P – Mara, então a gente vai começar agora. Eu queria, para começar, que você me falasse o seu nome completo, a sua data e o local de nascimento.
R – Ah, tá. Meu nome é Mara Cristina Nunes, eu nasci no dia 31 de março de 1961, lá em Porto Alegre, na Santa Casa de Misericórdia [...Continuar leitura
P – Mara, então a gente vai começar agora. Eu queria, para começar, que você me falasse o seu nome completo, a sua data e o local de nascimento.
R – Ah, tá. Meu nome é Mara Cristina Nunes, eu nasci no dia 31 de março de 1961, lá em Porto Alegre, na Santa Casa de Misericórdia [risos].
P – Mara, o que é que você faz hoje em dia?
R – Bom, hoje em dia eu estou conselheira tutelar na região Ipiranga. Eu assumi essa função em 2007, janeiro de 2007, para a gestão 2005-2008. Houve uma eleição direta para o cargo de conselheiro tutelar aqui na cidade de São Paulo. E como eu integro a ONG Pastoral da Criança, sou capacitadora lá há mais de 10 anos, a gente achou por bem integrar esse processo. Porque a Pastoral da Criança ela também mexe com políticas públicas. E, nessa eleição, eu fiquei como suplente nessa região. Como houve uma desistência de um conselheiro, uma renúncia, eu fui chamada a assumir. Eu era primeira suplente, estou lá há um ano e meio. O mandato termina agora no dia seis de junho. Então daqui uns seis dias já estou saindo de lá [riso].
P – E como é que você se envolveu nessa área da responsabilidade social, dos direitos das crianças, da pastoral, como é que foi isso na sua vida?
R – Eu acho assim que veio um pouco da minha família. Lá em Porto Alegre nós morávamos pertinho de um hospital. Um hospital público, o Hospital da Criança Santo Antônio. Era uma quadra de distância. E muitas famílias passavam por lá, passavam pelo nosso portão, pediam ajuda. E eu sempre via minha mãe ajudando, meu pai também. Então eu acho que começou dali. O nosso bolo de aniversário, a minha mãe sempre doava para as crianças desse hospital. Então, assim, a gente já sabia que aquele bolo a gente não ia comer, que era destinado para as crianças. Então eu acho que a gente foi criando essa cultura de solidariedade. Até mesmo dentro da própria família, um ajudando o outro. E assim, eu não sei te dizer muito bem o que é que é isso. Mas eu sei que foi indo, uma coisa meio que natural. Depois em 1985 eu vim morar em São Paulo. Eu participei de um processo, um concurso público para trabalhar em uma instituição financeira, e vim para São Paulo. Trabalhei 11 anos nessa instituição, saí. E eu sempre estava voltada para os movimentos sindicais, para essa coisa da justiça, [riso] direitos iguais, essas coisas. Então quando eu saí do banco eu conheci uma pessoa, sou casada com essa pessoa há 12 anos. E ele era meio que envolvido também nessas questões assim, mas mais ligado à religião católica. E eu era uma católica bem alienada, só participava de missa de sétimo dia, de casamento e de batizado [risos]. E com essa pessoa eu comecei a entender um pouco mais da minha, dessa religião, que eu era católica sem saber, né? Então fui conhecendo um pouco mais, vi também que tinha esse lado meio que social dentro da minha religião, essas lutas, as caminhadas. Conheci as pastorais sociais. E dentro das pastorais sociais a que mais me chamou a atenção foi a Pastoral da Criança. E juntou um pouco uma coisa com a outra, porque eu queria fazer Medicina, Pediatria. Mas como não deu certo eu entrei para outra profissão, outra área de Comunicação, aí o sonho ficou meio de lado. Quando surgiu a oportunidade de atuar na Pastoral da Criança como voluntária, eu achei interessante, falei assim: "Ai, será que é por aí mesmo?" Eu entrei na pastoral como um apoio. Fazia palestras para as famílias, para as comunidades. Aí houve a oportunidade de fazer o curso preparatório, porque lá tem uma preparação, né? Eu me tornei líder. Depois foi, me tornei capacitadora. Assumi uma coordenação. Aí foi indo. E, na medida que tu vai nessa caminhada, vai trabalhando, a cabeça vai abrindo, tu vai vendo outras coisas, conhecendo mais pessoas. Aí eu conheci uma pessoa também assim que influenciou muito a minha vida, um pouco assim, que é uma amiga do meu marido, né? A Lucila Maia. Ela tem um projeto chamado Constelação. Ela trabalha com arte nas comunidades. Então assim, eu já ajudava essa organização acho que desde 2002, 2000, 1998, ajudava um pouco. Então aí eu comecei a conhecer o Instituto Ethos, a Rede Ande. Então foi muito legal porque a rede vai se construindo. E aí começava a se falar de terceiro setor,
havia os seminários, os congressos, os eventos. E aí a gente vai participando, vai integrando, a cabeça da gente vai abrindo. A gente vai, sei lá, é a rede que vai acontecendo. Aí para parar no Conselho Tutelar foi uma coisa bem interessante. A, como eu te falei, a ONG tem esse trabalho também com meio ambiente, criança, família, saúde, educação. É uma colchinha de retalhos a pastoral. Então assim, como tem a questão das políticas públicas, e tinha a questão dos
conselhos: Conselho de Educação, Conselho de Saúde, Conselho de Assistência Social, houve essa oportunidade da gente fazer essa capacitação para conselheiro tutelar. E houve uma escolha de um
nome para representar aqui em São Paulo, na Região Ipiranga, e a escolha desse nome, foi o meu
nome, né, [riso] que saiu. Para mim foi uma novidade, porque eu não conhecia muito bem assim. Conhecia mais ou menos essa parte de processo eleitoral, essas
coisas de fazer, como é que se fala? Não é bem comício, mas fazer, né?
P – O discurso.
R – O tête-à-tête, cara a cara, pedir voto, falar da gente. Falar das propostas, falar do Estatuto da Criança e do Adolescente. E foi uma coisa assim muito bacana. Porque eu fui aprendendo muitas coisas também. Porque eu ouvia falar do ECA, do Estatuto, mas assim, né? Não sabia muito bem como que era e o que é que funcionava. Então assim, foi um trabalho bem bacana. Eu falo que foi porque já está terminando. Foi um trabalho bem interessante porque eu consegui entender que o conselheiro tutelar, ele integra uma rede de proteção à criança junto com outras instituições: Judiciário, poder público, ONGs. Então assim, a gente vê tudo ali no Conselho Tutelar, naquela casinha onde a gente trabalha. É o pai que está desempregado, é a criança que está num ambiente hostil. É a família que está
com problemas assim de ordem psicológica, de baixa auto-estima. Então tudo isso a gente vai pegando ali, e vai conseguindo entender um pouco do todo. E teve momentos assim que eu ficava meio perdida, né? "Ai, mas como que a gente vai articular essa rede para, de fato, a gente transformar essa realidade, melhorar isso aqui, mostrar que existe essa oportunidade." Eu acho que tudo que eu era desde a minha infância, que eu fui aprendendo com o meu pai e com a minha mãe, com essa questão da solidariedade, até aonde eu cheguei, eu acho que é uma coisa que estava meio que ligada com a outra. E acho que foi construindo um pouco o meu ser. E eu sempre gostei muito de ler essas questões sobre ética, sobre responsabilidade, sobre a partilha. Você ter o suficiente para você sem prejudicar o outro. Então eu acho que a gente carrega um pouco isso dentro da gente, a gente quer ver todo mundo bem, não quer ver ninguém mau. Porque quando a gente está com um pouquinho mais, a gente quer que o outro também fique bem. Eu acho que é um pouco isso.
P – O que é que você acha que são esses desafios para o Brasil, para o Instituto Ethos, agora para a sua vida que está começando uma nova etapa, o que é que você acha que precisa mudar ainda nessa área?
R – Eu acho assim que, eu vejo muitas coisas bacanas acontecendo. Eu passeei aqui hoje pelas novas tecnologias. Tem algumas coisas que eu já vi quando eu viajei. Então assim, o meu marido ele é fotógrafo, então a gente viaja um pouco pelo Brasil num projeto que ele tem. Então eu vejo muitas
coisas acontecendo que elas precisam ficar mais articuladas, sabe assim? Um saber o que o outro está fazendo e um ajudar o outro, ter uma troca. Lá no Conselho Tutelar a gente
conseguiu formar uma rede, um fórum de encontros, de saber um o que o outro faz. Para poder se articular melhor. E também assim, as relações pessoais. Melhorar as relações pessoais. Eu acho que essa articulação entre os projetos que estão acontecendo, eu acho que precisa acontecer isso. Uma melhoria nas relações pessoais, a tolerância entre as pessoas, sabe assim? Um entender o trabalho do outro. Então eu acho que precisa um pouco disso. A ética a gente constrói, eu acho que a gente mostra com o exemplo da gente, com o que a gente é, ou com o que você é. Você pode estar mostrando um pouco para o outro também o que é que ele pode estar também melhorando, no que às vezes ele acha que também pode melhorar. Ou a gente também pode achar: "Pô, como aquela pessoa é bacana, assim, o jeito dela tal. Posso também mudar um pouco isso. Porque é que eu tomei essa atitude, tive essa atitude nesse momento, me precipitei. Por que é que eu não agi com mais calma, serenidade." Eu acho que a gente aprende muito com as relações pessoais. Então assim, eu acho que os projetos estão acontecendo, as coisas estão acontecendo, as idéias estão acontecendo, mas elas precisam se articular mais. Às vezes a gente sente falta sim, e se sente um pouco sozinha: "Nossa, por que é que eu não tenho isso aqui?" [riso]. Fiquei olhando lá, a energia solar: "Por que é que eu não tenho a energia solar lá no Heliópolis?" "O que é que falta para levar lá no Parque Bristol?" "Por que é que aquelas famílias lá não estão aqui vendo isso que eu estou vendo quanto é possível." Eu fico pensando muito nisso. Assim, o acesso dessas pessoas à essas coisas bacanas que a gente vem aqui ver. Aqui ou em qualquer outro evento, ou uma outra coisa bacana que esteja acontecendo. Então eu me preocupo um pouco o acesso das pessoas que têm menos possibilidades financeiras, econômicas de participarem, de verem essas coisas. Então eu acho que esse acesso precisa melhorar um pouco mais. Ele acontece, mas poderia estar acontecendo mais. Eu não sei de que forma, de que jeito. Se é na escola, ou... Pode ser na escola também, algumas escolas trabalham um pouco isso.
P – Muito legal. Mara, para finalizar eu queria saber o que é que você acha que o Instituto Ethos tem de buscar nesses 10 anos, como que você vê o papel dele agora? Como é que você acha isso?
R – Nossa, eu vi muitas coisas bacanas que o Ethos está fazendo. Da responsabilidade social, da ética, dos depoimentos, dos testemunhos que a gente pega nas entrevistas, nas matérias que saem. Das iniciativas, dos prêmios de reconhecimento. Eu acho que isso é muito importante. E eu acho que isso tem que ser falado bastante mesmo. Tem que chamar os empresários, as entidades, outras entidades também a esse momento. Eu acho que tem que ter essa mudança comportamental positiva das pessoas, das empresas, tem que ter mesmo essa mudança. Então eu acho que o Ethos, ele fica ali apontando para a gente, mostrando, sabe assim? Meio que um profeta quando fica mostrando o caminho: "Olha por aqui, olha por ali. Olha a Agenda 21, olha o que foi feito, o Protocolo de Kyoto. Olha o ECA." Adorei ver falando do ECA ali no Túnel do Tempo. Eu achei isso: "Puxa, que bacana." Pensa bem, meu trabalhinho de formiguinha lá no Conselho, eu vou levar isso para as pessoas. Então assim, eu acho que é por aí. A gente tem uma... tem alguém, tem pessoas, porque é um conselho que está ali se preocupando com isso. Então a gente não fica mais com aquela imagem negativa: "Ah, porque o empresariado é isso." Tem gente querendo mudar e melhorar. Então eu acho que o Ethos é muito importante desde o tempo que eu estava lá com a Lucila Maia em 1998, 1999, 2000, 2002, a gente falava do Ethos: "Ah, o Instituto Ethos, vamos entrar lá e tal." Então a gente sempre ficava assim, lendo as
coisas do Ethos, da Ande, dos empresários, das empresas que estavam se voltando. Eu lembro que o projeto da Lucila, o Itaú ajudou em algumas coisas. Então a gente ficava assim: "Nossa, que bacana, tem uma empresa que está preocupada com isso, que a arte chegue nas favelas para as crianças. Pô, que bacana isso, alguém ajudando sem querer ficar aparecendo lá e levando os louros." Então eu acho que é bacana esse lado, a devolução daquilo que a produção industrial meio que tira das pessoas, ou tirou em algum tempo, mas devolver com uma dignidade. Com o reconhecimento, com uma valorização. Não deixar que a pessoa se esvazie, que deu a vida ali durante 30 anos, mas que ela também se veja como parte integrante daquela coisa, daquela mudança na comunidade dela, ou na empresa dela. Uma coisa boa que a empresa está fazendo. Eu acho que isso é muito importante, eu acho muito importante.
P – Muito legal, Mara. Muito obrigada pelo seu depoimento. E agora você vai estar no Museu da Pessoa também, como parte do nosso acervo. E é isso.
R – Tá ok, obrigada pelo convite.
P – Tá bom? Obrigada.Recolher