Um sonho na quarentena Em algum momento dessa noite, enquanto dormia, olhei para uma quina sombreada entre as paredes e vi o que acreditei ser um gato, talvez um gato novo para ocupar o lugar nosso gato antigo, tão querido. Eu achava que era muito cedo para pensar em um novo animal que pudesse ocupar o lugar deixado vazio, mas fui até ele e descobri surpresa que não se tratava de um gato, mas de um menino, um menino de poucos meses, moreno, de cabelos escuros, com o qual logo me encantei. Eu brincava com ele jogando-o para cima. Ria com o nariz quase encostado em seu pequenino nariz. E de repente ele golfou sobre mim uns restos amarelados de comida. Fui levada então a um hospital onde deveria ser testava para a infecção por Covid-19, transmitida possivelmente por aquela golfada que cobriu parte do meu rosto e do meu peito. O resultado demorava, no fim do dia e depois tarde da noite não tinha saído. Eu já tinha me esquecido por completo do menino: me encontrava em Berlim, descendo as escadas rolantes, na plataforma muito cheia de um metrô, rodeada por uma multidão. Aí eu gritava de modo decidido, tão germanicamente, que é possível imaginar que a voz se materializou nesse mundo em que nos movimenta a crença de que estamos todos despertos: DISTANZ! DISTANZ! DISTANZ! Todos se afastaram de repente sob o meu comando, abriu-se uma enorme clareira que me permitiu parar, abrir os braços e mantê-los firmes na altura dos ombros: eu era uma espécie de cruz ou de avião que queria levantar vôo naquele buraco aberto na multidão.
Que associações você faz entre seu sonho e o momento de pandemia?
Eu só posso contar alguns fatos que precederam o sonho: o gato daqui de casa desapareceu na noite do dia 02 para o dia 03 de abriu. Eu morei quase um ano em Berlim e vi ontem as pessoas de volta às ruas, que estavam bem cheias apesar da recomendação de distanciamento. Gostaria de ter mais uma criança em casa. Tenho uma menina de 13 anos. Meu gato me faz...
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Um sonho na quarentena Em algum momento dessa noite, enquanto dormia, olhei para uma quina sombreada entre as paredes e vi o que acreditei ser um gato, talvez um gato novo para ocupar o lugar nosso gato antigo, tão querido. Eu achava que era muito cedo para pensar em um novo animal que pudesse ocupar o lugar deixado vazio, mas fui até ele e descobri surpresa que não se tratava de um gato, mas de um menino, um menino de poucos meses, moreno, de cabelos escuros, com o qual logo me encantei. Eu brincava com ele jogando-o para cima. Ria com o nariz quase encostado em seu pequenino nariz. E de repente ele golfou sobre mim uns restos amarelados de comida. Fui levada então a um hospital onde deveria ser testava para a infecção por Covid-19, transmitida possivelmente por aquela golfada que cobriu parte do meu rosto e do meu peito. O resultado demorava, no fim do dia e depois tarde da noite não tinha saído. Eu já tinha me esquecido por completo do menino: me encontrava em Berlim, descendo as escadas rolantes, na plataforma muito cheia de um metrô, rodeada por uma multidão. Aí eu gritava de modo decidido, tão germanicamente, que é possível imaginar que a voz se materializou nesse mundo em que nos movimenta a crença de que estamos todos despertos: DISTANZ! DISTANZ! DISTANZ! Todos se afastaram de repente sob o meu comando, abriu-se uma enorme clareira que me permitiu parar, abrir os braços e mantê-los firmes na altura dos ombros: eu era uma espécie de cruz ou de avião que queria levantar vôo naquele buraco aberto na multidão.
Que associações você faz entre seu sonho e o momento de pandemia?
Eu só posso contar alguns fatos que precederam o sonho: o gato daqui de casa desapareceu na noite do dia 02 para o dia 03 de abriu. Eu morei quase um ano em Berlim e vi ontem as pessoas de volta às ruas, que estavam bem cheias apesar da recomendação de distanciamento. Gostaria de ter mais uma criança em casa. Tenho uma menina de 13 anos. Meu gato me faz falta e não consegui sair para procurá-lo como gostaria de ter feito. Berlim sempre foi uma espécie de ilha da fantasia para mim, um lugar para onde fui três vezes sempre deixando em suspenso os problemas daqui. E de repente até lá eu precisava fugir para outro lugar. A palavra no sonho era Distanz, uma palavra que é próxima e também distante linguisticamente.
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