Eu queria ser artista de teatro: cantar nos palcos estilo Broadway. “O mundo é o seu palco”, Shakespeare disse. Pensava se ele estivesse querendo dizer alguma coisa. “Mesmo não sendo uma artista, você possa exercer essa vocação numa atividade normal. The world is your stage!&r...Continuar leitura
Eu queria ser artista de teatro: cantar nos palcos estilo Broadway. “O mundo é o seu palco”, Shakespeare disse. Pensava se ele estivesse querendo dizer alguma coisa. “Mesmo não sendo uma artista, você possa exercer essa vocação numa atividade normal. The world is your stage!” É claro que eu não fui ser artista e nem tinha essas qualidades, mas lembro que me imaginava sempre assim! Mas minha mãe tinha visto numa revista a foto de médica segurando um nenê: “Que lindo, a minha filha vai ser uma médica assim, que faz parto!” E eu, meio sem saber o que fazer, falei: “Não sendo artista, tanto faz engenharia ou medicina” e assim foi. Prestei as duas.
Passei no vestibular do Mackenzie em Engenharia Civil. Fui na primeira semana de aula e achei maravilhoso! Mas logo depois saíram as outras listas e minha mãe me obrigou a ir para a Medicina na Unifesp. O começo foi bem traumático, aqueles cadáveres todos, né? Uma coisa é a literatura, outra coisa é a prática. Chocava muito. Mas não para ficar com medo e sim pela tristeza de ver, por exemplo, o cadáver de uma moça bonita ali largado e que ninguém dava bola. Ou de uma criança de cabelinho cacheado num amontoado de cadáveres… Quando você tem 17 anos, a primeira consciência de que no fim você não é nada e que tudo passa… É chocante.
Estar dentro de um hospital é como estar num seriado: cada dia é um capítulo! Tem os trágicos, tem os engraçados. E eu nunca fui daquele tipo de moça que adora criança. Algumas crianças me chamam atenção, mas não são todas. E eu lembro que quando passei pela Oncologia Pediátrica, aquelas crianças me chamavam atenção não porque eu fosse boazinha, ou que tivesse pena porque sabia que muitas iriam morrer. Me chamavam atenção como elas, se sentindo tão mal e sob quimioterapia, conseguiam manter aquela alegria e brincar. Havia alguma coisa ali. E toda vez que acabava a aula, eu ia para a enfermaria de Oncologia e levava alguns brinquedos. Queria descobrir mais sobre elas. Me apeguei especialmente a um menino que era muito inteligente. Ele devia ter uns dez anos e tinha um câncer gravíssimo. Só que ele parecia muito bem e eu, talvez pela minha própria inexperiência do quarto ano, não soube avaliar o quão grave o caso era. Numa manhã chuvosa, falei: “Vou passar antes na enfermaria” porque eu tinha levado um livro sobre uma coisa que ele tinha falado. Encontrei a cama vazia: “Ele foi fazer algum exame?” “Não, ele morreu essa noite”, e aquilo foi uma coisa marcante. Uma das coisas que ele me ensinou foi dar valor ao momento presente. Você conhece alguém, aquele momento é um momento na eternidade em que você se aproxima de alguém que você até não conhecia e pode ser que tudo acabe. Nós só temos pra nós o presente, mais nada.
Se fiz Medicina porque a minha mãe mandou, Dermatologia foi porque o meu marido mandou. Mas desde antes já tive uma grande influência: a minha vó materna! A vó Thomazina, de Salerno, região sul da Itália. Não passa uma semana sem que eu diga alguma que ela costumava falar. Ela era cheia de ditos espirituosos, como: “Mulher não sente frio e nem calor, tem que por a roupa que planejou e pronto!” Ou: “Para ser bonita, precisa sofrer um pouco!” Quando éramos muito jovens, eu e a minha irmã, tomando sol no Guarujá, ela falava: “Moça fina não toma tanto sol assim!” Sem precisar estudar Dermatologia! Foi uma influência grande. Durante a Residência, eu adorava cuidar daqueles homens que carregavam jornal velho e que tinham o pé todo machucado com verrugas plantares que o povo chama de “olho de peixe”. Eu era a rainha do olho de peixe! Adorava tirar e eles me traziam presentes como bombons e sabonetes em forma de peixinho. Foi uma época extraordinária!
Eu nunca fui pioneira em aplicação de toxina botulínica como muita gente pensa. Nós, depois, nos tornamos a clínica que mais aplica na América Latina, mas eu não fui a pioneira no Brasil: mas sim o Doutor Paulo Matsudo. Eu sempre fui um tipo que espera os outros experimentarem. Mas também sempre fui a que gostava de testar: “Será?”, então no nosso staff, testávamos. No começo, havia uma série de recomendações de uso. Não pode deitar o frasco da toxina botulínica de cabeça pra baixo, não pode fazer exercícios logo em seguida. Ia ter um feriado de três dias que emendava com o fim de semana e eu deixei um frasco preparado numa sala em cima de uma mesa. “Vamos deixar esse frasco preparado três, quatro dias em cima de uma mesa onde bata sol.” Depois, mandei aplicar em mim. Se houvesse algum problema seria em mim. E deu certo. Com a aplicação da toxina botulínica, o resultado era espetacular porque nunca se havia conseguido antes, mesmo com a cirurgia plástica, por exemplo, tirar as rugas na testa ou rugas na lateral dos olhos, nem a cirurgia plástica conseguia. Então, dava-nos o maior prestígio! Nós aparecíamos aos olhos da paciente como verdadeiros artistas Michelangelo. Tenho saudades dessa época onde a toxina ainda não era tão conhecida.
Para o sofrimento das funcionárias, eu sou muito demorada para atender os pacientes. Mas tenho uma extrema curiosidade sobre as pessoas e isso me faz saber exatamente o que elas desejam, ou o que elas não gostaram no outro médico. Como o meu filho fala: “Como que você sabia que o fulano era não sei o quê? Que o tio da outra foi não sei o quê?”, de descobrir esses segredos, né? E eu costumo responder, quando ele era pequeno, mas ficou uma tradição: “Meus anos na Virgínia”, que é a sede da CIA, brincando com ele, como se eu tivesse sido uma agente secreta. Até alguns anos atrás, ele ainda perguntava: “Mas você foi mesmo?”, e eu falava: “Pra sua própria proteção, é melhor que você não saiba”. Uma certa habilidade de penetrar um pouco na vida da pessoa.
É isso: acho que eu tenho a habilidade de descobrir o que a pessoa está pensando ou querendo e talvez tenha conseguido passar isso para as médicas que trabalham ou trabalharam comigo. E a minha referência é sempre no passado, por incrível que pareça. Uma área tão tecnológica, mas alguém já falou: “É preciso amar o passado se o passado merecer, mas viver para o futuro”, então a referência do passado pra mim é muito importante. O que foi considerado bonito, o que permaneceu sendo considerado bonito e adaptar o futuro e as novas tecnologias às referências de beleza do passado, o que era bonito continua sendo bonito. sou viciada em Machado de Assis, em Eça de Queiroz, em Oscar Wilde. Isso me dá uma grande vantagem, até porque inclusive, em algumas obras como Oscar Wilde têm muitas referências de aparência, de estética, de moda, né? Gostei muito de dois livros que eu li do Umberto Eco, História da Beleza e História da Feiura, qualquer referência a uma obra de arte eu procuro ver, hoje nós temos essa facilidade. E também tenho uma extrema curiosidade sobre as pessoas e isso me faz saber exatamente o que elas desejam, o que elas não gostaram no outro médico. São informações difíceis de tirar, porque não é o que a pessoa fala, é o que fica na entrelinha, quais são os problemas que ela teve com cremes, com tratamentos anteriores e partir já de um patamar onde outros erraram ou não entenderam bem o que ela queria, o que me dá uma certa vantagem. Talvez por isso, hoje, eu seja conhecida na mídia como a “papisa da toxina botulínica”!Recolher