COROINHAS DO PAFDRE ANTONIO
“Batina nova, alegria que durou pouco”
Nosso grupo de coroinhas dos anos 60 era bem diversificado socialmente falando, havia meninos mais aquinhoados, de famílias com mais recursos econômicos, e havia filhos de operário da Fábrica de Tecidos, com recursos bem limitados, mas a gente convivia muito bem. Nesse caso, os mais aquinhoados vestiam batinas vermelhas com tecidos mais nobres (Cetim, casimira e outros que não me lembro) e tinha nóis, a pobraiadas, cuja batina era feita de sacos da farinha, muito bem lavados e depois tingidos no capricho, por nossas mães. Lá em casa a Dona Georgina caprichava mesmo, e pelo menos umas duas vezes por ano, sendo ela uma exímia costureira, o Dégas aqui estreava batina nova que eu gostava de exibir para os outros, não estando nem aí, se era de saco de farinha de trigo.
No Domingo da Epifania tínhamos a procissão do menino Jesus, que saia da Igreja Matriz, ia até o Bairro da Chave, percorrendo algumas ruas e depois voltava. O andor era a imagem de um menino Jesus de manto vermelho, e com uma coroa bonita na cabeça, cabelos loiros e olhos azuis, um modelo de Menino Jesus Europeu. Naquele domingo, que eu não via a hora que chegasse, estava muito ansioso, para estrear a minha Batina Vermelha novinha. A procissão saia as 16 horas, mas a gente tinha de chegar antes para se paramentar e combinar o que cada um iria fazer, eu queria levar a Lanterna, que era na verdade uma vela acesa, cercada de vidros e que eu achava o máximo. Mas ainda era novinho para essa tarefa e me colocaram lá na frente, em terceiro lugar na fila de coroinhas, supervisionado por um congregado Mariano, não lembro o nome, e que usava um bigodão bem ao estilo mexicano, e que não caiu no meu agrado, e nem do Ximbica que estava atrás de mim, ainda fazendo seu estágio para ser coroinha.
___Não sei por que, mas não vou com a cara desse Bigodudo----- disse-me Ximbica
Eu respondi que eu também não ia com a...
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COROINHAS DO PAFDRE ANTONIO
“Batina nova, alegria que durou pouco”
Nosso grupo de coroinhas dos anos 60 era bem diversificado socialmente falando, havia meninos mais aquinhoados, de famílias com mais recursos econômicos, e havia filhos de operário da Fábrica de Tecidos, com recursos bem limitados, mas a gente convivia muito bem. Nesse caso, os mais aquinhoados vestiam batinas vermelhas com tecidos mais nobres (Cetim, casimira e outros que não me lembro) e tinha nóis, a pobraiadas, cuja batina era feita de sacos da farinha, muito bem lavados e depois tingidos no capricho, por nossas mães. Lá em casa a Dona Georgina caprichava mesmo, e pelo menos umas duas vezes por ano, sendo ela uma exímia costureira, o Dégas aqui estreava batina nova que eu gostava de exibir para os outros, não estando nem aí, se era de saco de farinha de trigo.
No Domingo da Epifania tínhamos a procissão do menino Jesus, que saia da Igreja Matriz, ia até o Bairro da Chave, percorrendo algumas ruas e depois voltava. O andor era a imagem de um menino Jesus de manto vermelho, e com uma coroa bonita na cabeça, cabelos loiros e olhos azuis, um modelo de Menino Jesus Europeu. Naquele domingo, que eu não via a hora que chegasse, estava muito ansioso, para estrear a minha Batina Vermelha novinha. A procissão saia as 16 horas, mas a gente tinha de chegar antes para se paramentar e combinar o que cada um iria fazer, eu queria levar a Lanterna, que era na verdade uma vela acesa, cercada de vidros e que eu achava o máximo. Mas ainda era novinho para essa tarefa e me colocaram lá na frente, em terceiro lugar na fila de coroinhas, supervisionado por um congregado Mariano, não lembro o nome, e que usava um bigodão bem ao estilo mexicano, e que não caiu no meu agrado, e nem do Ximbica que estava atrás de mim, ainda fazendo seu estágio para ser coroinha.
___Não sei por que, mas não vou com a cara desse Bigodudo----- disse-me Ximbica
Eu respondi que eu também não ia com a cara dele, mas lembrei que foi ele que disse ao padre que não fora o Ximbica que havia soltado a Bombinha, no episódio da procissão de Santo Antônio.
A procissão saiu na hora marcada, com um grupo de lindos anjinhos ladeando o andor, ao que o Ximbica me cochichou no ouvido que ele gostaria muito de ver aqueles anjinhos voando, só prá ver se as asas eram de verdade.
___ Eta Ximbica, você tem cada ideia louca! – respondi, enquanto eu ia na frente, todo garboso, exibindo a minha nova batina. Passamos pelas ruas da Chave, cantando e rezando, e ai de quem não rezasse...Padre Antônio, com sua Batina preta e a Raquete branca, ia e vinha, com o terço na mão, só de olho nos participantes, principalmente na criançada, e o seu vozeirão, nos incentivando a rezar, de vez em quando interrompia a recitação do terço e pedia ao saudoso Dito Elpídio Costa, ou o também saudoso Boava, puxar um canto, daqueles lindos, que eles sabiam de cor, e cantavam com vozes de Barítono. A procissão era linda, com a Cruzada Eucarística logo depois dos coroinhas, todos de branco e com suas fitas amarelas, os aspirantes a usavam sobre o ombro, como a estola dos Diáconos, e os demais no pescoço, sempre acompanhados pela Dona Lurdinha e a saudosa Inezinha de Freitas.
Havia também na procissão os piedosos Congregados Marianos, com suas fitas azuis, a maioria vestido a rigor, com seus paletós, e havia ainda as Senhoras do Apostolado da Oração, com suas fitas vermelhas com a estampa do Sagrado Coração de Jesus. Nossa Família estava ali todinha, à exceção do meu irmão. O Pai era congregado Mariano, a Mãe do Apostolado da Oração, e as irmãs, a Dina era comigo da Cruzadinha, e a Nida e a Maria eram Filhas de Maria, com seus vestidos brancos e fitas também azuis, com suas Boinas na cabeça. As nossas procissões, com seus hinos e orações, e com esta coreografia, era coisa muito linda se se ver, como sempre me dizia o Ximbica.
Na volta foi que tudo aconteceu. O tempo fechou, nesta época eu não tinha medo de chuva braba, essa fobia veio depois. Só sei que veio um toró que parecia um dilúvio. Já tínhamos passado o pontilhão da chave, hoje inexistente, e o Padre Antônio começou a mandar a gente apertar o passo. Cessaram-se as orações e os hinos, e pernas prá quem te quero, cada um se virando como podia.
“Hei Coroinha, sua batina está quase branca! ” Mesmo correndo, me voltei para ver quem falava. Era o Congregado Mariano bigodudo, gozador, me zoando, porque a chuva intensa começou a desbotar a minha batina nova. Conseguimos chegar na delegacia, onde o soldado Reniéri, que estava de plantão junto com o Cabo Correia, mandou que entrassem com o andor, mas alguns fiéis também entraram. Fiquei em um canto, já com raiva por causa da gozação, mas o danado insistia, só que olhei para ele e notei algo que ele ainda não tinha percebido. “Olha aí gente, a batina desse coroinha desbotou, tá quase branca, parece saco de farinha de trigo! ”disse em alto tom o gozador. – Aquilo foi só risada, até o Padre Antônio não conseguiu segurar o riso. Foi então que om amigo Ximbica tomou as minhas dores e disparou: “ A batina do meu amigo de fato está descorando e ficando branca, igual ao seu bigodão, que antes da chuva estava bem pretinho! ”
Daí sim, um coro de risadas ecoou no Largo do Bolacha na tarde daquele domingo, e teve gente que de tanto rir, até se engasgou. Quem mandou aquele enxerido mangar comigo, quando o meu amigo Ximbica estava perto e lhe deu o troco bem dado, ao notar que o seu bigode também era pintado. {Diácono José da Cruz - jotacruz3051@gmail.com}
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