Memória do GERH
Depoimento de Darci Garçon
Entrevistado por Márcia Ruiz e Stela Tredice
Itú, 30/9/2005
Realização Instituto Museu da Pessoa
Transcrito por Luisa Fioravanti
P/1 – Boa tarde, Darci!
R – Boa tarde!
P2 – Eu queria que você desse seu nome completo, data e local de nascimen...Continuar leitura
Memória do GERH
Depoimento de Darci Garçon
Entrevistado por Márcia Ruiz e Stela Tredice
Itú, 30/9/2005
Realização Instituto Museu da Pessoa
Transcrito por Luisa Fioravanti
P/1 – Boa tarde, Darci!
R – Boa tarde!
P2 – Eu queria que você desse seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Meu nome é Darci Garçon. Eu nasci numa pequena cidade no interior de São Paulo que se chama Poloni. Isto fica próximo a São José do Rio Preto e eu nasci no dia 24 de julho de 1938. Devo acrescentar que eu sou a única pessoa importante que nasceu nesta cidade.
P1 – Qual o nome do seu pai e de sua mãe?
R – Meu pai se chamava Luiz Garçon Martins e minha mãe Madalena Carrasco Guerrero Rodrigues.
P1 – Você sabe a origem do nome da sua família?
R – De que?
P1 – Da origem do nome da sua família. Você sabe?
R – A informação que eu tenho eu acho que, eu já estive na Espanha várias vezes procurando documentos, inclusive para pegar passaportes e não consegui. Originariamente o Garçon que vocês estão vendo aí era com z e aqui no Brasil ele se transformou em ç, mas a origem efetivamente eu não sei, só sei que é um nome espanhol.
P1 – E seus pais imigraram para o Brasil quando?
R – Meu pai chegou no Brasil em 1914 e minha mãe chegou alguns anos depois. E aí há uma curiosidade que eles chegaram com alguns anos, cinco ou seis anos de diferença, eles são originários de cidades diferentes da Espanha e foram morar no interior da cidade de São Paulo, naqueles confins, na época não tinha absolutamente nada, era só mato e acabaram se conhecendo. A curiosidade é que quando eu fui à Espanha para reencontrar os parentes – foi eu quem fiz o restabelecimento do contato - fiquei surpreso quando cheguei na cidade onde meu pai nasceu e eu disse que eu queria encontrar a cidade onde minha mãe nasceu e a informação que me deram era que ficava à 40 quilômetros dali. E isso foi muita coincidência: o acontecimento de eles se conhecerem no interior de São Paulo e o fato deles virem de cidades muito próximas da Espanha.
P1 – Qual era a cidade deles na Espanha?
R – A do meu pai chama Vilches e da minha mãe San Estevan del Puerto.
P1 – E que região da Espanha?
R – Próximo de Sevilha, na Andaluzia.
P1 – E você sabe qual era a atividade de seus avós na Espanha, o que eles faziam?
R – Eles eram agricultores. O meu avô era chamado de El Melonero, porque ele tinha uma plantação de melões lá nessa cidade da Espanha.
P1 – Isso o avô por parte de pai?
R – De pai, mas também eram agricultores, mas não sei dos apelidos. Todos o espanhol dessa época carrega um apelido junto.
P1 – E você sabe a razão pela qual seu pai e sua mãe vieram para o Brasil ou não?
R – Olha, sem dúvida eles vieram, na verdade não foram eles, quer dizer, vieram os pais, os meus avós. Eles vieram em busca de melhores oportunidades na vida. Tentar alguma coisa que pudesse dar a eles condições de sobrevivência mais digna do que eles tinham lá na Espanha na época.
P1 – E quando eles chegaram no Brasil vieram fazer o que?
R – Para a roça, foram trabalhar na lavoura, inicialmente como empregados e ao longo do tempo depois de muitos anos de trabalho eles conseguiram adquirir terras e ter suas próprias propriedades. Meu avô, quando faleceu, estava numa situação razoavelmente boa, graças a Deus!
P1 – Quantos irmãos você tem?
R – Sete irmãos.
P1 – E você é o irmão mais velho?
R – Não, eu sou o do meio. Tenho quatro irmãs e três irmãos.
P1 – A cidade que você nasceu foi a região que seus avós vieram e depois foi onde seus pais se conheceram e ficaram?
R – Sim.
P1 – Você se lembra da cidade, da casa que você morava, quer dizer, que você morou? Você se recorda dessa fase?
R – Eu me lembro perfeitamente da casa onde eu nasci, na verdade nós moramos em duas casas diferentes. Eu vivi lá de 1938 até 1960, vinte e dois anos mais ou menos. Eu me lembro sim da casa em que eu nasci e que minha mãe dizia: “Você nasceu aí!”. E me lembro muito bem da casa que eu morei durante minha infância e juventude. Era uma casa bem em frente à igreja, numa esquina, e que hoje virou um bar.
P1 – Conta para a gente como que eram as brincadeiras, o que vocês faziam na infância, qual eram as atividades que vocês tinham?
R – Olha, o que eu deveria dizer é o seguinte, eu acho que eu sempre fui praticante de esportes. Desde pequeno a minha grande diversão era jogar futebol. E depois na adolescência eu jogava futebol e tive oportunidade profissional, inclusive. Mas eu jogava futebol e depois virei corredor, eu era velocista, eu corria provas de 100 metros rasos e fazia revezamento 4 por 100. Eu era o corredor mais veloz da cidade e nós participávamos de competições fora da cidade, eu tenho medalhas e troféus desde essa época. Eu não era muito chegado em outros tipos de brincadeira, eu não me lembro de ter brincado de outras brincadeiras como soltar papagaio, jogar pião, essas coisas raramente. Eu não sou chegado nessas coisas não.
P1 – E fala uma coisa, qual era a atividade do seu pai?
R – Meu pai tinha uma loja e tecidos.
P1 – E sua mãe?
R – A minha mãe só cuidava dos filhos sozinha, eram oito crianças e não tinha empregada. Então ela torrava café, fazia pão, além de lavar roupa, fazer a comida e essas coisas.
P1 – Quais foram os momentos mais marcantes da sua família nessa época de infância e pré-adolescência?
R – Infância e pré-adolescência? Puxa, você está exigindo um esforço de memória que acho que eu não vou conseguir, viu!
Infância... (PAUSA). Olha, eu acho que eu vou preferir mencionar um fato da minha adolescência que diz respeito a uma namorada. Eu devia ter 13 ou 14 anos, por aí, e a menina também. Eu gostava muito daquela menina e ela correspondia a esse afeto, mas eu nunca tive coragem de me aproximar dela e conversar com ela e dizer: “Olha eu gosto de você. Quero namorar você.”. Esse foi um fato marcante na minha adolescência que eu guardo na memória até hoje e as últimas vezes que eu estive lá eu ainda vejo essa moça. Hoje ela já é avó e tudo mais e eu não me esqueço nunca desse fato.
P1 – Qual foi a sua primeira escola? Foi nessa cidade onde vocês moravam?
R – Sim, foi na cidade Poloni, fiz o curso primário lá.
P1 – E depois como a sua formação foi se dando?
R – Bom, depois que eu terminei, eu comecei o curso ginasial já numa outra cidade que se chama Monte Aprazível, que fica muito próximo e lá eu fiz o ginasial, o clássico. E aí eu tinha duas opções na vida, ou eu virava jogar de futebol ou eu vinha para São Paulo fazer o curso universitário. E foi aí que minha mãe se interferiu na história. Um dia ela preparou a minha mala e disse: “Você vai para São Paulo trabalhar e estudar!”. Ela mesma tomou a iniciativa. Naquela época se fazia transporte de arroz para São Paulo por caminhões e ela própria foi lá e conseguiu uma carona para mim e eu vim para São Paulo de carona de caminhão e me instalei lá no parque D. Pedro II para começar a minha vida aqui em São Paulo.
P1 – Qual foi o primeiro emprego seu aqui em São Paulo?
R – Olha, eu tinha 19 ou 20 anos, por aí, e eu consegui um emprego como entregador numa empresa chamada Sambra. Naquela época se usava telex, não era e-mail como é hoje.
Trabalhei durante três ou quatro meses nesta empresa. Os telegrafistas recebiam o telex e eu ia levar esses telex para as pessoas que deviam recebê-lo. Eu fiquei durante uns três ou quatro meses, depois jogando futebol eu tive um acidente e quebrei o dedo e precisei voltar para Poloni para ficar um mês lá para me recuperar e deixei o emprego, esse emprego.
P1 – E nessa época você já tinha começado a fazer a faculdade?
R – Não. Eu depois voltei para São Paulo e talvez eu tenha algumas coisas interessantes para dizer. Quando eu vim para São Paulo, eu vim sem que meu pai pudesse me manter aqui, quer dizer, não tinha recursos, com oito filhos não poderia, então eu tinha que arrumar um trabalho e estudar. Eu arrumei um emprego, fui trabalhar nesta empresa, que se chamava na época Anderson Clayton, na área de treinamento. E lá eu comecei a fazer o cursinho e durante seis meses eu fiz o cursinho, trabalhava o dia inteiro e fazia o cursinho a noite. Fiz o vestibular lá na USP e ingressei. Mas aí tem um detalhe que é o seguinte, como eu precisava entrar na faculdade eu trabalhei mais uns três ou quatro meses nesta empresa e larguei, eu consegui ser mandado embora e com a grana que eu recebi eu pude ficar três ou quatro meses sem trabalhar, só estudando. Eu morava no Parque D. Pedro, no Treme-treme, próximo ao Mercado Municipal. Então, como é que eu sobrevivia com o dinheiro que eu tinha apurado? Um dia eu almoçava e comia salada de tomate à noite e no outro dia eu fazia o contrário, comia uma salada de tomate no almoço e jantava na pensão à noite para não gastar muito dinheiro. Aí eu entrei na Pedagogia, lá na USP. E um dia apareceu alguém lá procurando alguém para trabalhar em Recursos Humanos e eu fui, aí eu fui trabalhar na Rhodia, em Santo André.
P1 – A sua escolha por fazer Pedagogia foi por pressão familiar ou você tinha vontade de fazer pedagogia? Como é que foi?
R – Não, eu não tinha, na época Pedagogia não é o que é Pedagogia hoje na escola. Na época o curso que mais se aproximava do que eu fazia, que era treinamento, era Pedagogia, e para decidir por Pedagogia eu fiz uma pesquisa. Eu perguntei para várias pessoas que curso que era compatível com o meu trabalho e a orientação era essa: “Faz Pedagogia que é por aí mesmo.”. E de fato era o curso mais apropriado, melhor do que Psicologia para treinamento.
P1 – E você teve alguma frustração em fazer o curso ou você acha que atendeu às suas...?
R – Atendeu plenamente. Há um fato curioso, o meu curso demorou sete anos, o curso normal normalmente duraria cinco, durou sete. Por que durou sete? No último ano, nessas alturas eu trabalhava no grupo Villares e eu fui para o exterior, eu fiquei durante cinco meses estagiando em umas empresas nos Estados Unidos. E quando eu voltei houve uma reforma no ensino e que afetou a Pedagogia e eu tive que fazer dois anos, algumas outras disciplinas que antes não estavam previstas. Mas respondendo a sua pergunta, foi o curso apropriado. Foi o curso que eu deveria ter feito, e eu me dei muito bem e achei que foi a melhor na escolha.
P1 – Voltando um pouquinho, você disse que na época foram à USP pedindo uma pessoa para trabalhar com treinamento e a empresa era a Rhodia. Houve um processo de seleção entre os alunos ou foram as pessoas que se interessaram, como se deu esse processo?
R – Foi um convite, mesmo porque no meu currículo já tinha a experiência de ter trabalhado em treinamento na Anderson Clayton. Então o meu curricullum e a minha escolaridade eram adequados e eu tenho que lembrar que naquela época era muito mais fácil arrumar emprego do que é hoje. Muito mais fácil, não era essa briga que os jovens têm hoje para achar emprego.
P1 – Conta para a gente um pouquinho como é que você desenvolveu sua carreira profissional na área de Recursos Humanos?
R –
Eu acho que fui uma pessoa de sorte, fui um privilegiado porque eu trabalhei durante 30 anos em empresas e nunca precisei correr atrás de um emprego, eles sempre vieram até mim. A melhor experiência que eu tenho foi no grupo Villares onde eu fiquei durante oito anos, eu ingressei lá também à convite. Eu trabalhava numa outra empresa, a Vemag, que talvez valha a pena eu te contar o que aconteceu na transição entre Ródia e Vemag. Então a pessoa me convidou e eu fiquei
oito anos nesta empresa, inicialmente trabalhando na divisão de elevadores como analista de Recursos Humanos e no final de oito anos eu estava no staff, na área staff de Recursos Humanos e eu assessorava as várias empresas do grupo e assessorava as pessoas que no final de alguns anos se tornaram diretores de Recurso Humanos, um deles, o Dácio Pozzi, era assessorado por
mim que é essa pessoa que está aí fora.
P1 – Dentro desta sua trajetória você trabalhou na Anderson Clayton, depois você foi para a Rhodia, você foi para o grupo Villares e depois você foi para que grupo mais?
R – Depois da Villares eu fui para a o Chase Manhattan Bank. Você quer que eu fale um pouco sobre isso?
P1 – Eu quero.
R – Eu estava na Villares já há oito anos e precisava mudar de ares e eu recebi um convite do Chase. Só que o Chase empurrou muito com a barriga a decisão e nesse meio de tempo eu recebi um convite do Crefisul e fui para o Crefisul, logo depois do incêndio que matou 180 pessoas aqui em São Paulo. Fiquei lá alguns meses, quatro ou cinco meses e aí o Chase resolveu me convidar, oficializar o convite. que eu acabei aceitando porque eles me faziam a promessa de que eu deveria trabalhar durante dois anos no Rio de Janeiro, depois eu passaria dois aos nos Estados Unidos, na matriz, e depois voltaria para cá numa outra posição. Ocorre que no final de três anos eles não cumpriram o combinado de me mandar para os Estados Unidos e eu comecei a trabalhar a minha volta para São Paulo e acabou acontecendo.
P1 – Queria que você
explicasse um pouquinho para a gente qual a diferença de uma área de RH dentro de uma indústria naquela época e a diferença de um RH dentro de uma área financeira, dentro de um banco?
R – Vou te explicar da seguinte forma. Quando eu saí da Villares para ir para uma empresa financeira eu precisei mudar inteiramente, comprar sapatos adequados, meias adequadas, roupas adequadas, gravatas importadas, camisas de seda. Porque lá na indústria é muito diferente, você usa ou macacão, capacete essas coisas. E eu não tinha roupa melhor do que essas e quando eu fui para o banco eu tive que mudar inteiramente. Isso aí só para te dizer o seguinte: a gente numa industria a gente trabalha na linha de produção, então você esta diante de uma máquina que está operando e que você pode colocar uma pessoa para ser treinada e você vê resultados imediatos do seu trabalho e quando você vai para uma empresa financeira a situação é muito diferente você tem que lidar mais com situações de percepção, de motivação, quer dizer, é uma outra cultura, digamos assim, você está aqui pegando de um lado, pegando no pesado vendo as coisas acontecerem de fato e aqui você vai para o teórico.
P1 – Quando você saiu do Chase que vocês estavam no Rio, vocês vieram para qual empresa?
R – Eu vim para São Paulo para uma empresa chamada KSB, a convite do Clóvis Bojikian que está aí hoje com a gente. Interessante que vale a pena eu relatar esse episódio: no dia que eu pedi demissão do Chase e eu estava na minha casa lá no Rio oferecendo um jantar para os meus amigos de despedida e no dia o Clóvis me liga e diz: “Vê se consegue reverter a situação aí no banco porque aqui deu para trás, não vai dar mais.” E eu falei: “Clóvis, não dá. Hoje eu estou oferecendo um jantar de despedida para os meus amigos e eu não tenho como voltar atrás.”. E ele falou: “Tá bom, então você vem e vai ficar aqui com a gente até você achar outro emprego, você acha e vai embora.”. Isto antes, aí eu me mudei para São Paulo, já tinha três filhos, casado, voltei para São Paulo e fiquei traumatizado durante 30 dias no mínimo, assim, paralisado. Mesmo porque eu tinha acabado de reformar a minha casa e todo o dinheiro que eu tinha eu empenhei nesta reforma. Mas eu fiquei lá um mês, dois meses, três meses e a empresa acabou assimilando meu trabalho e eu fiquei lá durante dois anos e sai depois de dois anos.
P1 – E quando você saiu você foi para onde, Darci?
R – Eu saí de lá e fui para o Banco Fiat, indo para o Banco Fiat eu já fui por intermédio do headhunter, quer dizer, um profissional que estava fazendo um processo de seleção para o Banco Fiat e ele concluiu comigo. E o interessante da história é que quando eu acertei com o Banco Fiat eu fui lá conversar com o Clóvis e falei: “Clóvis, agora eu vou embora. Arrumei um emprego!”. Ele falou: “Calma, vamos fazer o seguinte, eu vou te mandar embora, vou te pagar todos os seus direitos e a empresa vai ficar feliz da vida com isso porque eu estou mandando um gerente ir embora.”. Entendeu, aí aconteceu isso, saí com grana e daí
para frente eu comecei a refazer a minha vida porque até ali eu tinha gastado tudo o que eu tinha.
P1 – E você ficou quanto tempo no Banco Fiat?
R – Fiquei dois anos trabalhando e no final de dois anos eu recebi um convite do João Augusto Miranda, que está aí, para ir para Credicard e a mudança para a Credicard foi outra mudança dramática. Eu fiquei lá cinco anos.
P1 – E porque é que foi dramática?
R – Eu entrei numa empresa cujo temperamento era absolutamente incompatível com o meu temperamento. Eu estava numa empresa que era vaidosa, arrogante e outras qualidades similares a esta. Em que as pessoas, a regra geral, andavam com o nariz muito empinado, com alto nível de agressividade porque eram a primeira no ramo, mas eram a primeira e única porque eles não tinham concorrência e eu comecei a trabalhar lá sentindo isso e fui sobrevivendo e tocando. Fiquei lá cinco anos e no final de cinco anos eu estava com gastrite crônica, aí eu resolvi sair e deixar a empresa porque o caráter e a personalidade da empresa eram contrários ao que eu sou. Eu sou uma pessoa low profile, de trabalhar debaixo do pano. As pessoas falam a meu respeito aqui, ninguém me vê fazendo discurso, eu não vou nem uma vez lá na frente, meu trabalho é feito na retaguarda e na empresa, no trabalho é assim também, quer dizer, eu não bato na mesa, eu não brigo. Então eu acabei saindo da empresa porque eu estava muito mal e foi melhor assim.
P1 – E aí quando você saiu da Credicard você foi para onde?
R – Aí eu já tinha sido convidado por um colega meu de Chase para me associar a ele numa empresa de consultoria e eu fiz isso. Eu fui trabalhar com temporários. Nós abrimos uma empresa e eu fiquei mais cinco meses na Credicard e a empresa começou a funcionar. Quando ela estava dando algum dinheiro, eu arrumei um jeito de negociar a minha saída e fui tocar o negócio.
P1 – E a empresa é a empresa que você permanece até hoje ou não?
R – Não, essa empresa mudou de nome porque houve um processo na justiça, chamava Persona e nós perdemos e tivemos que mudar a razão social, hoje chama Intelecto. Há dez anos essa empresa continua, eu tenho lá uma pessoa que é a minha sócia e meu filho, que está, aqui trabalha lá com ela e os dois que tocam a empresa. e eu estou na TAG e eu mesmo faço a seleção de executivos.
P1 – E sobre essa história que você contou dessa sua trajetória profissional? Eu queria que você dissesse para a gente quais foram essas mudanças mais significativas, o que você acha que foi mais importante para você enquanto profissional nesta sua trajetória?
R – Olha, eu acho que a mudança mais importante que eu tive foi essa que eu mencionei no começo, de sair da indústria e ir para uma empresa financeira. Você não muda só a roupa ou só o sapato, tem que mudar a sua cabeça, a maneira de pensar, quer dizer, a maneira de se relacionar com as pessoas, que é completamente diferente do que numa indústria. Eu acho que essa mudança foi muito marcante na minha vida. Eu tenho dado essa situação como exemplo de mudança, você deixar de pensar como um operário e passar a pensar como um gerente de banco. As cabeças são completamente diferentes
P1 – Você gosta do que você faz profissionalmente, Darci?
R – Eu gosto. Posso te adiantar que aos 67 anos e com quase 45 anos de trabalho eu estou meio cansado. Às vezes eu estou com preguiça, ás vezes eu prefiro pegar uma revistinha de corrida ou ir fazer um treinamento lá na USP e nem lembrar que eu tenho lá os meus cargos para fazer, isto acontece sim. Mas eu acho que é um stress, não um stress, é um desgaste que isso está me trazendo, mas que eu vou ter que, enquanto tiver possibilidade, enquanto eu tiver clientes, vou continuar fazendo esse trabalho.
P1 – Me diz uma coisa, como é que você se envolveu com o Grupo de Estudos de GERH?
R – Olha, eu estava na Credicard na época e existia dois grupos, o GERH e o GERHOF. E o João Augusto, ele queria dinamizar o grupo e queria aumentar os integrantes, acho que tinha uns 10 ou 12 e ele queria dobrar esse número. Como eu sabia da existência do outro grupo eu fui fazer o contato com a pessoa que coordenava aquele grupo e fiz a aproximação entre os dois coordenadores e nós fizemos a fusão entre os dois grupos. Então a minha história no GERH começa a partir dessa fusão. Eu contribuí para que os dois grupos se encontrassem e negociassem a fusão.
P1 – E essa fusão do grupo? Qual a proposta dele desde o início?
R – Da fusão?
P1 – É, na verdade do surgimento deste grupo, qual era a proposta dele na verdade?
R – Olha, todos os grupos informais, principalmente naquela época – eu estou falando de 25 anos atrás – a idéia de cada grupo era trocar experiências. Era essencialmente trocar experiências. O que é que acontecia? Alguém ia lá e falava: “Na minha empresa desenvolveram um plano de salário que é assim!”. O outro dizia: “Como é que é a forma de pagamento na sua empresa?”. O outro levava uma listagem de vagas que existia na empresa para solicitar indicação de candidatos, e isto mudou vertiginosamente. Hoje esse tipo de coisa ainda acontece mais diretamente, quer dizer, uma pessoa liga para a outra para ir pegar.
O GERH, não sei como é que os outros grupos funcionam, mas a preocupação é cenário, teoria, não estamos preocupados com o processo, a idéia é saber projetar o futuro , o que é que vai acontecer daqui há dois ou três anos? Vai entrar uma lei tal, e qual impacto que essa lei terá sobre o nosso trabalho ou sobre o nosso negócio? A preocupação, usando uma expressão muito em moda, a estratégia, a grande preocupação hoje dos grupos informais é saber como é que o profissional dos Recursos Humanos pode participar de um negócio. Participar de um negócio é estratégia, então a empresa vai mudar de local ou vai botar um produto novo no mercado, ela vai adquirir uma outra empresa, quer dizer, tudo isso vai agir sobre pessoas. Então quando é possível se pensar nesses tipos de projeto para um ou dois anos, você tem que pensar estrategicamente, ou seja, como é que nós vamos resolver isso. Esse é o estratégico. Então a preocupação de hoje é mais o cenário e ser mais estratégico do que troca de experiência pura e simplesmente, o que acontecia mais no passado.
P1 – Durante esses 25 anos quais foram as grandes questões que o grupo abordou? Você acha que foram significativas?
R – Sem dúvida, eu até acredito que eu já tenha comentado aqui, que é cidadania e Ética. Há uns dez anos atrás, mais ou menos por aí, esses temas foram trazidos para fóruns como este, bem antes que eles se tornassem alguma coisa atual e moderna. E foi importante, foi marcante porque algumas pessoas do grupo se dispuseram a sair para fazer palestras e apresentações em outros grupos informais, em escolas, em empresas sobre a questão Ética e sobre a questão de cidadania. Sem dúvida esses dois foram os mais importantes na história do GERH.
P1 – E que tipo de colaborações o grupo trouxe nessas discussões, mesmo nesse pensar para as transformações na área de desenvolvimento de pessoas nas empresas? O que você acha que foi marcante?
R – Olha, é muito difícil responder essa pergunta porque o que acontece num grupo informal? Quer dizer, um grupo informal tem como um dos seus objetivos contribuir para que a pessoa entenda melhor do seu trabalho e seja capaz de fazer coisas melhores para a sua empresa. O convívio num grupo informal dá condições para isso e os trabalhos que se fazem no informal, os estudos, as discussões, ajudam as pessoas. Mas é muito difícil a gente saber o que essas pessoas fazem com isso lá nas suas empresas, de maneira que eu não posso responder a sua pergunta.
P1 – Vocês fazem alguma gestão do conhecimento que esse grupo tem, que adquiriu? É feito alguma coisa?
R – Não, não é feito nada. O grupo trabalha as coisas e depois cada um vai para a sua empresas e não se fala mais nada, morre tudo por aí.
P1 – Você lembra de alguma história ou algum episódio interessante que tenha acontecido nas atividades do grupo que você acha interessante contar para a gente?
R – Me dá um exemplo. Que tipo de coisa, por exemplo?
P1 – Alguma coisa que você acha significativo para o grupo, algum fato que ocorreu com o grupo que você até acha que foi importante para o direcionamento do grupo.
R – Não, eu não me lembro, mas vou mencionar um caso. Nós tivemos um colega que faleceu há alguns anos atrás, não sei quantos, foi uma morte repentina, ele teve um enfarte. E depois que isso aconteceu, na reunião seguinte, o grupo parou para refletir sobre esta questão, que a pessoa está viva hoje e que daqui a pouco pode não estar. Que lições que a gente poderia tirar deste acontecimento. E aí uma discussão que acabou redundando numas pessoas indo fazer check-up, que não faziam há muito tempo, outros que deixaram de ser sedentários, a questão do fumo, de bebida alcoólica, da alimentação, todas essas coisas vieram a baila com o objetivo de que as pessoas pudessem mudar de hábito e preservar mais a vida. Isso foi um fato que, não sei se é suficientemente relevante, mas aconteceu num determinado momento.
P1 – Como é que vocês renovam e articulam as pessoas no grupo?
R – É, essa é uma preocupação que a gente tem e isso é feito de uma maneira sub-reptícia. Um grupo como este, que é muito heterogêneo, que é composto por profissionais de empresas e por consultores não é muito receptivo a novos integrantes, não. E acontece que se você não mudar as pessoas, o grupo acaba envelhecendo. Então nós percebemos isso há dez anos atrás e começamos a trazer pessoas mais jovens, mas trabalhando de uma forma estratégica, procurando fazer um trabalho de bastidores para que se aprovasse o ingresso daquela pessoa junto a um grupo representativo.Então a gente tem que fazer desta forma, quer dizer, trabalhar a admissão de pessoas para evitar a reação do grupo, e isso é feito por três ou quatro pessoas e o grupo inteiro não sabe que é assim. Eu sou um que faz este tipo de articulação de buscar gente jovem e convencer os meus amigos pessoais e: “Olha, eu quero apresentar o fulano de tal.”. “Ah, eu conheço!”. Então as três ou quatro pessoas reforçam, aí os outros todos aprovam a pessoa. Mas não é fácil.
P1 – E quais são os desafios do grupo nesses próximos 25 anos na sua opinião?
R – Os desafios do grupo! Eu acho que o desafio é sempre o mesmo que é o de ser capaz de antever as coisas que vão acontecer. Tem que prever, ser capaz de enxergar três, quatro ou cinco anos e discutir internamente que soluções que poderão ser dadas aos problemas que eventuais transformações venham a causar para as empresas. O desafio é sempre esse, olhar para frente.
P1 – Eu queria que você falasse um pouquinho, voltando a essa questão da saúde, você me falou lá fora um pouco da sua atividade física e que você é maratonista, queria que você contasse para a gente um pouco disso.
R – O que eu estava dizendo é que a melhor contribuição que eu poderia dar para a sociedade é contar para as pessoas, principalmente o pessoal da minha faixa etária como é que eu levo a vida e qual é o meu objetivo pessoal, que eu já defini há alguns anos atrás quando eu li um livro muito importante, chamado Em Busca de Sentido, de um autor judeu chamado Frankl, que viveu num campo dce concentração e que desenvolveu uma modalidade de psicoterapia que é a logoterapia. É preciso dar sentido para a vida, e como é que eu dou sentido para a minha vida? Eu jogo tênis, eu treino corrida quatro ou cinco vezes por semana, eu participo de competições no Brasil quase todo o fim-de-semana, corridas de dez ou doze quilômetros, mesmo em provas de revezamento, como Ilha Bela ou Campos de Jordão. E eu faço meias maratonas internacionais, eu já corri 18 meias maratonas fora do país e eu faço musculação. Como eu treino muito eu preciso cuidar desta parte do corpo para não ficar deste jeito, então eu faço ginástica para isso daqui. Então o esporte dá sentido à minha vida. E outra coisa, eu sou a eminência parda deste grupo, eu sou a eminência parda de outro grupo de jovens, de profissionais de Recursos Humanos jovens, chama Grupo Reflexão. Eu participo de um grupo de estudos que se reúne todas as quartas-feiras. Esse grupo pega um livro qualquer e vai discutir o livro durante semanas seguidas e eu trabalho normalmente. Então essas minhas maratonas internacionais, quando eu saio para viajar, eu não vou lá para correr e voltar, eu vou lá para fazer turismo e procuro conhecer lugares que eu não conhecia ainda e que tenha alguma representatividade. Por exemplo, eu gosto muito de ir aos lugares onde a Segunda Guerra Mundial destruiu a cidade ou provocou estrago, como Berlim, por exemplo, como Varsóvia, Budapeste, Praga e eu tenho ido a esses lugares sistematicamente. Em geral eu vou no primeiro semestre e no segundo semestre. Então eu procuro rechear a minha vida com o máximo possível de atividades para que eu não fique sujeito à depressão, ao uso de bebida alcoólica. Todo esse tipo de coisa me leva a ter um cuidado com a minha saúde, por exemplo, eu não exagero com a minha alimentação e eu não como determinadas coisas e bebo pouco, então, fora o fato que eu estou dando sentido à minha vida, eu também estou cuidando da minha saúde.
P1 – Você tem algum sonho, Darci?
R – Algum sonho? (PAUSA) Eu tenho sim. O meu sonho é ganhar na loteria esportiva e poder ficar durante seis meses por ano vagando pela Europa e isso está se tornando viável porque a minha filha e meu genro moram em Londres e eu já estou começando a projetar isso para os meus próximos anos. O meu sonho realmente é percorrer com mochila a Europa e eu tenho particular interesse de ir, eu conheço a Espanha muito bem, de Madrid que eu fui muitas vezes para baixo de onde vieram meus parentes, eu não conheço o norte da Espanha eu não quero fazer o...
P1 – Caminho de Santiago?
R – É, eu não quero. Eu quero ir lá e conhecer as cidades velhas, meu objetivo não é religioso, eu não sou ligado a nenhum tipo de religião.
P1 – Se você pudesse, você mudaria alguma coisa na sua vida?
R – Olha eu acho que não, viu! Eu acho que se eu tivesse que fazer uma autocrítica, eu diria que sou um sujeito low profile, que não gosta de aparecer, mas isto é aparente, é para quem está lá, não é comigo. Quer dizer, o fato de eu não me expor, de não estar fazendo um discurso lá na frente não apaga a minha imagem, pelo contrário, as pessoas sabem da importância que eu tenho na execução. De maneira que eu posso ficar assim porque a pessoa sabe que eu faço alguma coisa importante, mas não mudaria nada não. Não sei se, por exemplo, deixar de ser low profile seria alguma coisa, não ser um cara simples, eu me considero um simples, humilde, modesto, mudar isso seria alguma coisa. Não, não faria. Eu não tenho mudança a fazer.
P1 – E uma última pergunta que eu queria fazer. O que você achou de dar uma entrevista para a gente?
R – Olha, eu achei ótimo. (Choro) Deixa eu ver se eu consigo responder.
P1 – Quer um copinho d’água?
R – Quero. (Pausa) Por uma razão bem simples, (Pausa) vocês me provocaram uma reflexão sobre a minha vida. (Pausa)
P1 – Eu queria te agradecer por esse momento que para a gente foi uma troca muito legal. Você, na verdade, nos ensinou muita coisa com a sua história de vida. Obrigado.
(Fim da entrevista)Recolher