Ponto de Cultura Museu Aberto
Depoimento David Guilherme Pierangelini, o Jorge Danel
Entrevistadoras Mariana Caselatto e Priscila Arantes
São Paulo, 24 de junho de 2008
Entrevista: PC_MA_HV125
Transcrito pro Rosângela Maria Nunes Henriques.
Revisado por Fernanda Regina
P/1 – A gente vai come...Continuar leitura
Ponto de Cultura Museu Aberto
Depoimento David Guilherme Pierangelini, o Jorge Danel
Entrevistadoras Mariana Caselatto e Priscila Arantes
São Paulo, 24 de junho de 2008
Entrevista: PC_MA_HV125
Transcrito pro Rosângela Maria Nunes Henriques.
Revisado por Fernanda Regina
P/1 – A gente vai começar a entrevista Jorge e pra isso eu queria que você falasse primeiro o seu nome completo, onde você nasceu e qual a data de seu nascimento?
R – O meu nome é David Guilherme Pierangelini, eu nasci na Argentina Bahia Blanca, para sermos exatos, no dia 01 de dezembro de 1936.
P/1 – Esse é seu nome completo, mas...
R – É o nome completo porque nasci assim com esse nome, mas artisticamente eu me chamo Jorge Danel.
P/1 – Como é o nome dos seus pais, conta um pouco sobre os seus pais?
R – O meu pai, Frederico Pierangelini é italiano e a minha mãe Maria Oliva é espanhola.
P/1 – O que seus pais faziam?
R – O meu pai era professor na Escola Industrial e a minha mãe trabalhava em casa, cuidava da casa e de mim.
P/1 – Então seu pai é da Itália e sua mãe é da Espanha? Você sabe com o eles se conheceram? Onde se conheceram?
R – Se conheceram na Argentina na época que eles vieram pra Argentina, na realidade era uma coisa meio doida, porque a Europa estava passando por momentos difíceis, famílias grandes e então a minha mãe veio da Espanha acompanhada de navio, não? Naquela época de navio e veio acompanhada por uma família conhecida para trabalhar na Argentina com 13 anos, coisa que hoje seria uma verdadeira loucura, mas isso já se fazia naquela época por necessidade. E meu pai saiu da Itália com 17 anos também a procura do Eldorado, porque se falava que na América do Sul, na Argentina no caso, se ganhava muito dinheiro. E aí entre uma coisa e outra se encontraram no sul da Argentina, na Patagônia e casaram e aí aparece “eu.”
P/1 – Então eles começaram a família na Argentina?
R – Na argentina sim.
P/1 – E você é o único filho?
R – Não, eu tenho uma irmã.
P/1 – E quem veio primeiro?
R – Ela. Ficava me azucrinando a vida, somos uma família pequena, eram meus pais já falecidos, a minha irmã e eu.
P/1 – E como que era a sua infância na Argentina?
R – A minha infância foi uma infância realmente comum, digamos classe média, estudando, às vezes apanhando, eu aprontava, mas isso era o normal de uma criança de um lar, digamos assim, religioso, porque a minha família é Protestante, eu sempre frequentei a igreja, a minha mãe dizia que mesmo na barriga da minha mãe eu já frequentava igreja. Quer dizer, fui criado rigidamente com uma educação muito linear de respeito aos pais e todas essas coisas, digamos que talvez se pode dizer um pouco antiga, mas eu acredito que foi muito bom, porque o aprendido naquela época eu levo até os dias de hoje, porque a gente não pode esquecer essas coisas.
P/1 – E você cresceu em Bahia Blanca?
R – Eu cresci em Bahia Blanca estudando, logicamente, e os meus pais me inclinavam para certos estudos que eu me debatia um pouco, porque eles me colocaram numa escola particular de inglês e eu sem falar nada pra eles, troquei pra Escola de Belas Artes.
P/1 – Então espera um pouquinho, antes de você entrar nessa história, deixa eu só voltar um pouquinho pra Bahia Blanca, pra sua infância mesmo. Como que era lá assim... Descreve um pouco pra gente lá?
R – Bahia Blanca é uma cidade portuária bem ao sul da Argentina, muito frio, um inverno violento, muita geada, muita neve, mas isso nunca impedia... A gente nasceu ali, convive ali, então a neve nunca foi obstáculo nenhum. É uma cidade portuária como eu falei pra você, de porte médio, importante na Argentina porque é um dos portos maiores de carga comercial, não é porto de passageiro, de passageiros é Buenos Aires, mas de carga é Bahia Blanca. Então realmente foi uma coisa muito comum a minha criação lá.
P/1 – Você tem alguma lembrança mais específica de quando você era bem pequeno em família ou com os amigos?
R – É uma lembrança... Eu me lembro muito bem daquelas coisas, digamos assim, crianças que moravam por perto e a gente brincava, a minha primeira bicicleta, eram aqueles brinquedos que não eram os de hoje, não? Eram brinquedos muito mais simples, mas assim de história mesmo, eu me lembro de uma que até os dias de hoje eu até morro de rir, porque meu pai me levou até a praça, como toda cidade tem a sua praça central e a minha casa era um pouquinho afastada, mas não muito longe dava pra ir a pé. Mas segundo o que eles me falam, eu acho que eu devia ter uns três a quatro anos apenas, meu pai ficou conversando com um amigo deles, eu me distraí e fui embora. Meu pai ficou na praça enlouquecido me procurando, eu já estava a caminho da minha casa e fui e cheguei à minha casa.
P/1 – E o pai ficou na praça?
R – Meu pai quase que apanha da minha mãe quando voltou, ele dizia que já naquela época eu já fugia.
P/1 – E os amigos? A irmã? Como que era isso?
R – A minha irmã por ser justamente... Como eu te falei uma coisa, digamos muito rígida, ela por ser dois anos mais velha que eu, comandava e eu que levava cascudo e isso até os dias de hoje, porque ela acha que ela é... Ela não casou então ela terminou me adotando.
P/1 – Entendi. Então como foi o início na escola?
R – A escola foi normal, eu fiz o primário e o secundário e ingressei pra Medicina, mas acontece que já nesse meio termo eu já estava frequentando há muitos anos a Escola de Belas Artes.
P/1 – Como funciona a escola lá? Porque você estava contando que é um pouco diferente daqui, né?
R – Bom, o primário são seis anos e o secundário mais seis anos para entrar na universidade.
P/1 – Você estudava em escola particular lá?
R – Existia particular, mas muito pouco porque na realidade a educação na Argentina, eu não falo de hoje, mas naquela época na década de 40, 50 era muito boa, compreende? Como eu acredito que aqui deve ter sido também. Atualmente está toda deturpada entraram as escolas particulares e aí tomaram um status maior e então... Mas escolas particulares... Uma que o dinheiro naquela época não dava, mas tinha pouquíssimas escolas particulares.
P/1 – E como que se dá essa coisa de Belas Artes e do Inglês então?
R – Então, eu deixei o Inglês e comecei a fazer Belas Artes, a Escola de Belas Artes porque eu gostava de pintura, eu sempre tive essa tendência de coisa artística e depois descobriram que eu estava na Escola de Belas Artes, mas coincidiu isso e já numa época que eu estava meio rebelde, eu queria fazer o que eu queria e não o que eles me mandavam. Então aí eu deixei a Medicina e me dediquei totalmente a Escola de Belas Artes, eu tenho 11 anos de Escola de Belas Artes. E aí foi que existiu um concurso, eu acho que com quatro anos de Escola de Belas Artes, quatro ou cinco anos teve um concurso que participaram vários pintores conhecidos de renome, principiantes e etc. e tal e eu tirei o primeiro prêmio. Então aí a família toda balançou, com isso eu tenho uns amigos que o pai deles é diretor de teatro e naquela época se fazia teatro logicamente, não existia televisão, mas se fazia rádio-teatro...
P/2 – Com quantos anos você estava nessa época?
R – 14 anos. Então se fazia rádio-teatro e de brincadeira o pai deles perguntou: “você não quer trabalhar na rádio?”. Aí eu fiz um teste com ele e ele disse: “então vamos ensaiar amanhã” e eu mudo na minha casa fui pra rádio e na Escola de Belas Artes tinha uma professora que se chamava Nelda de Nápoli, era professora de pintura e Nelda/Danel as duas sílabas trocadas, por isso ela me batizou de Danel, Jorge Danel. Ensaiei no rádio como Jorge Danel e aí comecei a fazer rádio-teatro, já naquela época eu tinha uma voz completamente fora da idade, porque eu tinha uma voz grave como tenho uma voz impostada naturalmente. Na minha casa escutavam a novela no rádio, mas não descobriram no começo quem era, eu ia ao rádio e fazia a novela e voltava, compreende? Até que depois a novela quando estava terminando ia ao teatro, eram representadas, se reduzia a peça e se fazia a história reduzida, então os ouvintes queriam saber como terminava a novela e iam ao teatro, porque no teatro tinha o final da novela. Quando eu fiz isso, eles já estavam sabendo que estava fazendo rádio e eu levei os ingressos pra eles, aí eles me falaram que não iriam. Pra mim foi uma decepção muito grande, mas antes de começar eu abri a cortina assim para o local onde estavam os ingressos numerados e estavam sentados, aí continuei fiz tudo que tinha que fazer em Bahia Blanca fiz rádio teatro, teatro, dança, porque fazia folclore, foi a primeira saída minha da Argentina para o exterior. Existe um pianista argentino que se chama Ariel Ramires, famoso no mundo inteiro, ele compôs a Missa Crioula, Missa Gaúcha que seria é maravilhosa se vocês gostam de música procurem Missa Gaúcha de Ariel Ramires, é fantástica, é emocionante. Eu dançava folclore, ele foi fazer um concerto no Paraguai e como eu dançava folclore me convidou, ele necessitava de um casal e eu fui pela primeira vez pro exterior com 17 anos pra dançar no Paraguai. Eu já tinha feito tudo em Bahia Blanca, eu tinha que partir pra alguma coisa maior e fui pra Buenos Aires, em Buenos Aires imediatamente eu entrei no teatro.
P/1 – Isso com 17 anos?
R – Não, eu já tinha 18.
P/1 – E onde que entra o seu primeiro ano de Medicina?
R – Justamente na época que eu estava fazendo... Como se chama? Pintura.
P/1 – Ah ta. Bem novinho mesmo, né?
R – Sim, eu estava fazendo pintura, porque lá o que acontece é o seguinte: o secundário você não necessita... São seis anos, mas você não necessita cursar ano a ano. Então, eu fiz assim frequentava o primeiro ano e de noite eu estudava o segundo.
P/1 – Ah ta. Porque aqui a gente estuda até os 17 anos e daí escolhe a carreira, sabe? Daí então vai fazer Medicina e daí vai fazer uma especialização, né?
R – Lá são 12 anos primeiro.
P/1 – Mas daí você já vai indo para uma área que você prefere, né?
R – Sim, o secundário tem um lado comercial e o outro lado que é Medicina, Engenharia e essas coisas, compreende? Mas eu terminei cursando seis anos em três, porque eu fazia de dois em dois.
P/1 – Em Belas Artes?
R – Não, na escola secundária e fazia Belas Artes. Então aí com 18 mais ou menos eu fui pra Buenos Aires e continuei fazendo rádio-teatro, mas já era em rádio nacional, era transmissão nacional.
P/1 – E como que foi isso de você mudar pra Buenos Aires?
R – Eu me mudei, eu fui e a minha família ficou lá.
P/1 – Mas como foi essa coisa de sair de casa e ir pra Buenos Aires?
R – Meu pai me deu um dinheiro X e me disse: “Olha, a passagem e dois meses pra você passar lá em Buenos Aires, se você não conseguir nada eu te mando a passagem de volta, mas depois você não volta mais.”. Então eu tive que me virar nesses dois meses a prova está que, por exemplo, quando eu cheguei, eu comecei a trabalhar em escritório, passei por um teatro, vi que tinha um teste, aí fui ao escritório e disse que tinha que ir ao dentista. Então me permitiram ir e fui fazer o teste. O teste foi um desastre, o coreógrafo que estava fazendo o teste me viu e me disse: “Olha, você está muito nervoso...”. Realmente eu estava nervoso, porque era uma cartada de vai ou racha e então ele me disse: “Volta amanhã pra fazer o teste.” Voltei para o escritório, pedi mais um dia e eles disseram: “Não, não podemos dar dois dias seguidos assim”. Eu disse: “então eu saio” e dizendo isso, fui embora. No dia seguinte eu fui fazer o teste e entrei, quer dizer a partir daí eu já estava no teatro que era São Paulo, Rio, Buenos Aires. Trabalhei mais ou menos uns oito meses e lá trabalhei com Domênico Modugno e com Ava Gardner e com a Orquestra Izaber Culbert e uma americana famosa da época que se chamava Avlen. Eu estava trabalhando e recebi um cartão me convidando pra jantar depois do espetáculo, quando o pessoal do teatro viu, eu perguntei: “Quem é?” “Valter Pinto”, eu não conheço Valter Pinto eu disse: “Nossa é um empresário famoso do Rio de janeiro do Brasil” aí foi... Logicamente o cara disse: “Você não queria trabalhar no meu teatro no Rio de Janeiro?”. eu disse: “Eu quero” na hora. Oito meses depois que eu estava em Buenos Aires eu vim para o Rio de Janeiro contratado por Valter Pinto na época áurea dos grandes teatros de revista.
P/1 – Então isso foi uma geral de trajetória até chegar ao Brasil, né? Com que idade você chegou ao Brasil?
R – Em 1960.
P/1 – Relembra um pouco então pra mim como era esse grupo de dança de folclore, primeiro lá em Bahia Blanca e aí depois o que era diferente na hora que você foi pra Buenos Aires?
R – Diferença, diferença não tinha logicamente tinha aquele lado mais profissional.
P/1 – Alguém de Bahia Blanca foi com você pra Buenos Aires?
R – Não, ninguém na realidade, quando eu fui pra Buenos Aires eu tinha tios, então acho que foi por isso que me deixaram ir pra lá, porque tinha pelo menos alguma pessoa, algum familiar, entende? Mas aí eu fiz bastante coisa em Buenos Aires, eu fiz a primeira fotonovela na Argentina nesses oito meses que eu estive, em uma revista famosa feminina, uma fotonovela que durou eu acho que uns quatro meses foi a primeira fotonovela que fui protagonista, eu queria fazer muita coisa, eu vivi muito acelerado...
P/1 – Então você chegou a ser um astro em Buenos Aires, né? Pra ser o protagonista da fotonovela, né?
R – Sim, fui.
P/1 – E como foi isso na cidade? Conviver com as pessoas?
R – Eu trabalhava muito. Eu estava constantemente ensaiando aqui e ensaiando lá, eu fazia televisão. Não, televisão não tinha, eu fazia teatro, eu fazia boate, eu fazia comerciais e muitas coisas, compreende?
P/2 – E como era essa rotina de trabalho? Essa equipe de trabalho? Esse pique diferente de trabalhar o tempo todo?
R – Ah eu estava... Eu era um pato na lagoa, pra mim era sopa, especialmente porque não tem nada melhor do que você trabalhar em algo que seja assim feito um escravo em uma coisa que você adora, porque vou te dizer uma coisa dificilmente uma pessoa comum, não digo normal porque eu me acho normal, mas que uma pessoa comum enfrente um trabalho de artista de televisão, cinema ou o que for, não aguenta, acha que todo mundo está assim. Você não tem horário pra comer, não tem horário pra dormir, se você está doente tem que trabalhar igual, você pode estar triste e tem que estar sorrindo. Então quer dizer não é nada agradável para uma pessoa que não gosta do metiê, então foi isso. Eu casei na Argentina e quando vim para o Rio de Janeiro eu já vim com minha mulher.
P/2 – Ah então conta sobre isso, como foi? Onde você a conheceu?
R – No teatro também.
P/1 – Como eram seus amigos no teatro? Você tinha muitos amigos?
R – Se tinha muitos? O ambiente de teatro é oba oba, sempre todos são amigos, todo mundo se critica, todo mundo faz fuxico é assim. É uma farândula é um verdadeiro carnaval, mas eu gosto desse carnaval. Então quando eu cheguei ao Rio de Janeiro era aquela coisa que digamos... O teatro de Valter Pinto foi o último teatro que teve de revista, a figura principal lá era Oscarito e eu era primeiro bailarino, quando o Valter Pinto trazia as roupas de Paris, do Cassino de For Líver G era um luxo só. Quando eu estreei no Valter Pinto, eu recebi um convite de uma figura que tinha uma boate muito famosa no Rio de Janeiro no Hotel Serrador, que se chamava Carlos Machado, que era o rei da noite, era uma boate fantástica. Eu estava com exclusividade no teatro, mas fiz a cabeça do Valter Pinto e ele me permitiu ir trabalhar na boate de Carlos Machado no Hotel Serrador. Foi aí que eu conheci, porque trabalhava... Inclusive tinha um camarim junto comigo, o Grande Otelo e quem estava trabalhando também nessa temporada foi Consuelo Leandro, ele trouxe muitos artistas e era frequentado por gente da alta, inclusive as quintas feiras quem estava lá era o ex-presidente João Goulart, ia sempre toda quinta feira. Porque o Rio naquela época tinha uma modalidade que as quintas feiras as boates abriam de tarde e os teatros tinham um espetáculo à tarde às quintas feiras, mas não era como hoje o teatro lá você trabalhava... O único dia de folga era segunda feira, na terça, quarta, quinta e sexta feira dois espetáculos e sábado três espetáculos e domingo três, era assim que se trabalhava lá.
P/2 – Haja pique, né?
R – Esse espetáculo durou um ano no Rio de Janeiro e veio aqui para o Teatro Paramount também uma temporada de seis meses.
P/2 – E qual era esse espetáculo?
R – Desculpa...
P/2 – Como era o espetáculo?
R – Teatros de Revista.
P/1 – E como era trabalhar com o Oscarito?
R – Era maravilhoso, são pessoas fantásticas. Pessoas fantásticas, porque a imagem que se tem do artista é uma, mas na realidade o artista não é nada menos do que igual a vocês, compreende? Só que tem uma profissão diferente. Eu vou te dizer uma coisa assim dando uma corrida, mais ou menos as pessoas que eu trabalhei no Brasil e fora do Brasil, Domênico Modugno vocês não sabem quem é, não lembram, um cantante italiano que canta: “Vollare oh oh, cantare”, então é esse, a Ava Gardner sabes quem é, Izaber Culbert é um cubano que tinha uma orquestra famosa em Hollywood, que ele sempre estava vestido de terno branco e tinha um cachorrinho que botava no bolso, um chihuahua desse tamanho e quando ele tocava o cachorrinho ficava em cima do piano. Era famoso por causa disso. Eu fiz um especial com Gilbrador em Paris, participei do aniversário de Maurice Moliere, trabalhei com Rita Pavoni, trabalhei com Tchubichek, Tchubicheck foi quem inventou ou lançou o twist, Billy Haley e seus cometas são todos americanos, Conchinelli sabe quem é esse? Conchinelli foi o primeiro travesti que surgiu... Tem um filme que se chama Europa de Noite e ele ficou famoso no mundo inteiro, porque todo mundo achava que era uma mulher naquela época. Quem mais? Josephine Backer, também não sabe quem é? É uma negra maravilhosa com um corpo escultural trabalhava especialmente na Europa e na França, mas chegou a trabalhar aqui que usava bananas e aqui também só que completamente nua, famosíssima, é uma figura tipo assim a Piaf, digamos. Foi mais ou menos com isso que eu trabalhei toda a minha vida.
P/2 – Então vamos seguir. Na hora que você estava trabalhando no Rio de Janeiro você estava com que idade?
R – Olha, esse problema de idade ficou assim meio embolado na minha cabeça, porque pra mim datas são muito difíceis, idade pra mim não significa nada. Porque se idade representasse alguma coisa pra mim eu não teria feito muita coisa que fiz, eu me sentiria ridículo.
P/2 – Então vamos continuar.
R – Exatamente, Rio de Janeiro eu fiz um filme na Herbert Richard com a Nilza Leoni e Zé Trindade, aquelas chanchadas de carnaval e de coisas assim, eu fiz cinema lá e me convidaram para vir pra São Paulo pra fazer um show que se chamava Tio Samba, com uma estrela masculina que chamava Bobarney, americano, que cantava, sapateava etc. e tal a música era Bill Hitchcock e a coreografia de Sônia Shau, que era a coreógrafa de Marlene Dietrich. Então montou esse grande show aqui em São Paulo, tinha um Corpo de Baile que entre as bailarinas que dançavam comigo estavam Marília Pera, Betty Faria, entre as que estão ainda por aí, quer dizer já vê o pessoal que trabalhava comigo. Estreamos no Copacabana Palace, no Golden Run e depois viemos aqui pro Teatro Record. Eu trabalhei com Procópio Ferreira num musical, Procópio Ferreira é o pai de Bibi, fui para o Rio de Janeiro fazer um teste e fiz My Fair Lady com a Bibi e Paulo Autran. Fiquei um ano no Rio de Janeiro e mais um ano no Teatro Paramount, isso eu já estava contratado pela Record e trabalhava na Tupi, porque no Rio de Janeiro eu fazia televisão na Tupi, que era no Cassino da Urca e na Continental, a TV continental que terminou desaparecendo. Não existia Globo, não existia nada disso.
P/2 – E como foi essa transição com a televisão? O início da TV e trabalhar na televisão?
R – Porque todos os canais de televisão tinham um corpo de balé próprio, todas as televisões não era como é hoje, o balé sempre teve um grande destaque dentro da televisão. (pausa).
P/1 – Eu queria saber como foi trabalhar com a Rita Pavoni? O que você fez com ela?
R – Fantástico, porque acontece que a Rita Pavoni veio aqui pro Teatro Record Consolação quando exista o Teatro Record Consolação todas essas grandes estrelas que eu te falei que entravam... Inclusive agora eu me lembrei François Jardim, uma francesa que cantava maravilhosamente bem... Eram todos espetáculos que se apresentavam na televisão, mas faziam uma temporada no teatro que eles cobravam ingresso e as pessoas iam ao assisti-los, era um grande show, onde a gente fazia uma grande abertura de som e aí entrava a Rita Pavoni. O conjunto começava a tocar e a gente participava de um número ou outro com ela, sem ela, quando ela trocava de roupa a gente fazia show, fazíamos um final, aqueles shows que existem em Las Vegas, mas, é claro, um pouco menor, né? Mas mais ou menos nos mesmos padrões, eu acho... Eu fico nervoso de ver justamente coisas muito interessantes que poderiam estar até os dias de hoje e privam vocês de conhecerem essas coisas, porque, por exemplo, o teatro musical se conhece pouco, a não ser agora que apareceu, mas eu... Em que ano foi? Eu acho que foi em 63 mais ou menos que foi feito My Fair Lady com Bibi Ferreira, se tentou fazer outro musical seguido depois de dois anos e não tinha artista pra fazer, artista que cantasse, dançasse e representasse. O teatro de revista saiu de circulação e era grandes shows em Paris Cassino de Paris, For Live G até os dias de hoje, Buenos Aires também. O Brasil quando muda, mata alguma coisa e quando vai mudar diz: “Vamos ser modernos” então mata alguém e pronto, agora somos modernos porque aquela pessoa que era velha já não existe mais, compreende? Porque você vê teatro logicamente a condição monetária do Brasil em si... Não têm dinheiro pra ir ao teatro, os preços que estão cobrando nos teatros é um verdadeiro absurdo, que não é para o povo é pra uma elite e, por conseguinte, fazem três ou quatro espetáculos e tem que fechar porque não tem mais ninguém que vai. Mas antigamente tinha ou a pessoa tinha mais dinheiro, o povão, ou os preços eram mais acessíveis, essa é a verdade. Mas voltando eu fiz My Fair Lady que foi maravilhoso e logo depois me convidaram... A minha vida sempre foi de oportunidades, eu tive muita sorte claro, eu acredito, não quero jogar confete em cima de mim, mas eu acredito que tinha condições também, porque se não, não poderia ter ido em frente, mas quando eu me proponho uma coisa, quando eu tenho uma coisa na minha cabeça, uma força mental que eu fico 24 horas pensando “Eu quero, eu quero” e chega. Então nunca parei, nunca tirei férias, sempre me davam coisas de uma coisa pra outra e naquela época existia... Agora me lembrei de outra coisa, eu trabalhava na Tupi como bailarino e a gente fazia Concertos Matinais da Mercedes Benz.
P/2 – Como era isso?
R – Eram concertos de dança, música clássica ou tinha balé e orquestra sinfônica ou só balé coisa do estilo, era feito no Teatro Municipal e transmitido diretamente pela televisão às dez horas da manhã de domingo, portas abertas de graça pra todo mundo um programa de televisão. Quer dizer, interessante, né? Coisa que hoje em dia não tem coisas desse tipo, quando fazem, fazem fechado não vai pra televisão e quando fazem pra televisão é qualquer nota, né? Ou cobram. Então essas coisas eu acho que o povo perde, termina perdendo. (pausa)
P/1 – Bom, eu tenho muita curiosidade em relação a isso, como que era essa coisa da televisão? Os estúdios? A gravação?
R – Os estúdios... Bom, não tinha vídeotape era tudo ao vivo, você chegava de manhã pra ensaiar, você passava pelo guarda-roupa, você ensaiava a câmara aberta, você ensaiava com câmara aberta, uma câmara monstruosa de grande, aí... (pausa) bom, os estúdios eram estúdios muito limitados, às vezes tinha um estúdio e tinha um cenário e no comercial tinha que mudar o cenário e entrar outro porque entrava outro programa. Existia um programa famoso no Rio de Janeiro que se chamava Câmara Um, eram geralmente peças de teatro, assim de mistério, coisas assim, meio sobrenatural, coisas desse tipo, se trabalhava com uma câmara só, não tinha cortes e ao vivo era só chicotes, eram detalhes e a lente girando no ar. Quer dizer era muito artesanal essas coisas, você botava uma roupa e quando menos você descuidava a manga descosturava e você tinha que inventar uma posição para que não vissem o que estava acontecendo. Ou gente que passava pro trás e coisas desse tipo, quer dizer tem muita coisa de folclore em cima de tudo isso.
P/2 – E você disse que tem histórias muito boas, né?
R – Ah, tenho histórias mil.
P/2 – Você se lembra de uma assim?
R – Lembrar, eu me lembro, eu fazia um pequeno programa na TV Record com uma bailarina, tinha uma parte de poesia e a gente ilustrava com balé clássico, mas foi uma coisa muito sintética, muito compacta porque também o espaço era compacto, era um canto de um estúdio pra fazer isso. Então eu me lembro que a gente tinha inventado uma coreografia e não se preocupou muito com o espaço e aí quando ela veio para pular, eu não a peguei, e ela bateu com a cabeça na câmara e se espatifou no chão, né? Tem coisas engraçadas que você tem que resolver depois porque está no ar, se vire como você puder. Tem uma história de uma apresentadora que fazia publicidade de Coca Cola, essa apresentadora pegava a Coca Cola bebia e dizia: “A Coca Cola é uma delícia bem geladinha” e cortava só que não cortaram “Agora quente é uma merda” e foi pro ar, foi o último comercial da Coca Cola que ela fez.
P/1 – Então você já passou por várias situações de aperto, né?
R – Muita coisa, muita coisa, mas continuando aí fiz tudo isso aqui em São Paulo e me convidaram para ir pra televisão de Recife, a TV Jornal do comércio Canal dois e naquela época não tinha Embratel, quer dizer que tinha uma programação local lá e outra programação aqui, alguma coisa que era de vídeotape, por exemplo, as novelas sempre chegavam pelo menos quatro dias depois, porque o capítulo passava aqui e passava lá. Eu tive a oportunidade de ir pra lá porque o dono da televisão me convidou, me viu trabalhando aqui, gostou do trabalho que eu fazia, me convidou e me deu toda carta branca lá em Recife. Então pra mim foi um prato cheio ir pra lá, isso foi em 64, disso eu me lembro, foi em 64. Eu fui como coreógrafo, eu montei um corpo de balé, porque o balé que estava lá era balé de escola de dança, então eram todas bailarinas clássicas com sapatilha de meia ponta ou de ponta todas... E eu não queria isso na televisão, eu queria botar mulheres de perna de fora, de salto alto, voar plumas, eu queria... Eu vinha com outra cabeça quando cheguei ao Recife e queria continuar com o teatro. Então eu fui como ator, eu fiz muita novela e muito teatro lá, inclusive eu fiz uma novela, uma das mais conhecidas que se chama Vingança do Judeu que lá foi mudado por: Somos Todos Irmãos por causa dos judeus, vingança e essas coisas, mas quem fez aqui foi na TV Excelsior, eu acho que foi Sérgio Cardoso, o personagem que eu fiz lá. Fiz muita novela, muito teatro e comecei a cantar, só que eu comecei o canto completamente ao contrário do que faz todo mundo, porque toda pessoa fazia um conjunto e do conjunto sai e vira solista, eu comecei solista e depois terminei com o conjunto. Fiz o inverso, mas eu cantava lá com grande orquestra, tinha uma orquestra maravilhosa com violinos, grande orquestra, mas a tecnologia lá naquela época não existia e você cantava com o bum cantava ou não cantava.
P/1 – Aquele microfone grandinho, né?
R – Lá em cima pendurado, quer dizer cantei muito lá também.
P/1 – Isso na televisão?
R – Na televisão e aí fazia tudo, fazia comerciais, fazia teatro, novela e tudo, fazia figurino do balé e todas essas coisas.
P/2 – Era um artista famoso, né?
R – Sim.
P/2 – E como era essa fama? Andar pela cidade? Transitar pelos espaços?
R – Eu sempre me dei muito bem com isso, porque eu não gosto de esconder-me, compreende? Os artistas são perseguidos porque se escondem.
P/2 – Essas mudanças de cidade... Você era casado, né? Desde que foi pro Rio e aí sua família acompanhava?
R – Sim, a minha família é a minha mulher só.
P/1 – A sua mulher só, ela te acompanhava?
R – Ela trabalhava em teatro.
P/1 – Então vocês trabalhavam juntos?
R – Trabalhávamos juntos ou não, muitas vezes ela fazia um teatro e eu fazia outro, nós trabalhamos em boate às vezes juntos. Mas a gente terminou dando prioridade... Eu sempre dei prioridade a minha profissão, ao meu sonho e é por isso que eu não tive filhos, porque nunca tive realmente... Nunca me senti em condições de parar para criar um filho, porque ficar pulando do jeito que eu fiquei pulando a minha vida inteira como um canguru com um filho nas costas não dá. Ia ficar pirado.
P/1 – E a relação com a família na Argentina?
R – Bom, eu ia ou eles vinham e ficava naquele vai e vem.
P/1 – Mas aí eles passaram a aceitar...
R – Bom, aí já não tinha nem condições, aí eles já estavam aplaudindo já... Tudo que eles não queriam se convenceram de que era isso que eu queria. Mas então fiz tudo isso lá e num momento determinado um diretor foi a Paris e voltou pra Recife... Ah, tem outra coisa, ele voltou pra Recife e me disse: “Olha o que eu trouxe pra você” ele me trouxe um programa do Lido de Paris e eu fiquei assim alucinado com aquelas mulheres, com aquela roupa, com aquele luxo, com aquela coisa, eu pirei, eu disse: “Eu tenho que ir pra lá, eu não vou ficar aqui.”. E olha que eu em Recife estava muito bem, eu não sabia o que fazer com o dinheiro de tanto dinheiro que ganhava. Ainda por cima lá os carnavais mesmo depois que eu saí de Recife eu sempre frequentei os carnavais de Recife, porque tem o baile do Municipal, o famoso Bal Masqué que é concurso de fantasias e eu terminei ficando fora do concurso porque eu ganhei oito anos seguidos o primeiro lugar em fantasias. E naquela época apareci na revista Manchete. Era aquela página inteira, as fotografias.
P/1 – Como era o lazer? Não era só o trabalho também, né? Você se divertia? Como era nessa época?
R – Não vou perder tempo só trabalhando não, mas é lógico, claro praia, eu ia pra aqui e pra lá, inventava uma história “Vamos fazer um balé na praia” e a gente levava o caminhão, a Câmara, tudo e a gente se divertia e fazia também. Mas você tem horários irregulares na televisão, no teatro em todas essas coisas. Então sempre tem um espaço de tempo e como eu te disse que quando você gosta da profissão, você se diverte, mas então, eu recebi esse programa do Lido de Paris, eu peguei... Tinha uma série de fotografias que eu tinha feito com um fotógrafo alemão o Fritz Simons, fotos maravilhosas de balé assim no ar, pulando, coisas muito boas, eu juntei, botei num envelope e mandei para o Lido e qual não foi minha surpresa é que eles me responderam. Na história do Lido de Paris nunca contrataram ninguém por fotografia, eu tive muita sorte, eles me mandaram o contrato em Recife, eu mandei de volta, eles mandaram uma cópia, a passagem e fui para o Lido de Paris. Pedi licença ao dono da televisão e eu fiquei cinco anos de licença.
P/1 – Aí só em Paris fazendo trabalhos lá?
R – Em Paris trabalhando no Lido de Paris, eu entrei como bailarino, mas depois teve uma mudança e passei para primeiro bailarino e no Lido de tanto em tanto eles pegavam grupos e mandavam para grandes noites de gala, festas muito especiais. Então daí do Lido que eu fui para o Congo, para a capital Brazzaville e fui para o Cairo para o Egito com um grupo de bailarinas.
P/1 – E como que era... Pensando que você estava no Brasil, mas daí você foi pra fora da América Latina como que era daí? O ambiente era diferente?
R – É muito mais profissional ainda.
P/1 – As pessoas são diferentes?
R – Diferentes são porque, por exemplo, mesmo o Lido de Paris não se fala francês, dentro só se fala alemão e inglês, porque o francês não é profissional, então eles trabalham só com estrangeiros. Os turistas vão pensando nos franceses e não tem francês, o máximo que tem de franceses são os garçons, mas é um sonho aquilo. Porque você vai a uma boate e você está de olho fechado quando acendem a luz vocês encontram a frente uma pista de gelo e termina corta assim e tem uma piscina, uma mulher fazendo strip tease, com um golfinho, dentro de uma piscina. Então são coisas assim de outro mundo, tipo Las Vegas, o Lido tem em Paris que é a sede principal e tem outro o Stardusrt em Las Vegas, eu teria que ficar um ano mais no Lido de Paris pra ir para Las Vegas, eu passaria para Las Vegas e em Las Vegas seria mais interessante, porque o dinheiro era melhor do que na França.
P/1 – Você pode descrever pra gente um dia seu de trabalho lá na França? Como era mais ou menos? Por onde você passava até se apresentar e depois da apresentação como que era?
R – O dia de trabalho você tinha que ir pelo menos umas duas horas e meia antes de começar, eram dois shows por noite, o primeiro era o jantar para o público e o segundo show a meia noite, uma hora era para turistas. Então o que acontecia o show principal era do jantar e o segundo show era do ano anterior... Ele passava, quando envelhecia o show passava para segundo plano para turistas. Então você chegava lá e tinha cada camarim para dois bailarinos, você tinha uma mulher que cuidava da sua roupa, você não necessitava nem pegar a roupa, eles te entregam e quando você tira a roupa eles penduram, eles limpam o sapato, porque você tem pelo menos 14 pares de sapatos todos de diferentes cores. Você coloca oito meias uma em cima da outra, porque você não tem tempo pra colocar, você só coloca a primeira e a segunda e vai adiantando. Eu fazia um número que chamava ritual brasileiro, que eu saía com uma tanga bem curtinha e uma máscara com plumas de faisão, uma coisa muito grande. Tinha uma bacia com maquiagem líquida e ficavam duas mulheres uma na frente e a outra atrás, eu de perna aberta e ela passando esponja maquiando meu corpo em fração de segundos, porque lá ninguém entra sem maquiagem, forçosamente é obrigatório. E também tem outra coisa, você não pode fechar a boca, porque aí me aconteceu uma coisa num dia desses, foi em 68, teve problema com a Sorbonne [universidade parisiense], problemas políticos com os estudantes da universidade e todas aquelas coisas e eu perdi o contato com a minha família na Argentina durante um bom tempo, porque se cortaram as comunicações de telefone e tudo isso não estava funcionando, os Correios estavam em greve e etc. e tal. Então eu recebi um telegrama depois que se normalizou a coisa, dizendo que meu pai tinha falecido já fazia 15 dias. Ia começar o show, aí eu entrei na abertura, logicamente, sério e depois da abertura fui chamado pela direção porque eu não estava sorrindo e eu disse: “Acontece que faleceu meu pai” “Nós sentimos muito, mas o público quer ver alegria, estão pagando por alegria e você tem que sorri.”. Isso é o que tem nessa profissão, porque você vira um palhaço praticamente, quando você está em função do público você tem que fazer o que o público quer. Mas tudo bem, por causa da morte do meu pai eu tive que cancelar o contrato do Lido.
P/1 – Pra poder voltar pro Brasil?
R – Pra voltar pra Argentina, porque a minha mãe e a minha irmã não estavam bem, não tinham ficado bem, bem no sentido emocionalmente. Por coincidência um empresário argentino estava no Lido e contratou as Bluebells que são as inglesas que são todas iguais. Dez Bluebells pra ir trabalhar em Buenos Aires e aí eu aproveitei e fui como primeiro bailarino, quer dizer coincidiu de eu ir já com trabalho. Então eu fiquei um ano em Buenos Aires trabalhando com as inglesas, fui seis meses para o Chile pra trabalhar no Cassino de Vina Del Mar com as inglesas também com as bailarinas inglesas e daqui já estavam me telefonando de Recife para eu voltar, porque a minha licença já estava estourando. Aí o que aconteceu? Quando eu cheguei em Recife a situação da televisão já não estava legal, demitiram o balé e o dono da televisão disse: “Eu sinto muito, mas eu vou ter que demitir você também porque vai fechar aqui a televisão, vai ser vendida.”. Aí vim pra São Paulo, eu acho que do aeroporto já fui diretamente pra Tupi, na Tupi estavam necessitando de um coreógrafo, formei o balé na Tupi e comecei a trabalhar lá, só que tinha uma casa lá em São Paulo na Bela Cintra que se chamava O Beco, uma casa noturna que tinha mini shows, era um restaurante dançante e mini shows. Era dirigido por Abelardo Figueiredo, ele me viu como coreógrafo na Tupi e me perguntou se eu queria trabalhar na boate também, eu falei: “Tudo bem, nada empata.”. Então eu fiquei dez anos como coreógrafo lá no Beco, eu montei show de Simonal, eu montei show da Vanusa, eu montei show da Watusi, porque a Watusi... Você sabe quem é Watusi? É uma negra que era estrela do Moulin Rouge de Paris, que veio pra cá e de quem mais? Cauby, eu montei show de Cauby também. Bom, todos os shows que tiveram no Beco praticamente fui eu que montei. Eu dançava algumas vezes, mas não necessariamente, eu mais que nada dirigia.
P/1 – Então você viu a cena cultural mesmo no Brasil mudar bastante, né? Porque você teve no início da televisão e daí depois você passou dez anos trabalhando em São Paulo, você viu muita coisa mudar, a cidade mudar, né?
R – Muito e para pior.
P/1 – O que você consegue ver como contraste muito forte assim?
R – Contrastes?
P/1 – É. Coisas que mudaram bastante do início quando você chegou...
R – Simplesmente que estamos no Brasil, se vier um turista e quiser ver um show brasileiro e não tem é a mesma coisa que você ir a Amazônia e não existir mais piranhas, compreende? É uma coisa que não tem lógica. Qual é o show que você... Uma casa que você pode dizer para um turista: “Ah, você vai conhecer o Brasil” e você vai levar pra onde? Pra uma churrascaria? O que tem no Brasil, você vai dizer: “desculpa, volta em fevereiro tem o carnaval no Rio” porque nem no Rio tem show brasileiro. Então estava assim cheio antigamente, aí com esses dez anos no Beco pegou fogo o Beco, aí eu fiquei com a televisão, mas surgiu de eu montar um espetáculo com 30 pessoas para ir ao salão do automóvel em Frankfurt, aí montei e fui. Só que de Frankfurt a coisa virou uma bola de neve com as 30 pessoas, encurtando fiquei oito anos, eu fiz a Costa do Marfim na África, fiz Congo novamente, porque já tinha feito Congo com o Lido, Filipinas, Indonésia, Japão duas vezes, México, São Francisco, Los Angeles Nova York, Chile, Bali que mais? Bom, a Indonésia foi Jacarta, capitais em Filipinas foi Manila, bom, o único lugar que não fui foi na Austrália.
P/1 – E como foi entrar em contato com esses diferentes lugares? A recepção?
R – Pra mim foi fantástico, a última viagem que eu fiz foi bem mais recente, faz uns oito anos, eu fui três meses a China em Xangai em sete cidades da China, em um intercâmbio cultural com a secretaria de Cultura de lá, o resto das viagens foram todas por intermédio do Hotel Intercontinental cinco estrelas que a gente fazia... Você vê aqui não tem, lá fora fazia show brasileiro. Nos hotéis cinco estrelas e em todos os lugares e para a China fui para teatro representar o Brasil e por intermédio do Itamarati também fomos a muitos espetáculos que fizemos, Feira do Turismo em Paris, depois fizemos outra feira em Acapulco, inauguramos uma loja da Varig na época em Londres. Quer dizer cansei de viajar, já chegava aos aeroportos e não sabia o que se falar e nem onde estava, estamos aonde? E aqui se fala o quê? Assim desse jeito e eu disse: “Chega, não viajo mais.” Eu cheguei em São Paulo e falei: “Eu vou fazer o quê?”. Vou montar um conjunto.
P/1 – E por que São Paulo?
R – Bom, porque eu já tinha um apartamento aqui e depois o Rio eu não gosto, porque esses dois anos que eu estive no Rio, no começo eu tenho lembranças ruins, porque eu fazia televisão, boate, teatro e cinema e só olhava a praia, quando todo mundo ia pra praia, eu ia trabalhar. Então isso me traumatizou muito, de não poder curtir a praia e depois o Rio de Janeiro daquela época não é o Rio de Janeiro de hoje.
P/1 – Como era o Rio de Janeiro?
R – Hoje eu não vou nem que me paguem a passagem de avião e era o que eu fazia com o conjunto a gente pegava o avião aqui, a ponte aérea eu fazia o Chacrinha lá, terminava o Chacrinha pegava o carro, me deixava no aeroporto e voltava, nem ficava lá de noite, nem jantava e nem dormia no hotel, eu não gosto. E naquela época, eu trabalhava... Você conhece bem o Rio? Então posto um e posto seis, a minha mulher trabalhava no posto seis numa casa que chamava Bigalli e eu trabalhava em outra boate que se chamava Fred, onde está o Hotel Meridiano hoje em dia. Eu ia a pé às três da manhã pela praia com corrente de ouro, pulseira de ouro, relógio de ouro, tirava o sapato e ia lá, vai hoje fazer uma coisa dessas. Então em qual momento você vai curtir uma cidade com esse clima, com essa tensão, São Paulo é a mesma coisa, em compensação na China você pode fazer o que quiser, num Shopping, porque aqui no Brasil não tem um shopping como lá, da grandiosidade, não tem como na China gente... Você sabe a população da China como é, né? Lotado o Shopping, eu meti a mão no bolso e caiu um rolo de dinheiro e vieram atrás de mim pra me entregar. Eu esqueci câmara fotográfica, carteira e minha pochete dentro do trem me chamaram e me devolveram.
P/2 – Aqui isso é mais difícil de acontecer.
R – Não vi uma polícia, não vi uma agressão, eu andava às quatro horas da manhã em bairros daqueles tenebrosos assim, gente dormindo no chão, a maleta do lado.
P/2 – Mas aí você voltou pra São Paulo?
R – Eu voltei pra São Paulo.
P/2 – Você estava casado ainda? Continuava casado?
R – Não, eu estive casado 11 anos e nos separamos, mas nos separamos em termos, porque na realidade nunca nos separamos, porque ela casou novamente, mas eu fazia parte... Ela casou com um diretor artístico da Record Eliosvaldo que era deputado também e eu já conhecia, porque tínhamos conhecido juntos, porque a gente veio trabalhar na Record e ele já estava lá, então conhecemos juntos. Depois eu me separei, eles casaram e ele tinha apartamento em Guarujá, mas um quarto era meu e a chave do apartamento eu tinha, eu tinha roupa lá.
P/1 – Mas como se dava essa relação toda?
R – Maravilhosamente bem, ele gostava muito de mim, eu gostava dele, ele gostava dela e eu gostava dela, nunca existiu nenhum problema, existia um ciuminho assim, porque quando ela brigava com ele, ela dizia: “Ah, o Jorge é melhor que você” aí ele dizia: “Então fica com o Jorge.”. Eu posso te dizer que foi melhor depois da separação do que antes, porque quando eu estava casado ela era muito ciumenta e era muito problema, muita coisa, mas depois que a gente se separou ficou uma amizade grande, tanta confiança, tanta coisa, digamos assim, só existia eu, entende?
P/1 – E até hoje vocês são amigos?
R- Ela faleceu e ele também, mas ela faleceu nas minhas mãos, porque quando ela foi uma pessoa que quando ficou doente ficou eu e o marido ao lado dela, ela tinha muita confiança em mim, eu dava muita força a ela.
P/1 – Vocês se casaram novos, né?
R – 19 anos, mas com todas essas viagens, com tudo isso, eu preferi a minha profissão a constituir a família, porque eu acho que a pessoa realmente fazer uma vida como a que eu fiz ou trabalharem no trabalho que eu trabalho e ter uma família não seria aquela família que eu gostaria que fosse, de você participar com filho, com a mulher, e não sei o que, a coisa tinha que ser mais casa. Agora um pai ausente, eu não gostei disso, mas voltando depois de todas aquelas viagens que eu fiz pelo mundo eu me cansei de viajar e eu disse: “Eu vou aproveitar agora todo o conhecimento que eu tenho.”. Bom, fiz filmes aqui em São Paulo, uns cinco filmes na década de 70, fiz com o Otelo Zeloni que era um italiano que fazia comicidade, fiz com Eti Fraser que está aí ainda, fiz com Cinira Arruda, uma jornalista dirigida pelo marido um francês Olivier Perroy e o último filme que eu fiz foi uma participação numa co-produção alemã brasileira que é a vida de Vila Lobos. Então eu faço um amante da secretária de Vilas Lobos em Paris, fiz cinema na França uma co-produção anglo-francesa e no Chile eu também fiz. Quer dizer você vê que estou em todas, eu estou em todas. Então eu digo: “Vou aproveitar e montar um conjunto” o conjunto Genghis Khan ninguém acreditava nada por quê? Porque não existia conjunto como o meu.
P/1 – Como era o conjunto?
R – Um conjunto que usava fantasias caracterizadas, não era dança, era teatralização, quer dizer, eu comecei em 79 e antes de 79 não tinha conjunto que dançasse, a única pessoa assim mais perto do que eu estava fazendo era o Ney Matogrosso, mas sozinho, conjunto não. Então nós fomos os primeiros e eu coloquei uma morena e uma loira coisa que depois rolaram, mas o primeiro conjunto que teve isso fui eu que coloquei.
P/1 – E quanto tempo durou o Genghis Khan?
R – 15 anos e fizemos muito sucesso, aí meio que saiu o tiro pela culatra, porque eu não queria viajar e terminei viajando muito mais.
P/1 – Foi também pelo mundo todo?
R – Não, pelo mundo todo não, eu fiz Venezuela, Chile e Buenos Aires, mas aqui a gente andava de avião, taxi, de jatinho porque não batiam os horários de avião de linha e quando pegava um avião de linha a gente entrava maquiados cheios de purpurina, porque não dava tempo, a gente chegava a fazer três shows numa noite.
P/1 – Em lugares diferentes?
R – Em lugares diferentes de uma cidade a outra. Nós fomos os primeiros artistas que fizeram show no Projeto Jari, sabe onde é isso? No meio da Amazônia, esse Projeto Jari foi criado por um tal de Ludwig que se comprou uma fábrica de celulose no Japão ou se mandou construir, fábricas de celulose são blocos como se fosse um prédio de 15 ou 20 andares e esses blocos vieram pelo mar já colocados, já em pé, foram transportados em balsas desde o Japão até o Amazonas. Quando chegou na Amazônia entrou no rio juntaram e fizeram as conexões e aí entravam os troncos por um lado e do outro lado já carregavam os navios com a celulose já imprensada. Esse projeto para fazer tudo isso tinha muita gente e então se formou o Projeto Jari, então nós... Pra chegar lá a gente teve que usar dois teco-teco que iam praticamente raspando a copa das árvores.
P/1 – E foram vocês, a maquiagem e as roupas?
R – As maletas e nós tivemos que deixar alguma coisa mais pesada em outras cidades, porque não dava pra carregar. Eles não acreditavam muito, a gravadora não acreditava muito no Genghis Khan, eles diziam: “Não, você é muito manjado” o meu cabelo era aqui, muito mais comprido, eu disse: “Bom, mas eu raspo” ele disse: “Você está maluco, vai raspar a cabeça” eu digo: “Raspo” e ele falou: “Vamos falar amanhã.” No dia seguinte eu apareci na gravadora com a cabeça raspada e com um rabo aqui, eles ficaram alucinados com a figura, eu tinha bigode, um bigodão assim. Aí gravamos e a primeira música estourou, explodiu, na segunda música, estourado, porque a gente lançou uma música que chama Moscou justamente no ano das Olimpíadas de Moscou e o que aconteceu? A Globo pegou e colocou como característica em todos os jornais das Olimpíadas a nossa música e lá estava estourando tudo em inglês aí a gente... E mudávamos o visual totalmente, naquela época não existia punk, a menina morena tinha o cabelo na cintura e ela deixou só aqui, raspou tudo, a gente fez uma reportagem na Rua Augusta, elas carecas e nós também, que o trânsito quase que se mata, ela tinha um piercing aqui com uma corrente que ia até a orelha em 79, quer dizer ninguém tinha piercing naquela época. Então fomos avançando muito, fizemos até o Fantástico, tudo quanto era programa, a gente chegou a fazer duas pontes aéreas num dia para o Rio de Janeiro, fomos fazer um programa e voltamos aqui pra fazer Qual é a Música do Silvio Santos e voltamos pra fazer Geração 80, que era outro programa. O programa da Xuxa fiz na Globo e fiz na Manchete também.
P/1 – Esse é da nossa época já.
R – Da Manchete? Duvido. A gente gravou em inglês, aí eu falei pra gravadora “Agora quero mudar totalmente” porque acontece o seguinte: eu tenho uma proposta, quando eu quero fazer alguma coisa eu vou, mas uma vez que cheguei já perdeu a graça, aí eu já estou olhando outra e quando eu consigo, eu largo, eu sou inconstante nesse ponto. Então a gente estava com sucesso, sucesso e eu digo: “Eu quero gravar uma música para criança” porque não tinha ninguém que gravava música infantil naquela época, a Xuxa estava começando com o programa, mas não tinha gravação, a Angélica nem existia, quem mais? Ninguém, não tinha ninguém. Então a gente fez Comer Comer, só que da música Genghis Khan, de Moscou, de Roma pra Comer Comer é um dilúvio de distância, porque aquelas músicas são todas agressivas e todos de caras feias com punho fechados, com posturas, são guerreiros, são espadas, vestidos de cozinheiros com barriga postiça. A gravadora disse: “Desculpa, mas vocês vão se ferrar, o público não vai aceitar” dito e feito quando a gente apareceu o público fez assim: parou, não sabia se sim ou se não, mas depois fez assim “what” em 85 na internet tem a lista das músicas mais tocadas no mundo, as 100 músicas mais tocadas no mundo em 85, a nossa estava em 64, mas não do Brasil, do mundo.
P/1 – Fez um sucesso grande, porque estava associada a uma novela também, não estava?
R – Sim, entrou em Chispita, foi trilha sonora, mas a gente teve trilha sonora também da Globo. Mas a gente fez tudo, tudo que tinha direito. Shows... Já teve um que a gente viajava de jatinho, a gente ia para uma cidade, deixava o jatinho lá fazia o show, voltava pegava o jatinho e ia pra outra cidade, era assim, aí o que aconteceu? Estava indo tudo muito bem, mas em 94 paramos para umas férias, o outro rapaz que era uruguaio, foi pra África, quando voltou, duas horas antes de chegar o avião aqui, ele faleceu dentro do avião. Eu já tinha mais ou menos as músicas preparadas para um novo CD, aí me descontrolei todo, 15 anos trabalhando juntos, não necessitava nem falar com ele, com ninguém, só olhando já sabia o que era pra ser feito. Logo depois adoece a loira e mais um ano morre de câncer. Aí pra mim já tinha perdido toda a graça, porque teve uma série de problemas de mortes, faleceu a minha mulher porque estava doente e depois faleceu o marido dela e foi tudo muito confuso. Aí depois pediram... Tinha um reviver dos anos 80 etc e tal, aí me chamaram para fazer shows e você conhece a Trash? Fiz pelo menos uns dez shows lá na Trash, fiz o primeiro aniversário, o segundo aniversário, um terceiro aniversário, no meio, eu fiz tantos shows lá na Trash. Aí peguei outras pessoas, duas pessoas a mais e coloquei, mas a coisa já não funcionava, não era do meu agrado. Então eu parei.
P/1 – Isso foi mais ou menos quando? O senhor lembra?
R - Há dois ou três anos atrás, porque ainda a última vez que participamos, a gente cantou quando tinha o palco lá na Parada Gay, não este ano, eu acho que dois anos atrás que tinha o palco lá na Gazeta. Mas é muito difícil você conseguir o que eu tinha naquela época, então tive que contentar com isso, moral da história se você pegou a máquina de somar e começa a somar os trabalhos que eu fiz, por onde estive e não sei o que, você vai somar pelo menos 150 anos, porque eu realmente vivi muito aceleradamente, eu fiz muita coisa e muita coisa que ficou ainda no esquecimento. Porque tem mil e uma histórias por diferentes caminhos.
P/1 – Tem uma história assim que te marcou muito desses anos todos?
R – Ah tudo, eu acho que tudo me atinge, marca quando eu consigo o que eu quero, então aí... Mas é como eu te digo, eu consigo, mas depois termino. O conjunto terminou acidentalmente, mas eu gostava muito, se eu pudesse voltar com as mesmas pessoas não sei se hoje em dia ainda estaria, porque eu enjôo, é que eu quero outras coisas, a verdade não é que eu enjôo, eu quero outras coisas, porque você vê, eu estava em Recife muito bem ganhando bem, mas já fui para o Lido, compreende? Quer dizer eu queria mais, estava em Paris e estava vendo para ir pra Las Vegas. Então é tudo assim, se eu cantava sozinho tinha um monte de partitura, eu cantava sozinho pra que eu ia ter um conjunto depois, mas eu metia isso na cabeça, eu falei: “Vou dar uma balançada no Brasil com esse conjunto que não tem” depois do meu veio Los Angeles, veio o Tchan trazendo a loira e a morena. Teve muito conjunto depois, mas nenhum como o meu, vão ter que rebolar muito, porque não é fazer é saber fazer, como eles querem montar um conjunto aqui se eles não têm a experiência que eu tenho? A vivência que eu tenho, a visão que eu tenho é difícil. Porque acontece o seguinte, as roupas todo mundo elogiava, era eu que determinava as roupas, eu dizia: “Quero isso assim, assim, assim essa cor outra cor, essa cor com isso ou com outra” por quê? Eu tenho 11 anos de Escola de Belas Artes e sei misturar as cores, eu sei como funcionam as cores, eu sei como se chega a uma mistura que você tem que fazer. Agora um cara que canta vai dizer: “Ah, fica você de vermelho, você de azul, você de preto” qual a noção que tem? Nenhuma, então tem que ter bagagem e saber pisar pra você poder dirigir e sempre eu dirigi, é uma das coisas que geralmente em relacionamentos pessoais eu me rebato muito, porque eu não sou fácil de ser dirigido, a não ser quando eu tenho o diretor, tudo bem dirige, mas vai ter momento que eu vou saber por quê? Eu questiono muito, mas eu tenho um poder de liderança nato, não é que eu queira, a pessoa... Por exemplo, se tem um grupo de pessoas, eu sem querer eu começo a dominar a situação.
P/1 - E você chegou a se casar novamente?
R – Não, justamente por causa disso, porque mulher geralmente ih agora vou apanhar... É muito difícil... Mulher gosta um pouco de manipular, de impor certas coisas e comigo, menina não tem nem o Papa que me imponha nada, compreende? É muito difícil e se eu tenho uma pessoa que eu manipulo com muita facilidade não tem graça nenhuma, quando existe uma resistência aí é melhor.
P/1 – E hoje em dia você está morando aqui no Brasil, né?
R – Sim, mas não definitivamente, porque o dia que eu disser que vou ficar definitivamente, pronto, aí eu já me suicido, eu estou sempre em aberto pra ver se uma companhia de aviação passa por aí e me leva pra outro lugar.
P/1 – E você continua trabalhando então?
R – Sim, sem dúvida, eu faço atualmente, faz uns três anos, eu monto um espetáculo de Natal em Campos do Jordão, vou lá pego as bailarinas, ensaio lá e depois monto o espetáculo que é feito em dezembro ao ar livre pra Prefeitura tem três anos que eu faço isso. E faço a Cipa que é o que se chama Associação de Comerciantes de Santo André também que tem no domingo antes do Natal, tem uma festividade com crianças e aí eu monto também o espetáculo. Fora as dublagens, porque eu fiz várias novelas da Globo, inclusive o Sertão Veredas e eu dublava sempre o Rubens de Falco, agora ele faleceu, mas eu faço isso para língua espanhola que vão os trabalhos.
P/1 – Então dessa sua trajetória toda assim, apesar de que é muita coisa, você deve trazer muita coisa, mas o que você traz que ficou muito forte pra você desses anos todos de trabalho? Convivendo sempre com essa correria?
R – Olha, eu poderia dizer o seguinte: eu não sei se fiz certo ou errado só sei que fiz a minha vida, eu trilhei, fui eu, ninguém me levou, eu dei direção a minha vida fazendo o que eu queria, pode ser que tenha perdido oportunidades, mas é muito difícil você ir por dois caminhos ao mesmo tempo, apesar de que eu... Por exemplo, você pode dizer, mas fez muita coisa e não fez nada, eu até concordo por quê? Porque eu nunca me firmei em nada, eu sempre quis tudo, porque eu poderia ter feito teatro e nada mais, mas acontece que eu estando fazendo teatro, eu estava vendo dança “Eu quero” aí eu vou. Aí quando eu estou fazendo isso aparece o canto, eu falava assim: “Eu também posso fazer, eu quero” então eu fui isso, eu fui deixando um pouco o teatro, porque quando eu era muito novo, eu tinha a cara de bebê e tem outra coisa, agora que falei isso, eu me lembrei de outra coisa, você conhece a Rhodia? A empresa Rhodia é de tecidos, você já ouviu falar da Fenit? Então a Rhodia tinha uma equipe grande que era a única equipe grande de manequins e eu era um deles, mas o que acontecia? Hoje em dia de pessoas assim mais conhecidas, tem a Mila Moreira que é uma atriz da Globo, ela era manequim da minha época e eram manequins homens, mas homens vestindo terno, vestindo roupa esporte, mas homens e as mulheres, eram mulheres, não eram crianças como hoje tem. Porque você vê os desfiles de moda de Givenchy, de Yves Saint Laurent e de Dior na Europa não tem menininha, não são crianças, são mulheres tipo Gisele Bundchen pra lá. Então naquela época tinha esse tipo, hoje em dia você vê esse Fashion Week o que tem? Que homens têm? Artistas da Globo, meninos da Globo, mas quando foram manequins? Será que sabem se vestir? Elegância é uma coisa, o que dizem hoje que se faz que fica elegante, eu não acredito, pra mim elegância, pela minha própria época, em que fui criado, que vivi, elegante é aquele elegante clean, perfeito, aquele sapato maravilhoso, muito bem vestido, a jóia, o vestido bem cortado, saber andar bem, não sentar-se de perna aberta, pra mim elegância é isso. Mas hoje em dia os conceitos são outros, aí ou você concorda ou não concorda, mas sei lá muita coisa mudou. Eu só sei que a modernidade veio, não sei se é para o bem ou para o mal, porque quando eu comprei meu apartamento o prédio era maravilhoso, com jardim na frente, uma entrada toda de pedra com uma porta lá dentro de vidro. Hoje é uma gaiola o prédio tem grade feito jaula e onde que ficou isso? Você comprava um carro e abria os vidros, colocava o braço de fora com rolex brilhante pra que todo mundo te visse, hoje compra um carro preto e coloca insulfilm pra que ninguém veja, é melhor a vida ou pior? Eu vou te dizer uma coisa, tirando da religião, tem muita coisa que eu sei, se existe reencarnação, eu vou tratar de ficar num cantinho e não voltar não, porque a coisa não está pintando bem, eu estou vendo a coisa cada vez pior. Você que idade tem?
P/1 – 22 anos.
R – Não viram nada, mas talvez por... Se te falo que numa época todo mundo andava com jóias na rua e se mostrava e se podia ir ao Sírio e não sei que lá e pá, pá você sabe que isso é realidade, hoje não pode. Quer dizer tem um celular maravilhoso que vê até televisão, mas não pode levar jóia, o celular é com uma corrente porque te arrancam da mão e está bom? Não sei.
P/1 – Agora tem alguma outra história que você queira relembrar pra gente terminar? Alguma coisa que você queira...
R – Não, eu acho que tem muita historinha pequena, tem histórias grandes, mas eu posso te dizer que na realidade fico muito satisfeito, eu queria talvez... Eu tenho certeza que alguma coisa ficou, alguma coisa de tudo que eu fiz ficou, as minhas pinturas, por exemplo, quer dizer, a pintura se não jogam fora ou botam fogo, ela vai continuar por aí, mas a satisfação... Você acha que hoje a pessoa se interessa pelas outras? Quer uma resposta? As pessoas têm medo umas das outras, você vai pela calçada e você dá um espirro, a pessoa da frente faz assim (gesto) se você aparece de golpe, ela leva um susto, estão todas traumatizadas as pessoas, têm medo da sombra, têm medo de que venham atrás, se você vai muito perto de uma pessoa, a pessoa fica assim ou param para deixar-te passar. Antigamente a mulher pegava uma bolsa e ia maravilhosamente e hoje vai assim (gesto) se for uma bolsa cara, aonde vai chegar isso? Por isso te digo que eu aproveitei, fui feliz dentro das minhas condições, vivi muito bem, usufruí muito bem de uma época que realmente as coisas chegavam fáceis a você. As viagens eram patrocinadas, primeira classe, hotel cinco estrelas, convite pra aqui, carros de lá, eu fui feliz, entende? Viajei, conheci o mundo e ainda me pagaram, quer dizer não tenho ninguém a quem deixar as coisas, eu vou me matar pra juntar dinheiro a troco de quê? E depois também tem outra coisa essas grandes fortunas, essa gente que junta muito dinheiro e depois morre, a família estupora logo e o desgraçado que foi pra lá pra o outro lado, suou pra juntar dinheiro e quem viveu bem depois foram os outros que gastaram, porque a fortuna você vê como desaparece. Eu estava lendo uma revista sobre a Lili Marinho, da Globo praticamente não tem ninguém, ela leiloou toda jóia dela, porque não tem nenhum filho (o filho ainda é vivo), o único filho que tinha morreu, o Roberto Marinho morreu e ficou ela sozinha com uma fortuna, o que ela vai fazer? Ela viveu bem, agora uma pessoa que junta dinheiro e não vive bem e não desfruta. Então eu vivi bem, fui feliz se tivesse escolhido outro caminho, não sei qual seria e se seria tão bom quanto, não me decepcionei, pequenas decepções sempre se tem, mas não fui um fracasso, isso é que me deixa tranquilo porque tudo que me propus eu consegui, eu não me considero um fracassado, eu me considero um vitorioso. Porque fui conhecido aqui, porque o brasileiro também tem memória curta, é claro do jeito como eu me transformo não vão me conhecer nunca, porque a última vez que eu voltei como Genghis Kahn e tinha o cabelo grande, mas tirei tudo e fiquei careca só amarrado aqui e aqui tinha uma tampa de metal. Quer dizer depois me vêem na rua não é a mesma coisa. Então quer dizer fui conhecido na Europa, fui conhecido na Argentina, fui conhecido aqui, mas o ser conhecido é apenas uma satisfação de vaidade, que não te leva a nenhum lugar, porque sempre acontece isso quando te conhecem muito e você vai correndo colocar os óculos pra que não te conheçam, então pra que tentou ser conhecido? Não vale a pena. Mas é isso, a próxima gravação, nós
fazemos lá do outro lado se é que existe, se existir alguma coisa.
P/1 – Então eu queria agradecer você ter vindo aqui...
R – Eu agradeço a vocês.
P/1 – E pra gente finalizar, a gente faz depois da entrevista uma apresentação do depoente. Então eu queria que você falasse o seu nome, a cidade e a data do seu nascimento e a sua profissão, sua atividade atual que você achar que é mais cabível aí da sua profissão?
R – Meu nome é David Guilherme Pierangelini e meu nome artístico é Jorge Danel, eu nasci na Argentina em Bahia Blanca, no dia primeiro de dezembro de 1936. Meu pai Federico Pierangelini e minha mãe Maria Oliva, o meu pai professor e a minha mãe ama de casa. A profissão? Confusa: cantor, coreógrafo, bailarino e ator, em Artes pintor também.Recolher