Entrevista de Raimundo Cordeiro Espíndola
Entrevistado por Lucas Torigoe
Barcarena, 25 de setembro de 2020
Projeto Memória de Barcarena
Entrevista número HYD_HV012
Transcrito por Selma Paiva
P1: Senhor Onofre, obrigado pela presença do senhor, tá? Obrigado pelo tempo.
R1: Ok.
P1: E qual que é o nome do senhor, onde o senhor nasceu e que dia que foi?
R1: Meu nome de batismo, como se diz, porque o apelido de Onofre.
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é um apelido, né? Que sempre a gente tem esse apelido em casa, como se diz.
Raimundo Cordeiro Espíndola.
Eu ainda digo assim, quando eu vou assinar.
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quando alguém vai assinar, eu ainda digo: "D-O".
Porque senão tem gente se escreve Espíndula, ((riso)) aí não cola.
Meu documento está Espíndola.
Então é isso.
Onde eu nasci? Pois é, nasci na boca de um riozinho por nome Guajará da Serraria no Rio Mucuruçá direto.
Que esse que é o Mucuruçá que vai, que o Rio Barcarena que diz era o Rio Mucuruçá.
Aquela segunda ponte que passa, quem vai pra Barcarena, é esse riozinho.
P1: E que dia foi? Que dia que foi?
R1: Ah, que dia? O dia mais feliz do ano, dia 12 de junho de 1950.
(risos) Dia dos Namorados ainda, pra acabar de inteirar.
P1: O senhor nasceu no Dia dos Namorados?
R1: Dia dos Namorados, foi.
P1: E qual que é o nome da mãe do senhor?
R1: O nome da minha mãe era Albina Santiago Cordeiro.
Pai.
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é.
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Rapaz, esqueci o nome do meu pai.
Apolinário.
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Apolinário Marques Espíndola.
P1: E o como é que é a família da sua mãe? Eles são de onde, seus avós?
R1: A família da minha mãe, os pais dela são de Irituia, Guamá, muito longe.
Irituia é um lugar aí pra cima, no Guamá, muito longe, é.
P1: Você se lembra o nome deles, como é que eles eram?
R1: É.
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me lembro do nome do meu avô, que era Eutíquio.
Eutíquio.
Agora, sobrenome eu não sei.
Não estou lembrado, né? Da avó era Maria Filomena.
P1: O senhor conheceu os dois?
R1: Só a velha, o velho eu não conheci.
Quando eu me entendi, ele já tinha morrido.
P1: E a sua avó, como é que ela era, a sua vó?
R1: Ela era assim: baixa, gorducha e bem clara, bem branca mesmo, bem clara.
Era.
O velho, eu não posso dizer que eu não cheguei ver, né?
P1: E ela era branca, ela veio de onde.
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R1: Sim.
P1: .
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o que ela fazia?
R1: Era filha de lá de Irituia mesmo, né? Eles eram.
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como se diz, trabalhador da agricultura, né? Trabalhavam com a roça, faziam - segundo a minha mãe falava com a gente, contava pra gente - a farinha e fazia o tabaco também.
Era.
Minha avó, meu avô foi muito fabricante.
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era o fabricante de tabaco, a família deles todinha.
É.
P1: E a avó do senhor, ela.
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você conversava com ela, ela criou você?
R1: Eu ainda me criei com ela ainda um.
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praticamente a minha juventude foi ela que me criou, né? A minha adolescência.
Foi.
A gente morava num local que chamou Caeté.
É.
Caeté é um rio que entra.
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braço do Guajaraúna, que entra do Mojú.
É.
A gente passou lá uns dez anos, mais ou menos.
Foi isso.
E lá, eles continuavam trabalhando com - já só minha avó e um tio, né? Que o avô já tinha morrido - a lavoura da mandioca e o tabaco.
P1: E a sua avó, como é que ela fazia? Ela contava história pro senhor?
R1: Contava muitas histórias pra gente assim, né?
P1: Ah, é?
R1: Do local onde moravam.
Só que faz tanto tempo, que a gente quase já não lembra esse tipo de coisa, né? Só lembra isso porque eu convivi com eles, né? Do trabalho.
E ela fumava também, muito.
É.
Isso ela fumava.
Fumava e bebia café.
A época, assim, de Semana Santa, de quarta-feira até amanhecer o sábado de Aleluia, a velha não levantava de banca de baralho, jogando baralho, é e tomando café e fumando.
((Riso)) Qualquer baralho assim jogado, é negócio de sueca ou então a três sete que se chama.
É.
Não era no dinheiro, era só mesmo para se divertir.
Era.
A velha era.
P1: Ela enrolava?
R1: O tabaco? Não, era no cachimbo.
Cachimbo.
Da cabeça de barro, colocado o rabichozinho, que é o taquari chamado, pra meter na boca, pra ficar puxando aquela coisa.
P1: Uhum.
R1: E ela fumava muito e, graças a Deus, não morreu nem do tal do câncer falado, porque ela morreu duma queda que ela pegou e quebrou a perna dela, bem no tronquinho daqui.
E, com isso, ela não teve como andar mais, aí foi difícil já o tratamento dela.
Também ela já estava muito idosa, né? E ela estava com setenta e oito anos já, aí pegou e infeccionou e disso ela morreu.
P1: Uhum.
R1: Os avós maternos, né? É, os avós maternos.
Paternos também?
P1: Também.
R1: Se eu lhe falar uma coisa você não vai acreditar, mas eu não conheci ((riso)) nenhum avô paterno.
P1: Uhum.
R1: Não.
P1: Mas eles eram agricultores?
R1: Eram, eram agricultores.
Eles eram da localidade ali do Acará, né? Aí o Acará, quem vai no Acará tem várias entradas, igarapé, que esse igarapé dá onde era o Tapicuru.
É.
Talvez já tenha ouvido falar nesse Tapicuru, pois é.
O trabalho deles também era esse negócio de lavoura, fazer farinha.
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tabaco eu não sei se eles trabalhavam com tabaco, porque eu sabia que trabalhava com tabaco era minha avó paterna, essa sim trabalhava com tabaco.
E eu trabalhei muito com eles aqui, que adolescente, eu estava com doze anos quando eu saí de.
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não quis mais ficar com eles.
Foi.
Aí eu vim-me embora para cá, pra Barcarena.
Minha mãe morava pra cá e eu comecei levar a vida por aqui, né?
P1: Agora me conta só um pouquinho.
Você se lembra de alguma história específica que a sua vó de parte de mãe contou, seu tio contou pra você?
R1: É, história da minha avó materna, ela falava muito que lá pra onde eles moravam dava muita Matinta Pereira de noite, né, (risos) assobiando, negócio de uma.
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uma visão, eu digo uma visão porque.
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visagem, se chama de visagem, né? É.
E ela passa.
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que a gente, até lá mesmo aonde eu moro, de vez em quando passa uma assobiando: “Gente, Matinta Pereira".
É.
E é.
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mais ou menos é só isso que ela contava, assim, de história, que eu me lembro, né? Que eu me lembro.
P1: Como é que é a Matinta Pereira?
R1: Olha, falaram que a Matinta Pereira que chamam, é uma velha, uma velha ser humana mesmo, né? É.
E ela.
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ela fica.
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ela traz aquele dom de virar essa.
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ter essa.
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essa coisa, né? É.
E eu, pra mim, comigo aconteceu o seguinte: nós trabalhávamos numa canoa aqui desse pessoal dos Furtado aqui, que agora já não tem quase e não tenho nem canoa e já não tem quase nem Furtado também, né? Ainda que eu conheço é o Moacir Furtado e o João Carlos, que foi prefeito ainda daqui de Barcarena, que é dos Furtado, né, que eu conheço.
E aí a gente trabalhava nessa canoa, eu e um irmão.
Aí a gente ia daqui, parava na boca do.
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lá de Barcarena, pra esperar a maré dar, pra gente poder subir pela ponte, pra dobrar lá, pra ir pra antiga Bitá, que ela ficava perto do rio _____ (09:25) lá, a Bitá.
Lá que a gente jogava a lenha.
E um dia, uma noite a gente estava lá tudo sentado, assim, na polpa da canoa, né? Eu.
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nós éramos três que trabalhava na canoa: eu, o piloto e os dois tripulantes, se chama tripulante é que trabalha.
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o responsável e piloto era o outro, né? Quando nós vimos aquele negócio ‘vuque, vuque, vuque’, parece que já.
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abanando assim, né? Aí fiquemos assim abismado, fiquei olhando, quando eu vi aquele negócio ‘bum’ na proa da canoa.
Aí chorou uma criança.
Olha, choro de criança.
Isso aí eu conto por que eu vi, né? Aconteceu comigo, eu vi, eu vi.
O meu irmão já morreu, mas eu.
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o resto da turma está tudo vivo.
E aquela criança chorou, parece que ela ajeitou lá ela tudo e tornou voar, rumo Belém, por cima da Ilha das Onças, assim, rumo do foro ali, foi embora.
E nós ficamos até, assim, meio.
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como é que se diz assim?.
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amortecido por causa daquel coisa, né? Já pensou uma criança chorar! E ela levava o filho ainda, (risos) porque eu acho que ela não podia deixar.
Tudo isso acontece com esses tipos de coisa.
O lobisomem eu já vi também.
P1: Ah, é?
R1: Já, lobisomem.
O lobisomem, ele vira num porco e começa andar, andar, roncar, bufar e, se você deixar, ele lhe morde.
Se ele lhe morder, você vai virar lobisomem também junto com ele.
((Risos))
P1: E aí, quando você viu, você ficou com medo? Como é que foi?
R1: A gente estava numa espera.
“Espera” que a gente diz é assim: dentro do mato faz aquela.
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tem o inajá caindo, o inajá, você sabe o que é o inajá, né, mais ou menos?
P1: Não.
R1: Não, não.
É uma palmeira que ela dá uma fruta, uma frutinha assim, aí ela cai aquela fruta e atrai os bichos pra comer: a cotia, o veado, a paca.
A paca, então! E meu tio ia fazer essa caçada de noite, dava-se o nome, assim, lanternar, lanternar de noite, mas é a mesma caçada do dia, é a mesma da noite.
Aí ele disse: "Vamos, vamos lá botar, que está muito bonito lá o negócio, aí com certeza a paca vai varar lá".
Aí nós fomos, quando nós vimos aquele porcão roncando.
Nós estávamos, assim, em cima, na altura disso aqui, era bem-feitinho lá, aquele negócio roncando, roncando, foi.
Ele olhou e disse: "Rapaz, isso só pode ser bicho mau, porque porco por aqui não tem".
E não tinha mesmo.
Aquele porcãozão, chegou no pé, ainda se esfregou ‘vaque, vaque, vaque’.
E chega mexeu com o pau.
((Risos)) Isso aí eu também vi.
Foi a única coisa que eu vi de meuã foi essas coisas, assim.
Chama meuã, que é coisa de outra história, né? É.
P1: Como é que é essa palavra?
R1: Eu chamo meuã.
((Risos))
P1: Meuã.
R1: Meuã.
P1: Meuã que são as histórias antigas?
R1: É, essas histórias antigas, dessas coisas, assim.
P1: Nunca viu boto, não?
R1: Boto vi, muitas vezes.
P1: Ah, é?
R1: Boto saltando, salta, porque o boto tem um modo dele: se ele descobrir que ele quer a mulher, ele vai em cima dela, aí a mordia, que ele é meio assim, né, como eu falei, meuã.
É.
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ele é.
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não sei nem como pode ser a palavra, mas é assim.
Aí ele vai, amortece a mulher que, quando ela dá, ele já está do lado dela.
Já aconteceu até pra banda de Cametá parece, me falaram que o boto emprenhou uma mulher, uma menina.
Eu não sei como.
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o que nasceu, mas eu sei que diz que ouvi falar isso.
E ele faz isso.
Aí ele, quando chega no porto, assobia: ‘fiit’, aquele assobio fino, pode contar que é.
É ele que vem subindo.
Aí ele passa, já vai assobiar da frente da casa da gente, já para frente.
É.
Aquele assobio fino, se a gente estiver esperando-o.
Pra dar um tiro nele, a gente só mata se botar.
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tem a cera benta que se diz, né? Que é benzida na igreja pelo padre, aí é a cera benta, aí ele vê e tira um pedaço daquilo e bota na espingarda, junto com o chumbo ou pedrazinha miúda, qualquer coisa.
E, se enxergar, assim, o rosto dele.
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porque longe, assim, a gente enxerga aquele vulto daquele.
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aquele homem branco, é todo branco.
Mas a gente não o vê passar, só vê aquele sinal que dá, dele passar.
P1: É difícil pegar?
R1: É difícil pegar.
Aí, se o cara avistar lá e der um tiro nele, pega.
É.
Mas ele não morre lá na hora, ele vai morrer lá pro rio, lá pra longe.
É.
Depois só vê debulhado.
Aquele monstro buracão pelo peito, pela costa, sabe lá por onde pegar.
Por onde pega, né? Que ele é muito esperto, o boto é.
O boto é.
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é assim o boto.
P1: E ele leva a mulher embora?
R1: Ele não leva, mas ele.
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se não se cuidar, ele a mata.
É.
Ele a mata, de tanto sugá-la.
E assim como o boto, a bota também suga o homem.
É.
P1: Ah, é?
R1: A bota também suga o homem.
São as histórias que a gente vê contarem, né, porque eu nunca vi, mas a gente vê contar.
Isso aí pra Cametá, que aconteceu esse caso dessa.
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do boto emprenhar essa mulher.
P1: Uhum.
E seu pai e sua mãe contavam essas histórias também pro senhor?
R1: Contavam essas histórias, era.
O meu pai mesmo era de Cametá, né? Filho de Cametá.
E por isso que ele trouxe essa história de lá, pra gente.
P1: Contava que horas, assim, do dia?
R1: É, não.
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constantemente boca da noite, né, quando a gente terminava de jantar e ia deitar.
Nesse tempo, a gente não tinha televisão ainda.
Era.
Não existia televisão.
Algum que tinha televisão era à bateria, quando começou as televisões de bateria.
Aí era aqueles que tinham dinheiro, que tinha dinheiro e a gente mais pobre não conseguia comprar uma televisão assim, porque tinha que comprar a bateria também e dava muito trabalho para gente ter uma televisão.
A gente não.
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a gente ia procurar dormir cedo, né? Quando o velho não estava pelo mato caçando, estava conversando com a gente, contando caso e história, essas coisas.
Era.
E a gente escutando.
E, quando dava, a gente estava era dormindo ((risos)) porque a conversa era longa e a gente dormia.
P1: Uhum.
O que ele contava pra vocês?
R1: Constantemente essas histórias assim, né, que era mais pra gente ficar com medo e dormir logo.
(risos) É.
P1: Você tinha medo também de mula, de saci, essas coisas?
R1: Saci, essas coisas, é.
Isso assim era história.
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conversa de pescador, como diz? A história do cara.
É.
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isso aí são as coisas que a gente acha nos livros, né, ver nos livros e vai contando um pro outro e vai levando à frente.
P1: E o seu pai falou que já viu essas coisas também, o que ele viu, já?
R1: Não, muita coisa ele viu: Matinta Pereira assobiando no caminho, o lobisomem.
Foi.
O lobisomem eu vi mesmo, porque eu estava com meu tio no mato, né? Era.
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eu estava com dez anos mais ou menos, quando a gente viu o roncado do porco e ele.
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ele sentiu a gente, né? Sentiu a gente, mas a gente estava alto, pra ele pegar.
E não atirou também porque sabia que, se ele atirasse, ele vai morrer lá na casa dele, mas ele não escapa.
E lá onde a gente atira, ele não fica.
É história do pessoal, que contava assim, essas coisas.
Lobisomem.
Pegava as mulheres no caminho assim e roía toda a saia dela, mordia tudinho.
Era.
Pra.
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não mordia, mas aí roía a roupa dela, todinha.
Aí a mulher o pegava, a mulher dele o pegava, que ela ia sempre fazer o carinho, o catar e tal e olhava os dentes dele, estava tudo cheio da coisa do pano, né, da roupa.
Isso história que a gente ver os outros contar, né? Esse pessoal da antiguidade, como diz o.
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meu pai dizia.
P1: E como é que era: você nasceu e em que lugar você ficou? Que casa que o senhor ficou, quando o senhor nasceu até.
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R1: Isso.
Eu nasci na casa da minha mãe mesmo, né? Meu pai e minha mãe moravam lá, tinha uma.
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a casinha deles.
A minha avó já tinha vindo também de lá de Irituia e vieram tudo de lá e moravam tudo lá, mas cada qual tinha a sua casinha, né? E a minha mãe tinha a casinha dela, o meu pai e a gente morava junto.
Depois, a minha mãe se mudou pra cá, a minha avó, daqui ela já foi pra lá pro Caeté, que lá morava um filho dela e ela foi morar pra lá e já me levou com ela.
P1: A sua avó?
R1: Eu gostava muito dela, era ela que me criava mesmo desde pequetitinho e foi até ela morrer, como diz.
Foi.
Ela morreu no Alto Moju, num lugar por nome Mamoranazinho.
Foi.
Eu corri de motor, que eu tinha um motorzinho, eu corri 22 horas pra eu chegar lá onde ela.
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passei da cidade do Moju muito.
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horas e horas.
Daqui, da boca de Barcarena, lá na cidade de Moju, eu gastei seis horas de viagem.
Foi.
De lá pra lá, eu queimei nesse dia doze horas, o dia inteiro, né? Das seis às seis, mesmo que eu corresse das seis às seis.
Parei na casa dum parente, dormi à noite, quando foi seis horas da manhã eu saí, quando foi quatro horas da tarde eu cheguei lá onde a velha estava, mas muito longe.
Acima do Alto Carari, pra lá pra cima, muito, muito longe.
P1: Quando o senhor chegou, ela estava viva ainda ou não?
R1: Estava, eu ainda a trouxe para cá.
Foi.
A gente morava aqui, eu já tinha família na época, já tinha filhos, aí cheguei aí dia vinte e três de junho com ela, né? Aí, onde a gente mora agora.
P1: Ela ficou mais um tempo viva ainda?
R1: Ficou.
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em novembro eu fui levá-la de novo, que ela que não conseguiu ficar, porque ela tinha os netos de lá que ela gostava muito, né? E era muito pegada aos netos de lá.
E fez tudo pra eu levá-la e eu fui levar de novo, mais uma viajada que eu dei.
Muito longe, Moju é muito longe, muito central.
É.
P1: E.
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mas vamos voltar um pouquinho.
Você cresceu a primeira infância, bem pequenininho, onde aqui?
R1: Eu, quando eu vim de lá de Caeté, onde ela morava, eu vim com doze anos, aí já cresci aqui, aprendi a viver aí, como diz o.
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e a gente.
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até hoje estou aí onde.
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só aí eu já morei muito tempo, né? É.
P1: Mas antes de ficar com a sua avó, você ficava só com o seu pai e com a sua mãe?
R1: Foi.
Eu parei um tempo com a minha mãe e o meu pai e depois eu fui-me embora com a minha avó, porque pra lá era mais fácil pra gente estudar, né? O estudo que era bom lá.
É.
O professor lá era bacana e a gente.
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eu estudei até a quarta série, é o ensino que eu tenho, o estudo que eu tenho, até a quarta série.
P1: Você com seu pai e com sua mãe, moravam perto do rio?
R1: Era, perto do rio, né? Perto do igarapé.
Lá onde eu moro lá, por lá.
Não é bem onde eu moro, mas é por lá pertinho.
P1: E como é que era a casa de vocês?
R1: A nossa casa, na época, era coberta com palha, se eu lhe disser, palha de inajá.
A gente picava aquilo, fazia.
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emparedava com a palha de inajá aquilo e aí a gente vivia assim, né? Era.
Vivia do.
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na safra do açaí agora a gente tinha uma ponta de açaí, que a gente apanhava aquele açaí para vender, pra arrumar alguma coisa.
Mas era da roça, farinha.
É.
Fazia a rocinha, fazia farinha, vendia farinha.
Milho só dava pra criar o bicho mesmo, mas era bom que a gente criava e comia, né? Não comprava, pelo menos não comprava.
Era.
P1: E pescava também?
R1: Pescava também, tampava o igarapé como se diz, tampava as baixas.
E pescava no igarapé, pegava um peixinho que dava bem pra fazer a comida.
P1: Quem que ensinou o senhor a pescar?
R1: É, eu.
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foi com meu pai velho, né? Saía com ele e, com isso, quando eu cheguei, peguei minha idade, me associei na colônia de pescador e até hoje eu sou sócio da colônia de pescador, Zona 13 de Barcarena.
Foi.
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já fui capataz.
O capataz que se chama duma colônia e tem também de fazendeiro, de fazenda.
É.
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o capataz da colônia de pescador é aquele que fica responsável em sair nas casas dos sócios pra ir cobrar a mensalidade e eu fui quinze anos sócio da colônia de pescador, quinze anos eu.
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aí eu me aposentei, né? Com sessenta anos eu me aposentei, graças a Deus.
É.
E tinha vinte e sete anos de colônia de pescador, me aposentei em.
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com os documentos tudo certinho, cinco minutos o cara digitou lá, saiu a folha lá da impressora, né? Ele olhou e disse: "Seu Raimundo, o senhor, dia vinte e cinco.
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".
Isso foi dia dezoito de junho, perdi seis dias de aposentado, que eu podia pegar.
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se eu venho no dia treze, eu me aposentava, o cara disse assim mesmo.
Mas fui atrás do presidente da colônia que, primeiro, tinha que agendar, Abaetetuba, que nesse tempo era Abaetetuba que a gente procurava.
Até hoje ainda é Abaetetuba.
E ele agendou pro dia dezoito e eu fui, dia dezoito eu me aposentei.
Com cinco minutos saiu, o cara veio e olhou, disse: "Olha, dia vinte e cinco agora de junho você vem aqui pra nós vermos qual é a agência que você vai.
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que vão lhe dar, porque o INSS lhe deu o seu benefício, considerou o seu benefício, você está aposentado, até os últimos dias da sua vida".
Tirei o chapeuzinho da cabeça, que eu sempre uso meu chapeuzinho e agradeci a Deus: "Ô Senhor!”.
Porque isso não é muito, mas ajuda a gente bastante.
"Obrigado, meu Deus, por isso".
Nós somos dois velhos em casa, né? Eu e a minha mulher.
Ela está com setenta e um, vai fazer dia sete de novembro, ela é mais velha do que eu uns meses e eu com setenta, né, graças a Deus.
Não sei dos dois qual é que vai primeiro, mas estamos junto, né? Batalhando pra ver quem é que vence primeiro.
((Risos)) E ela também está aposentada, graças a Deus.
Ela era sócia do sindicato Funrural, né? Se aposentou com cinquenta e cinco anos.
Foi.
Aposentou com cinquenta e cinco anos.
Já está há 15 anos aposentada e eu só com dez ainda, né? Mas está tudo bem, graças a Deus a gente está vivo e está levando a vida.
Agradeço a Deus por isso.
P1: Me conta uma coisa: logo quando você foi aprendendo a pescar, como é que era que você pescava, nessa época?
R1: Olha, eu fui um pescador.
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eu não fui pescador de mar, assim, né, muito fora, muito longe.
Porque tem o pescador industrial, que é esse que tem os barcos grandes, esses são pescadores industriais e nós somos pescadores artesanais.
O artesanal pesca dentro do rio, mesmo.
É.
É matapi, pegar o camarão, é a redinha da beira, botar aquela redinha de dez metro na beirada.
Bota na boca da noite, quando é de manhã vai ver, o ladrão já levou e aí o cara não pega nada.
((Risos)) Mas a gente pega sim, o peixe, né? Pega.
O espinhel, trabalha com espinhel no rio, colocava aqueles anzoizinhos que pega as douradinhas, pescada, bacu, tudo a gente pegava.
E também tarrafa, né? Jogava uma tarrafa.
Tudo isso eu aprendi.
Graças a Deus fui aprendendo e até que eu me tornei um pescador, documentado pelo menos, ((riso)) pelo menos isso, porque me ajudou muito, que se eu não sou documentado, eu não me aposentava assim tão fácil.
Graças a Deus, agradeço a Deus por isso.
E foi assim que eu aprendi a pescar, né? É.
Mas.
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e mesmo lá na baía eu não tinha condição de.
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que meu estômago meu, minha cabeça, meu.
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sei lá o que é que se diz, eu não aguentava, eu pegava barco, eu ia lá fora, porque lá fora o negócio é feio lá, baía aqui, entre Marajó, né? Entre a baía, que tem muita gente que pesca aí.
Tem uns que vão lá pra Açores, Vigia.
Tenho um genro que pesca pra esses lados aí.
É.
E.
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mas às vezes nem adianta ir muito fora, porque depende do peixe que está dando, que o peixe vem conforme a maré vem.
Agora aí, olha, ele foi um dia desse aí no Cotijuba.
Ilha do Cotijuba lá você sabe quem é, né? Sabe onde é.
Pois é.
Lá no Cotijuba pescou três dias, trouxe peixe que ele vai lá pra baixo, pesca uma semana, não traz esse tanto de peixe.
E só pescada bonita, pescada curuca que chamam, pescada grande, pescada pra dois quilos.
É.
Então, é isso que eu digo: a pescaria ou tudo enquanto.
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até pra você arrumar uma mulher, se você não tiver sorte, você não arruma uma boa companheira.
É.
Isso eu lhe digo.
Que eu vivo com a minha companheira quarenta e oito anos, você acredita isso? Já temos bisneto, estamos juntos, graças a Deus.
Nunca toquei o dedo sequer nela assim, nunca, graças ao meu bom Deus! Isso aí eu tenho.
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a minha consciência é limpa.
Mas.
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P1: Pescaria é sorte, mas é perícia também, né?
R1: Perícia, perícia?
P1: Habilidade, né?
R1: É, habilidade.
P1: Mas a pescaria é sorte e habilidade.
R1: Habilidade.
É porque, se o camarada não souber pescar também, não souber chegar na baía e ter aquela ideia que aqui tem o peixe, porque aonde tem o peixe, a gente sente aquele pitiú, sente.
Sente aquele cheiro, aquele pitiú.
Se não for o boto que esteja comendo alguma coisa lá, porque quando ele pega também, que ele come, aquele pitiú sai.
Aí é lá que está o peixe, o camarada bota a rede.
Agora está bonita, agora está bom de pescar, que é só na rede, é tudo no motor.
Quando eu comecei a pescar, que eu ainda fui umas vezes lá na baía, era na base do remo à vela e linha, anzol.
Meu sogro velho pescou muito desse jeito, né? É.
Duzentos, trezentos anzóis aí.
Era.
O camarada esticar tudo aquilo que parece um negocinho, parece isso aqui, pra pegar um peixe aí de cinco quilos, seis quilos, aguentar esse peixe, né? É.
E então, nesse tempo era muito ruim a pescaria.
Nesse tempo era.
A gente penava muito.
Ia pra lá, passava às vezes uma semana e às vezes, não arrumava nem para comer e aí era ruim, né? Que estava ruim.
Como aquela história: o mar não estava pro peixe nesse dia e a gente não conseguia nada.
É.
Mas também, quando acertava! É.
O tempo da piramutaba, que é a piaba, vem aquele cardume, que a gente jogasse a linha, que ela tivesse.
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desse e acertava, era duzentos, trezentos quilos de peixe que a gente pegava numa redada.
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numa linhada, numa linhada.
É, que cada anzol vinha um peixe.
Então, tudo isso depende de muita sorte e habilidade também no trabalho, o cara ser habilidoso, né? Saber o que vai fazer.
É.
P1: E que horas vocês começam a pescar?
R1: Opa, isso aí não tem hora, camarada.
Porque é o seguinte: pra ir pra baixo no caso, pra baixo, o camarada está lá, aí ele vai ver.
.
.
porque o problema é.
.
.
conversar com os outros companheiros é que dão as ideias, né? Às vezes o cara chega assim, não está sabendo como é que está ocorrendo as coisas, mas outra pessoa que já está lá, é conhecido, aí pá, ele passa tudo pro outro.
Aí sai quatro horas da madrugada, três horas da madrugada, duas horas madrugada, o cara sai, pra ir redar.
É.
Pra ir redar.
Aí joga a rede e fica lá, segurando a rede.
Tem vez que levam quase toda a rede do cara, quando ele dá já o roubaram, que a rede é longe, né? É mil braças, é mil e duzentas.
Aí o ladrão, que está só.
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quando o cara puxa a rede dele, quando então ele nota que estão mexendo na rede, ele avisa o companheiro e vai.
Aí, por isso que não é muito bom o cara ir de noite, mas de noite aí é a melhor hora da gente pegar o peixe, é nessa hora da noite, de madrugada, né? É.
P1: Por quê? Por que que é.
.
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R1: Ãhn?
P1: Por quê?
R1: Aí é que tá, né? Que também não sei lhe explicar, mas tem.
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sempre tem isso das horas sempre são melhores assim.
É.
De madrugada.
Também conforme a maré, a maré que amanhece baixa-mar, amanhece baixinha, tá.
Lá pras sete, oito horas do dia, ela vai encher, essa maré que é boa de de dar o peixe.
É.
P1: E como é que é pescar de noite, o senhor sai com uma lamparina?
R1: Não.
Os barcos sempre têm uma lâmpada no barco.
A rede que está pra lá está por conta de Deus, só Deus sabe o que pode acontecer com ela.
((Risos)) Mas o cara tem uma lâmpada lá, que é pra dar sinal pra outros que saem pra ir redar e olham, ali tem um redado e está redado assim, o cara já sabe tudo, pra dar o sinal pro outro.
Aí sempre tem que ter uma lâmpada no barco, à bateria, né? E é assim, a luz é isso.
P1: Primeiro barquinho que você tinha era no remo, então?
R1: Era no remo, era.
P1: Como é que era? Era grande, era pequeno, cabia quanto.
.
.
R1: Não, o barquinho assim pra duas toneladas.
Era.
E nem era meu, a gente.
.
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o parceiro tinha.
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por exemplo: você já tinha o barco, mas não tinha parceiro.
É.
Aí arrumava eu, cada um botava duzentas braças de rede, ainda cabia mais duzentas, trezentas braças de cada um, aí arrumava tudo lá e ia.
É.
Aí, o que você pegasse na sua era seu, o que pegasse na dele era dele, o que eu pegasse na minha era minha.
Conforme a gente fizesse uma pescaria, cooperava com você no.
.
.
ajudava na parte, né, dava aquela pontinha pra ajudar.
Agora no motor, não.
Agora no motor já tem mais despesa, aí o camarada já tem que cobrar mesmo.
É.
No tempo do remo era assim, mas no tempo do motor, agora, não.
P1: E você vendia pra quem? Onde que era?
R1: Constantemente, se a gente estivesse aí pra banda debaixo, usava.
.
.
fazia uma caixa, aquela caixa feitinha ali, pra caber naquele porão ali.
Pegava aí uns duzentos quilos, trezentos quilos.
Quando enchia aquela caixa, a gente corria para o Ver o Peso, ia tirar no Ver o Peso.
Era.
Porque lá sabia que vendia mesmo e, por mais barato que fosse, os compradores compravam tudo, né? Compravam tudo, é.
O balanceiro compra tudo o peixe lá.
É.
P1: Qual que é o peixe que mais dá lucro?
R1: É que mais dar lucro é a pescada amarela, filhote.
É.
É porque não é fácil pra pegar.
Pescada amarela, pra nós, a gente é difícil pegar.
Quem pega muito esses peixes é o pessoal dos barcos grandes, que estão pro norte, esses homem que pegam muito esse peixe, pescada amarela.
É pescadona branca, aquela pescada amarela bonita, né? É.
Filhote também eles pegam, tem a rede filhoteira.
Pra isso tudo o cara tem que ter o material adequado pra aquilo.
É.
A rede na medida, por causa da malha, né? Que se for malha fina, o filhote não fica, que ele é mais cabeçudo, chega lá, ele rasga.
O que vai acontecer é que ele vai rasgar.
É.
Mas é mesmo que uma pescadinha pegar numa malha duma.
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.
uma malha sessenta centímetros, como eles dizem, o milímetro dela, a pescadinha não fica, vara tudinho.
É.
É miúda, né? É pequena.
É assim é a rede.
.
.
é o peixe grosso na rede fina.
Ele não malha, ele rasga e vara.
É.
P1: E o senhor se lembra o primeiro peixe que o senhor pegou?
R1: ((Riso)) Olha, não me lembro, porque eu comprei o material, botei no barco do cara e ele foi pescar.
Foi.
E quando ele veio de lá, veio só já com a grana pra mim, né? O que deu, ele vendeu e trouxe o meu.
Então, por isso que eu não lembro que peixe que eu peguei.
Mas aqui no rio, a gente bota a redinha da beira, a gente pega pescadinha, aquela pescadinha, o jacundá.
É.
Jacundá, que é um peixe que dá, assim, na beirada do igarapé, é peixe do igarapé.
Aí pega traíra, o jeju.
É.
Tudo a gente pega.
P1: Quando você era criança, ainda?
R1: Isso, quando a gente já era.
.
.
já trabalhava pra pegar, quando pegava um peixinho desse ficava alegre que só, que estava dando pra pegar, ao menos pra comer, já.
É porque hoje em dia é isso que acontece, né? É.
O cara, às vezes não pega, não dá para vender, mas pegando pra comer, pro consumo da família, já está de bom tamanho.
É porque a gente chega.
.
.
ó, esse genro que eu tenho que vai, quando ele chega, coitado, mais ele dá o peixe dele, do que ele vende.
É.
Manda lá pra casa, que a gente, graças a Deus, é bacana, manda lá para casa, pra sogra.
Aí dá pra mãe dele também, que mora lá perto, né? E quando ele não está, a gente está ajudando a mulher dele.
É filha, a gente tem que ajudar, né? Tem que ajudar e, com isso, eles dão a forra pra a gente, assim.
É.
P1: Em Belém, como que era, nessa época, quando você começou a pescar?
R1: Só tinha uma vantagem, que não tinha muito ladrão.
((Riso)) Que agora! ((Risos)) A vantagem era essa.
Mas Belém, pra lhe falar uma verdade, não tinha muita diferença do que é, né? É, não tinha não.
O consumo do peixe em Belém, é porque, às vezes, falha.
.
.
falta o peixe em Belém, porque sai muito exportado, né? Pra lugar por aí.
É.
Aí vai a maioria da produção que é pra sair pra servir a população de Belém, vai embora pra fora.
É.
Esse pessoal aqui de Barcarena, que tem lá aqueles peixeiros lá que eu conheço ali, eles compram tudo em Belém, aqueles peixes que eles têm aí.
É.
Compram tudo em Belém.
E vão, tem uma lanchinha do rapaz lá, que é nosso vizinho lá, faz viagem pra eles.
Pra amanhecer segunda-feira, pra amanhecer quarta-feira e pra amanhecer sábado, três dias na semana.
É.
Ele leva o pessoal, tem uns que levam verdura.
Na boca da noite eles vão.
Apanhar verdura pra vender, trabalha com a verdura.
O que trabalha com verdura leva verdura e os que não trabalham com verdura, levam o dinheiro, que é pra comprar o peixe.
Aí, quando é quatro horas, conforme tem barco, que tem vez que tem muito barco lá e tem muito peixe, mas tem vez que não tem quase barco, aí o peixe está pouco, aí cedo eles estão abrindo a venda.
É.
Tem os balanceiros lá, que é.
.
.
um é Ademir Gouveia.
É.
O Léo, que é irmão dele e uns outros lá que tem lá, que eu não conheço.
Isso aí porque a gente já trabalhou com eles, né? É.
Aí eles vão, colocam a balança e o peixe vai.
Aí, se o cara quiser comprar o peixe, vai negociar com o balanceiro, não negocia nem com o dono do barco.
Você acredita nisso? (risos) É porque o balanceiro praticamente compra a barcada toda.
É.
Então, ele tira um bocado pra um, um bocado pra outro, um bocado pra outro e assim ele faz.
Eu sei que ele despacha tudinho.
Despacha tudinho aquele peixe.
E, nesse tempo, já vendiam tudo isso.
Mas também não tinha, assim, muito barco ainda de pesca, pesqueiro, né, que pescasse, que era mais difícil.
Esses barcos grandes agora, que apareceram, porque ficou fácil hoje motor, aí eles pegaram esses barcos grandes.
P1: Como é que o senhor faz quando saía? Você se benzia?
R1: Sempre com aquela fé no Senhor, né? A fé em Deus.
Senhor, só o Senhor é a salvação, só o Senhor ajuda a gente, dá tudo, as possibilidades da gente trabalhar, né? Então eu, até hoje, graças a Deus, desde quando eu me entendi.
.
.
conheci o livro sagrado, que é a Bíblia, né, que eu já fui.
.
.
não fui crente ainda, mas já fui católico.
Católico desse de fazer curso na igreja, pra dirigir culto, pra ler a Palavra, saber como dirigir um culto, saber como ler a Palavra.
Então, eu.
.
.
quando chega o clarão do dia que vem: “Senhor, muito obrigado por mais um dia que o Senhor nos dá”.
Né? Graças a Deus eu tenho isso comigo.
Agradeço a Deus e, quando eu vou fazer alguma coisa, sempre: “Senhor, ajuda o nosso trabalho, ajuda a nossa.
.
.
”.
Sair de casa, eu saio de casa assim, eu: “Ô pai, abençoa a nossa viagem.
Nos livra de tudo quanto é coisa ruim”.
Que a gente nem espera, acontece, né? Acontece.
E meus filhos.
Eu tenho oito filhos com a mulher em casa.
É.
Nove, aliás, nove, que eu tenho um que quando ela veio comigo, ela já trouxe de presente, aí eu tive que aceitar, né? Eu queria a mãe, tem que aceitar o filho.
((Risos)) E nós temos, tivemos.
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ela teve dez filhos.
Morreu a primeira minha com ela.
Morreu.
Aí a fábrica continuou, né? Hoje, nós temos oito vivos, graças a Deus.
Eu ainda tenho mais dois, que eu dei uma pulada numa cerca e fui fazer.
((Risos)) Uma pequena que morava aqui, próximo aqui, de Burajuba ali, né? Burajuba, terra ali do menino ali, pro lado de lá.
E a gente.
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tempo que farreava muito, né? Ia muito em farra.
Aqui no interior a festa era boa.
Festa boa era aqui no interior.
Começava seis horas da tarde, terminava era oito, nove horas do dia, do outro dia.
Era.
E aí eu.
.
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como diz o dizer dos antigos: colei com ela, aí comecei fazer, se gostar, aí e deixemos, ela saiu gestante.
Só que ela não falou nada pra mim e nunca me disse que ela tinha uma filha comigo.
É uma filha.
É a filha mais velha que eu tenho, das minhas que eu tenho em casa.
É.
E ela é freira, mora em Manaus.
Né? Faz mal eu estar falando isso aí, não?
P1: Oi?
R1: Não tem problema eu estar falando isso aí?
P1: Não, não.
R1: É a minha vida que você quer saber, né? ((Riso))
P1: É.
R1: Pois é.
Mora em Manaus a minha filha e eu não conheço, nunca vi.
P1: Qual o nome dela?
R1: O nome dela é.
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eu sei o nome dela, mas na hora, assim, me esqueci.
Tem outra filha com uma mulher, que também é freira, só que essa, com a mulher de casa, é dessas freiras, com a roupa quase igual essa sua camisa.
Isso.
É Franciscana.
É, né, pois é, isso mesmo.
Ela mora no Piauí, essa uma, é a minha caçula da família aqui.
É.
Eu tenho dois filhos que moram em Barcarena, um trabalha na Imerys, outro é vigilante, trabalha na vigilância.
Eu tenho um caçula, que está com vinte e três anos, também trabalha na vigilância.
Tenho um bocado de filho por aí.
E tudo tem marido e tem uma que trabalha ali na rua, passando na frente do Líder pra lá, Açaí Porreta, ela trabalha lá nesse açaí, ela e o marido e o filho.
P1: Agora me diz uma coisa: quando você ia pescar ou quando você vai pescar, aí o senhor fica bastante tempo lá, o que vocês fazem? Vocês dormem lá no barco, cantam? O que faz?
R1: É, como diz o cara da televisão: “É uma boa pergunta”.
(risos) Porque a gente não tem o que fazer, é isso que a gente faz.
Um deita pra um lado, deita pra outro, mas sempre tem o patrão da pesca, é aquele que está praticamente responsável pelo que pode acontecer.
Aí ele fica acordado, ele fica de olho, porque de dia rouba o cara.
Às vezes a redada está lá naquela antena ali, né, lá está o fim da redada, o cara enxerga uma marca que tem, chama de capitão, ele está com uma bandeirinha lá.
E, constantemente, essa bandeirinha, o camarada não perde de rumo, né? É.
Aí ela, quando o camarada olha, vai engatar outra rede às vezes, né? Porque assim como a gente vai na maré, outras e outras vão também na mesma posição e passa uma na outra, engata e arrebenta uma, aí aquele pedaço o camarada já perde.
É.
Porque às vezes engata, fica no fundo.
Que a maré, na baía, sabe como é, ela não tem cabelo, ela escorrega mesmo, né? Escorrega mesmo.
E assim é a rede.
A rede é sorte o cara jogar uma rede e ela não engatar, que o cara ainda tem tudo isso.
Pra pegar o peixe graúdo, hoje, eu tenho que jogar, pra ela ir esbarrando no barro.
Entendeu? É.
Então, vai no barro, como diz os pescadores porque, pra pegar essas pescadas curucona, graúda, filhote, tudo é no barro.
A rede vai arrastando na lama, vai aquele saco de rede.
E onde tiver, onde ela engatar, ela engata.
Se não rasgar, não arrebentar, ela assenta.
Ela assenta.
É.
Então aí, quando o cara perde uma redada dessa, é prejuízo, não é brincadeira.
É.
Mas, constantemente, não perde tudo, mas perde um pedaço, às vezes.
E aí a gente fica.
.
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uns dormem.
Uns dormes.
Aqueles que são dorminhocos mesmo, tem uns que é só.
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qualquer coisa é só se encostar, já está dormindo.
É.
Quando não, vão pro jogo de dominó, a gente tem dominó lá, pra se distrair, né? É.
Ainda tem isso.
“Bora ver quem é que vai puxar a rede”.
É.
“Aí nós vamos distribuir aqui, nós quatro, quem que perder, esse que vai pra rede puxar.
É.
Apostando no dominó.
E é assim, assim é a vida da gente no trabalho, né?
P1: Rádio também?
R1: É, um rádio sempre tem, um radinho pra escutar alguma coisa.
Agora é o celular, né? Que celular é rádio mesmo, também.
E assim.
Mas naquele tempo não tinha esse tipo de celular.
É.
P1: Vocês ficavam ouvindo o que, nessa época?
R1: Pois é.
Aquele radinho a pilha, mesmo.
É.
A emissora que pegasse, o cara escutava.
Nem todas pegavam, porque era meio da baía aí, fora, longe que só.
P1: E chuva, como é que dava? Tempestade?
R1: Ah, a chuva, é.
No inverno, é brabo a pescaria.
É brabo porque, às vezes, você tem que sair pra fora debaixo de chuva, por baixo da chuva.
Deu aquela hora: “Olha, nós vamos ter que sair tal hora”.
Aí camarada via que está.
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.
não estava aquela chuva grossa, mas sai pra fora, que se molha tudinho.
E o cara tem que sair, mesmo.
É.
Um procura fazer o cafezinho lá, pra ver se dava pra esquentar mais os coisos.
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quando não está na garrafa, às vezes alguns estão espertos, já leva, já fica na garrafa lá pra tomar, quando chegar na hora.
Pois é.
E eu, depois que eu comecei a trabalhar por minha conta, arrumei família, comprei um motorzinho pra mim, aí as coisas melhoraram, né? Aí eu já não pescava mais, eu já comprava o produto dos pescadores que vinham.
Era.
E eu ia lá pra um local que tinha pra ir, pra baixo da boca do Guajará, a gente ia pra lá e comprava.
Arrumei um parceiro lá em Barcarena bacana, que até já mataram esse camarada depois.
E a gente ia, trazia quinhentos quilos de dourada, às vezes só dourada, quinhentos quilos.
Era uma.
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uma palavra.
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uma pescaria bacana que a gente fazia.
A gente não pescava, mas a gente comprava, né? Era o atravessador, na época.
Ia, vendia pro pessoal lá na.
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cansei de vender muito peixe pro pessoal do Furtado.
Esse João Carlos da.
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ainda estava namorando ainda.
Era.
Ele chegava lá oito horas da noite, ele estava lá no carro nos esperando.
Aí, namorando com a namorada lá - com a mulher dele, que é hoje - onde ele estava, ela estava também lá com ele.
A gente encostava, ele já sabia onde que encostava, já via o carro lá, aí pegava, o carregador já estava lá também pra.
.
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aquele grande paneiro.
Aí pegava o paneiro, enchia de peixe, levava dois, colocava no carro, ele ia, levava no frigorífico do sogro dele, do Ribeiro Uoda, que morreu um dia desse aí, japonês.
A mulher dele é filha de japonês.
Levava pra lá, a gente pesava e eles iam colocar no gelo, lá no frigorífico dele.
Tinha um frigorífico grande, bem de frente ao Magalu lá de Barcarena, bem em frente.
Não sei o que é agora lá, mas não é mais frigorífico, não é mais nada.
P1: Uhum.
R1: E era assim, a gente comprava aquela quantidade de peixe e trazia.
Vendendo pra eles, a gente ganhava mais pouco, né? Ganhava mais pouco, mas tinha uma vantagem: que, quando eles não pagavam na hora, mais na sexta-feira ou no sábado, eles pagavam tudinho aquilo que eles pagavam no correr da semana.
É.
Eles tinham um supermercado bem aqui, naquela outra rua lá.
É.
Furtado.
Ele trabalhava.
.
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era onde o sobrinho, que era filho do velho Zeca Furtado.
P1: Os japoneses vieram pra cá, o senhor conheceu muito japonês?
R1: Ih, um bocado de japonês.
Muito.
P1: E eles vieram do Japão pra cá?
R1: É, veio do Japão mesmo, veio pra cá, veio morar pra cá e ficam aí.
Tem a colônia japonesa, que chamam.
Inclusive, quando você vai pra Sirituba, tem um ramal que sai, que vai pra um lugar chamado.
.
.
é o igarapé Urucuriteua, né? Lá, antes, era uma colônia de japoneses, japoneses mesmo, moravam lá umas três ou quatro famílias.
Inclusive, eu não sei se a mãe do Renato Ogawa nasceu por lá ou já veio grande.
Mas eu acho quem pela idade dela, que ela já até morreu, né? A Mãe do Renato Ogawa.
Ela era de lá.
Quando o pai dele a trouxe, casou com ela, ela morava lá nesse lugar lá, Colônia do Urucuriteua.
Era.
Japonesa.
Lá, morava muito japonês.
P1: E esses japoneses faziam o quê? Plantavam também?
R1: Olha, esses japoneses sempre só trabalhavam com negócio de verdura.
É.
O trabalho deles era verdura e frango, criação de franco, era.
Vendiam muito ovo, ovo de caixa.
Vendia.
Vendia muitos ovos.
P1: Não pescavam, não?
R1: Eles? Eles, não.
Nunca vi um japonês pescando.
Nunca.
O pai do Renato Ogawa, era irmão do pai do Tiago Rodrigues, vereador.
É.
Vereador, Thiago Rodrigues.
P1: E o senhor sabe como é que eles vieram parar aqui nesse estado?
R1: Pois é, né? ((Risos)) É meio complicado, eu não sei lhe explicar.
Isso aí eu não sei lhe dizer.
P1: Uhum.
R1: Porque isso vem do primeiro japonês que veio, né? É.
Vem do primeiro japonês que veio, mas eu não sei quem foi o primeiro japonês que veio praí e daí os outros tudo.
.
.
a família, às vezes, vem passear, né? Acha bom ficar, porque Barcarena aqui, graças a Deus, não é por ser minha terra, mas é uma terra muito acolhedora aqui e acolhe muita gente daí de fora, né? Muitos estados daí de fora, vizinhos.
E muita gente chega aqui e diz que, se adivinhasse que Barcarena era tão bom assim, já tinha vindo pra cá há muito tempo.
((Riso)) Ainda tem.
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mas tem gente que fala de Barcarena: “Deus o livre! Aquilo é um lugar ruim.
Aquilo é um lugar muito careiro”.
Que careiro é.
Esse Líder, quando começou aí, era uma beleza.
Era uma beleza.
A gente fazia uma compra com pouco dinheiro, cem reais você levava uma compra, mas uma compra boa.
Era.
Agora, não.
Leva cem reais, não leva nem quase o que almoçar do dia.
Só um frango assado é quase cinquenta reais.
((Risos))
P1: Agora, me diz uma coisa: você já pegou tempestade grande, já quase virou o barco?
R1: Poxa! Várias, né? Várias.
P1: É?
R1: Durante eu viajar, porque depois que eu.
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antes, viajava em barco dos outros, né? Pescava com os outros e depois eu consegui o meu mesmo, né? Graças a Deus, que desde depois que eu consegui o primeiro motorzinho, eu estava com três anos com a mulher, né? Aí a gente.
.
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pra conseguir tem que trabalhar muito, pra arrumar aquele dinheirinho, pra conseguir aquele barco e o motor, comprei um motor velho de segunda, ela me ajudava muito também a trabalhar e comprei um motor velho e aí fui pra frente.
Comecei a marretar.
A minha primeira marretada foi dentro desse Murucupi aqui, esse igarapé aqui, que a gente ia até no último porto, que é acima da casa dele.
Pra cima da casa dele.
Aí a gente vinha, era castanha, era uxi, era umari, era pupunha, era bacaba, era verdura.
Que o camarada, quando faz uma roça assim, no inverno, que queima pra plantar em janeiro, pode plantar a verdura que ele quiser: maxixe, caruru.
Tudo isso dá bacana, né? É.
Agora você vê, foi ontem que eu vi um carro com milho verde, ali na frente do Bradesco.
Eu fiquei abismado de ver, porque eu nunca tinha visto milho num tempo desse.
Tamanho verãozão.
Mas é o quê? Sabe o que é? O cara faz a rocinha dele, faz tipo assim, um estrumado, estruma bacana, é.
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estruma, né, pra poder fazer a.
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e fica molhando, fica molhando.
Porque o milho é do inverno, milho só dá com inverno.
E eu vi cada espigona.
Eu digo: “Parece um __ (56:46) isso”.
Então, é isso.
Aí isso tudo a gente levava: a pupunha, a verdura, o caruru, a vinagreira.
A vinagreira é um peixe que é bom pra comer com.
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é uma planta, uma verdura boa de comer com peixe salgado.
O feijão, jerimum.
Tudo a gente levava.
Aí a gente levava.
.
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era eu e um cunhado meu que morava mais aqui embaixo.
É.
Não chegou lá o negócio da.
.
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lá no terreno dele onde ele morava, aí ele ficou morando ainda lá, no terreno dele.
Foi desapropriado pela Codebar, que foi a que começou aqui a tirar, jogar o pessoal fora daqui.
Foi.
Jogava.
.
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dava aí dez cruzeiros pra cada um e mandava eles embora.
Foram embora pra.
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Porque cada lugar desse aqui, um sítio desse, tinha um morador aqui, né? Tinha um morador aqui.
O pai dele, onde o pai dele morava lá.
É.
Tudo isso.
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o pai dele parece que não aguentou já voltar, ele morreu antes disso.
Pai dele não, avô dele.
Era avô dele.
E aí a gente ia fazer.
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enchia a canoinha de.
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uma canoinha que eu tinha, pegava mais ou menos uma tonelada.
Vinha chapadinha, só coisa pesada, negócio de uxi, umari, pesa.
Castanha.
Ensaca e levava aquela saca da castanha.
Ia vender em Belém.
Era.
Chegava em Belém, quatro horas a gente já estava voltando, já tinha vendido, já tinha recebido o dinheirinho e vinha embora.
Com isso, eu paguei o motor que eu estava devendo ainda e, pronto, eu não era marreteiro, aí me tornei um marreteiro, né?
P1: O que é um marreteiro?
R1: Marreteiro é isso: atravessador.
Atravessador.
É.
A gente chama de marreteiro também.
E aí a gente.
.
.
depois eu passei a comprar o peixe, já com uma embarcação maior.
Aí passei comprar palmito.
Tudo isso.
Tudo isso eu já trabalhei.
Com palmito.
Comprava palmito pra cá, pro pessoal.
.
.
quando a Codebar foi manda-los embora, né, os despachando, aí cada qual tinha um sítio bonito de açaizal, aí não queria deixar, queria.
.
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ia tirar pra pegar mais um dinheirinho, né? E eu passava e eles me chamavam pra eu ir cortar o palmito.
Aí arrumava dois, três pessoas, né e ia deixando.
Fica dois aqui.
.
.
P1: Volta pra essa parte do palmito, que o senhor chamava.
.
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R1: É.
Aí eu levava duas, três pessoas, quatro, cinco, seis, conforme o tanto de palmito que eu tinha pra deixar, terreno.
Ia deixando dois, três, quatro em um lugar, ia pra outro lugar.
Conforme tinha a quantidade de palmito, eu deixava mais gente.
E eu ficava só administrando o trabalho, né? Porque tem que ver se o cara está cortando bacana, se o cara está cortando bem o palmito, não está estragando.
Porque o palmito não é qualquer um que corta, tem que saber preparar.
Derrubar, torar ele da copa, é uma coisa.
Agora, preparar, cortar aquela ponta dele, pra ele ficar bonitinho, pra mostrar a qualidade do.
.
.
que o palmito, aquele talão de palmito, o que vale é aquele que está dentro, o palmito que está dentro da coisa, ((riso)) fica uma besteirinha de nada.
Palmito de primeira, palmito de segunda, ainda tem a terceira vez, que vai também no meio, porque quebrou a árvore, a gente vai aproveitar.
E eu comprava.
O barco pegava dois milheiros - o meu barco era grandinho já - eu enchia de palmito e saía, ia vender lá pra banda das ilhas, Belém, por lá.
E ganhava mais dinheiro com isso, palmito dava bem dinheiro pra gente, graças a Deus.
Aí eu comprei um motor maior, mandei fazer um barco maior e, como diz um compadre que eu tinha: “E a vaca foi ficando mais gordinha um pouquinho”.
Né? E a vida foi assim.
Aí ele comprava palmito, comprava carvão, carvão em saco, né? Aqueles sacos de carvão de sessenta quilos, comprava.
E fazia frete pros outros.
Sei que depois que eu passei pra um barquinho maior e eu comecei a marretar, a vida facilitou muito mais pra gente, né? Sabe como é, a família, graças a Deus, nunca passou necessidade.
Criamos oito filhos, nove filhos, né, tudo em casa.
Não foi obrigado a dar ninguém pra ninguém e pronto e assim a vida continua, né? As filhas foram casando, foram saindo e filho também.
P1: O senhor, quando era menor, chegou a ver aquela baleia encalhando aqui?
R1: Hum.
.
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a história da baleia.
((Risos)) Chegou na história da baleia, camarada.
Olha, a baleia foi.
.
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eu já estava homem feito, como diz.
Foi o seguinte: essa baleia veio daqui, da baía grande, da Baía do Marajó.
Eu trabalhava com um camarada que chamava Genaro Apollaro.
Ele era.
.
.
a racionalidade dele era italiano e filho do Antônio Apollaro.
Era.
Esse terreno aqui não era aqui, entrava lá por dentro, a divisa onde.
.
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mas fazia parte dele lá.
É.
Era deles tudinho isso aí, até Itupanema.
Até Itupanema, num porto que tem lá perto do Praia Bar.
Praia Bar é o último bar do __________ (01:02:37).
Aí tinha um porto lá, chamava-se Porto da Enseada porque, nesse tempo, tinha muita canoa à vela e vinha embaixo do geralzão.
O geral é esse vento da tarde, que dá maresia na beirada, que sopra.
E eles vinham, ficavam tudo.
.
.
ficava cheio aquilo de canoa à vela.
Aquela canoa que vinha de Abaetetuba, Muaná.
Tudo esses lugares aí, né? Até Cametá.
E eles paravam lá.
E até lá era o terreno deles lá, tudinho.
Aí entrava lá no Arrozal, pro lado aqui desse Murucupi aqui também, tudo era deles.
Era.
Era muito grande.
E era na onde a gente morava, numa área lá.
E aí, ele morava lá na boca desse igarapé aqui, Murucupi que chama.
E tinha um barquinho que carregava madeira.
Tinha um tipo de vara, até hoje ainda tem, é difícil a instância que não tem esse tipo de madeira pra vender, né? Pra revender, que chamam de caibro.
É vara pra fazer.
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escorar.
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fazer andaime e fazer também.
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escorar aquilo que faz por cima da.
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como é que dá o nome? Pra botar concreto em cima.
Laje, pra escorar laje.
Isso aí.
É.
Então, é muita vara que o cara.
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e a gente.
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esse barquinho dele pegava quarenta dúzias de vara.
Era.
Era vendido por dúzia.
E a gente cortava também, tirava por dúzia.
E eu tirava muito isso aí, era bom de machado, pra cortar e tirar vara.
Tirava cento e vinte varas, todo dia.
Enquanto eu não inteirasse as cento e vinte varas, que era dez dúzias, certinho, eu não parava de.
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não ia pra casa.
Aí eu trabalhava com ele, com esse homem, né? Foi quando varou esse bicho aí.
Varou.
Começaram.
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começou a aparecer aquele bicho boiando, aí era ela que vinha só na flor da água, devagarinho e vinha e vinha e vinha.
Quando passou lá na casa dele lá, ele foi bisbilhotar o que era, aí ela sentou.
Sentou, mas como é raso aí, né, o rio, ela não teve como se instalar por aí.
De repente, ela boiou de novo, ele corria em cima, ele e mais outro.
Eu não estava com ele nessa época lá, né? Só a gente ouviu falar.
Aí, ele no barquinho dele.
Foi.
Eu não sei se foi ele ou se foi outro, que deu logo um golpe na cabeça dela, assim.
Furou e meteu uma corda e amarrou.
Foi.
Pronto.
A bichinha ficou fraca, né? Já ficou mufina, porque ela foi cortada.
E disse: “Rapaz do céu, que peixe será esse?”.
Ninguém conhecia, ninguém sabia o que podia ser, né? Aí teve um que disse que era uma baleia.
Uma baleia da grossura daquele pau ali ou talvez mais grossa.
Foi.
Aí ele amarrou o barco no lado dela e ela saía arrastando o barco.
Foi embora.
Aquilo, pra ela, era mesmo que nada, ela arrastar o barquinho.
Foi, foi.
Chegou lá em Barcarena, lá na frente de Barcarena, tinha um camarada que tomava conta lá, tinha um posto bem lá na frente, que era o Claudomiro Miranda.
Esse Claudomiro Miranda era nato de Igarapé-Miri, parece.
Era.
Aí, lá tinha esse posto lá dele e ele foi e também tinha uma canoa, canoa grande, que tinha um tanque dentro, que era dele apanhar combustível em Belém, pra trazer pro posto.
Nesse tempo não tinha esse negócio de.
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como vir em balsa.
Já tinha, mas ainda estava muito atrasado, sei lá.
Agora alça viária, isso não existia, né? É.
Eu sei que chegou lá de frente da cidade, ele ficou lá, encostou lá na beira, com o bicho amarrado do lado.
Aí muita gente foi espiar, muita gente pra ver.
Aí ela meteu uma.
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pra sair.
Queria sair, queria dar mais uma volta.
Engraçado, né? Aí, pra botar na canoa do.
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lá do posto também, do lado dela? Ela pegou, levava os dois, parece brincadeira, arrastava.
Era.
E ia embora.
E aí começaram atirar nela, dava o tiro, dava o.
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cortavam.
E foram amofinando a bicha.
Foram amofinando, que foi até que, quando ela chegou aí onde ele morava, ela já estava bem mufina, já.
Ela passou o dia inteiro e a noite inteira andando com eles no rio aí, o bicho.
Foi.
Andando com eles no rio.
E quando foi uma meia-noite, parece, eles conseguiram chegar com ela.
Aí já na casa dele.
Ele morava bem lá na boca do igarapé lá, eles conseguiram ensecar ela.
Ela ensecou, ele pegou, levou a corda, amarrou num.
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pra terra, tirou o barco do lado.
Tiraram logo os barcos do lado e ela ficou lá.
Ficou lá.
Que quando foi umas cinco horas da manhã, eu morava aqui dentro do igarapé, ali perto de onde eu morava.
É.
Aí a gente escutou aquele estorro, um estorro assim grande, parece um trovão, brummmmmmm.
Aquele barulho.
Foi ela que deu o estorro e arribou o rabo assim e deu aquele baque.
Que é onde ela arriou aquele rabo, ficou aquele.
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com aquele rego.
Foi.
‘Pá’, morreu.
Foi.
Aí ela morreu.
Quando ele viu que ela estava morta, ele disse: “É, agora não tem jeito”.
Aí o que fez ele? Chamou a outra canoa e amarraram do lado dela, a dele e a canoa do posto e levaram.
Quando chegou bem do lado do posto, eles desmancharam e ela ficou lá.
Aí chama trator, arruma trator pra puxar essa baleia pra terra.
E eu não.
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e deu um trabalhão pra ele, não sei nem quantos tratores tinha pra puxar, mas passou pro lado de terra da rua, né, que tem a pracinha lá no meio e ficou lá.
E eu sei que foi, foi, até que ele botou essa baleia pra terra.
Quando botou a baleia pra terra, ele abriu a boca dela assim, ficava assim, ela ficava assim na frente dele, ele na frente da boca da baleia.
Aí começou a cortar a baleia.
Aí começou a descer aquele sangue da baleia lá em cima da praça, na rua.
E começou dar pro pessoal, quem quisesse, que só pegando.
Diz que muita gente comeu baleia.
É.
Eu ainda não tinha provado, não tinha comido, né? Mas eu trabalhava com ele.
Um dia eu cheguei lá, ele disse: “Raimundo, já comeste baleia alguma vez?”.
Eu disse: “Nunca” “Tu vai comer agora”.
Ele era bom pra fazer negócio do cozido, né, temperar uma comida bacana.
Temperou, cortou aquilo tudo bonitinho.
Aí eu olhando.
Não falei nada, né? Temperou tudo aquilo.
Ficou tudo tipo um charque cortadinho, pra botar num arroz, alguma coisa.
Botou pra ferver aquilo, temperou bacana e me chamou: “Bora ver.
Bora ver se tu vai comer.
Eu já comi e vou comer de novo”.
Eu digo: “É, bora ver” “Se tu comer, tu vai ganhar um pedaço”.
Eu: “Não, parece que eu não vou querer levar pra casa, que a mulher não vai querer”.
Aí experimentei com ele, desceu bacana, né? Ora se desceu.
Desceu, sim.
E, quando foi no outro dia, recado pra ele ir lá em Barcarena, que aquele sangue que caiu em cima lá, ninguém suportava de fedor.
Aquilo apodreceu, né? Fedendo, ficou fedendo, que não teve quem suportasse.
Chamaram, pra ele ver que jeito ele dava lá.
Foi ele que botou pra terra, foi ele que cortou.
Eu sei que ele arrumou mais umas lá e foram pra lá, lavaram o sangue da baleia.
Lavaram aquilo tudo.
Mas deu muito trabalho pra ele.
E, com aquilo, ele ficou com os ossos, que até hoje, se você for na casa dele, onde ele morava, ele morava bem na _______ (01:11:40) da farmácia do Gomes.
Qual é o nome da farmácia? Microfarma.
Microfarma.
Fica bem na frente ali.
Aí tem uma, duas.
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dois comercinhos, aí já é o mercado de peixe.
Pois é, lá ele morava.
Aí, ele botou aquilo primeiro no mato, aqueles ossos estão lá, tudo assim, o osso do espinhaço dela, que tem mais ou menos isso aqui.
Aí tem aquela bocazinha, aquele espinhaço, todo espinhaço tem aquele osso da outra.
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do encaixe, né? Pois é.
Está tudo aquilo, igual um pilãozinho aquilo.
Tem muita gente que já bateu muita foto disso lá, pra levar pro.
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negócio de entrevista, essas coisas, né? Ele deu muita entrevista pras pessoas lá, ele.
Ele se dava muito comigo, eu me dava muito com ele, trabalhei muito com ele.
Aí ele se mudou daí, da boca do Murucupi de onde ele morava, veio pra lá, pra Belém.
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pra Barcarena.
E está por lá, onde ele tinha um depósito lá pra trás da casa dele, só pra ele guardar esse negócio.
P1: A carne era boa?
R1: Olha, deu pra comer, né? Não sei nem que gosto podia ter, mas dava pra comer.
Comia.
Dava pra comer bacana.
Carne de baleia.
Aí o Vieira, ‘pá’, gravou a Lambada da Baleia.
Vieira.
Joaquim Vieira.
Vieira da Guitarra.
Guitarrada.
Eu até tenho essa música lá em casa.
Não toquei pro Samuel ver ainda, mas o dia que ele for lá, eu vou tocar pra ele ver.
Eu tenho um negócio de um sonzinho lá, né? É.
Aí, na hora, a gente compra uma gelada e bota por lá e toca a Lambada da Baleia e dança, né?
P1: Essa história ficou até hoje, né?
R1: Essa história até hoje.
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eu me lembro ainda.
Do que eu me lembro é isso, né? Do que eu me lembro é isso.
Até hoje.
O Genaro Apollaro, italiano, filho de italiano.
P1: Você brincava do que, quando você era criança?
R1: Quando eu era criança? Olhe, eu gostava de brincar muito de casinha no mato com as meninas.
Minhas primas, né? ((Riso)) Era uma brincadeira muito bonita.
P1: Ah, é?
R1: É.
((Risos))
P1: Como é que era?
R1: A gente fazia aquela.
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limpava aquele caminhozinho, pra gente brincar de.
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armar, pegar folha e cobria, cobria, né? E pronto, aquilo era uma brincadeira pra gente.
Pegava uma.
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um litro, do tempo do litro roliço de lata, furava as duas partes dele, fazia duas rodinhas de madeira e metia um prego, pregava, aquilo era um negócio pra gente sair rolando com ele.
((Risos)) Era uma brincadeira.
Gostava também muito de brincar de barquinho à vela, no rio.
Isso era a minha melhor brincadeira que eu tive.
P1: Fazia barquinho?
R1: Fazia barquinho da sapopemba do Mututi.
Mututi é uma árvore que tem aqui na várzea.
É.
Aí ele dá aquela coisa que sai fora assim, do tronco e aquele material é mole pra gente trabalhar com ele.
Aí eu fazia aquele barquinho, colocava vela.
Era.
E saía pra ir brincar no.
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quando o vento estava bom, no rio, assim.
É.
Nós era.
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tinha, como é que se diz? Tinha os.
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os concorrentes.
Era.
Pra ver quem dava porrada no outro, quem ganhava e era assim.
E eu gostava muito dessa brincadeira.
Depois, eu fiquei já mais.
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‘mais grande’ mesmo, eu já fazia minhas.
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meus.
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gostava de ter vela no meu barco, no meu próprio casco.
Fazia aquela canoinha e.
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tive uma vez, quase eu até morri, por causa que eu alaguei um casco, foi, com a vela e quase que eu morria, que eu não queria soltar o casco.
Não fosse um companheiro que estava passeando assim, na beira, debaixo de uma moita.
Eu não o enxergava, mas eles estavam me enxergando.
Quando eles viram, eu dei um suspiro, fu embora lá no fundo, seguro no casco, pra não querer soltar, não.
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não soltei.
Fui embora lá no fundo.
Lá no fundo, eu consegui boiar de novo.
Quando eu boiei, aí eu digo: “Bom, agora.
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agora eu vou soltar, porque eu não vou dar conta”.
Quando eu vi, chegaram perto de mim.
Ainda me esculhambaram, que eu não estava vendo que o barco.
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porque era pititinho o barco, né e tinha muito vento, nessa época.
Dia sete de dezembro, me lembro benzinho, dia da Conceição, dia oito de dezembro.
E a água era viva e estava assim, pra encher umas dez horas do dia, aí no Rio Arrozal, nosso rio aí.
Foi quando eu fui sair pra dar uma brincada, quase que eu perdia meu casquinho, com vela e tudo.
Aí me ajudaram, pronto, aí eu.
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eu me exemplei, né, não quis mais brincar desse negócio.
Eu gostava muito de brincar de.
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P1: O senhor quase morreu em pesca também, depois? Alguma vez?
R: Não, não.
Em pesca, não.
Eu não cheguei a me alagar.
Graças a Deus, não.
Isso aí, não.
É.
A pescaria, porque foi pouca pescaria que eu fiz, né? Na baía mesmo foram poucas.
Fazia mais por aqui, pelo rio.
Trabalhava com matapi, trabalha com cem matapis.
É.
Matapi pra pegar o camarão, né? É o camarão.
Tudo na beirada arrumadinho e eu trabalhava com esses.
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sempre era na safra.
A safra do camarão era de.
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abril, maio, começo de junho, a safra do camarão.
Aí era quando eu fazia essas minhas proezas de fazer cem matapis pra pescar.
Mas é muito trabalho, muito trabalho e pouco resultado.
Porque não é por ser cem, que vai dar muito camarão.
Não.
Não dá, não.
É difícil a água.
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porque, numa semana, é uma semana de águas mortas e uma semana de águas vivas, como se diz, lançante.
E a morta é a quebra.
Então, nessa quebra é que a gente trabalhava, pra pegar o produto.
Mas nem todas as quebras davam produção pra gente, bacana.
É.
Dava muito trabalho e às vezes não dava nada e aí.
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e assim a gente.
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mas era o trabalho, era o serviço, tinha que levar, né? Na época, era o que a gente tinha pra trabalhar.
P1: E o senhor gosta de comer como? Camarão, peixe.
R1: Olha, o camarão eu como cru.
É.
A gente come no sistema, assim, cru, como se diz.
É assim: bota a água quente em cima dele, só pra murchar, aquela coisa.
Depois tem que descascar.
A gente descasca, faz a torta, ou então bota o limão, bota uma pimentinha ali, tempera, né? E bota farinha, faz aquela farofa e vai comendo.
É.
Mas o preferível mesmo, pra comer, é cozido, né? Assado.
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é.
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frito.
Mas assado também é bom.
Um camarão graúdo, assado, é gostoso, meu amigo, que, quem ainda não comeu, um dia comam, pra vocês saber o gosto que tem.
((Risos))
P1: E o peixe?
R1: O peixe, pra mim, pescada é frita.
É.
Pescada é frita.
Porque é aquela história: é igual pescada branca, não faz mal pra ninguém.
Não acha? Também é sem graça, que só a porra, né? ((Risos)) Também é sem graça.
Mas frita vai, né? Frita vai.
Agora, eu gosto de comer muito moqueado é um aracu, um.
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aquele outro, como é? Pra comer cozido mesmo é um filhote, uma dourada.
Isso aí, cozido, é gostoso.
Pescada branca, cozida, é gostosa.
Pescada branca, não, pescada amarela.
É.
É gostosa.
Mas o filhote mesmo, é gostoso.
O filhote eu gosto de comprar, mais, a cabeça dele, sabia? É.
Quando ele é grandão mesmo, quando ele é um filhote grande, piraíba que chamam, a gente.
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eles cortam assim: eles tiram o corpo do peixe, cortam tudinho, né? Só mesmo com o osso da peça, aquele é o espinhado assim e vende de um preço.
A cabeça, eles cortam tudo bacana, tudo cortadinho e vende em outro preço, muito mais barata, né? Mas é onde está gostoso é a cabeça, que o caldo do filhote, pô, meu amigo, você não sabe quanto é bom! Quem ainda não tomou, um dia tome.
É pitiú, porque eu duvido que tenha um peixe que não seja pitiú.
O tamuatá, no caso.
O tamuatá.
Quem me diz que o tamuatá não é gostoso, comer um tamuatá cozido, beber um caldo de tamuatá? Mas também, quem me diz que não é pitiú? ((Risos)) Então, é isso.
Os peixes são assim, né? Cada peixe tem uma preferência da gente comer, de como comer.
O aracu assado, o.
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qual é o outro peixe também que eu gosto de comer assado? O curimatá.
O curimatá também, ele é muito gostoso assado.
Peixe.
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um curimatá assado, olha, bem ajeitadinho: sal, limão, pimenta.
Ô! É muito gostoso.
Que aí, constantemente, ele é gordo, né? Ele é gordo.
E todo peixe assado gordo, é gostoso.
É.
Eu gosto do peixe gordo.
A piramutaba, a piaba que chamam.
Eu gosto muito daquele peixe.
É um peixe que quase não tem valor, ninguém dá assim, um valor nele, mas eu gosto dele, muito.
Comer assado, assim.
Pega um aqui, a mulher abre, assim, bota o sal e limão, tempera bacana e bota pra moquear.
Ah! Cachorro não come, porque não sobra nada.
P1: E a sua mãe cozinhava bem?
R1: A minha mãe? Pra mim, era o melhor feijão que saía, no tempo que eu me entendia.
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comer feijão, o feijão era o feijão da mamãe, como diz o ditado.
Era o feijão da mamãe.
P1: Tinha um cheiro bom?
R1: Cheiro gostoso.
Era.
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Não sei o que era que a velha fazia, mas era diferente dos outros cozidos, né? Era diferente.
Esse pessoal da antiguidade, né, como se diz.
Antiguidade são as pessoas velhas, né, veteranos.
A gente tem cada ditado, assim, que vocês até nem entendem, né, que a gente fala.
Ainda agora você perguntou o que eu falei aí, perguntou o que era.
Mas é assim.
É.
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o que a gente.
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isso vem de família, né? Aprender em casa com os velhos, papai, mamãe, avô, vó.
É isso que a gente aprende.
Graças a Deus.
Quando não aprende a roubar.
((risos)) Mas, graças a Deus, isso aí a gente não aprendeu.
Graças a Deus.
E meus filhos também, sempre eu falo, eu tenho Francisco, José, Renato, João Batista, que mora no 40 horas, que é filho.
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primeiro filho.
Foi.
A minha primeira experimentada, pra ver se eu aprovava.
É.
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no Conjunto Maguari que ele mora, lá em Belém.
Dia sete, ele veio aí em casa, tomar um açaí aí com o coroa velho, como diz.
Está com cinquenta e cinco anos.
É.
Eu estava com.
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não, cinquenta e oito anos.
Eu estava com vinte e dois anos quando eu.
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eu fui experimentar, ver se já saía um filho bonito.
E saiu.
Como diz a mulher da televisão: “E saiu”.
Francisco, José, Renato e João Batista.
É.
Os filhos homens.
Mulher: ngela Maria, Ana Maria, Maria Eliane, Maria Eliana.
São gêmeas.
É.
São gêmeas, as duas.
E Ana Maida, que é essa que é freira, que mora pro Piauí.
Essa outra que mora lá em Manaus, eu não me lembro o nome dela, como é.
P1: A sua mãe cozinhava mais o que, pra vocês?
R1: Olhe, que eu me lembre, na época, ela cozinhava muito um tipo de fava que a gente tinha.
Fava é um feijão graúdo, né? Você conhece, não conhece? Pois é.
O feijão graúdo.
Aí a gente plantava, ela plantava, ela não perdia uma semente.
Há muito tempo ela tinha isso.
Aí, quando dava, ela panhava, debulhava e guardava logo o da semente, que era pra plantar no outro ano, quando chegava o tempo de plantar.
Que sempre é bom plantar no inverno isso aí, só no inverno por causa da chuva, né? E ela cozinhava aquilo com toucinho de porco.
Mas era muito gostoso aquilo.
Estou lhe dizendo, feijão.
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uma fava graúda, aquela fava.
Até porque, ela pegava, quando estava mole, ela tirava, fazia aquele amassado, fazia amassado com a colher aquilo, bacana, aquele caldo grosso, né? Poxa! Quando tinha o charque, ajudava na comida, né? Mas a minha mãe, graças a Deus, tudo que ela fazia pra nós, a gente agradecia a Deus, porque era gostoso, era bom.
Dava pra gente comer, né? Meu pai matava também muita caça.
Era.
Paca, tatu, veado.
Até veado ele matava também.
Era.
A caça do mato, né? É.
Melhor alimento que tem no mato é a caça.
A preguiça (riá? 01:26:10).
Quem conhece a preguiça (riá? 01:26:13) Nenhum de vocês.
Pois é.
Nem a bentinha? Nem na televisão ainda não viram? Aquilo olhando sempre lá pela televisão.
((Risos)) Pois é.
Porque a bentinha, ela é (ritita? 01:26:25), é uma preguicinha de nada.
A (riá? 01:26:28), não, ela é grande.
Uma preguiça grande.
Você bota assim, pode levar o braço dela que dá, assim.
E braba.
É.
Ela vai em cima do cara, no pau, onde ela está.
E é rápida.
Rápida mesmo.
E aquilo é mesmo que uma carne de boi, você está comendo uma carne de boi, a preguiça (riá? )1:26:49).
Gorda, mano.
Deus o livre, chega a dar aquele caldo bom.
Estou lhe dizendo.
É.
É um bicho.
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um bicho do mato, mas é um bicho bom, gostoso.
A guariba.
A guariba é um macaco.
Tudo isso meu pai matava.
Esse tempo tinha.
Agora, não.
Agora não tem mais nada por aí.
No tempo que a gente andava por aqui, a gente ia muito em festa pra cá, festa de terreiro, mesmo.
Pra cá, pra esse lugar aqui, era muito bacana.
Era lugar da gente vir pra festa, era pra cá.
Tinha um lugar bem ali na frente, que saltava pro lado de lá, né? Chamava-se Trindade esse lugar.
Onde morava esse pessoal que era sempre os donos de terra pra cá, que tinha o maior terreno era esse pessoal daí.
Era do pessoal dos Cravo.
É.
Domiciano Cravo, João Lemos.
João Lemos é filho do Domiciano, mora no Cuipiranga.
Venderam tudo por aqui e foram embora pra lá.
E a gente vinha em festa praí.
Poxa! Pra cá também tinha as meninas bonitas e.
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no tempo que a gente também não era muito feio, como diz o cara.
((Risos)) Tudo faz parte da entrevista, né? E a gente vinha dois, três numa canoinha, saltava aqui, num porto que tinha bem aqui, logo aí embaixo, do lado daqui, aí a gente andava.
Ia até Itupanema, até na Vila do Conde, se quisesse.
Era, saltando aqui.
Você andava, andava aqui beirando, ia, ia, ia.
Quando chegava lá numa certa parte, vinha a estrada, que vinha de lá, que vinha do São Francisco, a beira do lado de lá.
Andava carro, a de lá andava carro, essa aqui não, né? É.
E atravessava lá o Burajuba.
O lugar que tinha lá, tinha uma pontezinha velha lá pra a gente atravessar, os carros, quando era carro e ia embora pra Itupanema.
Quando vê estava em Itupanema lá.
.
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Era.
P1: A festa era lá?
R1: Festa pra lá.
Quando não, na Vila do Conde.
Tudo pra lá a gente andava.
Era.
Porque nesse tempo, graças a Deus, não tinha ladrão, a gente andava, ninguém chegava perto da gente pra dizer: “Não, dá o sapatinho velho aí”.
Eles não queriam levar, né? Agora, não.
Agora, eles levam.
“Dá tudo que tem”.
Não.
Não tinha isso.
E namorada, a gente ia, cada um ficava com duas, três.
Conforme ele fosse esperto.
Tinha que ser esperto.
Se ele fosse mole, ele não arrumava nenhuma.
((Risos)) Ah, meu senhor.
P1: Você ia vestido como, pra essas festas?
R1: Ah, as festas? Ah! A gente ia muito bem vestidinho.
Na época, na minha época que eu era solteiro, era calça de linho.
Linho, aquele linho, linho bambo que chamavam.
É.
Azul marinho, marrom.
Eu gostava muito de uma calça marrom, né, azul marinho, branca.
Cada qual tinha as suas coisas.
E metia.
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a minha tia - esse tempo eu morava com uma tia - pegava a nossa roupa, lavava e metia numa goma de tapioca que acho que você sabe lá, não sabe? Pois é.
Metia nessa goma.
Lá nessa goma, ela colocava a vaselina, a pomada que a gente passava no cabelo.
Colocava a resma do limão, do limão galego, aquela casca e espremia dentro da goma.
É.
Colocava vela, que a vela aí.
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estava quente aquela coisa, _________ (01:30:42) tudinho, né? Aí ela metia aquela roupa.
Ficava dura.
Dura ali.
Aí botava pra enxugar, sacodia assim, botava pra enxugar, quando estava enxuta, aí já era conosco, cada um passava a sua.
É.
Nós íamos pro ferro de carvão, que nesse tempo era carvão.
Agora não, é tudo energia e tal, coisa.
Não, nesse tempo era carvão.
Eu, eu sempre tirava em primeiro lugar porque eu tinha mais tempo pra.
.
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Era.
Aí eu passava muito bem a minha.
Ainda passava do outro parceiro ainda.
Às vezes ele estava pescando, era irmão de criação nosso, ele mora em Belém agora.
Eu me criei.
.
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passei uns tempos com eles lá, a gente chamava de irmão.
Chamava não, chama.
Aí ele dizia pra mim: “Passe a minha roupa que, quando eu chegar, a porta é livre, a porta é comigo”.
Ah, pô, né? Pegar uma porta aí já era alguma coisa.
Aí eu pegava, preparava.
Então, já tinha a mesinha pronta, a tábua pra passar a roupa, preparava o ferro tudo bacaninha, ariava ele bacana, por baixo primeiro, pra não deixar a ferrugem, pra não sujar a roupa.
Porque assim como tinha azul marinho, tinha marrom, mas tinha às vezes branco, camisa, né, camisa branca.
Aí tinha uma calça azul marinho com uma camisa branca, aí era negócio.
Aí, pô, era assim que a gente saía, né? Vestidinho, sapato do tempo do sapato branco de borracha.
Não sei quem lembra.
Saiu uns sapatos brancos de borracha, que era até bonitinho.
Mas não durou muito tempo, depois acabou.
Aí quando sai assim, logo na moda, aí todo mundo quer ter, né? Aí cada um comprou um pra você e assim a gente ia.
Aí, quando ele chegava lá, não era só o da porta, era gelada, tudo ele pagava, que ele vinha de lá com dinheiro, né? É.
Aí, eu já tinha feito a minha parte, passado a roupa bacana.
É isso.
Então, depois veio o nycron, a calça de nycron, né? Foi.
Eu queimei.
.
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comprei uma, depois estraguei.
De repente, eu queimei a minha calça.
((Risos)) Porque aquilo não era nem pra passar, aquilo não era de passar, porque ela era uma roupa que ela já ficava certinha, o tal do nycron senta levanta.
Era só lavar, sacudir e botar dobrada, pronto, não carecia passar, não carecia nada.
E eu fui passar, ferro muito quente, quando eu vi estava grudando.
Ah! Estraguei minha calça.
E era caro.
Roupa cara, né? É.
P1: E você fazia o quê? Dançava lá?
R1: Hã! Dançava e bem, né? É.
Meu tempo.
.
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P1: Dançava o quê?
R1: Olha, a gente dançava tudo.
Dançava até na mão dos outros, às vezes.
((Risos)) Era no tempo que estava.
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sabe que estava em sucesso? Merengue, Los Corraleros de Majagual.
É.
E a gente sentava na sala e metia o brega mesmo, lá.
É.
Bolero, aqueles boleros antigos.
Miltinho Rodrigues.
Hoje, é.
.
.
Edna Fagundes, Curió & Canarinho.
Tudo isso eu tenho lá em casa guardado, porque eu gosto do.
.
.
o passado é uma parada e eu gosto muito do passado.
Deus o livre! É.
Merengue, aqueles merengues.
Tem camarada que vem aqui da vila, chega lá, vê eu tocando, vai lá, escuta lá no Firmo, lá no meu irmão, ele vai lá comigo lá.
Fala: “Rapaz, tu tem isso por aqui?”.
Digo: “Tenho”.
E gosto.
Forró: Luiz Gonzaga, aquelas outras.
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tem uma mulher também que canta forró, a Clemilda.
É.
Tudo isso eu tenho lá em casa.
P1: Carimbó também?
R1: Carimbo.
Pinduca, então! Verequete, a Velha do Pitiú.
Tudo está lá.
Tem um computadorzinho que está cheio de música lá.
Aí é só ligar e discar, aparece.
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________ (01:34:34).
P1: Bebia o que lá?
R1: Olha, a gente bebia cachaça.
Porque, nessa época, a gente bebia cachaça, né? Quando a gente queria tomar, assim, alguma cachaça, como diz, a gente comprava cachaça e temperava em casa com.
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fazia aquele licor, né? É.
Abacaxi.
Espremia o abacaxi e tudo, coava, temperava bacana e misturava com a cachaça.
Pra não ficar forte, pra não ficar muito forte.
Porque uma cachaça é uma cachaça, né? Ou então fazia uma batida de limão, que ainda tem uma música que diz:
“Batida de coco não é de limão
Não é não, não é não
Farinha miúda não é camarão”.
((Risos)) E era isso.
E, chegava na festa, a gente tomava uma cervejinha, né? Não era de beber muito na época da.
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quando eu era bem novo.
Não, não era de beber muito.
Gostava muito de dançar.
Dançava.
Namorava que só a peste, que hoje em dia.
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P1: E era só.
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e era até amanhecer?
R1: Até amanhecer.
Festa, assim, de.
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tinha festa de.
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como é que se chama? Festa de irmandade, que diz.
Festa de santo.
Aqui, bem aqui logo na frente, que tem um campo velho ainda aí, não sei se ainda aparece ainda, mas eu acho que aparece, porque bem ali mora um compadre meu, compadre Dudu.
Ele festeja o São Benedito dele aí.
É.
E ele faz de dia então, né? E quando ele fazia pra cá é de noite, fazia de noite.
Rezava ladainha.
Tinha aquela ladainha velha.
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do velho.
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como é que se diz?
P1: Latim?
R1: Do velho latim.
Isso mesmo, ladainha: “______________ (01:36:15).
((Risos)) Tinha um velho que morava no rio, Domingos Poça, é pai do Dino Poça.
Essa aí deve saber quem é, não sabe? Mora em Barcarena ou aqui? Ah, aqui mesmo.
Pois é.
E ele rezava muita ladainha.
Aí perto desse campo aí, na beira, tinha uma casa grande, que o cara fazia uma festa de São João, dia 15 de agosto.
Era.
Aí trazia aparelhagem de Belém.
Aparelho de Belém nessa época vinha era Dois Amigos, era aparelho bom, Dois Amigos, Selma.
É.
Rubi.
Rubi velho, que Rubi é antigo muito.
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muito tempo.
Era.
Era um outro que trazia.
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tinha um camarada que era daqui, morava aqui pra banda do São Francisco, que ele morava lá e era só falar com ele, que ele dava jeito de trazer essas aparelhagens grandes.
Era.
Mas também tinha que ir buscar e levar, porque nesse tempo não tinha como vir carro, né? Era.
Ele morava lá no Cesáreo Alvim, esse cara.
Então era isso e aparelho bom.
Quando tinha uma festa com aparelho bom, dava muita gente.
Aparelho bom.
Aparelho de Belém, aparelho bom.
“Quem vem trazer?” “O Chico”.
Chamava.
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o apelido chamava Francisco Coca, era esse.
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P1: E o senhor conheceu o Vieira também?
R1: Ah, muito.
Conheci.
P1: Ah, é?
R1: Tenho muita música dele também, lá em casa.
P1: O senhor canta a música da baleia pra gente?
R1: Ah, não.
Não canto, porque eu já nem me lembro.
((Risos))
P1: Ah, é?
R1: Eu nem me lembro, só mesmo quando tocar que a gente sabe.
P1: Agora, o Vieira, o Mestre Vieira, você conheceu como?
R1: Conheci porque ele era morador daí de Barcarena, nasceu em Barcarena, morava lá.
E a gente vendo-o cantar, assim, a gente ia sempre em algum lugar que ele estava cantando e a gente o conhecia, né, o via.
Guitarrista muito bom, né? Muito bom.
Tocava uma guitarra.
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nem Curica, nem Aldo Sena, isso aí não dava com ele.
Mas você quer escutar a Lambada da Baleia, vai lá em casa, que eu toco pra você ver.
((Risos))
P1: Tá bom.
E a gente estava com o pessoal do Cafezal.
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R1: Ãhn.
P1: .
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tem umas histórias lá de casarão também.
Como é que é isso?
R1: Uh! A casa do Cafezal.
A casa do Cafezal é o seguinte: eu, quando conheci pra lá.
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eu fui poucas vezes lá, né, porque ficava fora de rumo, a gente morava pra cá, pro Arrozal.
A gente morava aqui no Arrozal falava, Arrozal.
Furo Arrozal, quem vem de lá, entra à direita, que é esse furo que vai varar lá no Caripi, de lá você enxerga lá.
E a casarona lá também era muito grande.
Eu só vejo falar, né, que tinha sessenta janelas.
Lhe falaram isso? Pois é.
Sessenta janelas eu sei que eu ouvi falar que tinha.
E tinha um lugar lá, tipo um alçapão, pra lá parece que botava a negaiada pra lá.
Lá, eles só deixavam.
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porque tinha um lugar lá que o cara pisava, aquilo afundava e ele ia embora lá pra dentro.
Dali ele não vinha mais.
É.
Isso aí eu ouvi falar, muito.
Mas é só, também, que eu sei falar.
É.
Da casarona do Cafezal, é.
P1: E a Ilha das Onças, o senhor conhece também?
R1: Ilha das Onças.
Olha, conheço umas varadas lá, né? Só isso.
Conheço alguma pessoa, pouco lá, mas conheço alguns, alguém, né? Primeiramente: Furo do Piramanha é quem entra aqui, na boca daqui.
Furo do Piramanha.
Quando chega lá, aí entra Furo do Nazário.
Nazário é esse que vai embora, vai varar lá em Belém, de fora de Belém, né? Tem um colégio grande lá e tem o Furo do Nazário.
Aí tá.
Lá é a Ilha das Onças.
Aí entra por aqui, pela Mucura.
Mucura é um lugar que tem por aqui, que é um rio, que daqui esse lado, que vai.
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a primeira entrada que tem, passou do furo pra cá é.
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aí é da Mucura, vai até o.
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tinha uma olaria muito grande lá, que o nome lá era Landi.
É.
Uma olaria, uma cerâmica, muito grande mesmo.
Landi.
Isso aí eu ainda cheguei a colocar muita lenha pra lá, pra essa olaria.
É.
Que, pra queimar o tijolo, tem que ter a lenha, né? Queimava o tijolo.
Então, a gente levava lá e jogava lá na ponte lá, muita lenha.
Ainda cortei muita lenha já, de motosserra eu cortava, cortava pra vender pra eles lá.
E aí.
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isso daí é na costa, na beira ainda, na beira do riozinho.
Aí entra no furo, que vai varar lá nesse Nazário, que vai varar na boca do.
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lá de frente Belém.
Furo do (Talerá? 01:41:44), falado.
Mas só passa lá agora cabaré grande, porque está.
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secou, né? Teve tanto movimento do lado daqui do Nazário, que os barcos passavam lá e que levantava aquela lama, aí cavou o Nazário, qualquer hora passava lancha, essas lanchas que fazem transporte de passageiro.
Não era essas umas que correm muito agora, né? Era tempo dos barcos de madeira.
É.
Mas.
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e aí a lama ia tudo pra lá.
E cresceu, cresceu a terra, né? Cresceu.
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secou, ficou longe pra gente passar, ficou ruim passar, só carro grande.
Aí lá é o Furo do (Talerá? 01:42:42) que fala.
Aí vai embora.
Vem.
Quem vai pra baixo, aí já é a ponta debaixo lá, é o rio que vai de lá, já entra por lá, pra ir pra Belém, né? É.
A gente já enxerga lá.
Mas tudo da Ilha das Onças lá, a ponta.
Quem vem pra cá pra cima.
“Pra cá pra cima” que eu digo é pra cá, pra onde agora as lanchas andam, tem o Furo do Cavado, que vara também no Piramanha aqui em cima.
Piramanha é esse que entra primeiro lá no furo, quem vai daqui.
Aí você vai, tem o Furo do Laranjeira, que vara lá onde as lanchas passam.
É um furo também, tudo furada.
Ilha das Onças é tudo furada.
P1: Tem onça mesmo, lá?
R1: A gente não vê nem macaco, quem dirá onça! ((Risos)) Só nome, né? Só o nome.
É.
É mesmo que cupuaçu.
“Tem cupuaçu aí?” “Não tem”.
Até o pessoal de lá nem são azedos.
É.
Até o pessoal de lá nem são azedos.
Arrozal.
Tem cada nome que nem coincide de nada, né? Nem coincide.
Arrozal.
Por que Arrozal? Também não sei dizer.
Agora, Barcarena.
Por que Barcarena? Barcarena diz que porque tinha uma barca que veio não sei da onde, não sei se era portuguesa, que veio e alagou.
Alagou aí, sentou aí.
Aí botaram o nome do município Barca Arena, mas é Barca Arena, aí o pessoal já faz assim: “Barcarena”.
Pra ser mais rápido, né? Pra não ter aquela demora.
Pois é.
E aí a Ilha da Onça é assim.
P1: E aqui você viu quando construiu essas pontes que têm hoje, que liga pra Belém? Alça?
R1: Pois é, olha.
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não vi, porque eu não ia por lá, né? Não passava por lá.
E mesmo a gente não vai.
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quase não deixa a gente entrar num lugar, em uma coisa dessa, né? Cheguei ver na televisão muito, quando derrubaram ali no Moju, né? Aquela ponte do Moju.
Aí eu vi lá, como construíram assim.
Vendo na televisão passar, de repente.
Mas não é fácil, não.
P1: E lá dessa época que o senhor começou até agora, mudou muito Barcarena?
R1: Olhe, pra lhe falar uma verdade, muda.
Muda.
Tudo, de quatro em quatro anos, está mudando.
Sai um besta e entra outro mais esperto.
É esse que é o problema.
((Risos)) Esse que é o problema, né? Esse, porque nossa Barcarena não era pra ser assim, porque aqui, graças a Deus, a gente sabe muito bem disso, eu não trabalho na Hydro, não tenho contato com ninguém, mas a gente vê falar que a Barcarena é quem mais recebe negócio dessas grandes empresas, né? Ela aí deve saber disso, deve falar pra gente aí alguma coisa.
((Risos)) Então, eu achava assim.
Nosso ramal ali, se você ver como está, meu irmão, a buraqueira que está! Precisa dar uma lastreada com uma piçarra bacana, uma coisa.
Mas não.
Tem a minha irmã, que foi conselheira, comprou um carro novo.
Coitada! Foi meter logo aí nessa.
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está todo esculhambado o carro dela.
E meu filho comprou um de segunda, né? De segunda boa, 2019, ele comprou.
Né? Pra 2020 está enxuto, né? Enxutinho.
Já mandou ajeitar negócio de.
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ele falou lá, ele gastou oitocentos reais, ele me disse, quatrocentos de peça e quatrocentos de mão de obra.
E é assim, né? Então, eu acho assim, por quê? Porque os nossos governantes não querem ajudar a gente, não querem facilitar as coisas pra gente, não querem.
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poxa! E aí tem muito voto dentro desse buraco aí.
Tem.
P1: Uma hora que você falou lá da Codebar, que removeu o pessoal.
Como é que foi esse negócio aí?
R1: A Codebar foi o seguinte: quando chegou a.
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como é que se diz? A entrada da Albras aqui, né, pra fazer forno, pra fazer essas coisas tudo aí, pra começar esse trabalho aí, a Codebar foi a primeira que chegou.
Uma firma que veio de frente, logo, pra tomar conta de reunir os moradores, justamente aonde eles iam precisar da área, que foi por aqui, isso aí tudinho e reuniu, pra conversar, né? Pra conversar, pra negociar.
Mas davam aquela mixaria pras pessoas, né? Era.
Aí, na época, tinha que sair mesmo, porque ia precisar, né? Era.
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como é que se diz? Órgão Federal, era órgão que tinha que ser feito.
E assim foi.
E aí foram botando.
Uns foram embora pra Belém, outros ficaram ali pela CDI, que chamam ali, que é quem vai pra Guarapari, tem um lugar lá que chama CDI.
Ficaram por lá um bocado.
Outros ficaram lá em Barcarena.
E muitos voltaram ainda pra cá.
No caso, eu tenho um cunhado que mora bem aí, que o terreno dele não chegou nada lá pra fazer, né? E o lugar da casa dele ficou lá e ele só fez foi fazer outra casa e está ________ (01:48:57).
((Risos)) Porque ele mora em Barcarena.
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ali no Laranjal, mas só que ele não se dá com o clima de lá, barulho, né, e tudo mais.
Então, ele aqui, ele acha que aqui é melhor pra ele, né? Melhor pra ele.
E ele.
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então é assim.
E outros e outros.
Muitos.
Tem esse Dudu que eu falei ainda agora aqui, esse daí nunca saiu daí.
Nunca ele foi indenizado, nunca o chamaram pra conversar com ele.
Foram cinco moradores: o meu pai, lá no Cupuaçu; tinha um que morava na beira do Arrozal, dois: seu Chico, Chico Barreto, o Francisco Barreto, morava lá na beira do Arrozal mesmo e o Maranhão, o velho Maranhão.
Maranhão que era maranhense e chamava de Maranhão pra ele.
Ele até.
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só os netos dele que ainda moram por lá, parece que tem um filho só, uma filha, que mora lá onde ele morava, lá perto da Fazendinha ali, naquela descida da Fazendinha ali.
E aí ficaram.
E o velho Bené, chamava por velho.
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o nome dele é Benedito, chamava o Beneditão pra ele.
Era lá no Caripi.
É.
Aí lá ainda está a mulher dele, Ana Maria; o Francisco, filho; Miguel, filho, é.
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Bené, filho; esse Francisco já dei.
Quatro filhos.
P1: E esses nunca ninguém tirou?
R1: Nunca tiraram de lá.
É.
E aí veio aí da praia de praia, virou uma praia mesmo, né? Foi.
Isso aí já foi formado depois que estava aí.
Tem um camarada que eu conheço, é muito tempo que a gente conhece, da família.
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família Magno, é o Dadaco.
Dadaco Magno.
Pai do Gasolina.
Gasolina mora aí, aí pra banda aí.
Que ele me contou.
Ele tinha um bar lá no Caripi, chamava “O Vadião”.
Eu não sei se ainda existe, mas até um dia desses ainda existia.
Um dia desses eu fui na casa do meu cunhado ali, que eu tenho um cunhado no ramal.
Tem uma arena lá de bola, né, brincar de bola, brincar bola.
É.
Aí, quando é assim, tem uma pessoa às vezes precisando de uma ajuda pra comprar um remédio, uma coisa, pessoas doentes, né? A gente faz: um compra um prêmio, outro compra outra, ajuda e faz o bingo.
A renda que dá, a gente dá pro cidadão.
É.
Inclusive, hoje, vai sair um bingo lá, que um rapaz quebrou o.
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sofreu um acidente, eu não sei bem onde foi que um carro o pegou na moto, que quebrou a perna dele.
Foi.
Ele mora no.
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ali no Laranjal, Laranjal, ele mora.
Aí vão fazer um bingo pra ele.
Inclusive, até o coordenador dos vigilantes lá até deu um ventilador, pra fazer um bingo pro cara.
Pois é, esse Dadá, estava lá um dia e ele parou lá.
Aí estava tomando uma cervejinha, ele chegou, começou a tomar comigo.
Já é conhecido há muito tempo, né? Aí ele estava contando do Vadião dele, como foi que começou.
Ele trabalhava.
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ele era assim, roçador de coisa, pra fazer certas coisas.
E aí tinha ele, tinha um dentista, que era o.
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Doutor Jucá.
Jucá, rapaz? Acho que era.
Mas ele só arrancava.
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ele só vivia porre.
Aí: “Leva o Jucá pra arrancar o dente do fulano”.
Pô, Deus o livre, até.
Ninguém queria arrancar dente com ele.
((Riso)) E aí ele disse que ele foi lá no.
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quando ele vai lá na Praia do Caripi, acho que eles eram quatro.
Aí ele ficou olhando, andou na praia inteira.
Aí disse pro cara.
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chegou lá, tinha um deitado já, numa tábua velha que achou lá e estava deitado lá.
Aquele vento, né, gostoso, mato, tudo mato, aí o tempo estava bom.
Aí ele disse: “Tu já está deitado aí, vadião?”.
((Risos)) E pegou, começou a roçar lá um lugarzinho.
Quando foi de tarde, ele foi, já fincou quatro paus, botou mais duas tábuas, fez uma mesinha.
Aí fez o banco, sentado lá na mesa.
Aí o cara disse pra ele: “O que que tu vai fazer aí, rapaz?”.
Ele disse: “Tu vai ver o que é que eu vou fazer aqui.
Tu ainda vai tomar é muita cachaça aqui, ainda”.
E ele.
.
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foi à tarde? Foi.
Quando foi no outro dia de manhã, era sábado, ele agarrou, comprou um litro de 51, uns limões e um maço de cigarro.
Ele disse: “Esses caras bebem cachaça e fumam muito”.
((Risos)) E é difícil ver o cara que toma uma e não fumar um cigarro, né? Muito difícil.
Aí ele disse.
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aí disseram.
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sim, aí ele levou pra lá.
Chegou lá, botou lá.
E dá cachaça com limão.
Aí parou os outros: “Rapaz, que negócio é esse? Tu vai tomar uma?” “Vou tomar é? Eu vou é vender”.
Ele disse: “Eu vou é vender.
Pensa que eu vou beber de graça? Nem tu não vai beber de graça, se tu quiser beber, tu vai pagar” “Pô, pensei que tu tinha pedido pra nós tomar uma aqui, pô” “Ah, tu vai pagar, se quiser tomar” “Pô, e como é que tu vai fazer?”.
Ele botou lá: “Está aqui”.
Cinquenta centavos ou um real, não sei.
O cara disse: “Está muito caro”.
Disse: “Não, mas é essa a medida.
Estou aqui pra ganhar dinheiro, não é pra.
.
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((risos)) só pra trabalhar”.
Aí o cara disse: “Então vou tomar logo uma aí”.
Ele botou, cortou o limão, deu um bandinha pra ele e disse: “Cadê o sal?”.
Faltou o sal.
Ainda tem o rolo do sal ainda.
Ele disse: “Ah, não trouxe o sal hoje” “Então tu não vai vender, porque sem sal ninguém vai beber”.
Agarrou, espremeu o limão dentro da cachaça e bebeu, o cara.
“E agora, cadê o cigarro?”.
Disse: “Está aqui”.
Puxou o cigarro.
“E agora, quanto dá tudo?”.
Aí ‘pá, pum’.
Disse: “É X” “Rapaz, tu vai ficar rico”.
E não é que o praga mesmo levantou lá ____________ (01:55:22) com essa uma, ele começou a vida dele, fez uma barraca bonita, boa lá, muito grande.
Fez uma pra mulher dele.
Nesse tempo era bacana, porque quem quisesse pegava, né? Não era que nem agora, que o cara, pra pegar um negócio desse é uma coisa ruim, não pega, não tem como.
E aí ele ficou pensando.
Disse: “Ah, mas eu não sei, como é que eu vou botar o nome do.
.
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do meu bar?”.
Aí chegou lá, tinha um cara dormindo lá no banco dele de novo.
Ele disse: “Levanta daí, vadião! Vai procurar o que fazer”.
Aí ele disse: “Ah, já sei como é que eu vou fazer o nome do meu bar.
Vadião”.
((Risos)) Não sei se já acabou, né? Mas era assim o nome do bar dele: Vadião.
P1: Me diz uma coisa: você viu essas empresas chegando aí? Mudou pra você a pescaria, ou não?
R1: Olha.
.
.
P1: Mudou a vida das pessoas aqui?
R1: Pra quem tinha um estudo, uma profissão, né, que se empregou, foi bom.
Porque logo que chegou aqui, tinha muito emprego, pra muita gente, mas tinha gente que não tinha profissão, não tinha estudo, não tinha nada disso, era difícil, né? Sempre foi difícil, pra quem não tem profissão, pra quem.
.
.
aí muitos ainda se empregaram na Albras.
Esse meu cunhado que mora ali no.
.
.
ainda se empregou ainda na Albras.
Não sei o que era que ele fazia, sei que eu ainda fiz um frete com ele da boca do Arauaia.
Arauaia é um rio que entra lá.
.
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você não sabe onde é? Mas você sabe onde é o Arapari? Onde encosta a balsa.
De lá pra baixo tem uma boca grande, que lá que é Arauaia.
Ela vem.
Aí tinha muito mururé naquela beirada lá.
Pra cá, né? Quem vem pra cá.
Muito mururé.
Aí ele chegou: “Cunhado, fazer um frete.
A Albras que vai pagar”.
Aí eu perguntei o que era.
Ele disse pra buscar.
.
.
P2: Voltar pro frete.
R1: Aí ele.
.
.
pra voltar do frete?
P2: Sim.
R1: Pois é, aí ele disse, né? “Fazer um frete pra mim” “O que você vai fazer?”, eu disse pra ele.
Ele disse: “Nós vamos buscar uma barcada de.
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.
dessa.
.
.
”.
Como é o nome que eu disse? É.
.
.
mururé, mururé, aquele mururé brabo que tem lá.
Não é aquele mururezinho, é mururé brabo.
Aí eu disse: “Pra que você quer isso já, rapaz?” “Pra botar.
.
.
”.
Eles colocaram aquilo em cima da ponte.
Em cima da ponte, do lado de.
.
.
em cima da ponte.
Fizeram um.
.
.
fincaram uns paus lá e botaram esse mururé tudo pra lá.
Ainda tem alguns, ainda aparece ainda lá.
É.
Aí eu disse: “Mas rapaz.
.
.
”.
Eu disse: “Olha, não é fácil.
.
.
não é barato não, é.
.
.
” “Quanto você acha que vai dar?”.
Aí eu disse pra ele.
Na época, nem me lembro quanto foi.
Ele disse: “Vai custar muito é a receber”.
Ele disse.
((Risos)) Puta que pariu, passei três meses pra receber.
Três meses.
Mas me pagaram, né? Pagaram.
Também eu pedi um preço bacana, um preço.
.
.
e pagou.
Porque eu passei muito tempo lavando o barco, que no meio daquelas folhas, tudo, veio muito sarará.
Você conhece o que é sarará? É um bichinho igual um caranguejinho, que está na beirada aí na praia.
É.
Piquitito.
Ele veio no meio daquilo.
E lixo e lixo e sujo e sujo.
Aí nós entramos aí, o barco passava por baixo da ponte, fomos jogar isso do lado de lá da ponte.
Mas os paus apodreceram, os paus que eles botaram assim, fincaram, pra não passar de volta e quebrou.
Aí, quando quebrou, ele começou sair.
Saiu tudinho, quase.
Ainda tem algum pouco, mas tem.
Então é isso.
E o mururé de lá.
P1: Mas essas empresas impactaram, assim, a pesca, não? Como é que foi?
R1: As festas?
P1: As pescas.
R1: Ah, as pescas.
É, porque teve.
.
.
tem tempo que a tal bacia da Alunorte.
.
.
Alunorte, é? Pois é.
Que às vezes vaza alguma coisa e quando vaza.
.
.
morreu muito peixe aqui dentro desse rio, aqui.
Muito peixe.
Grande quantidade de peixe.
Foi um impacto muito grande que teve aí.
E aí o peixe acabou, né, praticamente.
Acabou.
A Imerys também, lá, uma vez vazou também um negócio lá.
Mas foi pra lá, pra baía, né? Eu não sei se causou algum impacto ou não.
Até porque, o meu filho que trabalha lá, nunca falou nada, né? Não sei se ele não queria sujar a firma.
((Risos)) É, mas também trabalhou lá, não foi? Foi, trabalhou lá uma temporada.
Então, é isso.
Mas afugentou, afugentou um bocado.
Afugentou, acaba, porque a gente só pegar, só pescar, só pescar e não cria, né? Às vezes não guarda nem o tempo da desova.
Porque, pelo que eu sei, a gente tem quatro meses da.
.
.
a pesca não pode funcionar.
Pelo que eu sei, né? É.
Que é do dia primeiro de novembro.
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.
novembro, dezembro, janeiro e fevereiro.
Dia cinco de março é que abre a pesca.
É o defeso.
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o tal do defeso.
É.
Então é pra tudo.
Mas ninguém guarda.
Pode ver que quando.
.
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dia primeiro.
.
.
dia cinco de dezembro.
.
.
de novembro começa a.
.
.
fecha a pesca.
Mas eu duvido que a pessoa não esteja pescando.
Estão pescando.
É.
“Ah, porque ninguém tem de onde ganhar”.
É, pode ser isso, né? Não tem de onde ganhar, tem que pescar, pra poder sobreviver.
E é isso.
Impacto é assim.
Camarão também.
Porque o camarão é essa água que desce daqui, desse Murucupi aqui, desce tudinho lá no Arrozal.
É.
Com a água baixa.
Que a água tem um tempo que ela vai pra cá, tem um tempo que ela já está pra cá.
Ela enche e vaza pra cá, enche e vaza pra cá.
Aí fica complicado o negócio.
E a água que sai daqui vai embora, vai contaminando tudo.
Que essa água daqui é meio.
.
.
está mesmo feio.
Tudo quanto é coisa desce aqui.
É.
P1: Você percebe pelo peixe, quando vai comer? Como é que você percebe?
R1: É o peixe, é.
Você pega um peixe que.
.
.
aí, tu vai comer, ele está com gosto de sabonete.
Você já pensou? É.
Aquele gosto de.
.
.
de perfume, assim.
Aquele gosto de perfume.
É.
E tem gente que pesca aí pra vender.
A pessoa que quer.
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não quer o bem do próximo, quer o mal, né? Porque se ele não come, pra que que ele vai vender? ((Risos)) É aquela esperteza, aquela coisa ruim.
P1: Mas então não tem mais pescador aqui na região?
R1: É.
.
.
os que pescavam aqui, pararam de pescar aqui, né, por causa disso.
Por causa que pega o peixe, ele dá um gosto assim, diferente, ruim.
É.
Aí para, para de pescar.
Para de pescar por quê? Mas quando deu essa.
.
.
vazou esse negócio da água da coisa aí, meu irmão, tinha.
.
.
a gente não vê isso aí e pegar também não pega, é difícil porque o bicho é esperto.
Tucunaré, pra cinco quilos, tudo inchado aí na beira.
Tudo inchado.
Mas muito.
Muito peixe morto e inchado.
É.
P1: E hoje em dia.
.
.
porque você parou em 2010, foi isso?
R1: Parei de pescar.
Foi.
Parei.
P1: Nessa época, já estava complicado já ou.
.
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R1: Já.
Já tinha passado essa coisa.
Era.
Essa mortalidade de peixe já tinha passado.
P1: Já tinha acontecido?
R1: Já tinha acontecido.
Era.
P1: E como é que você vê a relação desses projetos, que essas empresas têm com as pessoas, tanto da cidade, quanto fora?
R1: Quanto fora.
“Fora” assim, como você diz?
P1: Ah, o pessoal que tem, de assentamento.
R1: Ah, certo.
Olhe, a gente vê muitos projetos que aparecem, muitas pessoas oferecendo pra gente, né? Inclusive, lá, a minha irmã que mora lá pertinho da gente, que é formada em.
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assistente social, né? Passou uma mulher lá oferecendo pra ela isso, pra ela fazer.
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formar uma comunidade lá, pra legalizar uma associação.
Mas ela disse que está difícil, está ruim pra fazer criação de frango, fazer criação de peixe, criação de pato.
Eu disse: “Olha, eu vou te ser positivo”.
Eu disse pra ela: “Eu não entro contigo, porque eu não me garanto mais pra pegar serviço pesado, pra trabalhar, pra limpar”.
Porque está tudo limpo também lá, perto da casa dela está limpo, né? É.
Está limpo lá o terreno.
Mas tem o trabalho pra fazer barracão, pra fazer.
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lá ela tem muitas pessoas que podem entrar com ela, que é sobrinho.
É.
Sobrinhos dela.
Lá tem muitas pessoas novas, pessoas pra trabalhar.
Até que era bacana, disse pra ela: “Até que era bom tu formar uma.
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fazer um barracão, pra gente criar um frango aí”.
De vez em quando a gente precisasse, ao invés da gente ir lá fora comprar, comprava aqui mesmo, né? Comprava aqui mesmo.
Aí a mulher.
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eu não sei se ela conversou com a mulher, acertou ou não.
A mulher deu todas as coordenadas pra ela, como ela tinha que fazer, pra pegar essa ajuda, pra fazer o barracão, pra criar frango.
E comprar o pinto e a ração, né? É.
Só que é tudo no bico do lápis, que é pra prestar conta depois, com isso.
Eu digo: “É, não é fácil”.
P1: Isso aqui você viu ser construída, essa vila?
R1: A vila daqui? Olhe, eu já estava, já era homem feito, quando estava construindo isso aqui, né? Já era homem feito, já.
P1: É? Como é que começou? O senhor se lembra o comecinho?
R1: Quando começou aqui.
Olha, isso aí eu não lembro, né? Eu não lembro porque.
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eu só me lembro que eu trabalhava lá no Burajuba vendendo cachaça lá, com um parceiro meu e a gente trabalhava lá num boteco por nome “Copo Sujo”.
((Risos)) E aí já tinha ali.
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terminal já tinha.
É.
Aquela feira que hoje está funcionando.
Foi.
Já tinha também.
E tinha um quadro lá pra trás, atrás da feira, entre a delegacia pra cá, né? Tudo.
Que era coberto lá pros produtores rurais venderem as mercadorias deles, né? Farinha, tapioca, essas coisas assim, macaxeira.
Coisa assim, mandioca.
Nós vínhamos muitas vezes comprar mandioca aí, pra levar pra Belém.
É.
E o cara chegava aí, às vezes já estava fora de hora já, ninguém tinha vendido nada, o cara chegava com o dinheiro e comprava, né? A gente saltava bem ali no canto da.
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ali daquela ponte da.
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da ponte daí, né, que atravessa, a gente encostava lá.
De lá, pegava o carregador, botava pra dentro do barco e ia embora pra Belém, vender em Belém.
Pupunha, essas coisas, às vezes estava aquele lote de pupunha e o cara não vendia, porque não tinha pra quem.
E a gente ia e comprava.
Era.
P1: E me fala uma coisa: hoje você está com os seus filhos, né? Você conheceu a sua esposa como?
R1: Por incrível que pareça, só não nascemos juntos, mas nós morávamos de fronte um do outro, do rio, lá.
É.
Eu a conheci crescendo e ela me conheceu crescendo também.
É.
Só que foi.
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tudo tem seu tempo, né? Isso não tem dúvida.
Pra tudo tem o tempo.
Foi até que deu certo, nós ficamos juntos.
É.
Lá mesmo no Arrozal, a gente morava bem de fronte lá, na boca do Cupuaçu aqui.
Eu morava do lado daquele Cupuaçu e ela morava do lado de lá, do Arrozal.
É.
Pai dela também família grande, dez filhos também.
É.
Ela é a única filha da família, é ela.
Já morreu três irmãos dela e ainda tem.
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o resto estão vivos.
P1: E você casou?
R1: Eu?
P1: É.
R1: Foi, casamos.
P1: Teve um dia lá, uma cerimônia?
R1: Foi.
Teve um negocinho lá pra.
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não fizemos muita coisa, que a gente era tudo pobre, né? Sabe como é, né? Casamento é coisa que leva dinheiro que só! Casamento e aniversário de quinze anos, mano, que não tiver dinheiro, não se meta a fazer.
Eu tenho.
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a mulher teve cinco filhas.
Chamei a mais velha e disse: “Minha filha, uma coisa eu vou te falar: se tu quiser aniversário de quinze anos, posso até fazer pra ti.
Só tem um detalhe, que eu te digo logo assim: tu é a primeira filha, eu vou fazer o teu, as outras tudo vão querer, todos os outros vão querer e aí o negócio vai ficar difícil”.
Porque a gente trabalhava, graças a Deus, pra arrumar o sobre dia, né, de todo dia e tudo e roupa e tudo mais.
Ela disse: “Não, papai.
Não”.
Disse: “Não.
Por mim, o senhor não vai gastar nada, só quero que o senhor me ajude, que eu quero estudar, quero me formar”.
Tá.
Aí comprei um motor, botei num barquinho: “Está aí, pra ti ir pra Barcarena”.
Todo dia ela tinha que ir pra Barcarena estudar.
Motorzinho.
Aí ela ia com o irmão pra lá e era de tarde, ela ensinava já lá na boca do rio lá, um lugar que chama Prainha, lá do Caripi você enxerga.
É.
Lá ela ensinava, arrumaram uma vaga pra ela, lá, ela ensinava.
Ainda não estava formada ainda, mas já estava trabalhando.
Já ajudou muito, né? Já ajudou muito.
E assim foi.
E os outros também.
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aí eu chamei todos os outros.
Digo: “Olhe, vocês estão vendo, a irmã de vocês não quer aniversário, então vocês todas não me cobrem, que não vai dar pra fazer porque, se eu não fiz o dela, também não vou fazer de nenhum”.
Então é isso que eu digo: quinze anos é aniversário caro.
É aniversário caro.
Que tem que comprar até o dançador da valsa com ela, né? Pô! Tudo isso, mano.
Você é doido! ((Risos))
P1: E o senhor tem algum sonho hoje, pro seu futuro? Alguma coisa que o senhor quer fazer ainda?
R1: Olhe, o meu sonho no meu futuro, é que o cara da televisão pergunta.
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como é? “O que você quer ser, quando você ficar mais velho?”.
Parece que ele diz, não sei como é que ele diz, faz uma pergunta pra gente.
“O que que você quer ser, quando você ficar mais velho?”.
Velho, pô.
Já estou velho.
((Risos)) Eu só digo o seguinte: que o meu sonho é pedir pra Deus pra me dar mais uns dias de vida, aquilo que eu tiver merecimento, né? E pra mim já está de bom tamanho, porque o que eu já vi nessa vida, ainda estou vendo, muitos não viram.
É.
Muitos não viram.
E, graças a Deus, arrumei uma companheira velha, que até hoje está comigo, né? Vinte.
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Quarenta e oito anos não é mole, não é fácil, né? Cara suportando um ao outro.
É.
E então.
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já temos um bisnetinho.
Pitito o moleque.
Mas aquele que está lá em casa, conosco.
É.
Ele mora bem pertinho.
Quando vê, ele chega correndo lá, com uma coisa debaixo do braço assim, num saco: “Vô, olha o que eu trouxe pro senhor”.
Vou ver é biscoito, ele pede pra mãe dele, pra mãe dele botar num saco ou num caneco, que tem tampa, suco e vai levar pra mim lá.
É.
Aí eu digo: “Poxa, meu filho, por que tu está fazendo isso?” “Porque eu me lembro do senhor.
Pensa que eu não me lembro do senhor?”.
Eu digo: “É, está certo”.
Aí eu vou no Líder, chego lá, passo onde está aquelas caixinhas de chocolate, né? Chocolate.
Aí pego lá, uma, duas, três, ou daqueles biscoitos recheados, pego dois, três.
Maçã, pego umas lá, laranja.
Chego lá com aquela sacolada.
Ele olha: “Vovô, tudo isso pra mim?”.
Eu digo: “Por quê? Tu pensa que eu não me lembro de ti? Pois eu não me lembro” “Ah, mas eu também me lembro do senhor”.
((Risos)) Então, é isso, né? Filho, neto faz com a gente o que filho não faz.
Isso eu lhe digo.
Você não tem filho, quem dirá neto ainda, né? ((Risos)) Não é nem casado? Pois é.
Mas a gente ter.
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né, mestre? Diga pra gente, o senhor deve ter já, né, neto.
Neto é muito bom a gente ter neto, porque é tipo conversa com ele, brinca com a cara do moleque, Deus o livre, é muito bacana.
Quem dirá bisneto! Bisneto, então! Então é isso, né? É a vida da gente.
P1: E o senhor pensa do que, pro futuro de Barcarena?
R1: Poxa, eu penso sempre.
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veja bem: eu penso sempre no futuro de Barcarena pensando nos meus netos, é isso que eu penso.
É.
Meus netos, minhas netas.
Por que, como será pra frente? Porque até agora a gente aguentou ainda, está resistindo esse trampo, como diz o.
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a trancos e barrancos, a gente vai levando.
É.
Mas eu penso nas crianças, porque é só em quem a gente pode pensar, é nas crianças, pra ver o que Deus resolve pra eles aí.
Mas está na mão de Deus, Deus sabe o que faz, né? Isso eu digo: estamos na mão de Deus, Deus sabe o que faz.
P1: Como é que foi contar um pouquinho da sua história, hoje?
R1: Poxa! Falei coisa que eu nunca pensava em ter falado de novo, né? Me lembrei de coisa que nunca pensei que eu ia falar um dia.
Pois é.
Muito bacana, muito legal, graças a Deus.
Não sei se eu falei alguma besteira, mas eu acho que não.
((Risos)) Eu tenho um irmão, que ele mora lá na beira, lá.
É o Firmo, o nome dele é Firmo.
É.
Nós somos dois irmãos só: eu sou o mais velho e ele é mais criança do que eu, três anos.
Está barrigudo, tem uma.
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eu digo: “Rapaz, o que você vai fazer com essa melancia?” “Eu vou cortar, pra dar pra vocês um pedaço” “Então corte logo”.
((Risos)) Mas o bicho é muito sem vergonha pra falar besteira.
Uma vez, eu não sei quem foi que foi fazer uma entrevista com ele lá, no setor lá, ele disse que falou besteira que só uma porra.
Aí a Rosa, a minha irmã, ainda diz assim: “Olha, vê se não vai fazer igual o Firmo, falar besteira lá”.
Digo: “Não, tenho fé em Deus que eu não vou falar besteira, não”.
Você me desculpe se eu não falei mais o que era pra eu falar, mas eu acho que eu.
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o que eu sabia, eu falei, né? É.
Eu fui.
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esse camarada me enganou, que ele disse que era só pra eu dar uma entrevista da baleia, ele disse.
Esse sacana.
((Riso))
P1: Foi mais, né?
R1: Ô! Foi muito mais do que isso.
Comecei pelo Jaguará da Serraria, já foi no Irituia e coisa que nunca fui lá.
Né? De onde minha mãe era.
Mas é bom a gente conversar.
Eu gosto de conversar.
Agora foi ruim que fui só eu que falei, você fala muito pouco.
Agora você devia falar mais um bocadinho, pra eu escutar.
((Risos))
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