IDENTIFICAÇÃO
Meu nome completo é Alan Rodrigues Brandão. Nasci em 16 de outubro de 1931, no município de Bom Conselho, no Estado de Pernambuco, mas vivi muito tempo em Alagoas; praticamente eu sou um alagoano.
FAMÍLIA
O nome do meu pai é Manuel Brandão Sobrinho, e o da min...Continuar leitura
IDENTIFICAÇÃO
Meu nome completo é Alan Rodrigues Brandão. Nasci em 16 de outubro de 1931, no município de Bom Conselho, no Estado de Pernambuco, mas vivi muito tempo em Alagoas; praticamente eu sou um alagoano.
FAMÍLIA
O nome do meu pai é Manuel Brandão Sobrinho, e o da minha mãe, Marieta Rodrigues Brandão. Avós paternos são - é que tinha um apelido, não era nome - Faustino de Araújo e Maria José II. É porque tinha um bocado de Maria José, aquilo que a gente estava falando agora. Dos avós maternos, Maria José I. Só não conheci meu avô, porque quando eu nasci ele já era falecido havia muitos anos, nem de nome por sinal. Chamava-se Rodrigues Vidal. Agora, o primeiro nome, não sei.
A minha origem é portuguesa, tanto maternos como paternos. Agora, tem uma ascendência também, uma miscigenação com índio, que é de Palmeira dos Índios. E tenho árabe com origem moura. Nacionalidade portuguesa, mas de origem moura. Eram mouros que vieram para o Brasil, mas já com nacionalidade portuguesa. Índios, a minha bisavó paterna era índia, de Palmeira dos Índios.
Meu pai era fazendeiro, produtor de café no município de Bom Conselho, e também era funcionário da Singer. Ele era comerciário, porque era funcionário da Singer. Singer era uma empresa americana, na época, que fabricava máquina de costura, aquele troço todo. Minha mãe era professora e doméstica também, depois passou a trabalhar de doméstica. Meus avós trabalhavam em agricultura, eram produtores rurais. Tive quatro irmãos. Eu digo mais quatro, porque eu tenho quatro irmãos, comigo cinco.
INFÂNCIA
Eu me criei praticamente em Palmeira dos Índios, próximo à fronteira do Estado de Alagoas. A infância nesse lugar era boa demais até. A única coisa que eu ainda sinto saudades é da infância, apesar da rigidez dos meus pais, principalmente minha mãe - que era de origem assim, não era humilde, mas como professora, tudo, não era bom nada. Já meu pai, não, era filho de fazendeiro rural, já tinha uma vida melhor, mas ela, por ter se criado assim, nos criou com aquela rigidez do povo do interior. Mas rigidez em todos os sentidos, tanto nos aspectos morais como econômicos, porque eles diziam sempre que não sabiam do dia de amanhã. Me lembro de uma faceta assim, de um detalhe, da minha irmã mais velha, que não gostava de comer quiabo, teve que comer a pulso, porque ela forçou, e hoje ela adora quiabo.
Eu tive uma infância como pouca gente teve, como eu acabei de dizer, privilegiada. Morava muito bem, tinha muitas empregadas domésticas na minha casa. Das condições dos meus pais, que na época eram boas, pode se dizer, eu não tive dificuldade de ordem nenhuma, nem emocional.
CASA
Minha casa era grande, era quase um sítio dentro de Palmeira dos Índios.
INFÂNCIA
Vivia praticamente num sítio, ao ar livre, brincava só com aquelas brincadeiras do interior: era de estilingue, ficava um grupo de um lado, um grupo de outro, para saber quem matava o outro. Dessa brincadeira tenho até um corte na testa em função de uma briga desse tipo. Era brincadeira, briga mesmo lá era o seguinte: chegava em casa, apanhava. Apanhava também em casa, apanhava duas vezes, essa concepção de interior. Eu não crio meus filhos assim, dei educação totalmente diferente, nunca bati neles, e estou certo.
FAMÍLIA
Tenho oito filhos, sendo que sete registrados. Teve uma que foi uma ligação - eu garoto ainda - com uma moça que foi para São Paulo. Talvez a mais dedicada comigo. Eu a conheci depois de 20 e tantos anos de idade.
PALMEIRA DOS ÍNDIOS
A cidade era na época uma cidade limitada, pequena, em torno de 8 mil habitantes, mas hoje é uma população de 100 mil habitantes no município todo. Perdeu muitos distritos que foram se separando. Uma cidade boa, considerada no interior de Alagoas - Arapiraca e Palmeira dos Índios, ainda as melhores cidades do interior, tanto em tamanho, como no caso Palmeira, cultura. Tem faculdade. As duas cidades se desenvolveram. Uma por causa do fumo, que a maior produtora do fumo é Arapiraca, e Palmeira, atividade de gado leiteiro. Era uma agricultura florescente inclusive no Estado de Alagoas, depois caiu um pouco, e na transformação chamada econômica o grande erro foi que a atividade agrícola,
que deu o crescimento da cidade, passou para atividade pastoril. Neste caso ainda foi pior, porque gado leiteiro ainda dá muito emprego etc. Se fosse gado de corte, estava liquidado o município, mas a cidade hoje é uma cidade interessante para se viver. O meu pai tinha propriedade lá, mas vendeu. Ele morreu, e se vendeu quase tudo porque não tinha mais cuidado.
EDUCAÇÃO
INGRESSO NA PETROBRAS
Eu estudei lá mesmo. Estudei o colégio, primário que se chamava antigamente; primário na época era curso primário, e tinha curso secundário, que era colegial na época. Hoje é Fundamental, Médio e Universitário. Fiz todos até a idade. Depois uma série de coisas, o casamento, o primeiro casamento, a gente descontrola, e o espírito de independência que nós sempre tivemos, por força da criação inclusive do Nordeste. A gente quando chega uma idade adulta,0 mais de 18 anos, já quer viver a sua vida, com independência. Aí foi o que eu fiz. Fui para Maceió, trabalhei na White Martins também, que hoje é multinacional, antes de ir para Petrobras. Em 58 apareceu essa oportunidade, um concurso lá regional, eu fiz e ingressei na Petrobras. Quanto à escolaridade, fiz até Administração, até curso superior. Só que já foi em Maceió. Em Palmeira dos Índios... Uma cidade que apesar de ter um avanço na área educacional, mas ela só tem faculdade de uns 10 anos para cá, mais ou menos isso. Eu fiz Administração de Empresas, é o chamado Gerência Empresarial, especialidade em Recursos Humanos, que é a minha área.
CASAMENTO
Eu me casei em Maceió, mas minha família ficou toda em Palmeira. Me casei e me divorciei em Maceió. Conheci minha esposa num baile de Carnaval. Dancei, e depois dançou tudo. Na época eu não era estudante, trabalhava na White Martins.
EDUCAÇÃO
Na época já tinha tirado o curso médio, que hoje é o curso médio, curso de contabilidade. Curso superior eu fiz depois do Golpe de Estado, que foi em 64 para cá. Não tinha o que fazer, pelo menos fui preencher o tempo.
TRABALHO
Antes de ir para Maceió eu tive mais atividades em Palmeira, mas era mais castigo do que emprego, não tinha o que fazer, ficar na rua: “Vai trabalhar um horário e outro estuda.”
Para nós era uma espécie de castigo, para não estar desocupado, sempre tem problema. Trabalhei num cartório e numa firma em Palmeira, Godoy Companhia. Aprendi contabilidade realmente. Foi de grande valia para mim, dei os primeiros passos.
CAMPANHA “O PETRÓLEO É NOSSO”
Quando eu fui para Maceió me integrei na luta “O Petróleo é Nosso”, isso antes de 54 até, e a luta pela criação de uma empresa que desse ao Brasil auto-suficiência em petróleo e tal, para não ficar na dependência dos grupos internacionais. E nós estávamos certos, está aí o resultado. Infelizmente morreu muita gente, essas prisões na época, estudante, antes mesmo de fundar a Petrobras. Eu me interessei em participar dessa campanha porque eu era entusiasta dessa independência. Da mesma forma que eu quis a minha independência dos meus pais, ter uma sobrevivência própria - meios próprios de sobrevivência -, lógico que desejava para o país e sabia que sem uma empresa com uma estrutura, capital nacional, mão-de-obra nacional, jamais poderia ter essa independência.
EXPLORAÇÃO
Porque é um equívoco dizer que a primeira exploração de petróleo foi em Lobato, na Bahia. A Bahia veio muito depois de Alagoas. Quer dizer, Lobato porque ficou em memória Monteiro Lobato, que era também entusiasta do petróleo e já teve uma companhia. Quer dizer, era sócio de um engenheiro que tinha em Maceió, Écio de Carvalho, que fundou a Companhia Nacional de Petróleo. Ainda tem ações que não valem mais nada. Lá em Riacho Doce foi a primeira exploração de petróleo. Está lá uma sonda antiga movida a lenha. Até interessante, se quiser ver. Infelizmente eu não sei se o município de Maceió conservou tudo isso. Tem equipamento, deve ter conservado, porque há um desgaste do tempo. Não foi em Lobato, como a história diz, como também o descobrimento do Brasil não foi em Porto Seguro - nessa pasta que eu tinha eu trazia um negócio aqui de um companheiro e perdi os estudos de Imbigi na praia de Alagoas, primeiro ponto que Cabral entrou, pela carta de Pero Vaz de Caminha. A perda foi grande, mas eu recupero; é questão de tempo.
INGRESSO NA PETROBRAS
Encontrei a Petrobras através de amigos. Tinha amigos que tinham ingressado e perguntaram se eu não queria fazer as provas para sair das garras da multinacional da White Martins, e eu topei. Fui parar no interior do Estado -
levava 8 horas de jipe de Maceió à foz do Rio São Francisco. Para mim, que vivia sempre nas grandes cidades, dentro das limitações do Nordeste, é mato e deserto, parece um deserto, parece o Saara, aquelas dunas assim. Comecei a trabalhar na foz do rio São Francisco, a gente dormia naquelas casas pré-fabricadas, e quando a gente acordava tinha mais de 20 quilos de areia, trazidos pelo vento. Meu trabalho lá era apoio operacional, apoio administrativo, administrador da equipe.
EXPLORAÇÃO
O que tinha ali nessa época era exploração. Sondas, perfuração, geologia, geofísica. Prospecção, é que nós chamamos exploração tudo isso. A localidade era Feliz Deserto, FD1 primeiro posto, porque ficava num vilarejo, e a cidade ficava próxima.
FELIZ DESERTO
Feliz Deserto é como se chamava a vila, hoje passou a ser cidade. Feliz Deserto; é um deserto e tem uma vila apenas com uma igreja. Tem uma igreja bonita no estilo antigo, pois foram os holandeses que construíram na época, e umas casinhas, a maioria coberta de palha, porque nem de alvenaria eram, hoje não, é uma cidade mesmo.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Comecei em 1958. Meu trabalho ali era administrativo. As equipes de campo vinham de operação, de perfuração em geral, e a gente era responsável pela acomodação, por transporte, serviços gerais. Em resumo, era uma pequena cidade, talvez maior que o Feliz Deserto, o vilarejo dentro do deserto, aquelas casas pré-fabricadas, acampamentos congregavam umas 500 pessoas. Tanta gente assim porque na época todo serviço era feito pela Petrobras. É, ali tinha várias sondas naquela área. O primeiro posto foi esse Feliz Deserto porque - me permite uma expressão pejorativa; eu não sei se posso dizer aqui - “Você está aonde?”. “Eu estou no fodedor, fodê 1, né?” Porque o nome certo é FD1. Fim de Mundo.
EXPLORAÇÃO
Toda exploração de petróleo, ela é dura, nesse sentido principalmente, quando é em caráter pioneiro como foi o caso, o meu caso e de outros. No Amazonas é pior ainda, porque todo aquele equipamento vem de helicóptero, porque a luta do Ibama, não pode abrir estrada - porque está certo o Ibama, para não prejudicar a natureza. E abre uma clareira, e através de helicóptero - porque ele desce e limpa aquela área ali - estabelece ali a perfuração, o poço, tudo em avião e helicóptero. Como na época nós não tínhamos esses grandes helicópteros de hoje, era na base da marra mesmo, em cima do deserto, duna de 30 metros de altura. Amanhecia aqui, no outro dia estava ali, pela posição do vento, esse vai e vem como o deserto. A sonda é montada em cima às vezes de duna, depende. Às vezes da geologia se determinou que é o mangue, é em cima do mangue. Hoje se determinou que é no mar, em águas profundas; vai lá, porque é onde a geologia determinou. Que hoje é a geofísica que tem os estudos mais avançados.
RELAÇÕES DE TRABALHO
O dia-a-dia nesses lugares não era diferente do dia-a-dia de hoje, com a diferença seguinte: havia mais solidariedade com os colegas, não sei se pela necessidade, que era maior, forçava a solidariedade maior de todas aquelas equipes. E era um trabalho comum e com um objetivo comum, e o entusiasmo de saber que a gente estava fazendo aquilo para o engrandecimento de uma empresa que era do povo brasileiro. Hoje não. Sinceramente é a realidade, não estou falando... Os meus colegas têm razão de certa forma, só pensam numa coisa: salário, salário... Que os salários de hoje são bem inferiores, pelo menos dos anos 64, e o outro período de 85 para cá. Aí morreu. A política salarial foi praticamente toda destruída dentro da empresa, e hoje a turma encara assim dinheiro, dinheiro. Há exceções e honrosas até, mas na sua grande maioria só pensa em salários e posição. Como todo mundo não consegue posições, aí fica esse conflito, e a empresa estimula hoje a competição, pior ainda dando vantagens à gerência, cargos desse tipo. Isso criou lá dentro um regime competitivo demais, e em função da quebra da produtividade. A empresa teve lucro, mas quantos acidentes, quantas negligências no decorrer desses anos? Lucro é bom, mas a troco da desgraça do ser humano e da própria empresa? Equipamento que foi destruído, tudo, vidas a lamentar.
EXPLORAÇÃO
Na época que eu trabalhei vi muito acidente. Acidente de sonda é perigoso. Sonda é um tipo de equipamento perigoso, perfuração a 6 mil metros de profundidade não é mole. É um equipamento imenso, é 6 mil, chamado furo estratigráfico, são furos de maior profundidade para ver as camadas produtoras de arenito ou não. Então eles vão até o limite do cristalino, que é cristal de rocha, dali não tem mais petróleo. Então, em geral são furos chamados por nós pioneiros e isso tem que ter equipamento de grande porte, e na época não existia essa sofisticação de hoje, que não pode usar um furo.
Hoje dá furo direcional, lá era vertical, não podia ter um desvio de grau, de 8 graus já está pertinho do poço. Hoje não, começa reto e vai em direcional, por todo canto que queira, pela ferramenta que se tem hoje. Com o desenvolvimento da Petrobras se criou ferramenta, por sinal sempre aqui do Rio de Janeiro, que foi a caixinha preta. E é dessa caixinha preta que as multinacionais andam atrás, de destruir a empresa ou comprá-la para obter a caixa preta.
CENPES
Caixa preta que eu falo, na minha linguagem, é o centro de pesquisa que a Petrobras tem hoje na Ilha do Governador - há uns 20 anos para cá ou mais. Desenvolveu tecnologia em todos os campos da atividade petrolífera, não foi só da perfuração, do refino. Agora o Centro descobriu mamona, óleo diesel tirado da mamona. Isso para o Brasil em crise e de petróleo vai ser uma beleza. Os carros, em vez de funcionar com óleo diesel tirado do petróleo, vão ser da mamona. Sabe o que é mamona? Que lá no interior de Alagoas é carrapato, porque parece um carrapato mesmo, é o óleo de poder calorÍfico igual ao petróleo, e é vegetal, não tem poluição do meio-ambiente, de gases. Desenvolve a cultura, é nativa de lá, dá em todo canto. Tipo de um vegetal, uma bucha.
RELAÇÕES DE TRABALHO
Minha esposa não foi junto nessa... Ficava em Maceió. A gente tem sistema de folga, quem trabalha em campo tem sistema de folga, que antes era uma folga curta, estreita, como diz na estrada, uma margem pequena de repouso. Hoje não. Hoje quem está nas plataformas, nas áreas, trabalha 14 dias e folga 21, agora não tem férias. Lá no corporativo, se deu férias é porque compensa. Trabalha 14 dias e folga 21, então é isso aí.
SINDIPETRO ALAGOAS/SERGIPE
Eu fiquei nessa região 2 anos...Três anos que eu estive exatamente nesse tipo de trabalho, e depois disso, com o advento do sindicato lá na área Alagoas/Sergipe, então eu vim... A fundação do sindicato foi em 59. Fui um dos fundadores. Um dos fundadores, agora sem querer ser assim vaidoso, mas o sindicato praticamente nasceu na minha casa, primeira reunião foi na minha casa.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Eu morava no centro de Maceió e com a fundação do sindicato é que eu sofri a primeira demissão. Como eu estava lhe falando ali atrás, me demitiram, apesar de ser uma empresa estatal, a concepção estatal, mas havia também esse resquício de preconceito contra o sindicato. Lá vai demissão. Mal sabiam eles que o sindicato pode ser um instrumento de desenvolvimento de uma empresa. Pode ser não, e é na minha concepção, é dizendo assim, mas pode ser até mesmo de uma empresa privada. Imagina de uma empresa que é do povo.
A fundação foi em 59, e logo depois fui demitido. Meses depois. Antes de vir a carta de reconhecimento, que antes era do Ministério do Trabalho, sofri a primeira demissão. A segunda demissão da Petrobras foi em 1962, golpe de Estado, a tentativa de golpe do governo Jânio Quadros, a renúncia para impedir a posse do João Goulart, aí veio... O golpe veio, mas não consolidaram o golpe. Quer dizer, quando eu falo tentativa, é porque não consolidaram, sobraram. Em 64, quando muita gente pensava que eles não faziam mais nada... Quando eles consolidaram aí com apoio americano, todo mundo já sabe a história toda, nem precisa... Quando a junta militar caiu, aí eu fui retornado, 15 dias depois ou um pouco mais. Isso em 62.
EVENTOS HISTÓRICOS
E em 64, 31; 31 não, 1º de abril - que o golpe de 64 não foi no dia 31 de março, foi 1º de abril
- eu que fui preso logo no dia 2, não era uma reação, mas uma surpresa: “Vamos ver o que vai dar, não vamos entregar isso sem uma reação.” E foi o que ocorreu.
Lógico, nós fomos para dentro do sindicato. Reagimos à invasão da sede pela polícia, tudo o que estava no nosso alcance fizemos, tudo para impedir o desastre. Não foi possível. Com a correlação de forças não deu. É a tal história, não estou dizendo? Como eu disse lá no processo no Tribunal Militar, não reagimos à avalanche de massacre porque a gente não tinha arma, porque se tivesse certamente iríamos reagir. É um direito de defesa para qualquer cidadão no mundo. Ameaçada, a gente reage, já é instintivo, agora, infelizmente ou felizmente, não sei, a gente não tinha arma não. Não era do nosso feitio, o nosso objetivo era outro.
Toda a direção do nosso sindicato foi presa. Olha, tinha 19 pessoas dentro, tinha uma assembléia, nós fomos. Na hora que eu cheguei - porque eu estava fora nesse momento, mas fui chamado - aí que desmobilizamos as assembléias, num momento daquele seria um desastre, um massacre. Aí saiu todo mundo. Quando os últimos saíram, que eram da direção, aqueles de mais responsabilidade, aí empacotaram. No prédio só tinha uma saída, não tinha mais chance, cercaram tudo.
Nós fomos presos no dia 2 de abril e fomos soltos setembro, outubro, novembro do mesmo ano, mas aí fomos presos de novo e ficou nesse negócio: inquéritos policiais, militares e aquele negócio todo. Isso demorou 5 anos essa confusão. Tortura no meu caso não. Não chegamos a ser torturados, mas nós fomos salvos pelo gongo. Não tem a luta de boxe, luta livre? Nós fomos salvos pelo gongo, porque houve uma coincidência em Alagoas porque foi preso,
preso não, foram cassados também deputados etc. É a turma da pistolagem lá em Alagoas. Coronéis, deputados, isso aquilo. Pessoas que tinham influência na política foram cassadas e perseguidas também, e entravam nas casas desses cidadãos em Alagoas, pegavam as peças íntimas das mulheres, filhas e penduravam no fuzil como se fosse o estandarte de porta-bandeira de samba. E a gente lá avaliava isso, a cultura que nós temos: “Esses caras vão morrer tudinho.” E o que é pior, vão pensar que somos nós que estávamos mandando assassinar os caras. Na realidade a nossa formação não é essa. E eles assassinaram um sem-número de delegados, inclusive dois secretários de segurança na época. Sumariamente, pistoleiro, o povo lá. E nisso nós fomos salvos pelo gongo, porque eles pensavam que éramos nós e ficaram com medo de fazer a besteira. Ainda bem. Não formos torturados, passaram até... Aquelas coisas. É melhor não mexer com eles, por que sei lá? Mas não tínhamos nada a ver com isso, foi uma coincidência que nos favoreceu, só isso.
RELAÇÕES DE TRABALHO
Para o trabalhador o serviço era duro. Como eu disse antes, serviço pioneiro, faltava tudo pela infra-estrutura de estrada, de abastecimento. Hoje tem supermercado em todo o canto, em qualquer cidadezinha. Naquela época, para a gente comprar 47 mil ovos para 400 e tantas pessoas, a gente passava uma semana todinha naquelas cidades periféricas onde estava a locação para poder abastecer o acampamento. Para ter uma idéia, só de ovos? Faça idéia, forçar a galinha botar demais não é possível, forçar a natureza.
RECURSOS HUMANOS
A hierarquia dos cargos na época é a mesma de hoje, quase. A diferença é que eram americanos os cargos técnicos de perfuração, sondadores e supervisores e etc. Agora com 4 anos depois, fundamos o sindicato, houve uma greve e rescindiram os contratos com os gringos. Quando eu falo gringo... Foram todos para casa.Todos para casa, porque eram contratos onerosos ao país, e saindo do país dólar, quer dizer, remessa de dólar para o exterior sem necessidade. Eles querem treinar pessoas daqui - está certo. Mandam para os Estados Unidos os brasileiros, mesmo lá com cursos etc. e retornam. Mas não pegar empresas. Quer dizer, mão-de-obra brasileira, lá dentro, para eles fazerem isso aí, não dá. Salários inferiores - enquanto um sondador americano ganhava 6 mil dólares - naquela época
era uma fortuna - o brasileiro ganhava hoje 400, 500 reais, 600. Não dá, e aí houve uma rebelião, não foi uma greve.
SINDIPETRO ALAGOAS/SERGIPE
Agora as primeiras conquistas do sindicato foram essas, rescisão, melhoria dos salários, equiparação dos salários nacionais ao do estrangeiro - que já era lei na época; só que a Petrobras, para impedir de pagar um salário, o brasileiro teve que rescindir o contrato nessas companhias. Foi um golpe, quer dizer, foi uma estratégia que se fez para eliminar a participação dessas companhias aqui no Brasil, em boa hora, porque em vez de prejudicar um poço porque recebiam também das multinacionais para não ter petróleo, tinha mais essa, o lado negativo. Então eles vieram com a proposta no plenário da assembléia: “Ou você mantém salários iguais, não toquem nesses contratos.” Eu tive medo sinceramente na época, mas felizmente a categoria lá disse: “Não, rescisão dos contratos em primeiro lugar, salário se discute depois.” Foi bonito isso, o interesse nacional acima do interesse de todo mundo, inclusive do nosso; do nosso eu digo de imediato, que era o salário. Depois conseguimos equiparação ao nível mais alto do Brasil que se pagava na Petrobras, que era em São Paulo, Cubatão, me lembro como se fosse hoje. Porque os salários eram regionais, exatamente, interessante isso.
TRABALHO
Nesse período, depois de 64, no qual fiquei preso, eu tive a minha ex-esposa - hoje ela é procuradora do serviço público aposentada, federal - que tinha um escritório de advogada, e montamos um escritório de administração e advocacia que nos deu a sobrevivência até o período de 85, que por sinal do ponto de vista remuneratório eu tive mais prejuízo com o retorno à Petrobras do que mesmo continuar com o escritório. Mas eu tinha um objetivo. Nesse ínterim também fiz um concurso de Fiscal do Trabalho, Inspetor Fiscal do Trabalho. Passei e optei pela Petrobras em vez da fiscalização. Do ponto de vista de remuneração eu fiz um mau negócio, mas eu tinha um objetivo, um compromisso:
“Esta luta tem que continuar. E continuou.”
SINDIPETRO ALAGOAS/SERGIPE
Bom, os sindicatos ficaram sob intervenção, mas no nosso caso, depois nós elegemos um... primeiro presidente eleito depois da intervenção foi nosso. Isso foi em 85. Antes de 85, em 74, 75 conseguimos eleger alguém de oposição.
PRIVATIZAÇÃO
A vida sindical eu continuei, além de muitas prisões depois, porque eu não ia abdicar. Era a minha entidade, eu tinha uma situação ali dentro ainda, um compromisso político e até moral para continuar essa luta. E continuamos e estamos aí hoje, não em águas mansas, mas foi um avanço, inclusive com a Petrobras só não deu um avanço maior porque, quando eles sentem que a empresa cada dia cresce mais e dá mais lucro, apesar dos pesares, eles fazem uma coisa de prejudicar. Começaram a fracioná-la. Subsidiárias disso, subsidiárias daquilo e depois desmonta tudinho, vende as subsidiárias. Quer dizer, privatiza para uma delas e tantas, isso para destruir o patrimônio, os ativos da Petrobras.
Quando, não sei se sabe um ditado que diz também aqui no Sul. Lá no Nordeste diz: “Quando a gente quer comer um prato de sopa quente ou de angu, come pelas beiradas que é menos quente.” Depois indo para o centro, e é o objetivo da Petrobras, como holding - como chama a controladora. Nós não temos outro objetivo, ainda mais com a falta de petróleo, com a perda política do Oriente Médio, do Golfo Pérsico, tudo. Então a bola da vez somos nós, porque a bacia Amazônica, já dita daquela época, é a maior acumuladora de petróleo do mundo, porque ela é extensa demais. Eu assisti em 1963 a corrida da Petrobras, uma equipe de geólogos soviéticos que vieram aqui analisar a cartografia de todos que tinham e eles foram bem claros que a bacia Amazônica era a maior bacia sedimentar do mundo. No dia que descobrisse petróleo na Amazônia, ninguém seguraria mais esse país. Infelizmente a primeira descoberta foi Urucu, e hoje Urucu, com pouco tempo está fazendo mais que Sergipe e Alagoas, e um óleo de alta qualidade. Faça idéia quando chegar lá nos grandes reservatórios, porque ainda não chegaram por dificuldades operacionais e tudo.
UNIDADE
URUCU
Há muitas dificuldades, quem conhece o negócio sabe da dificuldade. É imensa. Todo mundo quer ir para todo lugar: “Não me meta no Urucu, no Amazonas.” Para um petroleiro falar isso. Porque já pensou a senhora viver isolada do resto da civilização durante seis dias? Pega um avião - só o avião de lá para cá -, aquele transporte vai a Manaus, já se perdeu tempo. Longe da família, longe de seres civilizados. A família nem pode ir, seria estupidez. No meio da selva, um acampamento e está ali bloqueado, não tem para onde ir. Eu não digo que é um trabalho belo, é duríssimo.
PETRÓLEO
Que é importante para a nação é. O petróleo ainda vai levar 60, 80 anos para ele desaparecer como fonte de combustão, de combustível. Passa rápido, mas vai perdurar ainda. A petroquímica quantos produtos tem hoje? Quase 5 mil produtos, oriundos do petróleo. São chamados de derivados. Tem os derivados que são a gasolina, o óleo diesel, mas tem a nafta e outros que fazem mil e uma aplicações na petroquímica, e vai dominar o mundo por mais tempo ainda, a influência dele. Até achar um meio alternativo ou então a química está aí dando seus passos gigantes. O petróleo, agora pelo menos o óleo diesel vai sair da mamona, e a Petrobras começou a incentivar no Rio Grande do Norte o plantio de mamona. Eu achava um pouco de imprudência; devia testar melhor. Mas já começaram, os fazendeiros lá já estão se preparando no Rio Grande do Norte, em Alagoas, Sergipe também. A área é a mesma e nascem em qualquer lugar aqueles cachos. Acredito que vá dar certo sim. Na época da guerra, que eu era garoto, se usava Usga. Chamada Usga, o nome dado era Usina Serra Grande da Alagoas S/A. A Usga
era uma espécie de nitrogênio produzido pelo álcool, o álcool e óleo de mamona e refinado, bem fininho ao álcool misturado. O carro não precisava nem de adaptação como faz hoje com gás. Não é processo de agora. Bom, acho que agora com mais cuidados técnicos vão produzir em alta escala. Os carros, durante a guerra, quando faltou gasolina, eram todos abastecidos com Usga. Chamavam Usga porque era a sigla da usina que era produtora, Serra Grande. Serra Grande é uma cidade de Alagoas na divisa com Pernambuco.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Quando eu voltei para Petrobras, em 85, assumi o mesmo cargo, o mesmo salário reajustado - porque a lei da anistia nos deu essa condição -, enfim, promoções, foram reabilitadas todas as promoções e todos os direitos, salários adicionais, participação nos lucros, tudo, enfim. Quanto a isso não temos que nos queixar. A lei foi bem clara, e hoje se eu não tenho a vida, mas pelo menos não estamos assim em situação como muitos trabalhadores. Agora, os novos da Petrobras não, a luta é por isso, que sejam iguais todas essas condições. Isso quem luta, os acordos coletivos, todo ano a gente põe uma cláusula no sindicato para evitar esse desnível, porque é novo na empresa, com o salário lá embaixo. Não acredito. O cara trabalha igual, salário igual, fim de papo. É a lei, vamos respeitar, mas infelizmente a Petrobras...
REMUNERAÇÃO
Aqueles percentuais sobre a antigüidade na empresa existem também para os novos funcionários. O fator é o seguinte, que o salário-base de quem entra é lá embaixo, totalmente defasado. Lá embaixo, esse é o grande problema que nós temos hoje.
Vamos dar somente aos novos os salários de mercado. É duro dentro do mesmo trabalho um indivíduo que tem o salário lá embaixo e outro que tem mais ou menos. É chocante até para nós, inclusive que tem um salário melhor. Esse é que é o grande dilema lá, e o grande problema que nós vamos ter e todos os dirigentes têm, essa é a questão.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Quando voltei à Petrobras, foi em 85 dessa vez, e a eleição foi em 87. Eu não voltei para a direção do sindicato assim. Eu fui eleito ao mandato, porque eu podia me reabilitar no mandato, mas mandato não se reabilita, aí eu voltei e fui reeleito. Só não tive o terceiro mandato porque a gente não deve abusar. Não foi muito esforço para ter o terceiro mandato não. Dei condições para outros disputarem, mais novos inclusive. Se a experiência não foi importante na vida da categoria, paciência. Eu tentei colaborar, mas tenho impressão que não foi não. O pessoal mais velho tem outra consciência, já passou por situações difíceis, sabiam fazer acordo coletivo, todos sem exceção, daqui, de São Paulo, Rio, mais experiência. Passaram por uma vida, e os novos, não. “Vamos fazer greve.” Não é assim. Greve se faz, nós fizemos muitas, mas tem um objetivo: é aquilo, fora daquilo cessou. Foi concedido, para que querer mais? Vamos cessar porque greve chega um ponto que satura, porque aí na terceira, na quarta, a gente não tem mais condições de sobreviver a essa política para conduzir um processo desses. Foi o que aconteceu nessas últimas greves.
GREVE
1963
Uma das principais greves de que participei pelo sindicato e que teve o maior ganho foi em 63: a transferência de todo mundo para a Petrobras, daqueles funcionários contratados pelas empreiteiras e americanos até com o mesmo salário, com tempo de serviço. Até tempo de serviço não foi respeitado, porque eles fizeram concurso da Petrobras, depois o contrato foi restabelecido com uma empresa que eles nunca ouviram falar. É imoralidade
enganar o cidadão. Isso foi recomposto, e também os salários como eu falei antes, houve a equiparação da Petrobras, porque antes de 63 a Petrobras pagava salários regionais: um aqui, outro no Rio, outro em São Paulo e assim por diante. O maior salário era Cubatão, a refinaria. Esse era o maior salário. Então foi nivelado o salário de todo mundo, e a briga começou lá. É uma honra para nós porque nós iniciamos todo processo; aí atingiu todo o país, isso foi importante. Aí ficou um problema já nacional. Hoje o salário é único, tem um plano para cada salário, organizado. Isso aí não foi bom? Acabaram os problemas dessa área, só não vinha às direções da Petrobras, que história é essa? Não é a direção da Petrobras, é o governo.
RELAÇÕES COM O GOVERNO
Agora sem dúvida nenhuma o pior governo que teve para os trabalhadores de petróleo, eu estou falando especificamente dos trabalhadores de petróleo, o pior governo foi Fernando Henrique Cardoso. Esse foi um desastre na área de petróleo. Salário, não teve condições de trabalho e tudo, ele saiu cortando, até intervenções de greve ele quis fazer, contando com a legislação que o favorece, e fez. Tentou obstruir tudo, então eu digo que foi o pior, nem o governo militar foi tão carrasco para os trabalhadores de petróleo do que mesmo Fernando Henrique Cardoso. No meu modo de entender, eu explico a ação do governo pelo seguinte, na minha concepção: servilismo ao poder, as luta nacionais, aos banqueiros internacionais etc., ou então colocou a imagem de que ele poderia governar o Brasil bem se fizesse as concessões e saiu mal, que nem conseguiu governar oito anos, mas todo mundo engana um tempo, mas não tanto tempo assim. Foi o que ocorreu, e depois de uma dessa, reclamamos atualmente do governo de Lula porque não está seguindo a proposta do partido. Eu sou petista, eu estou falando isso. Não sou petista de última hora, com estrelinha aqui, com adesivo no carro, não! Sou da época da dureza, para fundar o partido...
MILITÂNCIA POLÍTICA
Não entrei no PT, eu fui um dos fundadores lá em Alagoas, porque havia identificação políticas, ideológicas entre membros daquele primeiro corpo, inclusive com o ABC daí de São Paulo. Havia identificação com companheiros dentro do petróleo e isso foi fácil, foi fácil eu digo congregar todo esse povo num só objetivo. Os partidos de esquerda que têm ainda são todos modificados na concepção, PC do B, PCB, enfim, foram com o tempo, não digo deformando, mas se modificando nas suas concepções e tornaram-se partidos como outros quaisquer. Está vendo a necessidade de se criar um novo partido com nova concepção, dentro daquilo que nós desejávamos? Daí surgiu a proposta do PT. Foi discutida na Bahia e lá em São Paulo - foram os dois pólos que ele teve mais desenvolvimento no Congresso, e surgiu o PT.
Os sindicatos, os sindipetros não tiveram uma participação muito ativa na criação do PT. Foram poucos. Daí vem o problema, foram aderindo depois com moderações, mas as direções
que comandavam, em termos assim, 70% que comandavam o sindicato do petróleo eram do antigo PCB, que fez oposição ao PT para não surgir, porque surgindo um partido com demonstração praticamente idêntica de política, desaparecia o PCB, como de fato desapareceu. De uma forma ou de outra desapareceu. Havia mais identificação dos trabalhadores com o PT, com a proposta do PT que mesmo com o PC do B, PCB, e foi o que ocorreu, e está aí o PT. O PT agregou todo mundo. Difícil, que fundaram um diretório principalmente no Nordeste, no outro dia os caras davam dinheiro e compravam os membros do diretório, e na época o partido só apresentava o candidato se ele tivesse x no nome do diretório pela legislação. Hoje não, está uma beleza, 17 pessoas fundam um partido, já podem apresentar um candidato. Na época precisava ter 2/3 de diretório dentro do Estado.
Dentro do PT eu nunca me candidatei a cargo político. O meu objetivo era outro. Eu me candidatei, fui o primeiro suplente no Estado do Alagoas na época da ditadura. Quando abriram as eleições eu fui candidato. Não gastei um tostão, não fui a um comício, não fui nada, mas eu entendia que vivia do prestígio ainda como dirigente sindical. Achei que aquilo ali não era uma boa porque: “Vou votar no fulano porque ele era ou já foi isso.” Não, eu achei que foi tudo errado, porque a nossa atuação política, após 64, não tivemos condições porque era ameaça de cadeia a toda hora, a todo instante. Por isso não tivemos condições. Ou quando não estava preso estava foragido, nesse vai-e-vem; mesmo assim, quando a coisa esfriava um pouco, estava ali presente na vida política e nacional, porque o homem é um ser político e tem que agir como tal.
SINDIPETRO ALAGOAS/SERGIPE
As principais conquistas do sindicato foram esse avanço de salário, equiparação. Vamos falar, o único no território nacional com um plano de cargo e salário, isso para os trabalhadores. A Petrobras se transformou hoje na oitava empresa do mundo, em economia e tudo... E de 85 para cá tivemos grandes campanhas, um avanço. Enquanto a inflação foi tremenda no governo de Sarney e outras, a gente, nos acordos coletivos, chiavam lá - chiavam lá não, chiavam aqui -, mas a gente não quer saber disso. Não somos culpados da inflação, por que vamos ser bode expiatório? Então, primeira vez que aumenta o salário 30%, 40% mês a mês, aumentou a inflação, aumentou o salário. Não queríamos nem saber, era acordo coletivo. Essa foi uma época que, se não fosse esse procedimento, os trabalhadores de petróleo estariam pior que os do Branco do Brasil, muitas vezes pior porque o Banco do Brasil perdeu, não tiveram cuidado nos acordos, estabelecer cláusulas que viessem garantir esse salário. Pelo menos evitar que o salário se desintegrasse com o tempo, como ocorreu no Banco do Brasil. Lá foi um procedimento maroto de dirigentes. Aqueles altos funcionários do Banco do Brasil criaram o Banco Central, foram todos para lá com alto salário, e quem ficou se ferrou. Eu não faria isso como dirigente, jamais aceitaria um negócio desse. Ou para todos ou para ninguém.
RELAÇÕES DE TRABALHO
Para analisar a relação do sindicato com a empresa, antes e hoje, é preciso fazer muitos parâmetros. Na época no regime militar não havia nem diálogo, era cadeia. Qualquer ameaça de movimento era cadeia. Isso aí não tinha nem diálogo. Só no governo de Figueiredo, que foi o último presidente militar, é que se teve uma condição até de conquistar uma lei de anistia que foi importante para muita gente, não digo também para mim, mas eu não gosto de ser chamado de anistiado não, porque anistiado é criminoso. Eu fui julgado, absolvido por unanimidade pelo Tribunal Militar, então não sou, mas infelizmente eu fiquei com esse estigma de anistiado e fim de papo. Não aceito, mas o que eu vou fazer?
EMPRESA
Marcantes mesmo, praticamente, foram todas as fases que a Petrobras teve, se bem que uma mais expressivas, para cada um são diferentes essas funções, mas a sua fundação foi urgente porque o povo brasileiro sentiu-se satisfeito por ter concretizado aquela lei chamada lei 2004, foram às ruas festejar etc. e tal.
RELAÇÃO COM O GOVERNO
Um fato também marcante, esse justamente de forma negativa, foi justamente o golpe militar. Havia uma expectativa que a empresa seria privatizada, ou ser chutada ou extinta mesmo, como muita gente pensava, mas felizmente os militares agiram ao contrário. Foi surpresa, deram até mais ênfase para aquelas operações, porque entediam que o petróleo é estratégico para as atividades militares, e aí continua a Petrobras com muito mais impacto. E um dos presidentes - quase todos eram generais na época -, o presidente Geisel - iam morrer todos -, esse último, digamos assim, deu um espaço maior para Petrobras porque ele já estava na linha de montagem para ser o presidente da República, e foi dando os seus avanços. Infelizmente, quando se abriu o regime, todo mundo pensava que ia estar mais livre dessas investidas, deu-se o pior: lá vai a tentativa de campanhas negativas contra a Petrobras. Governo aumentar como aumenta os combustíveis. Todo mundo pensa que é a Petrobras, mas na realidade quem conhece a política de preço, que estabelece o preço da produção da gasolina, ou melhor, dos derivados, vê que a Petrobras é a que menos lucra com tudo isso. Pesquisa, investe dinheiro, corre o risco se não der petróleo, todas aquelas atividades, refina, transporta, vai à petroquímica. Já tem indústria desse tipo para fornecer matéria-prima à petroquímica e faz todas essas operações e tem um lucro hoje num litro de gasolina de 27% a 30%. Não tem mais, no entanto impostos que são os governos municipais, estaduais e federal, também levam nessa brincadeira 56% do litro de combustível hoje no país. Não preciso dizer mais nada. O restante vai para distribuidora, que é o filé do petróleo. É a distribuição, menos os postos, porque os postos, apesar de terem sua margem de lucro, que não é tão grande - não é grande -, mas eles que prestam o serviço diretamente. É o frentista, que enfrenta o abastecimento do carro diretamente, presta um serviço, e as multinacionais não têm nem terminais às vezes de distribuição.
DISTRIBUIÇÃO
A distribuição acontece às vezes só por telefone. Telefonava para o setor comercial da Petrobras, para a distribuidora que é a BR - que BR é hoje a Petrobras, mas antes era a BR, era a sigla da distribuidora -, era só pegar um telefone: “Fatura aí milhões de litros.” Sai de um terminal para outro. Então é uma operação só de telefone. Ganha aquela margem toda, é um absurdo, mas só que mexer com essas multinacionais, para se ter uma independência maior na produção de derivados é necessário fazer um confronto, e hoje em dia a gente está vendo o problema do Iraque sendo ameaçado de uma invasão, e vai ser invadido em questão de dias. Então a gente vê que isso aconteceria com o Brasil, que não está preparado nem para uma guerra. O Iraque ainda teve 9 anos de luta com Irã, pelo menos os militares iraquianos estão preparados psicologicamente e militarmente treinados para um enfrentamento desse tipo. E o Brasil? Carnaval, samba? Não faz guerra, e política pacifista nesses anos todos, séculos e mais séculos, não tem condições de enfrentar um troço desse. Aqui vai ser tomado um dia que tiver uma recusa ou uma intervenção na distribuição de petróleo, eu entendo isso. Basta um telefone. Eles estão 24 horas aqui por telefone, não precisa nem Forças Armadas americanas aqui, basta um telefone.
As grandes distribuidoras são as multinacionais. Houve um fato agora muito importante: “Ah, porque petróleo, distribuiu, negando o meu negócio.” O jeito de dissolver a Esso, nem a Texaco, nem a Shell etc., são as tradicionais. A gente vê Ipiranga da vida que diz que é brasileira, mas não é, e pode notar nos postos aí mil e uma siglas de distribuidoras. Mas a participação nos lucros continua sendo delas. Por sorte ainda tem a BR, que é a maior distribuidora, que é nossa, aí eu pergunto: “A BR tem capacidade de abastecer o Brasil todinho e o faz. E por que elas?” “Ah, liberdade de comércio”.
EMPRESA
No caso da exploração, pode ser feita por outras empresas multinacionais, mas não tiveram essa capacidade. Não é por falta de dinheiro: não tiveram a capacidade porque nas explorações chamaram contrato de risco, que foram feitos antes mesmo de fazer agora na abertura maior. Fizeram os contratos de risco, só que os contratos de risco até agora não tiveram sucesso, porque a Petrobras está aqui já numa área estudada “Ah, não, não conseguiram.” A Petrobras vai lá e consegue. Para segurar o campo, a Petrobras vai lá e consegue, enfim, a Petrobras não só cresceu na distribuição, ela cresceu na pesquisa, na exploração, em tudo - ela avançou até mesmo na produção da petroquímica, e está aí o caso da mamona. Está invadindo outros setores até que não são o dela, mas como o óleo diesel é uma atividade que ela explora, então teve que ter um abastecedor que seria o petróleo, sair da dependência total do petróleo, e conseguiu através agora da mamona. A ordem do dia agora é essa: produzir mamona para fabricar óleo diesel. E aí vamos dizer se os avanços serão necessários ao abastecimento desse país e quem sabe até exportação, porque é mais barato plantar mamona, é mais simples mesmo, não é como perfurar um campo de petróleo, que tem a geologia, tem geofísica, tem isso, tem aquilo, toda aquela despesa; e se não der óleo ali, o prejuízo é grande. Mamonas não têm risco, não é verdade? Pelo menos para produção de óleo diesel.
GESTÃO EMPRESARIAL
ATUAÇÃO INTERNACIONAL
Se derem realmente assim um descanso para a Petrobras, deixarem ela mais livre para operar - que tem que ter uma empresa no gênero do petróleo, tem que ter liberdade de ação. As implicações internas são tão grandes e têm que ser rápidas, com determinadas urgências é que se coloca numa situação melhor, que dizer, o mercado internacional é cruel, e ela tem que ser ágil ali toda hora com a sua presença. Na realidade teve alguns avanços nesse sentido, eu concordo com esse último presidente, os dois últimos, e principalmente esse último, teve um avanço de transformá-la numa multinacional. Agora, a forma que ele fez isso foi de uma forma errada, pegou um bagulho na Argentina que tinha sido privatizado, a companhia de petróleo Argentina caindo aos pedaços, que comprou o ferro-velho e parece que vai dar um prejuízo à Petrobras de 1 bilhão de dólares, chamada troca de ativos. Ficou com a participação das ações da empresa argentina, e a empresa argentina fica com as ações, só que lá é capital privado. Estão enganando a Petrobras, aí quem impediu isso agora foi a Justiça, com ações do Rio Grande do Sul, porque é a refinaria Alberto Pasqualini, de Canoas, que tinha sido dada para troca do ativo. Aí o gaúcho não foi nessa, entrou com ação e impediu. Por enquanto vamos ver se isso se concretiza. Se concretizar, garanto, tenho a certeza absoluta, a Petrobras vai ter um grande prejuízo. O Brasil vai pegar ferro-velho? Não tem mais sentido. Campo saturado na Argentina de petróleo, não tem mais sentido. E entrar no prejuízo porque o débito foi quatro, cinco vezes a dívida da empresa argentina. Foi quatro, cinco vezes, entendeu? Não precisa dizer mais nada, quem ganhou com isso foi a Argentina, se livrou do abacaxi e transferiu o abacaxi para cá.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL
Hoje eu estou envolvido no sindicato. Sempre fui militante e continuo sendo, agora na Petrobras eu tive, eu acordo 5 horas da manhã, pego o transporte, vou a Pilar e volto à noite, isso quase todo dia, menos sábado e domingo, que para o administrativo é fechado. Agora, para o pessoal de operação mesmo são 24 horas por dia, é turno, revezamento. Mas no meu caso eu só trabalho 5 dias por semana, de segunda a sexta.
Do sindicato é lógico que eu participo de todas as ações sindicais, só porque eu deixei de ser diretor, de maneira nenhuma eu o abandonaria. Eu tenho obrigação moral até de participar mais ativamente do que se fosse diretor, porque todo mundo: “Ah, deixou o sindicato, agora não quer mais nada.” Que história é essa? A responsabilidade é a mesma. Quando tem uma greve, o ano retrasado eu disse assim: “Eu sou o primeiro que saio e o último que chego.” Mesmo às vezes não concordando com uma greve como ocorreu, um absurdo, mas a categoria assumiu. Eu sou o primeiro que entro numa greve e o último que entro no trabalho, para provar que a questão não era fazer ou não fazer, o problema é que não era conveniente naquele momento, e esse era o meu ponto de vista.
CASAMENTO
Fui casado, sou divorciado hoje, mas tenho uma companheira, já há 21 anos, tenho dois filhos. Não sou casado formalmente em termos da legislação do país, porque na época que eu me casei com ela religiosamente não tinha casamento civil, ou melhor, não podia casar civilmente depois de divorciado. Depois de uns anos, e a gente vive tão bem assim que eu acho dispensável essa questão, e no dia, com o papel sei lá o que pode acontecer? Mexer com uma coisa que vai bem, é como time de futebol, quando está ganhando não se muda.
FAMÍLIA
Tenho três netos e... espera aí, tem mais essa, eu já tenho um bisneto. Filho dessa primeira filha. Dessa que mora em São Paulo. Só tenho um bisneto com muita honra. Eu vou, quem sabe lá, eu vou ter 30 netos ainda vivo? Sei lá.
SONHO
Na minha vida talvez não mudasse nada, se isso fosse possível, mas mudaria na vida do povo. Isso aí é meu objetivo. Não tenho aspirações assim de me enriquecer. Se quisesse talvez fizesse antes, não tenho nada disso na minha concepção, mas desejo é que esse povo brasileiro tenha uma vida mais compatível com a dignidade humana, porque não se admite que um país de 8 milhões e 500 mil quilômetros quadrados de terras férteis, e o que é pior, agricultável o ano todo, em todo lugar desse país, se plantar, nasce, e às vezes mesmo sem o uso da tecnologia, o avanço de adubos. Às vezes nasce. Um país desse, sol o ano todo, que é importante para agricultura, e quase a metade do povo passa fome. Fome mesmo, não esse negócio de dizer: “Ah, hoje não comi bem.” Passa fome, não tem o que comer 2, 3 dias. Existem regiões aí, isso é duro para a gente ver um seu irmão, um cidadão igual a nós, a gente aqui, uma vida mais ou menos, e o cara passando fome. Eu não me sinto bem num ambiente desse. Eu não saí desse país porque eu acho que, mesmo constrangida, a gente tem que ficar para ver se há uma reformulação na política desse país. Então eu tenho a impressão que ainda vou conquistar isso pelo menos no avanço que ainda não ocorreu, nesse país ainda não ocorreram os avanços que eu desejo. E sempre lutei por eles. Não chegamos a isso, mas a pressão do povo, a pressão popular vai chegar a esse objetivo. O povo está mais consciente.
Meu sonho é esse, de ver pelo menos o povo ter as fatias,
ou o seu quinhão dos seus direitos fundamentais. Educação, saúde, moradia etc., pelo menos uma situação mais ou menos. Isso ainda vou fazer um esforço para alcançar. Também não vou fazer mais nada porque eu não vou arriscar a minha vida porque eu tenho que alcançar isso, não, acho que a gente tem que fazer um esforço sacrificando a sua comodidade, seu lazer, isso, aquilo, para esse objetivo. Isso foi a minha vida desde garotão, enfim, sou como sou e não vou modificar depois de certa idade, de maneira nenhuma.
ENTREVISTA
INTERVENCIONISMO AMERICANO
Ter participado do projeto de Memória dos Trabalhadores Petrobras foi uma experiência importante na minha vida. Saber que há pessoas imbuídas desse mesmo propósito, que estão tentando fazer uma gravação, porque nesse Brasil de memória curta, que faz uma coisa importante e depois acaba em pouco tempo, ninguém ouve mais nem falar, e aqui é um registro. Isso é um lado importante, e o outro lado, só o fato de conviver com vocês aqui em poucas horas já me sinto compensado pela maneira que a gente foi recebido aqui por todos, sem exceção, principalmente a nossa entrevistadora. Muito bem.
Me sinto muito bem, acho que hoje essa experiência que se inicia deve prosseguir sem medo e até endurecer em determinados momentos. Coletar informações de outras pessoas que até divergem de tudo aquilo que eu falei aqui, que nas opiniões divergentes é que chega quem sabe a um denominador comum. Os acertos que vão sendo eliminados ou que são evidenciados e os desacertos que vão sendo eliminados com as discussões, porque sem discussão - imposto pela goela, como se diz-
não dá. Só dá uma coisa, quando a gente toma uma cachaça ruim, no interior o cara engole, como chamam um trago lá, e a cachaça não dá para agüentar, aí o dono do bar: “Bota nas tripas.” Quer dizer, engole sem nem sentir, vai direto ao estômago. Ninguém faz isso, em termos de política não é possível isso. Nem mesmo engolindo um gole de cachaça se bota nas tripas, falei concepções políticas, ideológicas etc. Cada um tem o seu pensamento, que tem que ser respeitado. Eu sou democrata nesse sentido. Agora, aquele que tem um pensamento democrático, que está destruindo a coletividade, diz que tem o petróleo. Não quero pensar dessa forma, mas está destruindo a coletividade, esse tem que ser afastado. É uma cirurgia em cima dele, tirar de circulação. Quando eu falo tirar de circulação, é do convívio dele, afinal está prejudicando, tem que afastar. Vamos prejudicar um corpo humano porque o cara está com um apêndice sulfuroso? Tira, elimina o apêndice. Isso é a minha, pode me chamar, alguns já me chamaram até de stalinista por isso, por pensar assim. Não é assim, tem o seu lado positivo, porque de vez em quando eu afirmo: “Se Stálin estivesse vivo, não aconteceria o que está acontecendo hoje.” Com uma iminência de uma agressão a um país. “Ah, porque tem um ditador.” Ditadores. São quase 70% dos países no mundo que investem em ditadura. Ditadores são aqueles países que eu digo com seus reinados, seus xeiques da vida. Tudo isso, vão massacrar o povo para poder punir um cara que eles querem punir. Isso não tem sentido hoje em pleno século 21, isso aí não, mas se estivesse vivo um cara, porque seriam dois galos num terreiro só, e dois galos no terreiro, um tem que respeitar o outro porque senão leva troco, esporada. Mas só tem um galo hoje, que é o americano, e está fazendo, dançando e bordando - e bordando com a conivência indireta de governos subservientes de todos esses países aí. Da Europa com exceções. Mas são poucas para deter uma infâmia desse tipo. Uma hecatombe com a humanidade, porque a guerra de hoje, as conseqüências, ninguém pode nem avaliar. E eu lamento nessa altura, o meu registro aqui, o meu protesto, não contra vocês, é claro, contra os defensores dessa política absurda que infelizmente não é o nosso governo, que já se pronunciou que é contra a guerra, mas contra a guerra não é ser contra só não. É fazer o impossível para impedi-la - e tem os meios. Boicotar todos os produtos americanos seria um bom começo. Se outros países fizessem a mesma coisa não demorava pelos menos uns 3, 4 meses que eles viessem pedir arrego. Economia furada, mas não fazem isso. Na prática não fazem muita coisa não. Sou contra, eu também sou contra muita coisa, então é isso aí. Muito obrigado. Fiquei satisfeito.Recolher