofrimento. Porque tem uma coisa que talvez as pessoas não saibam, mas os professores eles comemoram a vitória dos seus alunos, a vitória da aprendizagem e eles sofrem e choram as dificuldades de aprendizagem, muitas vezes que se caracterizam na derrota dos seus alunos. Na minha trajetória de vida, além da minha irmã mais velha que a professora, tem um irmão, o segundo abaixo, que é professor de artes cênicas, da rede pública também, e ele está passando um momento super difícil na vida dele, porque ele sempre foi um professor extremamente dedicado, e o grande sofrimento é como fazer a arte cênica usando apenas as ferramentas digitais, para um professor que se quer usar o celular até antes da pandemia. Então isso não é uma questão qualquer, e um professor que é sério como o professor Doni, mas outros professores da rede, professores sérios e comprometidos, nós somos exatamente a grandessíssima maioria, esses professores tem sofrido muito com o resultado do que estão vendo, além das mortes, das perdas, do sofrimento dos alunos que são decorrentes da pandemia. Mas da nossa própria atuação profissional, eu estou vendo isso porque eu tenho familiares que são professores, tanto meu filho, quanto o meu irmão que continuam atuando na rede, e eu como professora da Universidade, não é uma questão qualquer, é uma questão séria que precisa ser refletida.
1:22:35
P/1 – Para encerrar eu gostaria de uma última pergunta, que a senhora nos dissesse quais são os seus sonhos?
R - O meu sonho é que passe logo essa pandemia, que a gente possa viajar de novo, que a gente possa se encontrar, se abraçar, que a gente possa conversar sem ter uma interferência de uma máscara, que desvirtua o som, que a gente possa sentir o cheiro das pessoas e dos lugares, este eu diria que é o meu sonho nesse exato momento. Queria muito poder estar onde as pessoas estão eu queria muito poder realizar o meu trabalho olhando para o meu aluno, porque não dá, por exemplo, eu tenho orientação com os meus alunos e é ruim demais, por mais que eu já usasse antes a tecnologia, para medir alguns encontros nas orientações do trabalho de conclusão de curso e outros, mas nós tínhamos os momentos da convivialidade, essa presencialidade, esse sentir o outro, esse olho no olho, a brincadeira, tudo isso é algo que é próprio da nossa condição humana, e isso nós perdemos. Então o meu sonho nesse momento é que a gente possa voltar a conviver e a se encontrar, esse é o meu sonho. Para além dele, meu sonho é que a educação pública chegue a todo lugar e que todo mundo possa ter acesso a ela como um direito e não como algo diferenciado, para uns e para outros.
1:24:08
P/1 – Muito bem professora, tenho muito à agradecer o tempo, a ótima entrevista que a senhora meu deu, que essas histórias que a senhora contou... Eu só imagino, nos do Museu da Pessoa temos uma metodologia que faz do encontro presencial a base de tudo, a gente está sendo obrigado a criar, construir esse conteúdo via remoto, isso para nós também é muito doído, mas enfim, é a forma que a gente consegue estabelecer contato. Muito obrigado pela sua atenção, pelo seu tempo, e vamos em frente né professora!
R – Brigada Luiz! Parabéns para você e também para os colegas, para a Wini e o Alisson, por desenvolver esse trabalho, eu considero muito importante.Recolher