Correios – 350 Anos Aproximando Pessoas
Depoimento de Cosme Degenar Drumond
Entrevistado por Isla Nakano
São Paulo, 24/06/2013
Realização Museu da Pessoa
HVC_20¬_Cosme Degenar Drumond
Transcrito por Liliane Custódio
MW Transcrições
P/1 – Bom, seu Degenar, primeiro eu queria a presen...Continuar leitura
Correios – 350 Anos Aproximando Pessoas
Depoimento de Cosme Degenar Drumond
Entrevistado por Isla Nakano
São Paulo, 24/06/2013
Realização Museu da Pessoa
HVC_20¬_Cosme Degenar Drumond
Transcrito por Liliane Custódio
MW Transcrições
P/1 – Bom, seu Degenar, primeiro eu queria a presença do senhor ter tirado uma tarde sua pra vir até aqui contar a tua história. E pra começa, e deixar registrado, eu queria que o senhor falasse seu nome completo, o local e a sua data de nascimento.
R – Antes de mais nada, é um prazer muito grande estar aqui colaborando com o projeto de vocês. E eu nasci no Rio de Janeiro, meu nome completo é Cosme Degenar Drumond, e nasci em primeiro de novembro de 1947.
P/1 – E, seu Degenar, qual é o nome dos pais do senhor?
R – Irene Degenar Drumond e João Barbosa Drumond.
P/1 – E dos avôs, o senhor sabe?
R – Congetta Degenar e Ladislau Degenar.
P/1 – Qual é a história da sua família?
R – Essa família começa com a minha avó, que veio de Trieste, na Itália, para o Brasil. E aqui se casou com um pecuarista do Espírito Santo e ficou morando próximo a Cachoeira de Itapemirim, na cidade de Jerônimo Monteiro. E ela teve 17 filhos e adotou mais quatro. Então ela criou 21 filhos. E a minha mãe, um desses filhos, que eram quatro mulheres apenas, o resto todos homens, ela se casou com um funcionário do meu avô, que trabalhava no sítio dele, e foi para o Rio, que é o meu pai. O meu pai, João Barbosa Drumond, era funcionário da antiga Marinha da Aviação Naval, que funcionava na Ilha do Governador. Meu pai era o que se chamava de Barnabé da aviação, ele era mecânico de aviões. Então ele se casou, trouxe a minha mãe para o Rio de Janeiro, foi morar numa vila, que era Próprio Nacional, onde eu nasci, lá no Galeão, na Ilha do Governador, no Rio. E assim a família cresceu, eu tive 4 irmãos. São duas irmãs atualmente vivas, mas tive mais um irmão e uma irmã que faleceram. E a minha vida, da minha família, resumidamente foi assim que se constituiu.
P/1 – E o senhor chegou a conviver com o seus avós, essa avó de Trieste?
R – Olha, muito. Eu até hoje sinto uma saudade muito grande dos meus avós e dos meus pais, que não estão mais vivos. Mas eu, quando era garoto, quando tinha oito, nove anos de idade, em todas as férias da escola nós íamos pra lá, pra Jerônimo Monteiro. Então pegávamos aquele trem na Leopoldina, lá no Rio de Janeiro, que passava a noite toda viajando, até chegar a Cachoeira de Itapemirim, onde nós tomávamos outro trem pra ir pra Jerônimo Monteiro. Jerônimo Monteiro fica perto de Alegre, Guaçuí, aquele lado do Espírito Santo. Então eu tenho uma lembrança muito agradável daquele tempo, porque eu corria pelo pasto, entre as árvores de frutas. Enfim, era uma coisa inesquecível, que a gente só vê mesmo hoje com o pessoal de interior. Quando a gente vem pra cidade grande, a gente começa a sentir saudade, sentir um pouco essa falta do verde, essa falta da liberdade como criança. Eu gostava muito desse tempo.
P/1 – Seu Degenar, o senhor contou um pouquinho da história dos teus pais, como eles foram para no Rio de Janeiro, falou um pouquinho do teu pai, do trabalho dele. O senhor tinha acesso ao dia a dia de trabalho dele? Conta pra mim um pouquinho.
R – Meu pai era carioca e a minha mãe capixaba. Então ele foi para o Espírito Santo novo e lá foi trabalhar, como se dizia, na roça, e conheceu a minha mãe. Ele veio uma época para o Rio de Janeiro quando tinha em torno de uns 20, 21 anos, ele foi para o Rio e conseguiu um emprego na Marinha. E na Marinha ele fez um curso de auxiliar de mecânico de aviação. Eu lembro que ele contava isso pra gente, e ele passou três meses na fábrica de aviões do Galeão, que era lá na Ilha do Governador, até ser efetivado. Ele foi efetivado, trabalhou uns quatro anos pela Marinha, quando foi criado o Ministério da Aeronáutica. E ele então passou para a Aeronáutica, foi trabalhar na fábrica do Galeão mesmo, ali na Ilha do Governador, mas já pertencente ao Ministério da Aeronáutica, que foi criado em janeiro de 1941. E dali uns cinco anos, ele foi transferido para o Parque de Material Aeronáutico dos Afonsos, que é uma unidade de logística e de manutenção de aeronaves da Força Aérea Brasileira, que fica no Campo dos Afonsos, lá em Marechal Hermes. E ali ele concluiu o tempo de aposentadoria. Infelizmente, em meados dos anos 60, quando ele se aposentou, ele ficou apenas dois anos como aposentado e veio a falecer repentinamente. Eu lembro que quando ele trabalhava no Campo dos Afonsos, ele costumava me levar. Eu ainda era jovem, muito jovem, e eu ficava maravilhado com aqueles aviões roncando alto ali dentro do hangar, um barulho ensurdecedor, com os mecânicos aprontando as aeronaves do Correio que iam levantar voo. Houve até uma vez, e esse fato não me saiu da memória, em que eu estava lá e vi um piloto do Correio. Do Correio Aéreo Nacional, e aquilo me chamou a atenção. E ele vendo que eu era um garoto, ele brincou: “Ora, temos um aviador aqui também”. E me colocou na cabeça uma touca de aviador, que eu guardei durante muitos anos comigo, até que um amigo meu, colega de infância, fez um curso de piloto, e eu dei pra ele aquela touca. Mas quase que na certeza de que ele nunca iria usar aquilo, porque já era um modelo antiquado daquela época atrás. Eu gostava muito de acompanhar meu pai. E como criança, eu sentia uma sensação diferente quando nós íamos pela manhã para o refeitório assim que nós chegávamos à unidade, pra tomar aquele café no rancho, com aquele monte de gente fazendo aquela barulheira, batendo aquela caneca de alumínio ali, de metal. Mas eu achava aquilo uma coisa inusitada, uma coisa diferente do que a gente tava acostumado. E assim era também durante o almoço, durante o café da tarde, no meio da tarde, até a ida pra casa, que era um papa-fila, um papa-fila enorme que levava todos os mecânicos da Aeronáutica pra vila lá do Galeão, onde nós morávamos, lá em Itacolomi. Eu ficava ansioso por outra oportunidade, ele me levar pra lá, me convidar, porque aquilo pra mim era uma grande novidade. Ao mesmo tempo eu ficava vendo os aviões pousando e decolando. Eu, inclusive, iria ser contaminado pelo Aerococcus e ia acabar entrando pra aviação também, porque eu convivia no meio. Mas não. Muitos amigos meus de infância, ali do Galeão, eles acabaram ingressando na Força Aérea. E eu lembro que quando eu concluí o curso ginasial, eles me perguntaram: “Você não vai fazer prova pra EPCAR?”. Que é a Escola Preparatória de Cadete do Ar. E eu falava: “Não. Eu quero ser jornalista”. Porque eu tinha a intenção de fazer a Escola de Comunicação que ficava no Campo de Santana, lá no centro do Rio de Janeiro. E acabei não fazendo faculdade, porque eu fiz um curso de redator revisor, prestei um concurso pra Aeronáutica, na ocasião, fui aprovado nesse concurso e fui ser redator revisor da Aeronáutica. Quando a regulamentação da profissão de jornalista surgiu, que foi durante o governo de João Figueiredo, eu já exercia a profissão e fui amparado pela lei. Há pouco tempo eu encontrei com um amigo meu, um escritor, Fernando Morais, que tem a mesma idade e tem o mesmo processo que aconteceu comigo, ocorreu com ele. A gente tava até lembrando essas coisas. Nós somos aqueles velhos jornalistas que não passaram pela universidade. Mas esse tempo de o meu pai como mecânico de aviação é uma coisa que me toca, porque é da juventude, é da infância da gente. A gente, depois que começa a ficar velho, começa o tempo a passar, começa a voltar mais a nossa lembrança para o passado. E a gente se lembra disso tudo com saudade.
P/1 – Seu Degenar, eu fiquei curiosa pra saber como era essa vila no Galeão, se o senhor puder contar um pouquinho como era a tua casa, como eram os amigos, a vizinhança.
R – Sim. A Aviação da Marinha, ela foi introduzida no Galeão em 1916, em agosto de 1916. Foi quando ali começou ser formado um grande circo aéreo, o maior circo aéreo da América do Sul. Começou no Galeão, na Ilha do Governador. Porque o Exército só veio implantar a aviação em 1919, então três anos antes a Marinha já tinha implantado ali. A Marinha inclusive operava a aeronaves americanas, que era chamava de Aerobots, e esses aviões realizavam inclusive missões de correio pelo litoral no sentido norte. E eles faziam, por exemplo, entrega de burocracia, de documentos da burocracia da Marinha, e junto levavam algumas correspondências de particulares, normalmente de pessoas da Marinha para outras pessoas da Marinha. Então eles faziam o correio, que era chamado Correio Aéreo Naval. Eles usavam aviões americanos e usavam também aviões ingleses, Tiger Moth DH 82, que eles chamavam. Ali no Galeão existia uma rampa, onde os hidroaviões atracavam e dali decolavam. Existem fatos interessantes sobre a aviação, sobre o Correio Aéreo nessa ocasião. E a fábrica do Galeão, a fábrica de aviões do Galeão, foi criada exatamente pra prestar manutenção pra esses aviões. E se desenvolveu de tal ponto, que nos anos 30 já fabricava aviões, montava aviões de licença, sob licença aqui no Brasil. Eram aviões holandeses, eles montaram muito Fokker, antigo Fokker lá na fábrica do Galeão. E meu pai, como mecânico, ele começou como auxiliar de mecânico, começou exatamente ali. Agora, no Galeão existiam várias vilas: existia a vila dos barnabés, que era a vila dos civis; a vila dos oficiais, que eram os oficiais da Marinha; a vila dos sargentos; e a vila dos cabos e taifeiros. Isso tudo passou pra aeronáutica em 1941, que é aonde eu guardo mais lembranças disso, porque eu nasci em 47. Em 47 nasci na vila dos barnabés, e foi quando meu pai já estava sob domínio da Aeronáutica, mas nos anos 50 ele passava a me levar para o Campo dos Afonsos, para o Parque de Material Aeronáutico, onde eu via todo o trabalho dele. Eu tinha sete, oito, nove anos, por aí. Na vila nós tínhamos um grupo de amigos muito forte, porque não havia uma distinção de “eu sou filho de oficial, você é filho de sargento, o outro é filho de civil”, não havia isso, nós éramos um grupo homogêneo, não importava de que classe fosse ali daquela vila. A gente saía, andava muito de bicicleta, aquela bicicleta pesada, Philips de antigamente, pra se encontrar uns com os outros, e era uma coisa muito agradável. A casa, por exemplo, era uma casa muito boa que foi, inclusive, uma concessão do Presidente Getúlio Vargas, que mandou construir para os barnabés, a vila. Então metade da vila já estava pronta, e a outra metade que foi entregue, onde inclusive eu morei, já eram casas mais confortáveis, maiores, de três dormitórios, com um quintal imenso. E o quintal tinha mangueiras, abacateiros, graviola, enfim, tinha bananeira, tinha uma série de frutas e um espaço muito grande. Esse local, curiosamente ficava exatamente onde hoje está implantado o Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, o Tom Jobim lá, Antônio Carlos Jobim. Ficava exatamente nesse local, onde a partir dos anos 70 começaram as obras de implantação do novo aeroporto. Então era um lugar muito agradável, era um lugar que realmente traz saudade e boas lembranças. E eu estudei ali na Ilha do Governador. Eu estudei inicialmente numa escola pública, que era uma escola rural. E lembro que os alunos limpavam, por exemplo, as pocilgas, tratavam dos porcos, outros alunos ordenhavam as vacas, outros faziam o recolhimento de ovos da granja. Então a gente tinha aquela obrigação desde garoto. Nós usávamos uma jardineira naquele tempo, a gente já era voltado pra esse tipo de trabalho antes de entrar efetivamente nas aulas. E na escola nós tomávamos o café da manha e também almoçávamos, e íamos pra casa por volta de duas e meia, que era quando terminavam as aulas. Das seis e meia até às duas e meia nós estávamos comprometidos com a escola. E eu lembro que nós tínhamos naquela época 13 matérias. Nós tínhamos matérias que não acabavam mais. Dessa escola primária, eu passei pra um colégio, o ginasial, fiz vestibular para o ginasial, que era o pré-ginasial, acho que era, um ano de curso que você fazia pra fazer prova para o ginasial. Eu fui estudar o curso ginasial no Colégio Olavo Bilac, que ficava na Cacuia, lá no interior da Ilha, mas não concluí, porque era um colégio particular e meu pai conseguiu me trazer pra escola da Aeronáutica, que era o Colégio Brigadeiro Newton Braga, que funcionava no Galeão. E eu consegui ser transferido pra esse colégio, que era de graça, e terminei, concluí o ginásio ali. O segundo grau, eu fui fazer no Colégio Pedro II. Naquela época eu estudei no Mendes, Colégio Mendes de Moraes, que ficava lá na Freguesia, na Ilha do Governador. Estudei um ano o segundo grau e fui fazer o artigo chamado Artigo 99 no Colégio Pedro II lá no Rio de Janeiro, lá na cidade. Era no Campo de Santana, quase ao lado do Ministério da Guerra. Eu fiz o Artigo 99 e dali já começa a minha entrada na Aeronáutica, e eu acabei não fazendo a faculdade, embora fiz o vestibular pra Escola de Comunicação.
P/1 – Seu Degenar, bom, eu vou querer saber um pouquinho mais dessa sua entrada na Aeronáutica depois, mas antes eu queria perguntar: na sua casa era comemorada festa de Natal, aniversário?
R – Olha, era comemorado tudo. Uma coisa que marcou muito a minha juventude eram, coincidentemente nós estamos no mês de junho, eram as festas juninas, que era uma coisa de antigamente com dança de quadrilha, aquela coisa toda, fogueira, balão, fogos. Enfim, era uma coisa fantástica. Nós comemorávamos muito isso na vila dos civis. As ruas todas, os moradores todos se uniam e faziam as barracas, cortavam-se bananeiras pra decorar a rua, aquela coisa toda, ao mesmo tempo eram as bandeirinhas pra decorar todo o ambiente. Eu lembro que no mês de janeiro também tinha a folia de reis, que saía pela vila. Mas o Carnaval era o que atraía mais os populares. Nós éramos jovens, tinham os bailes infantis, juvenis, nos clubes da redondeza, e nós íamos com toda liberdade pra brincar o Carnaval. A gente comemorava sim quase que todas as festas do calendário anual. Eu lembro muito mais do Carnaval.
P/1 – E tem alguma história marcante da tua infância que o senhor queira dividir com a gente, ou alguma molecagem, coisa que marque esse período?
R – Olha, eu não tenho uma lembrança, mas eu fiz muita traquinice quando era garoto, claro. Eu lembro que uma vez eu quebrei a cabeça da minha irmã com um tijolo, que joguei para o alto e falei: “Tudo que cai do céu é Deus que manda”. E caiu na cabeça dela. Eu devia ter uns oito anos de idade, ela tinha seis anos de idade. Mas eu não me lembro de ter feito outro tipo. Eu fiz comigo mesmo balançando na mangueira que tinha no quintal da minha casa, eu caí de lá e quebrei o braço. Era um local onde a gente era muito rigorosamente educado no meio da família. Eu lembro que as vezes eu ficava sentado no muro da minha casa olhando a rua, e de repente a minha mãe chegava à janela e me chamava: “Vem pra dentro”. Então você tinha que ir. A gente obedecia rigorosamente aos pais. Então era todo um sistema de educação diferenciado do que é hoje. Mas eu não lembro exatamente. Só me lembro de ter feito essa maldade com a minha irmã durante uma brincadeira no quintal da casa e que minha mãe teve que fazer curativo depois na cabeça dela, e eu fiquei de castigo por várias horas lá de joelho no quarto, e tal. Mas eu não me lembro.
P/1 – E o senhor mencionou já desde cedo a vontade de fazer o curso de Comunicação, de entrar nessa área, mas eu queria perguntar: quando criança, o que o senhor queria ser?
R – Eu sempre quis ser jornalista. Eu lembro que na escola pública, quando eu estudava, eu já tava com dez anos, mais ou menos, eu já fazia parte do mural da escola. Que o mural da escola pertencia ao grêmio da escola também. E eu fazia poesia já naquela época. Eram umas poesias que não dá nem pra lembrar direito, mas já fazia aquela coisa de criança de dez anos de idade escrevendo. Quando eu fui fazer o ginasial, eu já fazia reportagens para o jornal do colégio do ginásio. E eu queria ser realmente, trabalhar nessa área de comunicação. Eu sempre tive tendência pra isso. E eu dizia que queria ser jornalista e escritor. E eu consegui realizar esse sonho, porque eu trabalhei um tempo fazendo revisão no Jornal Última Hora, já como redator revisor da Aeronáutica, eu fazia toda a parte de notícias do Museu Aeroespacial, onde eu trabalhei, eu fui admitido pelo Museu Aeroespacial no Campo dos Afonsos. Aqui em São Paulo eu trabalhei no caderno de turismo da Folha de São Paulo, fiz fotografias, cobri eventos de acrobacias de uma esquadrilha chilena, Los Halcones, que visitou o Brasil. E logo em seguida, também nessa época, eu contribuía pra várias publicações de aviação aqui em São Paulo, e isso nós estamos falando já do ano de 1983, quando eu vim definitivamente pra São Paulo. Que, aliás, eu vim pra São Paulo pra trabalhar no caderno de turismo da Folha, a convite de um amigo meu, que era editor do caderno. Mas fiquei na Folha muito mais como freelancer e acabei indo trabalhar numa revista chamada Defesa Latina, que era feita aqui na Vila Nova Conceição, que é uma revista sobre atualidades militares e tecnológicas. E eu acabei pegando gosto por essa atividade. Fui depois chamado pra trabalhar na Revista Tecnologia e Defesa. Trabalhei nessa revista até o ano de 87, quando essa revista quebrou. Eu resgatei o título dessa revista, comecei a fazer a revista por conta própria. E nesse período todo eu lancei dois livros: um manual de aeromodelismo; e o livro do Museu Aeroespacial, a história do livro. E quando saí da Revista Tecnologia e Defesa, fui me dedicar à Editora de Cultura, que publicou os meus livros mais recentes, e ali mesmo relancei outro título de revista chamada A Defesa Latina, que foi aquela primeira revista que eu trabalhei na Vila Nova Conceição. E é como eu estou até hoje.
P/1 – E, seu Degenar, bom, eu também vou perguntar um pouquinho mais depois sobre a tua chegada à São Paulo, querer saber algumas coisas específicas, mas eu queria perguntar: quando o senhor era pequeno, jovem, ainda morando com teus pais, o senhor lembra como a correspondência chegava lá para os barnabés? Conta pra gente um pouquinho.
R – Olha, vamos ver se eu lembro esses detalhes, porque era uma coisa que eu não tinha muito envolvimento direto. Mas eu lembro perfeitamente que as vezes a gente tava na sala e lá fora a gente escutava assim: “Correio”. Então a gente ia abrir a porta e era exatamente o mensageiro dos Correios com algum telegrama, com alguma carta, com alguma coisa. Quem recebia muito mais correspondência era a minha mãe, que recebia do Espírito Santo, mandada pela minha avó ou por algum irmão. E ela as vezes lia algumas cartas que chegavam para nós, e a gente via que ela tava feliz da vida por ter recebido notícias. E outras vezes ela não lia, ela guardava, deviam ser cartas muito pessoais, só dirigidas a ela. Agora, eu lembro também que, as vezes, quando ela escrevia carta pra minha avó e tudo, a gente pedia: “Mamãe, coloca na carta aí que estamos mandando um beijo pra ela, e tal”. Coisas desse tipo. Entende? Meu pai que levava a correspondência pra botar no correio, pra postar. O que eu lembro era exatamente isso.
P/1 – E o senhor se lembra da primeira carta que o senhor enviou ou recebeu?
R – Sinceramente, eu não me lembro. Mas eu enviei muitas cartas. O Correio é uma coisa fantástica. O Correio traz essa sintonia com você que tá ávido por notícias de terceiros. Ele te satisfaz dessa coisa toda. Eu mandei muita carta para o exterior e recebi muita carta, ainda recebo hoje algumas, porque hoje nós temos a internet, que facilita tudo mais. Mas eu mandei muita carta para o exterior. E eu guardo, eu tenho em casa uma coleção de selos internacionais de correspondências que chegavam pra mim, e eu guardava esses selos. Há poucos dias eu tava até vendo esses selos guardados. Tem selos de vários países. Eu acho que eu chego a pensar que se eu procurar com muito cuidado, de repente eu vou encontrar um selo do Antigo Egito lá, quando eles começaram a mandar carta, porque tem carta de tudo quanto é lugar. Mas nessa época, já como adulto, é que eu mandava cartas. Eu mandei muitas cartas também pra minha primeira namorada. A gente trocava cartas. Só que nós usávamos endereços diferentes. Ou era um endereço de um amigo, de outra casa, não podia ser pra minha casa e nem podia ser pra casa dela. Ou ia pra casa de uma amiga dela, ou ia pra casa de um amigo meu. Então a gente ficava às vezes, tanto eu, quanto ela, perguntando para os amigos vizinhos: “Tem carta pra mim?”. Então a gente ficava naquela esperança de que o Correio levasse uma correspondência. Mas isso eu tinha uns 15,16 anos de idade, era ainda um rapazola apaixonado. Mas eu acho que o Correio tem essa... Ele traz essa coisa que a gente tanto necessita, que é a aproximação com as pessoas, o contato, a integração. O Correio faz muito disso. E eu acho o Correio hoje uma instituição pública, uma das mais eficientes que nós temos e isso é no mundo inteiro, não é apenas no Brasil. A correspondência é uma coisa tão rica, tão pessoal, ela é guardada com muito carinho pela própria instituição, pelo próprio carteiro, ele sabe do valor que aquilo representa para o destinatário. É uma coisa fantástica. O que eu me lembro de cartas é isso.
P/1 – E contou a história da sua primeira namorada. E durante a juventude, quem eram os amigos do senhor? Onde o senhor gostava de ir? O que o senhor gostava de fazer?
R – Eu, particularmente, tive uma juventude muito presa. Meus pais não me deixavam sair pra onde eu quisesse. Eu fui começar a sair muito de casa depois que completei maior idade, depois que completei 21 anos de idade. Até os 20 anos de idade, a gente obedecia rigorosamente o que os pais determinavam. O meu hall de amigos era ali mesmo naquela comunidade do Galeão. Ou eu ia à vila dos oficiais, à vila dos sargentos, ou era ali mesmo na vila dos civis. Mas nós tínhamos clubes. Existia um clube na vila dos oficiais, um clube na vila dos sargentos, outro na vila dos civis. A gente ficava percorrendo basicamente esses clubes. E os amigos todos eram dali. Eu não tive... Eu tive duas namoradas nessa época, não era um namorador, não era nada disso. E naquela época também os hábitos e comportamentos eram outros, eram completamente diferentes. Quando a gente uma vez ficava paquerando uma menina, a gente ficava com muito mais medo do pai dela também do que nosso próprio pai. Porque sempre diziam: “Vocês têm que estudar. Namorar é coisa pra casamento”. Era assim que acontecia naquela época. Mais ou menos assim. Obviamente que tem exceções.
P/1 – E, seu Degenar, o senhor também falou um pouquinho da tua trajetória escolar, eu queria que o senhor contasse, tem algum professor que tenha marcado essa trajetória, umas influências?
R – Tem. Tem. Na escola pública, quando eu fiz o primário, era uma professora. Professora Zeni. Era uma professora que eu tinha um carinho muito grande. No curso ginasial eu tive duas professoras que eu também gostava muito, uma era a dona Lélia, professora Lélia, que era professora de História. E eu era um bom aluno em História. Eu lembro que essa professora, uma ocasião ela estava grávida, e às vezes ela chegava à sala de aula com aquela barriga imensa, e sentava, e falava assim: “Cosme, hoje você que vai dar aula pra mim”. E me entregava o ponto de aula dela, porque eu costumava ler. “Na próxima aula vamos falar sobre isso.” E eu já lia em casa a aula seguinte, então com todo aquele embaraço, com todo aquele engasgo que eu cometia durante a aula, e ela ia me corrigindo, ela ficava sentada à mesa, eu dava aulas, eu dava aula de História pra ela. É muita presunção minha dizer que eu dava aula de História. Eu transmitia para os meus colegas os pontos daquela matéria de História. E a outra professora era uma professora de Português, era uma negra, que eu adorava. Graziela. Professora Graziela. Professora de Português. E toda vez que ela chegava, eu ia lá à entrada da sala pra trazer com todo carinho ela pra mesa. Eu lembro que eram as duas professoras que mais me atraiam atenção: era a professora de Português e a professora de História.
P/1 – Bom, agora eu queria que o senhor contasse um pouquinho da tua entrada, como o senhor começou a trabalhar na Força Aérea. Fala um pouquinho, conta um pouquinho da tua trajetória profissional.
R – Meu pai achava que eu tinha que servir uma das Forças Armadas. Naquela época tinha muito disso, você tinha que passar por uma força armada pra aprender a ter responsabilidade, como eles diziam. Muito bem. E eu fui servir como soldado na Aeronáutica. Os meus colegas foram pra Escola Preparatória de Cadete, e eu fui servir como soldado. Porque eu não queria ser militar, eu não queria fazer carreira. E quando eu estava servindo à Aeronáutica, eu estudava à noite. Eu estudava na Tijuca, eu fazia um curso de redação no Instituto Universal Brasileiro, e quando eu terminei esse curso foi aberto um concurso pra Aeronáutica, isso já lá na frente, nos anos 70. Isso foi em 73. Foi feito um concurso pra Aeronáutica e eu me inscrevi. Eu ainda era soldado, eu fiquei mais que o tempo, embora não quisesse ser militar, fiquei muito mais que o tempo mínimo para o soldado. Eu fiz esse concurso e fui aprovado, e fui admitido lá no Campo dos Afonsos. O Ministério da Aeronáutica, hoje é chamado de Comando da Aeronáutica, eles estavam construindo naquela ocasião, nos anos 70, o Museu da Força Aérea Brasileira, que é o chamado Museu Aeroespacial. Eu fiz parte dessa equipe pioneira, que organizou e implantou o Museu Aeroespacial. Foi nessa ocasião que eu fiz os cursos no Museu Histórico Nacional, exatamente para ligar uma coisa à outra. E trabalhei, entrei no museu e dali comecei a ter contato com a imprensa, com o pessoal dos jornais, que sempre pediam informações, muito mais com as publicações especializadas em aviação. E a minha vocação, a minha vontade de trabalhar na imprensa, ela começou a se intensificar nesse período. Eu fiquei no Museu Aeroespacial durante dez anos. Nós inauguramos o museu em outubro de 1976, quando o museu foi aberto à visitação pública, e eu lembro que no período de implantação do museu nós saíamos pelo Brasil, eu era uma das pessoas que saía pelo Brasil à coleta de acervo. Coletando material pra compor o acervo do museu. E eu viajei muito aqui pra São Paulo, pra cidade de Pirassununga, onde funciona a Academia da Força Aérea dos Cadetes, porque ali tinha muito material histórico que foi transferido do Rio de Janeiro para a academia, porque no Rio de Janeiro funcionava a Escola de Aeronáutica e formava os oficiais aviadores. E quando inaugurou aqui em Pirassununga a academia, esse material veio pra cá. E eu encontrei muito material histórico da participação, por exemplo, da FAB [Força Aérea Brasileira] na Segunda Guerra Mundial, documentos raros como O diário de voos da Esquadrilha de Ligação e Observação, que atuou na Itália fazendo observação pra orientar os tiros da artilharia. Mas isso é uma coisa mais pesada. Mas ali na Aeronáutica, no Museu Aeroespacial, eu saía pelo Brasil, inclusive fui para o norte também pra buscar canopy de aviação, porque nós tínhamos uma aeronave lá pra entrar em exposição, um T-33, que não tinha canopy, aquela bolha que fica em cima da cabine. Porque era um avião tão antigo, que não tinha mais. E eu encontrei uma canopy, uma dessas bolhas, num esquadrão servindo de claraboia no telhado. Então eu pedi que retirasse, identifiquei que era um canopy de T-33, nós tiramos a claraboia, não estava cristalizado e tava em perfeita condição. E assim nós pudemos recompor uma aeronave histórica da Força Aérea Brasileira. Mas quando chegou em 1981, eu comecei a sentir vontade de ir pra imprensa. E já não gostava mais de ficar só datilografando para esses releases sobre o museu, ficar atendendo informações dos jornalistas, eu queria fazer parte do jornalismo. E assim foi que eu iniciei no jornalismo definitivamente.
P/1 – Seu Degenar, eu fiquei com uma curiosidade. O senhor falou que fez um curso de redação no Instituto Universal. Foi à distância, por Correios?
R – Olha, foi. Foi à distância, porque naquela época tinha muito desses cursos à distância. Aliás, há pouco tempo eu vi uma nova onda de se fazer educação à distância. Mas o Instituto Nacional Brasileiro é uma coisa tradicional, uma coisa bem conhecida dos brasileiros e bem antiga. Eu fiz curso por correspondência com o instituto, mas eu participava de um colégio, de um curso que existia na Praça Saens Peña, na Tijuca, próximo do instituto, que curiosamente eu ingressei nesse curso porque queria paquerar as meninas do Instituto La-Fayette que se formavam ali. Eu ia na onda com alguns amigos. Eu sempre fui muito tímido, então eu saía pra essas coisas que eu não tinha amigos mesmo pra levar pra ir junto. Então o curso foi realmente feito à distância.
P/1 – E como era naquela época fazer um curso assim? Como funcionava?
R – Você fazia a matrícula do curso, você pagava o curso, e ele durava seis meses de curso. Você recebia em casa todo o material: as apostilas... Todo o material didático do curso. E depois você prestava prova para receber o diploma, que era exatamente já no curso. Ou seja, marcava um dia e você ia lá e fazia a prova. Se você fosse aprovado, você tinha uma segunda avaliação feita por um professor. Eu lembro que no meu caso foram dois professores que fizeram a avaliação. Era muito mais uma avaliação oral do que escrita. Era como se fosse uma entrevista perguntando coisas do curso. Era mais ou menos assim. Era uma coisa interessante, mas isso tem muito tempo. Eu não sei nem se hoje o instituto funciona ainda, não deve funcionar da mesma maneira como antigamente, mas eu acho que ainda segue esse modelo.
P/1 – E, seu Degenar, durante o teu tempo no museu, o senhor falou que encontrou documentos e trabalhou lá. Além disso, o senhor chegou a encontrar correspondência, cartas? Se puder falar um pouquinho disso.
R – Sim. Cartas, nós temos no Museu Aeroespacial muitas cartas, mas em boa parte delas foram de pessoas, de ícones de personalidades, de grandes nomes da aeronáutica, cuja família doou as cartas. Por exemplo, sobre Eduardo Gomes, sobre Nero Moura, sobre Santos Dumont, enfim, dessas figuras mais proeminentes da história brasileira. Agora, eu particularmente encontrei na Academia da Força Aérea, entre vários documentos, encontrei algumas cartas, mas eram mensagens sobre operações de voo. Era mensagem da Esquadrilha de Ligação e o Observação, como, por exemplo, o diário de voo da ELO. ELO significa Esquadrilha de Ligação e Observação. Eu não lembro diretamente, precisamente de um documento específico. Eu sei que no meu livro, Asas da Solidariedade, eu transcrevo uma carta de 1932, que está lá no livro, falando sobre o Correio Aéreo Nacional, falando de como eram as missões, como era a entrega de correspondência, essa coisa toda. Mas especificamente sobre uma carta, eu não tenho uma lembrança muito forte pra te dar com detalhes.
P/1 – Agora que o senhor já mencionou, eu queria aproveitar e perguntar, como era essa questão da distribuição de correspondência do Correio Aéreo, como se dava a relação com os Correios, o que ficava de responsabilidade com o quem.
R – Sim. Olha, antes do governo provisório, antes da Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder, existiam duas entidades que tratavam das comunicações no Brasil: um era o Telégrafo e o outro era os Correios. Então era uma época em que uma correspondência, por exemplo, do Rio de Janeiro pra Belém costumava levar 20, 25 dias pra chegar ao destinatário, porque ia pelo serviço de cabotagem, ia por navio. Era muito demorada essa comunicação. Quando Getúlio chegou ao poder, em 1930, ele começou a fazer a reforma do estado brasileiro. E numa dessas reformas houve a fusão dos Telégrafos com os Correios, então nasceu o Departamento de Correios e Telégrafos. Isso foi, se eu não me engano, foi em dezembro de 1931. Mas muito antes disso, entrando especificamente na parte do Correio Aéreo Nacional, no Campo dos Afonsos os pilotos daquele tempo tinham uma vontade de começar a voar pelo Brasil. Porque eles só voavam num raio do Campo dos Afonsos, e eles queriam cruzar as fronteiras desse raio. E um dos motivos seria exatamente trabalhar pela integração nacional. E o que era trabalhar pela integração nacional naquele momento? Era levar correspondência aos brasileiros do interior. Era trazer o pessoal do interior para junto do pessoal das grandes cidades. E com a aviação, a coisa seria muito mais fácil, muito mais rápida. Eles começaram a criar um projeto pra difundir exatamente o Correio, a mala postal aérea pelo Brasil. E fizeram um primeiro voo, que foi trazendo duas correspondências do Rio de Janeiro para São Paulo. Esse voo foi feito no dia 12 de junho de 1931, e dois pilotos vieram pra cá. Eles vieram pilotando o avião que trouxe o malote. Eles achavam que iam levar três horas e pouco de voo, mas acabaram, porque pegaram um vento de frente, de proa, levando cinco horas e tantos minutos. E quando eles chegaram à São Paulo, a cidade já estava escura e eles não tinham como descer, porque eles deveriam descer no Campo de Marte. Então eles viram os holofotes do Hipódromo da Mooca acesos, e se baseando naquilo, eles desceram numa raia do hipódromo. Pularam o muro, tomaram um táxi e correram pra agência central dos Correios, que ainda fica no mesmo local de hoje, lá em São Bento, na Estação São Bento, e conseguiram entregar o malote com as duas correspondências quase fechando o expediente, mas tinha alguém lá esperando por eles. E assim começou. Com esse serviço, houve uma motivação maior e aí o governo colocou o Departamento de Correios e Telégrafos em contato com o Exército, porque a aviação naquele tempo, em 1931, era do Exército, e eles fizeram um acordo de transporte de malote. E daí começaram a ser inauguradas várias rotas pelo interior do Brasil, para o norte e para o sul. A Marinha, inclusive, ajudou muito nesse início de Correio Aéreo, fazendo, por exemplo, as cidades litorâneas para o sul. Esse serviço era feito pela aviação naval e sobre a terra eram feitos os aviões do exército. Então assim é que começou o Correio Aéreo Nacional.
P/1 – E, seu Degenar, como funcionava a questão da logística dessa parceria com a ECT? O que era escolhido pra fazer parte dos malotes, que tipo de correspondência?
R – Olha, eram as mais diversas. Correspondências pessoais, a grande maioria. Porque a estação central é que fazia a distribuição. O Correio trazia do Rio de Janeiro pra São Paulo e entregava na estação central, e a estação central é que fazia a distribuição. A mesma coisa era no interior. A distribuição no interior, por exemplo, os carteiros, os entregadores de mensagens, eles iam, andavam quilômetros em lombo de mulas levando correspondência e entregando nos endereços destinados. Era uma logística muito diferente. E esse sistema, ele funcionou durante muitos anos, inclusive nos outros países era muito parecido esse sistema de entrega de malote. Até que a Inglaterra inovou um pouco a dinâmica, modernizou mais. E aqui no Brasil, os Correios foram modernizados, se eu não me engano, foi em 1969, durante o governo militar, quando foi criada a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Então até 1969 era esse sistema, embora o Brasil tivesse, claro, uma relação com o Correio antiga, tanto é que estamos fazendo agora, comemorando 350 anos dos Correios. Muito embora, eu imagino o seguinte, o Correio no Brasil, ele já existia no próprio período do descobrimento, foi quando a carta de Pero Vaz de Caminha foi mandada pra Portugal noticiando a descoberta. E nós temos ainda aqueles períodos, imediatamente posterior à descoberta, em que as pessoas também mandavam correspondência. Mas oficialmente, se eu não me engano, foi em 1963, não lembro o mês, você deve saber melhor que eu, mas nós temos aí esse período todo. No começo o sistema de remessa de malote era uma coisa muito demorada pra chegar, muito complicada quando era pelo interior, porque nós não tínhamos estrada de ferro suficiente pra cobrir todas as regiões, algumas estradas de ferro, naturalmente, que levavam o malote pra Correios das grandes cidades do interior. Mas o Correio Aéreo Nacional, ele deu um maior desenvolvimento, ele contribuiu para uma maior integração das comunicações no Brasil, e isso foi uma coisa que o próprio Departamento de Correios e Telégrafos fez, realizou com o Exército na época e posteriormente com a Aeronáutica. Com os tempos modernos, obviamente que isso evoluiu pra empresas aéreas em serviços. Mas é um dos serviços mais eficientes que o Brasil tem, um dos serviços públicos mais eficientes do Brasil.
P/1 – Seu Degenar, o senhor contou a história das duas primeiras correspondências, Rio à São Paulo, eu queria perguntar se o senhor tem mais algumas histórias, talvez de uma rota nova que tenha sido traçada, correspondência chegar ao norte, Amazonas, no Acre. Se o senhor tiver essas histórias, é legal pra gente registrar no projeto;
R – Olha, em agosto do ano passado eu tive a honra de ser convidado por um grupo de pilotos civis que desejavam fazer uma homenagem ao Correio Aéreo. Eles queriam reeditar a primeira rota aérea que saiu de São Paulo até Vilhena, na cidade de Vilhena, cruzando por Bauru, Três Pontas, por Tangará, várias cidades, Campo Grande. A ideia foi pra frente, eu achei interessante. E eles me convidaram pra fazer parte desse grupo exatamente porque eu tinha acabado de lançar o livro Asas da Solidariedade. Muito bem. Nós saímos no dia 25 de agosto, decolamos de São Paulo quatro aviões leves e um helicóptero, todos civis. A Aeronáutica deu todo o apoio quanto ao controle de tráfego, nós tivemos todo o apoio na cidade onde pousamos, e foi uma festa. E o que nós fizemos? O aeroclube de São Paulo mandou uma série de correspondências para os vários aeroclubes nas cidades onde nós iríamos pousar. E o que nós fizemos? Nós fizemos uma indumentária pra caracterizar como mensageiro do ar, e nós compramos uma bolsa, um malote antigo, muito antigo, de couro, e nós acondicionamos todas as correspondências. Quando nós chegávamos à uma primeira cidade, nós íamos ao aeroclube e entregávamos a carta destinada ao presidente de lá. Ao mesmo tempo, o presidente falava: “Quando vocês voltarem de Vilhena, passem aqui que eu quero mandar uma carta para o meu amigo lá do aeroclube de São Paulo”. E isso nós fizemos em todas as cidades. E depois aqui nós também entregamos as cartas para o aeroclube de São Paulo. Foi uma homenagem que nós prestamos, não apenas aos carteiros, não apenas aos pilotos, mas a esse processo de sintonia de brasileiro para com brasileiro no aspecto comunicação. Foi uma experiência muito agradável. E nós voltamos pra São Paulo no dia dois de setembro. E curioso que em todas as cidades que os aviões chegavam, nós éramos recebidos, nós fomos recebidos pela maioria da população. E lembro que em Tangará da Serra nós tivemos problema pra pousar, porque o aeródromo tava cheio de pessoas. E quando nós descemos ali com aquele uniforme de carteiro do ar e com a sacola, nós já procurávamos a pessoa a quem tinha que entregar a carta, essa coisa foi muito coberta pela imprensa, pela TV, por jornais. Isso vai fazer um ano agora em agosto, mas foi uma experiência maravilhosa, onde eu me vi no papel de um carteiro. Entregando correspondência para terceiros. E senti a emoção, pude sentir a emoção das pessoas como se recebesse uma carta inesperada, que chegava de surpresa. Obviamente que foi uma coisa feita pelo presidente do aeroclube daqui de São Paulo para os demais aeroclubes da rota aonde nós iríamos. Dessa forma nós reeditamos a primeira rota que partiu de São Paulo rumo à Rondônia, até Vilhena, que foi em 1932. Então foi uma coisa fantástica e uma coisa recente.
P/1 – E além das cartas, o senhor lembra. Talvez o senhor tenha encontrado no museu, ou escutou histórias, de outro tipo de envio, pacotes, presentes.
R – Isso foi uma coisa, você lembrou uma coisa importante. Em todos os lugares aonde nós chegávamos, nós encontrávamos veteranos ou do Correio Aéreo, ou do Correio. E esses veteranos traziam pra nós suas experiências, contavam suas experiências pra o grupo de pilotos. E eu ouvia muito disso. Eu guardo, inclusive, uma camisa que eu recebi. Eu aproveitei nessa viagem também, e doei para escolas livros meus sobre Eduardo Gomes e Santos Dumont. Fizemos palestras sobre o que era o Correio Aéreo. Algum piloto do grupo falava sobre o sistema de correspondência, de entrega de correspondência. Então nós tivemos pessoas de 85, 90 anos, que tinham sido veteranos, que tinham trabalhado no Correio Aéreo, ou no Correio. E foi uma troca de ideias muito boa. Que eu, inclusive, tenho alguns dados anotados, porque eu gostaria de escrever um livro sobre essa viagem específica sobre o Correio. Eu ainda não fiz porque eu to esperando entrar um novo período aí pra buscar patrocínio pra cultura. Mas é um livro que vai falar exatamente da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, do Correio Aéreo Nacional, e dessa integração que esses dois instrumentos proporcionaram para o país. Mas vocês que deverão coletar mais depoimentos de pessoas pelo interior, nessas rotas do Correio Aéreo, vocês vão encontrar certamente muitas pessoas que viveram aquela época, não apenas do Correio Aéreo Nacional, mas como próprio do Correio local. Porque o Correio Aéreo chegava com as correspondências e entregava para o sistema de correio local, que por sua vez fazia a distribuição. O Correio Aéreo não saía entregando correspondência de casa em casa. Então eu acho que é uma tomada de depoimento muito valiosa pra esse trabalho, pra esse merecido trabalho histórico sobre os 350 anos do Correio.
P/1 – E o senhor falou do uniforme de carteiro do ar. Como é o uniforme?
R – Não, foi um uniforme que nós criamos. Nós não encontrávamos muita coisa parecida com tecido de época, coisa desse tipo, então nós diferenciamos, nós fizemos o seguinte: os pilotos usariam uma camisa diferente da minha e da Natália, que é uma advogada que acompanhou o grupo, ela fazia parte de logística, reserva em hotel, essa coisa toda era com ela. E eu fazia a parte cultural. Fazia exposição, palestras para os alunos das escolas, fazia contato com as autoridades, junto com os pilotos. Nós fizemos uma camisa, camiseta branca, colocamos um emblema aqui chamado “Fly Team”, e colocamos um mapa da rota partindo de São Paulo nas costas. Você olhava as costas e via os pontos de escala que o Correio fez em 1932 e que nós cobrimos até Vilhena. Passamos por Bauru, Campo Grande, e em Campo Grande nós tivemos uma recepção que foi uma coisa emocionante. E uma coisa interessante, todos os pilotos eram de uma mesma geração, isto é, todos tinham de 65 a 72 anos de idade. Eram pessoas idosas, eram pilotos que ainda podiam pilotar, tinham autorização pra pilotar, estavam com a documentação toda em ordem, mas eram pessoas idosas, da terceira idade. Isso também atraía mais o pessoal de terceira idade das cidades que a gente ia, porque era: “Tá chegando aí um grupo de velhinhos pilotando aviões com malotes de correios e tal”. Era uma coisa que chamava atenção. Agora, curiosamente algumas cidades, como Tangará da Serra, eles velhinhos atraíram a atenção da juventude, porque escolas eram crianças na faixa etária de dez a 17 anos, mais ou menos, que superlotaram o aeródromo, nós tivemos que ficar sobrevoando a cidade até que desocupassem para o pessoal descer, um a um. Foi uma experiência fantástica essa de rememorar a história do Correio no Brasil.
P/1 – Seu Degenar, eu queria saber um pouquinho da sua chegada a São Paulo, como foi mudar de cidade.
R – É, eu mudei de cidade muito mais levado por um aspecto pessoal. O meu primeiro casamento, ele estava em fase de fracasso. Já que o casamento ia terminar, eu resolvi mudar de cidade. E obviamente que vim pra São Paulo, depois de fazer contato com um amigo meu da Folha de São Paulo, esse amigo que era do caderno de turismo, e vim pra cá. Inicialmente morei num hotel da Rua Clodomiro Amazonas, e fiquei ali durante tempos hospedado nesse hotel, morando ali. Depois eu não consegui pagar o hotel, corresponder ao valor da diária do hotel, e me mudei para o Hotel Broadway, na Avenida São João, fui pra lá que era muito mais barato. Muito bem. Mas nesse período que eu fiquei no Itaim Bibi, eu fazia freelance pra algumas revistas. Obviamente que isso não gerava receita imediata, a revista tinha que sair, às vezes levava dois meses pra pagar, essa coisa toda. E na Folha de São Paulo, eu comecei como freelancer, como eu te disse, eu comecei recebendo por aquilo que eu prestava. E normalmente eram muito mais fotos que publicavam. Bom, quando eu conheci um amigo pra que me levou pra Defesa Latina, ele me levou pra Defesa Latina com a finalidade também de escrever um livro sobre o Museu Aeroespacial. Aí as coisas começaram a mudar. A minha chegada em São Paulo foi um começo difícil, como toda pessoa que sai de uma cidade pra outra, tem sempre uma história de dificuldade que passou, isso é muito natural. Mas eu acabei me apaixonando por São Paulo, eu acabei ficando por aqui. Eu ia, no começo, depois que estava aqui já há mais ou menos um ano, eu ia quase que todo final de semana para o Rio de Janeiro. Mas chegou um ponto que eu falava: “Não, o meu lugar é em São Paulo, não é mais no Rio. Eu nasci no Rio, mas meu lugar é São Paulo”. E isso pelo amor que peguei pela cidade. Porque São Paulo é uma cidade rica em tudo: em cultura, em vida noturna, enfim, em tudo São Paulo é rico. São Paulo pode não ter a mesma beleza natural do Rio de Janeiro, mas São Paulo tem belezas naturais também muito lindas. E eu aprendi a gostar de São Paulo. Eu lembro que a minha esposa, carioca, também alimentava o sonho de um dia a gente voltar para o Rio de Janeiro. E hoje não temos mais esse sonho. A gente quer continuar a viver em São Paulo, porque São Paulo, depois de certo tempo, já na época que eu vim pra cá, apesar das dificuldades, me acolheu muito bem. E isso me fez também tomar gosto pela cidade. Foi um começo difícil quando eu vim pra São Paulo, mas eu gosto de São Paulo e aqui pretendo terminar o meu ciclo.
P/1 – Seu Degenar, além do seu amigo, quais são as outras pessoas que te receberam na cidade, que te acolheram?
R – Eu me lembro de um editor chamado Luiz Barbosa de Castro. Luiz Barbosa de Castro foi um editor que lançou em certa época um álbum de figurinha chamado O mundo maravilhoso da aviação. E foi um álbum de figurinha em que o colecionador de figurinhas, quando preenchesse o álbum, existia um sistema de identificação que ele tinha preenchido o álbum, que ele mandava pra editora, e esse cupom era colocado numa urna, e no final houve o sorteio de um avião para os colecionadores. E quem ganhou foi um menino de Campinas, foi um avião que a Embraer doou pra esse concurso, um avião leve, naturalmente, daquela época, um dos aviões fabricados sob licença no Brasil. Então esse, o Castro, me recebeu. O José Cândido da Silva Fonseca, um grande amigo que eu fiz aqui em São Paulo, que infelizmente faleceu em agosto do ano passado, o José Cândido foi outra pessoa que me recebeu muito bem na Editora Aquarius, onde eu trabalhei também. Tem um jornalista também, que era piloto, aviador, que me recebeu, era Marcos, lembro só do primeiro nome dele, Marcos. Nós trabalhamos juntos numa revista chamada Aeromodelismo, onde ele escrevia pra essa revista. Quem me recebeu também foi uma médica, doutora Shenia, que sempre fazia questão de que eu fosse morar na casa dela, pra eu não gastar com hotel. Mas eu acabei fazendo permuta com o Broadway e me mudei da Clodomiro Amazonas para a Avenida São João. Enquanto eu morei na Avenida São João, sábado e domingo, que normalmente eu ficava aqui, era uma coisa que eu gostava de passear pelo Largo do Arouche, pela aquela área toda ali do centro. Eu acho que foram essas pessoas mais significativas nessa ajuda, nesse apoio da minha chegada.
P/1 – E em quais lugares da cidade que o senhor mais gostava de ir?
R – Olha, eu gostava mais do centro e daquela área do Itaim, que foram exatamente as duas áreas onde eu me estabeleci primeiramente, eu gostava muito de passear por ali. Inclusive, eu lembro que no centro existiam aqueles restaurantes com números de pratos: prato um, dois, três. Eu ia almoçar, ou jantar, e falava: “Me dá o três” ou “Ah, hoje eu quero o quatro”. Havia uma diferenciação de cardápio. E eram restaurantes populares, eram mais baratos. E era aonde quem tá começando a vida sempre lança mão. E eu também lancei. Mas eu gostava mais do Itaim, que depois passou um tempo muito tumultuado por causa da obra da Juscelino Kubitschek, mas que melhorou bastante também a urbanização. E hoje eu vivo na Parada Inglesa, que é lá para o lado do Tucuruvi, na zona norte. E sou de sair pouco. Hoje eu saio pouco. Viajo muito mais pra fazer uma noite de autógrafo, ou um lançamento de um livro meu, ou pra tomar um depoimento, fazer uma entrevista com alguma autoridade, do que mesmo como lazer.
P/1 – E sobre as suas publicações, se o senhor pudesse falar um pouquinho delas.
R – Eu lancei em 1983, eu tinha lançado um ano antes o livro Manual de Aeromodelismo para Crianças, que foi feito em co-autoria com um amigo meu de Campinas, um professor. Em 1983 eu lancei o livro O Museu Aeroespacial. Contando a colegação do museu, contando como ele foi organizado, essa coisa toda. Passei muito tempo depois sem fazer livro, fazendo mais romance e fazendo livro de ficção científica, que nunca publiquei. Eu tenho uns três livros no meu computador que eu nunca publiquei, são histórias de ficção. Em 2004 eu lancei o livro chamado Asas do Brasil, uma história que voa pelo mundo. Lancei esse livro, em 2009 eu lancei uma biografia de Santos Dumont, porque Santos Dumont é o personagem brasileiro mais retrado em livros, tanto no Brasil, quanto no exterior. Eu acho que é o brasileiro que mais obra inspirou no Brasil ou nos Estados Unidos. Quando eu comecei a escrever o livro, que foi em 2005, eu lancei em 2009, as pessoas me falavam: “Por que você não faz um livro sobre Alberto Santos Dumont?”. Eu falava: “Mas eu vou fazer um livro de uma pessoa que já foi retratado inúmeras vezes? Só se tiver alguma novidade”. E aí eu botei na ideia de que eu ia achar alguma revelação inédita sobre Santos Dumont. Eu falei: “Se eu achar, eu faço o livro”. E eu encontrei. Eu encontrei cartas, e aí entra o Correio Aéreo, entra o Correio de novo na história, eu encontrei cartas de namoradas para Santos Dumont, cartas de Santos Dumont pra amigos. No meu livro, inclusive, tem uma dessas cartas, na biografia de Santos Dumont tem uma dessas cartas registradas lá na íntegra. Aí eu falei: “Bom, isso é motivo pra se fazer um livro com novas revelações”. Então lancei Alberto Santos Dumont - Novas Revelações. Por exemplo, eu descobri que Alberto Santos Dumont tinha o sonho de criar um hospital para criança com câncer. Eu descobri que Santos Dumont foi o autor da palavra, foi ele que criou a palavra “aeroporto”, coisa que ninguém sabia aqui no Brasil. Foi Santos Dumont que inspirou a construção do porta-aviões, porque na época dele, ele deu a sugestão de se fazer o porta-belonave, portas-dirigíveis. Santos Dumot foi uma figura fantástica, foi uma figura que ganhava prêmios e doava tudo para os pobres. Todo dinheiro que ele ganhou, ou ele repartiu com os empregados dele, ajudou desempregados da cidade em Paris. Aqui em São Paulo, ele tava sempre ajudando instituições que necessitavam de ajuda. Ele foi um grande homem. Inclusive quando ele morreu, ele suicidou, mas tentaram esconder esse lado de que ele havia se suicidado sob alegação de que herói não se mata, não se suicida. Isso acabou que a imprensa descobriu alguns meses depois. Eu falo também dessa parte toda. Santos Dumont foi um dos primeiros brasileiros suicidas a merecer missa pela igreja católica, porque naquela época era proibido, quem suicidava, não tinha direito à missa. Então tem uma série de fatos que eu conto no livro, mas o fato mais interessante é relacionado com a vida amorosa dele. Ele, por exemplo, foi motivo de um desquite na França, porque ele saía com a esposa de um corretor, e o sujeito descobriu. E ele foi, inclusive, manchete de jornal na França. Bom, feito esse livro de Santos Dumont, eu comecei a escrever um livro sobre Eduardo Gomes. Eduardo Gomes é o grande condutor, o grande organizador do Correio Aéreo Nacional. E foi um grande brasileiro também, e é, como curiosidade, o homem que inspirou a criação do docinho “brigadeiro”. Em 1945, quando ele foi candidato à presidência da república, a UDN [União Democrática Nacional], que era o partido dele, era um partido novo e não tinha recursos. Então como Eduardo Gomes era um homem muito bonito, além de aviador, essa coisa toda, ele tinha um público feminino forte. As mulheres usaram uma receita própria, usando muito do leite, que era sobra da guerra, e criaram um docinho de chocolate, e deram o nome de brigadeiro em homenagem a ele, porque ele era brigadeiro, ele era brigadeiro da Aeronáutica. Muito bem. E esse doce fez um tremendo sucesso e continua fazendo sucesso até hoje. Não há quem não goste de brigadeiro, o docinho pelo menos. Ele tem umas histórias interessantes. E outra história interessante dele é que apesar de ele ter participado do primeiro governo militar, do Governo Castelo Branco, ele era contra o regime militar, tanto que muitas declarações dele são contrárias ao regime. E Ulysses Guimarães, na campanha das Diretas Já, usava os discursos de Eduardo Gomes pra poder mostrar que um herói brasileiro era contrário ao regime militar. E Eduardo Gomes também o grande herói dos 18 do Forte, aquele movimento de 1922, julho de 1922. Ele se indispôs contra o Estado Novo, contra a ditadura de Getúlio Vargas em 1937. Por duas vezes ela concorreu à presidência da república, nas duas vezes foi derrotado, uma pelo Eurico Dutra, e a outra pelo próprio Getúlio Vargas. Então a última biografia sobre Eduardo Gomes tinha sido publicada em 1945, então eu trouxe fatos e revelações sobre a história de Eduardo Gomes que desde 45 não se tinha notícia. E ele foi um lutador da democracia brasileira, sempre defendeu a democracia brasileira. Mas como tinha feito parte do governo militar, a nossa imprensa começou a deixá-lo de lado e ele não aparecia mais. Embora o Congresso Nacional sempre tenha o convidado e prestado homenagens a ele pelo espírito democrático que ele tinha e pela condenação que ele fazia da instituição militar como governo no poder. Bom, lançado esse livro, eu lancei quase que ao mesmo tempo o Asas da Solidariedade. E atualmente eu estou escrevendo um livro sobre a indústria de defesa do Brasil, com lançamento previsto pra novembro deste ano. A indústria de defesa do Brasil, antes de mais nada, o que é defesa nacional? Defesa nacional é tudo aquilo estratégico do país necessário a um povo: educação, meios de defesa, um escudo que protege a soberania nacional. Tudo isso faz parte de defesa nacional. E o Brasil, apesar de ter uma riqueza enorme natural, e nós temos agora o pré-sal, nós não temos um sistema de defesa que pelo menos possa ser usada como dissuasão para potenciais ameaças e agressões externas. No momento em que o mundo passa por sérias transformações, com atos de terrorismo, terroristas em vários países, nós não temos um sistema de defesa a altura, nossas forças armadas estão, de certa maneira, defasadas tecnologicamente. Por quê? Porque a indústria de defesa no Brasil passou muito tempo sem ser estimulada pelo governo. E quem é o cliente da indústria de defesa no Brasil? Quem é que vai comprar míssil, carro de combate, jato, jato militar, caça, né? É governo. O único cliente da indústria de defesa é o governo. E o Brasil não compra nada. Agora que está se criando uma nova consciência política sobre a defesa no Brasil. E eu falo desse assunto nesse novo livro, que pretendo lançar em novembro desse ano. E o meu próximo projeto já planejado, já pelo menos delineado pra começar no ano que vem, é uma biografia sobre Ministro Salgado Filho, que foi o primeiro ministro da Aeronáutica. Tenho também um convite pra fazer um livro sobre um herói da Marinha, pouco conhecido no Brasil, Jerônimo de Albuquerque, que pouca gente conhece. Nem eu conhecia, sabia quem era. E vim saber que foi um dos grandes nordestinos que lutou pela libertação contra os holandeses, contra a invasão daquele tempo, naquela época. Então é um projeto que eu to estudando.
P/1 – E, seu Degenar, então vamos voltar pra essa questão de estudar essas cartas, criar uma metodologia de estudo. Se o senhor puder falar um pouquinho mais disso.
R – Tá. E isso com relação ao livro do Alberto Santos Dumont, eu dei uma sorte muito grande, porque eu consegui conhecer a família, os descendentes. Ou melhor, não são descendentes, que Santos Dumont não casou, nem teve filho. São pessoas da família, são sobrinhos netos, sobrinhos bisnetos e tal. E um deles que por sinal é filho do brigadeiro Lavaneri Wanderley. Lavaneri Wanderley foi um dos pilotos que fez o primeiro voo do Rio de Janeiro pra São Paulo, em 1931. Então o Alberto, que é o filho do Lavaneri Wanderley, foi quem trouxe essas novidades de cartas, ele me mostrou as cartas. E eu examinei, li as cartas escritas por Santos Dumont e que foram mandadas pra amigos de Santos Dumont no exterior, amigos aqui mesmo no Brasil, pra Petrópolis. E essas cartas, eu consegui autorização da família pra publicá-las. Então coloquei no livro. Essas cartas têm inclusive selos da época, têm os envelopes guardados, envelopes da época. E é uma, não sei, talvez uma sugestão aí se vocês quiserem fazer contato com o Alberto, que mora no Rio de Janeiro, eu posso até fornecer o contato pra isso e tal. É um economista já aposentado e uma pessoa extremamente simpática. E a esposa do Alberto, a Ângela, ela é sobrinha de um dos heróis da Segunda Guerra Mundial, um brasileiro que afundou um submarino alemão no litoral brasileiro. Então tem esses dados aí. Mas essa garimpagem sobre cartas, garimpando essas mensagens, essas correspondências de Santos Dumont, sobre Santos Dumont também, eu viajei para o Chile, passei uns quatro meses pesquisando no Chile, fui pra Argentina, estive em Paris, em Londres e em Genebra, que foram as cidades onde Santos Dumont viveu, além de Brasil, naturalmente. E eu encontrei muito mais na imprensa a transcrição de algumas cartas, e não exatamente o documento em si, o original, com exceção, obviamente, do arquivo do Alberto no Rio de Janeiro, porque lá ele tem muita coisa da família de Santos de Dumont. E tem um outro, o sobrinho de Santos de Dumont, que mora aqui em São Paulo, que é o Marcos Villares, ele tem um Instituto Santos Dumont, presidente do Instituto Santos Dumont, onde ele tem um acervo também e todos os livros que já foram escritos sobre Santos Dumont, uma coisa impressionante de se ver. Como Santos Dumont foi retratados por escritores brasileiros e internacionais. Então foi dessa forma que a gente conseguiu pegar essas correspondências, algumas dessas correspondências pra publicar no livro.
P/1 – E, seu Degenar, eu vou voltar um pouquinho pra parte pessoal, depois vou fazer umas questões avaliativas até, de o senhor terminar falando um pouquinho mais da ECT e do Correio Aéreo. Primeiro, o senhor falou que foi casado, o senhor tem filhos?
R – Tenho. Eu tenho três filhos: uma mulher que tem já 40 anos de idade, ela é assistente social do Ministério da Saúde, trabalha no Rio de Janeiro, e ela faz avaliação em hospitais da rede pública; e tenho um filho que é historiador, que mora no Paraná, trabalhou durante muitos anos aqui em São Paulo, na Editora Moderna, foi para um grupo bastante conhecido lá no Paraná, Positivo, Grupo Positivo, trabalhou no Grupo Positivo, esse meu filho tem 38 anos de idade, esse que mora no Paraná; e tem o caçula, que é o Vinícius, que completou 25 anos agora dia 31 de maio, de 30 de maio, e é economista do Santander, trabalha com mercado de capital. E o Vinícius é nascido do segundo casamento. O André e a Andreia, do primeiro casamento. Então a Andreia tem três filhos: dois meninos e uma menina, o Guilherme o Felipe e a Taís. A Taís é aluna da Marinha Mercante, estuda lá no Rio de Janeiro. O menino está com 12 anos, o Felipe, e o Guilherme está com sete, então ainda são bem pequenos.
P/1 – E como foi para o senhor ser pai, ser avô?
R – Olha, a gente só começa a olhar com maior carinho para o filho, mas isso não significa dizer que não tenhamos carinho pelo filho, a gente só costuma olhar com maior carinho para os filhos quando nós temos netos. É uma coisa impressionante. Todo avô, eu acho que ele faz com o neto, ele se dedica ao neto em tudo aquilo que ele não pôde se dedicar ao filho, por uma ou outra razão. Ou talvez por ser idoso, por estar ficando já com a emoção a flor da pele. Mas eu acho que é uma coisa fantástica essa convivência com os netos. Eu adoro os meus netos. Eu gosto muito de conversar com o mais novo, o caçulinha, mas ele não gosta de conversar comigo. Então eu telefono às vezes para o Rio de Janeiro, houve uma vez que eu liguei, o meu genro que atendeu, e eu falei: “Deixe-me falar com o Guilherme aí”. Aí eu o escutei falando, escutei o meu genro falar pra ele: “Guilherme, seu avô quer falar contigo” “Mas eu não quero falar com ele, não”. Porque ele tava jogando vídeo game, sabe? Então tem coisas que só mesmo um neto, só quem é avô ou avó pode dizer melhor.
P/1 – E, seu Degenar, como é a rotina do senhor hoje?
R – Eu hoje tenho uma rotina muito caseira. Eu acordo normalmente às quatro horas da manhã. Normalmente. Religiosamente. Nem que eu tenha que mais tarde, às oito horas da manhã, voltar pra cama e dormir mais um pouquinho. Mas eu acordo todo dia, o relógio biológico já tá organizado pra me despertar às quatro. Aí eu levanto, vou para o computador, e é uma coisa interessante, que de manhã você tá com a cabeça tranquila, então você tem mais condições de raciocinar, de produzir, de escrever. Porque eu gosto muito de escrever. Não gosto de falar, eu gosto muito mais de escrever. Porque toda vez que eu vou pra um lançamento de livro, ou me chamam pra fazer uma palestra, eu sinto que, sabe, eu faço com prazer e tal, mas não é aquilo que pode substituir o meu lado de escrever. Eu adoro pesquisar, eu adoro entrevistar, eu gosto de realmente disso tudo. E não gosto muito de ser entrevistado, nem de ser fotografado. A Ana sabe disso, que a Ana me acompanha. A Ana foi inclusive minha aluna no curso da Fiesp [Federação das indústrias do Estado de São Paulo], na CGERD [Curso de Gestão de Recurso de Defesa], foi onde eu a conheci. Porque é um outro detalhe também, eu tenho prêmio jornalístico, ao longo da minha carreira eu ganhei prêmio jornalístico, eu fui palestrante de cursos da CGERD, eu participei do Programa Roda Vida da TV Cultura, eu fiz um programa de rádio chamado A defesa em destaque, na Rádio Capital. Eu tenho uma série de coisas que só mesmo numa conversa bem demorada a gente vai puxando o fio da meada dessas coisas, se é que eles têm algum interesse como depoimento. Mas eu acho que essa coisa de acordar cedo me dá mais, sei lá, to com a cabeça mais vazia, rendo mais. Às vezes eu até paro de escrever o livro, porque me surge uma ideia que tá mais adequada pra um artigo que eu esteja fazendo pra uma revista. Aí a Revista História, da Biblioteca Nacional, que você deve conhecer, na edição do mês passado publicou um artigo enorme meu sobre Santos Dumont e os irmãos Wright, a polêmica. Então eu gosto de me dedicar. E eu recebo convite de site, pra escrever, enfim, falar sobre algum assunto histórico relacionado à aviação ou sobre a própria aviação. A minha rotina é essa, eu acordo às quatro, trabalho no computador normalmente até as oito, o sono começa me dar, as pálpebras ficam pesadas, eu volto pra cama, durmo uma hora, uma hora e meia, levanto, volto para o computador. Produzo mais um pouco, almoço, volto para o computador, fico até umas quatro horas, tomo um café, volto para o computador, fico até a hora do Jornal Nacional, quando eu janto, e aí eu desligo e apago de novo. O celular fica às vezes ligado, às vezes eu não ligo, esqueço de ligar, ele fica às vezes desligado. Tem pessoas que ligam pra mim e acabam deixando recado na caixa postal porque tá desligado. Isso quando eu não saio, não tenho entrevistas a fazer, depoimentos a tomar para o livro. Por exemplo, essa semana vai ser corrida, porque a maioria dos meus entrevistados estava na França cobrindo o Salão de Le Bourget, que terminou no domingo, ontem. Eles regressaram hoje de manhã, já desembarcaram no aeroporto, e amanhã eu começo a entrevistar vários deles, que já tinham sido marcado. Que normalmente são dirigentes de empresas ligados à defesa ou à aviação. Então o meu dia a dia é um dia a dia de coisas que eu adoro fazer. É uma rotina que vem tomando muito tempo na minha vida e que eu acho que pra eu mudar vai ser muito diferente. Eu queria tanto que você fosse a minha entrevistada, muito mais do que eu ser o seu entrevistado.
P/1 – Mas tem que dar entrevista também.
R – Claro.
P/1 – E deixe-me perguntar para o senhor. E o que o senhor gosta de fazer nas horas de lazer, fora o trabalho?
R – Olha, eu, como acho que já falei pra você, eu tenho muito pouco lazer. O meu lazer é quase que o trabalho, porque eu gosto do que eu faço. Eu gosto de escrever, gosto de pesquisar, gosto de entrevistar, de tomar um depoimento, gosto de saber novas histórias de vida. Enfim, isso pra mim é um prazer também. O meu trabalho é muito prazeroso, eu sempre achei isso. E pelos meus filhos estarem um no Rio de Janeiro com os netos, outro no Paraná, e o outro aqui em São Paulo, mas com 25 anos, você pode avaliar que ele vive mais em shopping, em amigos jogando bola, do que em casa. Eu e a minha mulher, nós ficamos praticamente entregues. Ela adora trabalhar, fazer assistencialismo junto à igreja, ela está sempre participando de algum programa assistencial de ajuda humanitária, enfim, as vezes trabalhando até numa festividade junina em favor da igreja. E raramente a gente sai junto pra assistir um filme, alguma coisa assim. A gente fica muito mais em casa. Ela fazendo as coisas que eu quero comer, por exemplo, fica me perguntando o que eu gostaria de comer naquele dia. É uma pessoa muito dedicada a mim também. Então em termos de lazer, eu tenho pouco tempo, mais tempo é o trabalho, que pra mim é um prazer.
P/1 – E, seu Degenar, como o senhor utiliza os Correios hoje?
R – Utilizo muito. Muitíssimo. Eu, como tenho que mandar a Defesa Latina, ou livro, alguns dos meus livros para as pessoas que pedem, que compram o livro, eu vou aos Correios e uso muito a agência de Santana, é aonde eu vou mais, as meninas já me conhecem. E eu uso muito o sistema PAC, porque ele além de barato, ele chega... Eles me falam: “Levam dez dias pra chegar”. Com nove ou dez dias o camarada tá recebendo. O Correio tem pra mim essa confiança, essa pontualidade no que ele me diz. E eu acho que o Correio, como eu já disse, é uma instituição das melhores instituições brasileiras e que proporciona essa comunicação, essa interligação, integração entre remetente e destinatário. E eu confio muito no Correio e uso muito o Correio pra isso, pra enviar um livro, pra enviar uma revista, não muito pra enviar uma carta, porque hoje com a internet, você sabe que é muito mais fácil você mandar um e-mail, e mais rápido mandar um e-mail do que uma carta. Mas a carta ainda é um documento de grande valia pra quem não tem esses recursos e mora distante de seus principais amigos, seus maiores amigos e familiares, e tal. Então a minha relação com o Correio hoje, ela se dá mais na forma da utilização do sistema PAC deles, que é o de mandar livro barateado, com segurança e pontualidade, essa coisa toda.
P/1 – E, seu Degenar, se o senhor puder falar, como essa parceria, essa relação entre o Correio Aéreo e a ECT ajudou no desenvolvimento, se a gente pensar no Brasil, nessa criação de novas rotas, e da própria América Latina?
R – O Correio, quando houve esse namoro, vamos dizer assim, entre o Departamento de Correios e Telégrafos e a Instituição Correio Aéreo Nacional, já estava previsto que daria frutos, daria resultados muito positivos para o próprio desenvolvimento do país. Porque as grandes cidades, como eu disse anteriormente, e você sabe bem disso, ficavam isoladas do mundo interior. O mundo interior era muito mais procurado via estrada de ferro, ou em algumas cidades com navegação aí por rios. O Correio Aéreo, ele proporcionou ao Departamento de Correios e Telégrafos, uma agilidade na entrega da correspondência, uma presença mais marcante dos Correios em várias regiões do Brasil, e proporcionou também, além dessa integração, o modernismo, a tecnologia que saía dos grandes centros e eram levadas para o interior. Há casos interessantes, por exemplo, numa das missões do Eduardo Gomes pilotando um avião para o interior do Mato Grosso, ele levava uma pequena maleta com algumas correspondências, ele próprio, como coronel. E ao pousar, usavam um avião de cor vermelha, e tinha um touro no pasto, que ao ver aquele avião de cor vermelha, investiu contra o avião e destruiu a tela do avião toda. Inclusive o malote. Eles tiveram que procurar os pedaços do malote pra poder coletar as poucas correspondências que levavam. Eu acho que o Correio Aéreo Nacional inspirado, impulsionado, alavancado pelo Departamento de Correios e Telégrafos, possibilitou o Brasil a avançar mais nesses aspectos que eu mencionei. E também junto a alguns países da América Latina. Agora, por que da América Latina? Porque em cada país desse, nós temos uma alegação, nós temos uma diplomacia nossa. Então era preciso estabelecer o contato, as correspondências, os malotes diplomáticos precisavam ser enviados e trazidos desses locais. E aí o Correio prestava também mais essa contribuição. O Correio Aéreo prestava para os Correios e Telégrafos. Independentemente disso, havia naturalmente a integração com os outros povos, claro. E isso facilitou a inserção do Brasil junto ao continente como um todo. Aonde tinha uma embaixada brasileira era necessário ter um avião postal pra cuidar dessa mala diplomática, trazer e levar. Isso tudo originou esse processo de desenvolvimento nas relações bilaterais dos países aqui do continente. Eu acho que tanto uma coisa, quanto a outra, tanto os Correios e Telégrafos, quanto o Correio Aéreo Nacional, foram duas mãos que se apertaram e deram certo. Eu acho fantástica essa integração aí. Agora, é uma coisa interessante ressaltar, que o Correio Aéreo Nacional hoje, ele ganhou essa conotação de Correio Aéreo Nacional quando houve a fusão do Correio Aéreo Naval com o Correio Aéreo Militar, ou seja, quando da criação do Ministério da Aeronáutica em 1941. Porque ele quando foi lançado, ele quando foi criado, ele se chamava Serviço Postal Aéreo Militar. Era o famoso Spam, que se escrevia. Depois, com o sucesso dos primeiros voos, ele passou a se chamar Correio Aéreo Militar, CAM, com M no final. E com a fusão, ele passou a se chamar Correio Aéreo Nacional, e assim ficou até hoje. Hoje em dia o Correio Aéreo Nacional, ele não está tanto voltado pra entrega de correspondências. Hoje ele tá muito mais voltado para missões humanitárias. Por quê? Porque nos Correios surgiram instrumentos mais velozes, mais dinâmicos, e que o Correio passou a utilizar esse sistema mais. E o Correio Aéreo Nacional, ele passou a se dedicar mais exclusivamente à integração nacional, à relação das comunidades humildes, mais carentes. Então pra lá são mandados grupos de médicos pra atender essas populações carentes do interior. E é isso.
P/1 – E, seu Degenar, como o serviço dos Correios marcou a tua trajetória pessoal?
R – Marcou pelo seguinte, em 2005 eu fui convidado a participar de uma missão do Correio Aéreo Nacional na Amazônia, era no Alto Solimões. Pegar todo um circuito de cidade do Alto Solimões onde os aviões do Correio Aéreo Nacional, que eram dois aviões Caravan, que pousam em locais de acesso difícil pra outros tipos de aviões, levando equipes médicas e levando suprimentos e atendimento às populações mais humildes. Muito bem. Eu passei 15 dias voando com esse grupo em 2005 e pude notar o quanto o Correio Aéreo Nacional é querido, é esperado por essas populações tão isoladas, que vivem em locais que só você vendo, que muitas vezes a pessoa adormece vendo o rio e amanhece vendo o rio e nada mais, porque são populações ribeirinhas. E são pessoas que têm os mesmos problemas que nós das grandes metrópoles temos em termos de coisas pessoais, sintomas nossos mesmo. Nós temos a facilidade do bem material, da tecnologia à disposição, eles não têm. Mas eles sofrem a mesma melancolia que nós sofremos. Enfim, são irmãos como todos os demais. E muitos morrem sem assistência médica. Porque eu notei o quanto há falta de médico, há falta de médico nesses locais. Isso me aproximou muito daquele papel humanitário e me fez sentir tanto orgulho quanto admiração por essas equipes aéreas. Porque o Correio Aéreo quando sai pra essas missões pelo interior da Amazônia, eles pegam, por exemplo, um dentista de São Paulo, um médico do Rio, outro médico lá do Recife, sei lá, uma ginecologista... As equipes que compõem o Correio Aéreo Nacional, a tripulação médica, ela é recrutada em cada grande cidade. E não apenas de uma região só. Então eles vão pra Amazônia e se dedicam. Eu pude verificar que muitas vezes eles ficavam sem comer, sem almoçar, os médicos, e tinham que fazer um lanche rápido servido ali mesmo no consultório improvisado, que normalmente era numa escola, numa sala de prefeitura, ou numa sala de hospital, quando a cidade tinha hospital. E iam dormir lá pelas dez, 11 horas da noite, tendo que decolar no outro dia de manhã cedo pra ir pra outra cidade fazer o atendimento. E eu pude notar que esses homens são verdadeiros anjos da guarda. Essas equipes são anjos da guarda dessa gente humilde, tão carente que a gente tem no Brasil, que só você vendo. É uma coisa impressionante. Desde prostituição infantil, até idosos indígenas mordidos de cobra, de bichos, de tal, que precisam de socorro médico. Toda vez que a equipe médica chegava em uma cidade, já havia uma multidão enorme de gente com crianças, com filho, com pais, com avôs, tudo pra procurar atendimento. E muita gente praticamente cega por causa do fator zero da região amazônica, que influi diretamente nas vistas. Eu vi o oftalmologista chegar e falar: “Meu Deus do céu, a população da Amazônia tá ficando cega”. Isso em consequência da falta de especialistas. Porque, como eles chamam lá nessa cidade, de que o oftalmologista, o traumatologista, o ortopedista, são médicos de rico, não são médicos deles. Médicos deles são pediatras e ginecologistas. E outra coisa também, o grande número de médicos ginecologistas que comprovam infecções terríveis em mulheres, em índias, em mulheres da região pela ignorância, pela falta de prevenção. É uma coisa terrível, dramática. E eu vi isso. E eu não satisfeito com essa viagem, eu me candidatei a uma segunda, e pedi uma segunda. E eles me ofereceram outra rota, outro circuito no Vale do Purus. Antes eu tinha feito o do Alto Solimões. Desculpe. Desculpe. É o contrário. Eu antes fiz o Vale do Purus, e eles me ofereceram o Alto Solimões. E eu fui também. Percorremos nove cidades, até Boca do Acre. Partindo de Manaus, até Boca do Acre. E vi a mesma coisa. Eu vi, inclusive, exemplos de parlamentares que pouco se importavam com as populações miseráveis, carentes, que precisavam. Eu atestei, testemunhei pessoas, uma mulher que morreu porque um deputado que estava lá não permitiu que o jato dele fosse usado pra levar essa mulher pra Manaus. E a mulher morreu e foi velada, e o avião do deputado continuava lá no mesmo local. Quer dizer, é uma falta de sensibilidade de muitas de nossas autoridades por esses casos terríveis que assolam essas populações mais carentes e tal. Então isso reforçou a minha admiração pelo Correio Aéreo Nacional nesse aspecto da ação humanitária, do auxílio que eles prestam a essas populações. Porque, volto a repetir, só quem participa é que pode atestar, pode ver realmente como isso é realidade. E eles fazem a diferença entre a vida e a morte em muitas regiões do Brasil. Você precisa ver como eles são esperados ansiosamente. Os aviões quando chegam, pousam normalmente num campo aberto, porque tem cidade que não tem nem pista, num campo lá de futebol, e você vê que a maioria das pessoas procura atendimento. E os casos que eles recuperam, as doenças que eles curam. E quando eles não conseguem curar, quando perdem a vítima, quando a vítima falece, eles choram como se fossem parentes, isso me tocou muito. Porque eu senti numa história de um moleque de 11 anos, pra 12 de idade, que jogava bola igual a um craque, o sonho dele era jogar no Flamengo, mas numa dessas disputas de bola lá naqueles campos de lá, ele espetou o pé num prego. E quando o Correio conseguiu chegar à localidade, o tétano já estava tomando conta do menino. Eles arrumaram o garoto às pressas, embarcaram no Caravan e decolaram pra Manaus, onde tem mais recursos. Obviamente que nessa cidade, você precisa ver o estado dos hospitais dessa cidade, é coisa que você não acredita. Hospital de madeira. E o garoto durante o voo foi conversando com a tripulação, tirou foto e tal, falou de futebol, e quando chegou a Manaus, no dia seguinte infelizmente ele morreu, faleceu. E quando o pessoal, a tripulação soube, todos choraram abraçados. Isso emociona, contagia a quem tem sentimento. E eles são nossos irmãos, são pessoas que tiveram, infelizmente, outro destino. Porque nós aqui somos felizes demais com celular na mão, com computador, com essa coisa toda. E lá muitas vezes eles não têm nem dinheiro pra comer. Eu fiquei impressionado quando vi as voadeiras, como eles chamam as embarcações de lá, ou aquelas embarcações maiores, chegarem. Eu vi que surgiam meninas de 11, 12 anos, surgindo, vinham para o cais do porto pra se oferecerem em troca de dez reais pra poderem levar dinheiro pra alimentar os irmãos menores. Isso é muito triste. Isso me deixava a ponto de cair, porque a gente hoje mete a mão no bolso pra pegar um dinheiro pra comprar uma coisa no shopping pra um neto, pra um filho, ou pra nós mesmos, e lá essa situação é assim. E tudo é Brasil. Isso me trouxe de fato uma admiração muito grande por esses verdadeiros heróis anônimos, que não aparecem nunca. Primeiro, porque a mídia não se interessa em divulgar essas coisas, infelizmente. E segundo, porque pela própria natureza do trabalho deles, eles têm que trabalhar em silêncio. Eles não buscam notoriedade, não buscam nada disso. O Correio Aéreo tem esse espírito. E ressalvada as devidas proporções, e cada um na sua atuação, o Departamento de Correios e Telégrafos, como eu já disse, e não estou dizendo isso porque estou na sua presença aqui, não, é uma coisa que eu reconheço, é um dos poucos serviços públicos no Brasil que funciona com competência, que atende devidamente a necessidade dos usuários do sistema. Hoje você vai ao Correio e confia completamente no Correio. Hoje você sabe que se a sua carta for violada, isso é crime federal, e é por isso que elas estão bem resguardadas pelo Correio. Então eu acho que Correio e Telégrafo de um lado, e Correio Aéreo Nacional de outro, ambos estão trabalhando em prol do Brasil, do povo brasileiro.
P/1 – Seu Degenar, a gente caminha para o final da entrevista, eu queria que o senhor falasse o que o senhor acha de a gente resgatar essa história desses 350 anos através da experiência via vida das pessoas.
R – Olha, eu acho que é uma importância muito grande. Eu acho que é uma iniciativa relevante, porque nós precisamos preservar, nós precisamos cultuar as nossas tradições, as nossas conquistas, a nossa trajetória, os grandes fatos inerentes a nossa história. E 350 anos não é uma coisa pequena. Não são dez anos. Obviamente que estou falando aqui mais retoricamente sobre isso, porque os Correios, eles vêm sofrendo transformações, eles vêm se inovando desde 1663, passando por todas essas etapas, e a gente vê que vai chegar uma hora que esse trabalho vai estar tão mais completo dentro da modernidade que talvez não haja nem mais necessidade se mandar uma carta. Porque as coisas estão se transformando, se inovando, como a internet hoje, como o telefone. Enfim, essas grandes novidades que surgiram, que possivelmente o Correio vai ficar muito mais voltado pra essas coisas que eu lhe falei aqui, para o PAC, pra compra de alguma coisa via Correios. E com isso, você vai dinamizando, você vai incorporando novas atribuições, novos papéis ao Correio. Porque é muito romântico, era muito bonito quando você via, por exemplo, o camarada sair a cavalo e com aquele malote de Correio pendurado, e correndo residência, e parando em estalagem, trocando de animal, pulando de novo, e caminhando, pra entregar uma cartinha lá onde Judas perder as botas. Era uma coisa romântica. Mas hoje você não tem. Hoje você tem a fibra ótica. Daqui, lá para um amigo teu da China, ou pra alguém de outro distante local, e o cavalo ficou pra trás, e o mensageiro do cavalo ficou pra trás também. Mas daqui a pouquinho, isso que você tá falando hoje direto pela fibra, daqui a pouco não é mais. E essa é a verdadeira finalidade do Correio. Essa finalidade do Correio, ela vai se desincorporando do acervo atual em forma de novas modalidades preparadas pela inovação. É uma transformação constante que tá se realizando com maior velocidade nos últimos anos. Então aí é que ganha muito maior importância você registrar o fato relevante dos 350 anos, porque isso que vocês estão fazendo vai ficar. Esse registro vai ficar. E daqui a, sei lá, dez anos, alguém vai consultar, pelas formas de arquivos atuais, isso que vocês fizeram também, essa marca, essa história. Eu acho o trabalho de vocês muito importante, e tão importante quanto pegar um anônimo, um cidadão anônimo, aquele que às vezes vê no Correio o banco dele, porque o Correio tem essa finalidade também. Vê no Correio o banco e ele vai lá retirar o seu minguado salário, ou vai mandar uma pequena ajuda pra alguém que está longe, ou vai pedir a alguém pra escrever uma carta pra ele no próprio Correio. Porque isso eu tenho conhecimento de que acontecia também, de pessoas irem ao Correio, e serem analfabetos, de solicitarem alguém: “O senhor pode escrever uma meia dúzia aí de mal traçadas linhas pra mim? Que eu não escrevo”. E além da profissão dos “escrevinhadores”, como eles falavam, que ganhavam pra isso, pra escreverem cartas. Eu acho que é uma história muito bonita que o Correio tem, que precisa ser muito mais divulgada, tornada pública, e que atinja todas as camadas da sociedade. Porque nós temos que dar valor as nossas coisas. Eu acho interessante isso. Muito importante.
P/1 – E, seu Degenar, uma última pergunta pra gente encerrar. Como foi para o senhor ser entrevistado, ao invés de ser o entrevistador?
R – Olha, foi muito bom, porque eu pude, primeiro, participar desse evento. Ou pelo menos ajudar em alguma coisa nesse evento, eu acho de grande valia. Inclusive, é algo de cidadania esse trabalho de vocês também. Segundo, porque eu me emocionei lembrando alguns fatos. Isso é coisa de velho, mas eu me emociono à toa. E terceiro, porque vai ficar alguma coisa daquilo que eu vi, que eu passei, que eu experimentei registrado aqui, que alguém pode achar interessante, tomar conhecimento e contribuir pra alguma outra experiência de terceiro. E quarto, você é, me desculpe falar assim, mas é uma menina simpática, uma menina que sabe conduzir as perguntas e sabe conduzir uma entrevista. Então eu acho interessante essa coisa. E por último, agradecer ao Museu da Pessoa essa oportunidade e dizer que estarei sempre à disposição de vocês pra outro tipo de ajuda que eu puder colaborar. Podem contar comigo.
P/1 – Bom, seu Degenar, em nome do Museu da Pessoa e do Projeto 350 anos dos Correios, a gente agradece a tua participação novamente. Muito Obrigada.
FINAL DA ENTREVISTARecolher