Projeto Memória Identidade e Cultura Grupo Pão de Açúcar
Depoimento de Aymar Giglio
Entrevistado por Claudia Leonor
Gravação realizada em São Paulo, em 24 de outubro de 2003
Realização Museu da Pessoa
Entrevista GPA_CB014
Transcrito por Anabela Almeida Costa e Santos
Revisado por Camila ...Continuar leitura
Projeto Memória Identidade e Cultura Grupo Pão de Açúcar
Depoimento de Aymar Giglio
Entrevistado por Claudia Leonor
Gravação realizada em São Paulo, em 24 de outubro de 2003
Realização Museu da Pessoa
Entrevista GPA_CB014
Transcrito por Anabela Almeida Costa e Santos
Revisado por Camila Catani Ferraro
P/1- Então, vamos lá. Começando a entrevista, vou pedir de novo pra você falar seu nome completo, local e data de nascimento
R- Meu nome é Aymar Giglio eu nasci em Catanduva, São Paulo. Em 21 de junho de 1960.
P/1- E quando você veio pra São Paulo, Aymar?
R- Eu vim pra São Paulo pra fazer cursinho em 1977. Então faz 26 anos, né? 26 anos que eu vim pra São Paulo...
P/1- E você já sabia o que você queria?
R- É um negócio estranho porque eu não sabia o que eu queria. Eu tinha 16 pra 17 anos. Eu fui fazer 17 anos no meio daquele ano e eu vim como todo menino do interior pra fazer cursinho pra fazer engenharia, medicina, aquelas coisas. E eu cheguei lá no cursinho e vi que não era aquilo. Aí no meio do ano alguém me falou: “olha, tem uma escola, assim, assado, de administração de empresas, é um negócio meio de humanas, que você gosta, a escola é muito legal, nós temos uma turma aqui pra isso, uma turma de GV aqui no cursinho, vai lá ver.” Eu fui lá ver a turma da tal da GV, gostei da aula do cursinho para aquele vestibular da GV e fui fazer GV. Foi o único vestibular que eu prestei, a única escola que eu cursei e eu acho que deu muito certo. Acho que coincidiu de ser acabar sendo uma trajetória acertada, meio sem querer, como de resto tem que ser uma decisão de menino de 16, 17 anos. É duro você ter uma responsabilidade dessa com aquela idade, né? Mas a gente acaba escolhendo e normalmente dá certo.
P/1- Sua família incentivava alguma profissão?
R- No interior, naquela época, fazer administração de empresas era uma coisa menor. Eu sofri algum tipo de resistência, falava: “Hum, administração de empresas e tal.” Mas foi, numa segunda conversa já se viu que era um negócio legal, que era uma escola super legal e que valia a pena, e deu muito certo. Meu pai e minha mãe sempre me apoiaram muito, tal.
P/1- E aí você começa a fazer estágio, já começa a sua vida profissional.
R- Isso. No terceiro ano da escola a gente já tinha a pretensão de começar alguma experiência profissional. Então eu comecei no BCN, que era o Banco de Crédito Nacional, que agora é do Bradesco, né? E fiz um estágio muito curto na área de contabilidade, na área de análise de dados contábeis, essa coisa toda. Fiquei muito pouco tempo, achei que aquilo não era muito, muito bené... Enfim, me não me traria grandes coisas do ponto de vista de aprendizado. Fiquei muito pouco tempo. Logo a seguir eu entrei na Credicard e, aí sim, foi um estágio mais legal. Foi um estágio na área de cartão de crédito. A Credicard era uma empresa pequena, naquela época. Era uma empresa de 400 mil cartões. Hoje só nós aqui no Pão de Açúcar temos mais de 2 milhões de cartões, né? E a Credicard era uma empresa pequena, de modo que foi um estágio legal, né? Então esse foi meu segundo estágio, esse durou um ano. Emendando com esse segundo estágio, eu já estava terminando a faculdade e vim trabalhar no Pão de Açúcar. Recebi um convite: “olha, você não quer ir lá fazer uma conversa na área financeira do Pão de Açúcar?” Eu vim, conversei, era o Sérgio Pereira que era na época o gerente de orçamento. O Sérgio ficou aqui até 95, ele foi, chegou a diretor financeiro da empresa, né? Depois em 95 ele saiu. E daquela altura, 81 antão, até 95 eu trabalhei aqui no Pão de Açúcar, vim pro Pão de Açúcar, trabalhei aqui no Pão de Açúcar, sempre junto com o Sergio Pereira que ficou aqui até 95. E a partir de 95 eu fiquei com o Augusto, que veio, o Augusto Cruz. Chegou no fim, meados de 94 e já no começo de 95 eu estava trabalhando mais próximo do Augusto, ainda com uma certa subordinação, vamos dizer assim, houve um momento que eu fiquei um pouco subordinado ao João Paulo, ao João Paulo Diniz, que com a saída do Sérgio ficou cuidando um pouco dessa área de cartões, com o relacionamento que a gente tinha com a Credicard naquela época. Eu fiquei um pouco com o João Paulo e depois eu já fiquei com o Augusto direto.
P/1- Sempre na área de finanças?
R- Sempre na área de finanças, mas o que eu costumo dizer é que como são 22 anos e essa empresa mudou, provavelmente, quase que 22 vezes nos últimos 22 anos, quer dizer, houve muita mudança ao longo desse tempo. Então eu considero que mesmo dentro da área financeira, nunca tendo ido pra uma área comercial, por exemplo, ou de operações, houve muita coisa diferente ao longo desse tempo todo, né? Houve muita coisa... Eu costumo, quando tento olhar a minha trajetória, eu falo assim: “olha, tenho 22 anos numa empresa só, mas são muitos empregos dentro dessa empresa.” Coisas bem diferentes, né, tipo cuidar de cartões de crédito e tickets, cuidar de crediário, depois cuidar... teve um período até que eu cuidei até de cesta básica. A gente tinha uma venda de cesta básica, essa coisa toda. Depois, relação com investidores, que é um outro mundo totalmente diferente. É a parte de tesouraria, onde eu estou agora com o Moscarelli, onde a gente fica captando dinheiro e aplicando dinheiro no mercado, é outro mundo totalmente diferente de relações com investidores, totalmente diferente de área de crédito ou de meios de pagamento ou de cartões de crédito. Muito antigamente a companhia era totalmente outra, né, existiam estruturas que hoje não existem mais.
P/1- Descreve pra gente como que era esse... a década de 80.
R- Quando eu entrei aqui o Pão de Açúcar já era uma empresa muito grande. Era certamente a empresa número 1, do Brasil, no varejo. Mas era uma empresa que tinha crescido demais, tinha se espalhado demais ao longo do país. Tinha loja em Rondônia, tinha loja no Mato Grosso, tinha loja no Amazo... No Amazonas nunca chegou a ter. Tinha loja em Belém do Pará. Enfim, tinha se diversificado muito do ponto de vista geográfico e também do ponto de vista de negócio, e também do ponto de vista de business. Então o Pão de Açúcar tinha empresa de avicultura, que fabricava ração pra criar o pintinho que ia virar o frango, que congelava o frango, que exportava o frango. Tinha uma empresa trading que dali a pouco já estava construindo não sei o quê na África. Enfim, o Pão de Açúcar foi se diversificando de maneira não só geográfica, como em negócios. Tinha revendedora de automóveis, oficina de automóveis, empresa de turismo, operadora de turismo, empresa de restaurante industrial, empresa de fast-food, Well’s Restaurante, uma rede de fast-food que tinha. Quer dizer, tinha de tudo e ao longo desse crescimento da década de 80, aquela coisa toda, provavelmente foi perdendo o foco desses negócios todos, foi perdendo aquela base que é ter um foco dirigido pro cliente, que é ter um formato bem definido na sua operação, que é ter uma estratégia bem definida, que é ter controle de custos, né? E foi perdendo tudo isso. E eu imagino também que além do que, naquela época, tecnologia era um negócio meio complicado, né? Você imagina ter uma loja em Rondônia na década de 80, né? Provavelmente um computador do tamanho dessa sala aqui tinha menos memória que o meu palm. Então, quer dizer, devia ser um negócio complicado pra você controlar, pra você se comunicar. Telecomunicações era um negócio absurdo, não é? Comunicação de dados nem existia, né? Então, eu acho que ao longo daquela... Eu cheguei aqui no comecinho da década de 80, onde esse processo estava em andamento. E esse processo todo que eu acabei te descrevendo, ele foi evoluindo até o final da década de 80. Então, durante essa década ocorreu tudo isso que eu estou te falando e, provavelmente, se perdeu foco, eficiência etc. Nessa altura que eu cheguei aqui, eu fui trabalhar exatamente num braço financeiro relativamente desenvolvido que existia, que era a financeira Pão de Açúcar que depois virou Banco Pão de Açúcar, né? Então existiu durante um breve período de tempo um Banco Pão de Açúcar, onde eu trabalhei. Fazia parte do planejamento de marketing. E esse Banco Pão de Açúcar, no momento em que o Pão de Açúcar entrou na crise de 1990 e teve que ser reconstruído, esse Banco Pão de Açúcar, junto com todas aquelas outras estruturas, foi descontinuado. Então, aí o Pão de Açúcar entrou naquela fase que eu chamo de reconstrução, não é? Onde o nosso acionista controlador, o Abílio, retomou a empresa nas mãos e dentro de alguns, vamos dizer assim, mandamentos maiores, acho que um dos mais famoso é o corte, concentre, simplifique, começou um grande processo de reconstruir tudo aquilo. E nesse processo de corte, concentre e simplifique, esses negócios todos foram descontinuados e o foco foi voltado pra atividade que teria que ser a principal, que é a atividade de varejo, que é a atividade de loja. E nesse momento todas as lojas que estavam inviáveis economicamente, que estavam em péssima situação, um grande número delas foi descontinuado, foi fechado. E a empresa reduziu de tamanho mesmo nessa questão de varejo, mesmo nesse business de varejo, mesmo. E retomou em 90, 91 aí um processo de reconstrução já com umas 200 ou 200 e poucas lojas, no máximo.
P/1- Quantas eram?
R- Chegaram a ter, eu imagino, que chegou a ter próximo de 600 lojas no fim da década de 80. Você teve uma rede inteira de discounters, de pequenas lojas discounters que é o Mini Box, por exemplo, que chegou a ter mais de 150 lojas, né? Teve loja de departamento, né? Eu lembro que quando eu entrei aqui pra trabalhar pra trabalhar com cartão de crédito tinha o cartão de crédito Jumbo Eletro e Sandiz. A Sandiz foi a nossa loja de departamento, né? Que foi uma, vamos dizer, um investimento também que não se mostrou viável até, porque a própria indústria de loja de departamento no Brasil não foi pra frente. Hoje o Brasil não tem mais loja de departamento, né? E, então, esse fim dessa década de 80 e começo da década de 90, é bom lembrar que em 1991, quando o Pão de Açúcar estava iniciando essa grande reconstrução eu já tinha 10 anos de Pão de Açúcar, né? Então eu já tinha visto tudo isso acontecer.
P/1- E você saiu do banco e veio pro Grupo?
R- Quando o Banco foi descontinuado eu voltei pro, vamos dizer, pra corporação, pro que seria a corporação. Foi um breve período que eu trabalhei na Berrini. Que essa empresa teve a sede na Berrini de 87 a 90, mais ou menos, um negócio assim, se não me falha a memória. E, nesse finzinho, nesse começo de 1990, eu cheguei a ir pra lá, porque o Banco tinha sido descontinuado. O Banco era aqui, na Brigadeiro. E fui um pouco pra lá, então aí acompanhei também a volta da Berrini pra Brigadeiro, onde o Pão de Açúcar no processo de reconstrução voltou pro lugar original. Não só foi corte, concentre e simplifique, como vamos voltar um pouco também pras nossas origens, vamos voltar um pouco pra nossa raiz. De modo que eu fiquei muito pouco tempo longe aqui da Brigadeiro. E aí, voltando pra cá, eu costumo dizer assim, que de 90 até 93, mais ou menos, foi um grande processo de reconstrução, mesmo. E de 93, começo de 94 pra cá, foi crescer, foi voltar a crescer, foi voltar a evoluir. Aí, foram só, só coisas boas e coisas muito bacanas acontecendo ao longo desse tempo todo.
P/1- No seu dia-a-dia de trabalho, entre 90 e 93, quais eram os teus desafios? Especificamente no seu trabalho, na área de trabalho.
R- O primeiro desafio era, provavelmente, encontrar um espaço pra conseguir participar de toda aquela coisa, porque o Banco tinha descontinuado, eu fiquei, continuei na empresa. Eu voltei pra lá e continuei próximo da área com a qual eu já lidava há alguns anos, que era essa área de crédito, essa área de crediário, de cartões. Por quê? Porque o Banco tinha ido, mas essa área toda tinha continuado na empresa. Nós tínhamos aqui um volume muito pequeno de venda a prazo naquela época, porque nós estávamos num momento de alta inflação, num momento de hiperinflação, não é? Tinha tido o Plano Collor já. Que aliás, foi o Plano Collor que precipitou a crise financeira mais aguda do Pão de Açúcar, no começo de 90. Tinha tido todas essas coisas e as vendas a crédito, a operação de crédito estava muito diminuída. Então eu fui um pouco olhar essa parte que tinha ficado e logo eu estava, vamos dizer assim, administrando essa parte que tinha ficado, o que a gente chamava, na época, de Divisão de Crédito, que tinha sido um negócio enorme na década de 80. Ainda era muito grande nesse começo de 90. E a gente teve que diminuir, reestruturar e terceirizar algumas coisas e descontinuar outras. De modo que, entre 90, 92, eu fiquei um pouco participando desse rearranjo dessa área de crédito ao consumidor, do que seria a antiga Divisão de Crédito e foi aí que eu virei gerente dessa área aí de crédito, onde eu fiquei até, como gerente dessa área, até 95. Foi quando a gente começou a ampliar o escopo dessa área pra outras coisas, as parcerias com os cartões de crédito tipo Credicard, depois mais tarde Fininvest, e aonde eu acabei sendo uma pessoa que estava ali no momento em que, o que hoje seria, a área de Serviços e Produtos Financeiros se originou como uma coisa um pouquinho mais estruturada. Chamava naquele momento Meios de Pagamento, né? E aí, nós já estamos praticamente atravessando toda a década de 90, onde eu me vi envolvido, o tempo todo, com essas coisas, né? Basicamente, de 95 até o ano 2000, eu me vi totalmente dedicado a essa coisa de cartões, a essas parcerias, o nosso crediário, a nossa gestão em relação aos tickets alimentação, aos cheques pré-datados, essa coisa toda, né? E lidando com isso e tendo esse histórico da companhia, ao longo desse tempo todo, eu pude acompanhar tudo de bom que aconteceu na década de 90. Vamos dizer, quando se olha a parte operacional, o surgimento desse novo Pão de Açúcar, né, quer dizer esse Pão de Açúcar modelo Pão de Açúcar que até hoje é um benchmark, assim, inatingível do ponto de vista de modelo de loja, de operação de loja, de qualidade de atendimento, de inovação, né? Esse Pão de Açúcar começou a ser desenhado e construído a partir de 91,92 e 93, né? Então eu pude, estando naquela área de cartões, de crédito, acompanhar toda essa evolução do lado da operação do Pão de Açúcar, o crescimento dos Extras, que tinham surgido no finzinho da década de 80, comecinho da década de 90, pra virar hoje, o que eu diria, que é a melhor rede de hipermercados do Brasil. Então, a gente pôde acompanhar tudo isso. Do ponto de vista operacional, houve uma evolução brutal; do ponto de vista tecnológico, houve uma evolução monumental. E mais próximo de mim, que é na área financeira, houve muita coisa importante também. Como, por exemplo, a abertura de capital em 1995, né? Essa companhia se transformou numa empresa aberta, numa companhia aberta, com ações negociadas na bolsa, não só aqui, como em Nova York. Em 97, esse movimento foi ampliado e nossas ações, e nós fizemos um novo lançamento e nossa negociação em Nova York foi pro ADR nível 3, isso foi em 97. E essa evolução do ponto de vista de estrutura de capital continuou até 99, quando nós fizemos associação com o Casino, né? Então esses movimentos eu pude acompanhar, relativamente de perto que foram, até, conduzidos pelo Augusto e eu estava nessa área de crédito, próximo a isso tudo e, eventualmente, participando de algumas coisas. Teve coisas importantes também, além disso, na área financeira que foram todos os empréstimos que a gente fez com o BNDES. Eu tive a ocasião de participar do primeiro deles, de ajudar a fazer o projeto, aquela coisa toda. E esses dias estando nos jornais com mais um financiamento do BNDES pra essa empresa. Então foi uma coisa que também começou aí 96, 97 pra cá.
P/1- Os financiamentos do BNDES, qual é o foco deles?
R- Desde o começo o foco da nossa, vamos dizer assim, parceria com o BNDES foi financiar o crescimento da empresa, o crescimento orgânico da empresa. O BNDES não empresta pra capital de giro, não empresta pra aquisições, ele empresta pra investimento. Então, desde o começo essa empresa, ela não tinha ainda escala pra ter uma geração de caixa próprio, pra que pudesse sustentar seu crescimento sem endividamentos. Então, essa empresa, ela sempre vislumbrou a saída da abertura de capital, do lançamento de ações como sendo uma importantíssima fonte de financiamento. E isso, efetivamente, ocorreu em 95 e 97 trazendo mais ou menos 300 milhões de dólares pra essa companhia. Em 99 teve a grande parceria com o Casino que trouxe outros tantos milhões de dólares pra essa companhia. Mas, além dessas estruturas de capital próprio, vamos dizer assim, que a gente chama de (inaudível) também você sempre teve que desenvolver estruturas de (inaudível), de dívida, de endividamento. E o BNDES foi sempre a alternativa mais interessante no Brasil, porque era sempre a de maior prazo, com custos interessantes, mas sempre voltado pro financiamento do crescimento orgânico.
P/1- Tem alguma orientação do BNDES pra desenvolvimento regional, algum foco nos programas do BNDES?
R- Como a gente sempre abriu... Como a gente, óbvio que o BNDES se preocupa muito com isso e quando.. Como é que funciona os financiamentos do BNDES? A gente monta um projeto de investimento em lojas novas, reformas, apresenta pro BNDES e o BNDES aprova esse projeto. Todos os projetos que nós mostramos sempre tinha um foco de investimento em áreas diferentes do Brasil, São Paulo, Minas Gerais, Brasília, Nordeste. Então, essa característica sempre teve nesses empréstimos que a gente acabou fazendo com o BNDES, inclusive nesse último que está saindo agora, né? Que tem lojas em Goiás, lojas em Brasília, lojas em São Paulo, lojas em Minas Gerais, enfim. Então, essa fonte BNDES de recursos de longo prazo é uma fonte muito importante pro crescimento orgânico. Hoje a CBD já tem uma geração de caixa próprio muito maior, já pode ter um crescimento orgânico razoável sem precisar de fontes de endividamento, porém, esse tipo de operação sempre possibilita acelerar esse crescimento, sempre possibilita que você faça as coisas um pouco mais rápido do que seria o ritmo só de geração de caixa próprio. E a gente sabe que varejão, em varejo, escala é um negócio fundamental, né? E a gente sabe que os nossos dois grandes competidores, um é uma empresa que fatura 250 bilhões de dólares por ano, que é o Walmart, não é grande competidor no Brasil, mas eventualmente, um dia, pode vir a ser. E o outro grande competidor, esse sim o nosso mais próximo competidor no Brasil, Carrefour, é uma empresa que hoje fatura quase 100 bilhões de dólares por ano. Então a gente sabe que esse é um jogo de bichos grandes, né? De gente muito grande.
P/1- O faturamento do Pão de Açúcar hoje?
R- O Pão de Açúcar deve estar próximo de quatro bilhões de dólares.
P/1- Só um minutinho, tá. Quatro?
R- Quatro bilhões de dólares, né? Então, quer dizer, se você for olhar... Só que em termos de Brasil obviamente que o Pão de Açúcar já abre uma vantagem de mais de 20% sobre o Carrefour, que é o segundo player, né? Varejo tem muita essa coisa. Quer dizer, tem esses gigantes globais, mas o varejo ainda é uma coisa que tem uma característica local muito importante. Então, embora eles sejam muito gigantes lá fora, aqui dentro nós ainda somos, realmente maiores e temos escala e temos condições de continuar o nosso crescimento nesse mercado. Reproduzindo, eventualmente, a trajetória que eles tiveram lá fora, aqui dentro do Brasil, né? Então, acho que esse é uma das, provavelmente, é um dos pontos em que o Pão de Açúcar pode trilhar no futuro, que é reproduzir dentro do Brasil, uma empresa local, uma empresa nacional, um tipo de crescimento, um tipo de domínio de mercado que um Walmart fez nos Estados Unidos, que um Carrefour fez na França, enfim. Então, eu acho que esse é o caminho a ser trilhado.
P/1- Me fala uma coisa, corrige se eu estiver errada, tá? Existe algumas aquisições locais e de redes locais, não grande redes, mas redes locais. Como é que isso perpassa pela tua área?
R- Olha, de 98 a 2000, basicamente, principalmente, o Pão de Açúcar fez muitas aquisições, fez algumas aquisições grandes. Basicamente em 97 a 2001, o crescimento foi muito acelerado, essa empresa praticamente dobrou de tamanho, cresceu mais do que 25% ao ano. E, além das aquisições mais relevantes, Barateiro, depois Peralta, a operação Paes Mendonça, que foi uma operação inovadora e realmente muito importante pra essa companhia, o Pão de Açúcar fez uma série de pequenas aquisições. Porque onde apareceu oportunidade pra você adquirir uma meia dúzia de lojas, que você pode pagar um preço muito bom. Você conecta essa meia dúzia de lojas ao nosso conjunto de lojas e pronto. Quer dizer, é um negócio que os nossos modelos diferentes de lojas, Pão de Açúcar, Compre Bem, Barateiro, permitem que você faça esse tipo de aquisição e possa adaptar, relativamente rápido àqueles modelos que você já tem. Então, a nossa companhia, ela tem condições de fazer, além das aquisições médias ou grandes, essas pequenas aquisições, porque é como se você fosse plugando novas lojas ao seu set de lojas, né?
P/1- E você falou que a operação Paes Mendonça foi inovadora...
R- A operação Paes Mendonça foi inovadora porque a operação Paes Mendonça envolveu uma empresa que era muito grande, que estava numa situação muito complicada. A empresa Paes Mendonça chegou a ser a maior empresa de varejo de supermercados desse país, e a empresa Paes Mendonça era uma empresa, vamos dizer assim, quebrada. Então era uma empresa que ninguém conseguia viabilizar a compra dessa empresa. E nós, o Pão de Açúcar, aí a nossa diretoria, Abílio, Augusto, eles conseguiram achar uma solução, em que através de uma estrutura de arrendamento isso foi possível, vamos dizer assim, formatar uma operação que possibilitasse que aquelas lojas do Paes Mendonça que provavelmente teriam que ficar fechadas pra sempre, que aquela empresa estava quebrada, e tal, pudessem ser arrendadas e a partir daí continuar sua operação. Então foi uma operação pioneira no Brasil e foi uma operação que agregou um conjunto de lojas muito importantes pra companhia. Não em número, mas havia uma quantidade relevante de hipermercados. Então, quer dizer, foi uma aquisição muito importante.
P/1- Quando você começou a trabalhar aqui, você lembra qual foi a primeira vez que você viu o Abílio Diniz? Mudando completamente de assunto.
R- Não, lembro. Acho que eu comecei a ver o Abílio Diniz quando, basicamente, quando eu fiquei um período... Acho que naquele período da Berrini, foi quando eu comecei a ver o Abílio de vez em quando. De modo que foi um período curto que eu fiquei lá, foi quando eu tive um pouco mais de contato próximo com o Abílio. Que durante a década de 80 não estava tão dentro da empresa como veio a estar a partir da década de 90, que foi quando, aí sim, eu comecei a estar mais próximo da diretoria aqui e, portanto, conviver, ou mais próximo ou menos próximo, com todas as pessoas que nós temos trabalhado ao longo desse tempo. O Abílio, com o Augusto, com o Luis Antonio...
P/1- Tem algum fato marcante, assim, em relação ao Abílio?
R- Abílio é uma figura emblemática sobre todos os sentidos. Uma figura que pra um cara jovem, executivo, aspirante a executivo, que vem trabalhar numa empresa, ele é um modelo de todos os tipos. E, do ponto de vista pessoal e mais próximo, a gente teve muito contato quando eu fui relações com investidores. Acho que a gente teve um contato um pouco mais próximo. E, do ponto de vista, assim, mas, mais do ponto de vista pessoal, ainda, a relação dele com o esporte, toda essa coisa que ele tem com a qualidade de vida, com a saúde das pessoas nos aproximou de uma certa maneira, porque em 1995, 96 eu comecei a correr. Eu sou um maratonista perna de pau, né? Então, essa minha vinda, saindo de ser uma pessoa totalmente sedentária e parada, naquela época eu tinha 35 anos, e passando a correr. E aí, em 96, o João Paulo me convidou pra ir pra maratona de Nova York. Naquele ano nós fomos em um grupo de 20, se não me engano. O Abílio estava junto, tal. Naquela eu acho que houve uma aproximação, assim, sobre esse aspecto da corrida, dos esportes, que é uma coisa muito importante pra mim, não é? É uma coisa muito marcante pra mim. Agora...
P/1- Você começou a correr por conta dessa...
R- Na verdade, eu comecei a correr porque eu tinha ido jogar futebol e tinha tentado desmaiar umas oito vezes jogando futebol, e aí eu percebi que eu tinha que fazer alguma coisa. E a gente trabalhava aqui na Brigadeiro, na frente de um restaurante que tem aqui em baixo, tinha uma casa que era um escritório do Pão de Açúcar que chama Brigadeiro tres mil 200 e alguma coisa, uma casinha que tinha ali. E a tal Divisão de Crédito, que eu era gerente, era lá. Então, isso foi em 95, fim de 94. E eu, como tentei desmaiar várias vezes lá, jogando futebol, a gente então falou... E tinha outros colegas da Divisão de Crédito que estavam no futebol. Falei: “ó, nós vamos fazer o seguinte: vamos lá no parque na hora do almoço, andar, correr, alguma coisa desse tipo, se não eu vou morrer aqui na quadra.” E aí compramos um chuveirinho, né, uma ducha que tinha ali uma casa de material de construção que tinha ali na frente, na Brigadeiro, ali ao lado da Bradesco. Compramos um chuveirinho, pusemos no banheiro lá no fundo, não é, que tinha dessa casa. O escritório era uma casa e fizemos lá um mini, micro, vestiário e vínhamos com uma malinha com um short, um tênis e uma camiseta. Aqueles tênis completamente inapropriados, de quem nunca tinha feito nada disso. E começamos a andar no Ibirapuera, eu, o Roberto Borghi, que não está mais na empresa e o Sales, que está na empresa ainda. Começamos, seis meses depois nós estávamos correndo devagarinho. E aí nós já estávamos no comecinho de 96, e o João Paulo ficou sabendo. Eu comentei alguma coisa: “ó, eu estou correndo.”; “Pô, você está correndo? Você vai pra Maratona de Nova York.” Falei: “Como pra Maratona de Nova York? Pô, não é possível!” “Não, você vai. Procura o Vanderlei de Oliveira.”, que era o nosso técnico, “e você treina lá com ele, que primeiro domingo de novembro é a maratona.” Isso estava em junho quase, de 96. Pois, olha de junho de 96 a novembro de 96, eu treinei com o Vanderlei de Oliveira, o Roberto Borghi também. E lá fomos lá pra Maratona de Nova York nesse grupo de umas 20 pessoas, que foi em 96. e fiz minha primeira maratona lá, depois disso fiz mais sete. E foi ali o começo. Então, são momentos do ponto de vista pessoal bem interessantes, né? À parte todos os desafios, todas as coisas fantásticas que ocorreram do ponto de vista profissional, teve coisas muito legais, mas do ponto de vista pessoal também. Você não fica 22 anos numa empresa sem ter um envolvimento e, realmente, uma identidade muito grande com tudo isso, né?
P/1- Das qualidades do Abílio, do caráter dele que que você mais admira? Que te passa, assim, de lição?
R- Força, força, obstinação, coragem. Eu costumo dizer, que do ponto de vista de esporte, a única disciplina que eu tenho é pegar, pôr um tênis e sair correndo, né? Mas eu fico abismado de ver o Abílio fazendo aqueles pesos lá na academia, fazendo... você percebe quando uma pessoa tem disciplina, obstinação, força. Eu costumo dizer que as pessoas não são uma coisa aqui, outra coisa ali, outra coisa lá. As pessoas normalmente são o que são, né? Então, essa característica de obstinação, de disciplina, de força,
isso aí é uma coisa muito interessante. E junto com isso, quer dizer, até por atrás de uma aparência, vamos dizer assim, de uma pessoa séria, de uma pessoa dura, uma pessoa muito preocupada com os outros, muito envolvida com os outros. Isso me toca muito próximo, ou seja, uma pessoa que se eu tiver algum problema de saúde, ou mesmo profissional, eu sei que é uma pessoa que está ali pra olhar, pra... Então, você ter a oportunidade de conviver com uma pessoa com a estatura dele do ponto de vista de empresário, de executivo e de importância num segmento e numa sociedade, e ao mesmo tempo poder ter essa proximidade no sentido que você sabe que está uma pessoa, que além de você poder se espelhar, de você poder se, vamos dizer assim, te servir como exemplo de uma série de coisas, uma pessoa que você percebe que é uma pessoa com quem você pode contar, é uma coisa muito legal, né? Então essas coisas não são, não são pouco não, são muito.
P/1- Não. E 22 anos... Desses 22 anos tem alguma história engraçada que você pode contar pra gente?
R- História engraçada deve ter, mas eu assim...
P/1- Sem citar nomes.
R- Não, mas eu assim, de cara, em um segundo, acho não sou capaz de lembrar. Mas deve ter muita coisa engraçada. Deve ter, com certeza deve ter, mas assim num único segundo assim não sei dizer. Mas com certeza tem.
P/1- Vocês querem perguntar alguma coisa?
P/2- Eu quero. Aymar, você falou que a área que você mais se dedicou foi Meios de Pagamento.
R- Em termos de tempo, sim.
P/2- Eu queria que você falasse um pouquinho da evolução dos meios de pagamento, mas não sob o ponto de vista da corporação, porque esse você falou, sob o ponto de vista da loja. Como é que alguém fazia compra em 1980, como é que você pagava uma compra?
R- Pois, é. Eu lembro que a primeira televisão que eu comprei, foi uma televisão 14 polegadas, acho que já era colorida, em 1980, 1982, na Sandiz. Sandiz Augusta, 82, 83. Aí, de repente, a Sandiz da Augusta abriu em 82, enfim, eu não me lembro. Ou 82, ou 83, eu comprei essa televisão lá. 24 prestações no carnê. Era um carnezinho amarelo e verde,assim, escrito Sandiz. Já era operado pela nossa Divisão de Crédito, nós sempre tivemos o crediário próprio. Não existia o cartão de crédito. Quer dizer, existia sim um cartão de crédito que já, já eu falo, mas era uma operação muito pequenininha e não tinha a aceitação dos cartões de crédito de mercado, que eram muito pequenos naquela época, no Brasil, né? O cartão de crédito é um fenômeno da década de 90, do ponto de vista de massa. Então, você chegava lá, ia no crediário, ficava lá esperando 20 minutos, 15 minutos, sei lá quanto. O seu crédito era analisado, você preenchia uma ficha manual. Aquele carnê, ele era feito na loja. Aí tinha uma maquininha que ia fazendo os furinhos pra fazer mês a mês, em cada mês tinha um furinho, assim, porque aí você ia destacando as folhas e o furinho ia mudando de lugar pro mês que ainda faltava você pagar. Então, era um negócio totalmente manual, totalmente baseado no contato do cliente com a pessoa da loja. E que se o cliente tivesse que fazer 10 compras ao longo do ano, 10 vezes ele ia repetir praticamente o mesmo processo. De lá pra cá, tudo mudou e hoje em dia você consegue fazer em um único processo, bastante automatizado de concessão de crédito, que esse cara saia com um plástico na mão e com esse plástico ele vai repetir suas compras, ao longo do tempo, sem precisar perder tempo, absolutamente on-line, real time, esse tipo de coisa. Então, a evolução tecnológica foi brutal. Eu acho que eu tenho guardado até hoje esse carnê. Porque aí ficava um toquinho, né? Você pagava a parte principal do carnê, você ficava com aquele toquinho assim...
P/1- (risos) Canhoto.
R- É, aquele canhoto. Então, eu acho que tenho isso guardado em algum lugar até hoje Mas, essa evolução na parte de meios de pagamento foi brutal. Eu acho que o Pão de Açúcar foi pioneiro na área de meios de pagamento. Nós fomos a primeira grande rede a aceitar cartões de crédito num segundo momento de aceitação de cartões de crédito, de 95 pra cá. Nós fomos a primeira rede a fazer associações, como por exemplo as que nós temos com a Credicard e com a Fininvest. Ou, de novo, do ponto de vista de larga escala, o nosso crediário próprio, ele foi pioneiro na década de 70 e subsiste até hoje. O crediário ainda é um instrumento automatizado, modernizado, mas ainda é um instrumento relevante na operação de linha branca, de produtos de maior valor agregado. O crediário ainda é um instrumento de Brasil. Ainda é um instrumento de país com população com menor poder aquisitivo, não bancarizada. Mas eu acho que a gente foi pioneiro nessa área em muitas coisas, também.
P/1- Aymar, deixa eu perguntar uma coisa, você freqüenta o Pão de Açúcar
loja, quando você vai comprar pra sua casa?
R- Frequento.
P/1- Que loja que você frequenta?
R- Eu freqüento, eu faço compra no Extra Itaim e no Pão de Açúcar Borba, Loja 1 e Pão de Açúcar Borba Gato. Porque eu moro ao lado da Borba Gato. Itaim, às vezes que eu vou ao Extra, eu gosto de ir no Itaim. E a Loja 1 porque a gente sai daqui já dá uma passadinha ali, ou vai na hora do almoço comprar uma barra.
P/1- Qual o lugar que você mais gosta de ficar na loja, que você gosta de comprar?
R- Ah, eu gosto dos perecíveis, né? Eu gosto de... frutas, essa parte de coisas prontas de, de... Aliás, eu não devia dizer aqui, que nós estamos falando de esportes, mas a parte de doces é um negócio brutal, né? É um desafio cada vez que você vai lá, não sair cheio de doces e depois não comer todos os doces, né? Então, me agrada muito também. Eu gosto muito de fazer compras de supermercado, né? É gostoso, eu faço isso com relativo prazer, vamos dizer assim. Eu gosto, gosto do produto, gosto de estar lá. E as nossas lojas, diga-se de passagem, essas principalmente, a Loja 1 é delícia de você comprar, o Extra Itaim é muito agradável. Então, é bom você estar nas lojas, né?
P/1- Que que você achou de ter passado aqui essa meia horinha com a gente falando sobre a sua trajetória no Pão de Açúcar?
R- É gostoso. Eu acho que, eu acho que isso é uma iniciativa super relevante, do ponto de vista de que se eu estou aqui, ou outras pessoas que estão aqui há tanto tempo e têm sua visão sobre o que se passou, sobre o que aconteceu, tanto com elas como pessoas, como com a companhia, como o país ao longo desse tempo. Porque eu acho que depois a gente acaba não estando mais e essas coisas se perdem, né? Então eu acho que o registro é um negócio muito importante, né? Muito legal. Meia horinha é muito pouco pra falar tanto, mas de tanta coisa, mas é bem legal isso.
P/1- Deu pra ter um flash, pelo menos?
R- Deu, deu, deu. Deu pra lembrar um monte de coisas, porque a gente vai lembrando, né? Isso é um exercício também, você ir fazendo
P/1- É. é. É um fio, a gente fala é um fio de Ariadne que ele vai se desenrolando. Se a gente conversar mais 2 horas...
R- É isso mesmo.
P/1- Mas, então é isso. Eu queria agradecer demais a sua disponibilidade, em nome do Museu da Pessoa e do Pão de Açúcar.
R- Obrigado a vocês. Foi legal estar dando esse depoimento.
P/1- (risos). Então, está bom. Espera aí que
agente vai fazer uma foto sua.Recolher