ABC Tatiana Belinky
Depoimento de Edy Lima
Entrevistada por Bárbara Tavernard e Vanessa
São Paulo, 20 de outubro de 2006
Realização Instituto Museu da Pessoa.Net
Código: ABC_HV014
P/1 – Primeiro, bom dia.
R – Bom dia.
P/1 – Eu gostaria que você falasse o seu nome completo, o loca...Continuar leitura
ABC Tatiana Belinky
Depoimento de Edy Lima
Entrevistada por Bárbara Tavernard e Vanessa
São Paulo, 20 de outubro de 2006
Realização Instituto Museu da Pessoa.Net
Código: ABC_HV014
P/1 – Primeiro, bom dia.
R – Bom dia.
P/1 – Eu gostaria que você falasse o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – O meu nome é Edy Maria Dutra Costa Lima. Eu nasci em Bagé, no Rio Grande do Sul, na fronteira com o Uruguai. É quase ali onde o Brasil acaba, ou começa, né? Pras pessoas de Bagé começa. Eu nasci em 7 de julho de 1924.
P/1 – E você sabe a origem do seu nome?
R – A origem? Não, não sei. Acho que...
P/1 – Qual é a história do seu nome?
R – Eu acho que Edy, se você olhar as pessoas dessa idade, dessa geração minha, você vai ver que esses nomes curtos estavam muito na onda. As pessoas em geral não põem o nome do filho porque acham que está na moda, elas estão envolvidas naquilo. Você repare que em todas as idades tem muita gente com os nomes parecidos.
P/1 – E a senhora sabe como é que foi o dia que a senhora... Você sabe como foi o dia que você nasceu?
R – Eu sei que estava muito frio porque sempre me contaram que quando eu nasci fazia um frio. Mas deve fazer porque o inverno em Bagé é muito frio e eu nasci em julho, né?
P/1 – Hum. Que dia de julho mesmo?
R – Sete.
P/1 – Sete de julho. E você lembra dos seus avós, dos seus bisavós?
R – Olha, você sabe que as pessoas antigamente duravam muito pouco, ao contrário dessa coisa que as pessoas têm que duravam muito. Não duravam não. A gente pode ver pelas estatísticas, as pessoas hoje têm uma média de vida altíssima, né? Qualquer fila de idosos que eu esteja tem uma porção de gente mais velha ainda que eu porque é muito usual as pessoas durarem muito agora, é comum. Antigamente as pessoas duravam muito pouco. A média de vida era muito curta, né? Então eu só conheci uma avó, que é a mãe da minha mãe, os outros todos já tinham morrido quando eu era criança.
P/1 – E qual que é a origem? Você sabe a origem da sua família?
R – Ah, eu sei. Aliás, falando nisso, eu tenho um livro meu que vai sair agora. Eu posso até citar o livro, se chama “A quadratura do círculo”, que sai na Scipione agora, está pra sair, está lá nos últimos retoques. Retoques lá deles, de produção, os meus já acabaram. E eu tenho um livro de contos com uma série de contos, obviamente, todos eles passados em Bagé, todos eles na minha infância. E tem um desses contos, por isso que eu citei o livro, eu respondo exatamente isso que você acabou de me perguntar. Eu falo que eu só tinha essa avó viva e falo até das chegadas dos tempos antigos, que viveram outros que não eram estes, essa que eu conheci. E todas essas pessoas são descendentes de portugueses porque essas pessoas vieram há muitos anos. Eles vieram para o Brasil quando o Brasil ainda era colônia. Quer dizer, então eles são o que se chamaria de brasileiros.
P/1 – Então os seus familiares são quatro famílias quatrocentonas?
R – Não, quatrocentona é coisa de São Paulo. E depois nós nunca fomos tão chiques assim, né? (Risos).
P/1 – E ainda sobre a sua família, você sabe como os seus pais se conheceram?
R – Ah, sei, sei. Também conto nessas histórias. Todas as coisas que eu sabia, eu contei. Agora eu conto de novo. É o seguinte, o meu pai, os meus pais casaram-se muito jovens e o meu pai era amigo do irmão da minha mãe. Eles eram muito amigos. Então é claro que o irmão aproveitou de apresentar a irmã porque também queria ele pra cunhado, deve ter sido isso. Eles não contavam exatamente com esse tom de troça que eu estou contando, mas deve ter sido por aí, né? Só que eu nasci muitos anos depois que eles estavam casados porque tem seis filhos antes de mim. Eu sou a última.
P/1 – E você sabe como é que foi o casamento deles?
R – Não, assim, não sei.
P/1 – E qual que era o trabalho que o seu pai tinha?
R – O meu pai era dono de açougues em Bagé, ele tinha três açougues em Bagé e tinha um em Bernardo pra engordar gado pra esses abatedouros, vamos chamar, né? Mas ao mesmo tempo tinha um teatro. Ele tinha uma casa de espetáculo.
P/1 – Ele tinha?
R – É. Eu conto, falo muito nisso nesses contos. Eu estou citando toda hora porque essas coisas que eu estou contando estão lá por escrito, né?
P/1 – Ah, mas aí você conta um pouquinho de novo.
R – Mas eu estou contando com muito prazer, só que eu estou citando que acabei de escrever sobre isso. E então ele tinha um teatro, que passavam muitas companhias de variedades por lá porque era de companhias itinerantes. Então, lá era um pouco circense, um pouco com pequenas, chamam esquetes, né, pequenas peças assim. É o típico variedades mesmo, que tem uma porção de coisas no mesmo espetáculo, né? Aí o meu contato com o teatro é muito intenso, e, inclusive, nos bastidores, né? Porque é evidente que o meu pai amava isso e nós íamos muito lá, eu e ele. Ele me levava muito quando eu era pequena.
P/1 – Que interessante. E os seus irmãos iam também?
R – Não, os meus irmãos eram muito mais velhos do que eu, né? Eu tenho uma diferença deles. Então não iam. Quer dizer, a criança era eu nesse tempo do teatro. O meu pai levava porque era a criança da casa, né?
P/1 – Entendi. E com quem que você vivia quando era criança?
R – Com os meus pais, é claro.
P/1 – Sim, os seus pais e os seus irmãos?
R – Meus irmãos quase nunca estiveram todos ao mesmo tempo em casa porque alguns já estudavam em Porto Alegre. Depois, quando eu era ainda muito pequena, as minhas duas irmãs mais velhas se casaram. Então, eu nunca tinha um convívio com todos eles, mas tinha um contato, claro.
P/1 – E qual o nome dos seus irmãos?
R – Ah, é muito comprido. Isso eu não vou falar, deixa pra lá.
P/1 – O nome deles.
R – O nome deles, isso não...
P/1 – Então descreve pra nós como era a casa da sua infância, o bairro que a senhora morava, os arredores, a sua...
R – Olha, é casa de terreno grande, que você sabe que essas casas de antigamente tinham terrenos muito grandes. E as divisões das casas, mais ou menos, gente de classe média que nem nós, eram mais ou menos standard. Imagino, não sei se no resto do Brasil também, mas lá era mais ou menos standard. Assim, um corredor no meio com salas de um lado e do outro, e depois vem uma sala bem grande, tem uma fileira de quartos, mas pra trás tem cozinha, depois da cozinha tinha outra peça, que eu até falo isso sempre, existia uma outra peça, quer dizer, um adendo na cozinha, e tudo fazendo parte do corpo da casa, não é uma edícula, e um quintal enorme. Aí no quintal já tinha edícula, não é que no quintal não tinha edícula.
P/1 – E quais eram as suas brincadeiras favoritas?
R – Brincadeira? Olha, eu até, eu andei pensando isso porque andei escrevendo sobre isso, e até vou contar a mesma que eu conto lá. É que essa coisa de... Claro que eu brincava de bonecas. Mas que aí, devido a tanto teatro na minha vida, e eu curti tanto aquela coisa do teatro, eu escrevia até pecinha pra fazer com as bonecas. Não era uma coisa de marionetes, eram as próprias bonecas fazendo esse desempenho, vamos dizer. Isso eu curtia muito.
P/1 – Então eu queria entender uma coisa agora. Quem... Descreva pra mim a rotina da sua casa, e depois da rotina na sua casa descreva pra mim um dia de festa, o dia do teatro.
R – Não, dia de teatro não. Isso, teatro, era no dia a dia. Quer dizer, não há um dia de teatro quando você é parte, praticamente, desse teatro. Quer dizer que você pode estar de manhã, pode estar de tarde, pode estar a qualquer hora porque, na verdade, existe os bastidores. O convívio com essas pessoas quando elas estão fora do palco, porque se tornam amigos, eles são muito diretos, atores, donos da empresa, enfim, o pessoal que faz parte do grupo que está usando o teatro, né? Você repara que isto não é uma... O teatro era muito perto da nossa casa. Quer dizer que então... O meu pai tinha terrenos ali e num deles fica o teatro. Então era bem junto de nós. Mas nós não morávamos exatamente no centro, nós morávamos um pouquinho afastado, assim como se fosse um bairro.
P/1 – Sei.
R – Um bairro. Só que a cidade é pequena, né?
P/1 – Era onde?
R – Era quase em frente à nossa casa, um quarteirão em frente. Aí então, aí, quer dizer, nós íamos lá a qualquer hora. Quer dizer, o meu pai e eu. Eu não me lembro do resto da família indo no teatro, eu me lembro disto. Tem coisas que eu não me lembro. Quer dizer, pode até acontecer sim, mas que eu não me lembro, né? Eu estou falando do que eu me lembro, do que me marcou. E isto aí era muito interessante porque você via as mesmas pessoas que tinham aquela coisa do maravilhoso, do deslumbramento de estarem no palco, que não é só roupas, é também iluminação, é tudo. Palco é um deslumbramento. Você via estas mesmas pessoas no dia a dia, até cuidando de criança, porque às vezes eles tinham filhinho, o filhinho viajava junto. Ao lado do teatro tinha um chalé que comunicava por dentro, que era exatamente para, usava como residência, né? Então isso aí é um deslumbramento, isso aí é um deslumbramento. E agora, na minha casa, as pessoas liam muito. A minha mãe lia muito e já isso vinha, parece, que de família. Ela falava que o pai dela lia muito também. E os meus irmãos e irmãs eram muito dados a ler. As pessoas falavam muito sobre livros e tinham os livros em casa. Inclusive, a primeira vez que eu vi Lobato foi contado pela minha mãe, né? Eu ainda não lia. Porque o Lobato é muito antigo, é mais antigo do que eu. Eu estou brincando, é que eu já estou bem antiga.
P/1 – E qual foi o seu primeiro contato com o livro?
R – Esse assim caseiro, caseiro. Depois, quando eu fui pra escola foi que eu vi a livraria que tinha perto da escola e fiquei deslumbrada, né, porque aí eu tive a revelação da possibilidade de você mesmo escolher o livro. Mas eu tinha livros em casa, até porque havia na minha casa, é claro, os livros que tinham sobrado dos meus irmãos. Aí é muito livro pra criança.
P/1 – E qual foi a sua primeira escola?
R – A minha primeira escola, escola pública. Eu estive na escola pública no primário e gostava muito, inclusive. É interessante que é em Bagé esse prédio que foi essa escola onde eu estudei, hoje é uma casa de cultura, e muito merecida porque é uma casa muito bonita.
P/1 – Era longe da sua casa?
R – Não, porque nada é muito longe numa cidade que não era grande. Bagé hoje é um pouco maior, mas não muito grande. Mas naquele tempo devia ter o quê? Uns vinte ou trinta mil habitantes, não tinha mais que isso. Então nada é muito longe. São alguns quarteirões. Quer dizer, fazia a pé, né? Eram seis ou oito quarteirões, coisa assim. E isto aí era um centro interessantíssimo. Eu não estou falando do centro da cidade. Um centro, um conjunto interessante. E tinha essa escola, tinha outros colégios particulares também, até um ou outro onde eu estudei depois, todos muito próximos uns dos outros. E o centro disso, vamos dizer, era uma praça que se chamava Praça do Esporte. Mas ela tinha não só as quadras da coisa do jogo de vôlei, disso ou daquilo, como tinha os brinquedos, muitos brinquedos, muito mais do que costuma ter um parquinho assim de praça, tinha bastante. E não é uma lembrança infantil que então esteja eu ampliando porque a criança vê maior, porque ela está lá ainda. Claro que já foram renovadas, as pessoas não poderiam ser a mesmas, mas ela continua nesse tamanho, tamanho grande, os quatro quarteirões, né, detrás da praça. É um lugar muito agradável e onde eu passei coisas muito agradáveis da minha infância.
P/1 – E qual é a sua... Eu queria entender qual...
R – Porque eu comecei a escrever?
P/1 – É.
R – Uma família que gostava de teatro, gostava de cinema, gostava de ler, o quê que você quer? Aliás, teve uma vez um amigo meu que brincou sobre isso me dizendo o seguinte, que eles não desejavam outra coisa senão um escritor. Eu acho que não sabiam o que desejavam, não era explícito isso, não era dito em palavras, mas provavelmente era o que todos estavam esperando.
P/1 – O que eu ia te perguntar era quando surgiu a literatura na sua vida, mas...
R – Não, surgiu sempre, né? Quer dizer, está aí.
P/1 – Você lembra da primeira peça que você escreveu?
R – Ah, isso eu conto no livro. Não sei se a primeira, é a peça que eu me lembro, porque às vezes tem coisas que a gente não se lembra, devo ter feito outras tentativas. É o “Roubo da melancia”. A boneca pega uma, era uma bolinha de gude a melancia, porque a boneca não tinha mais que uns vingte centímetros, era uma boneca pequena assim. Então ela entrava numa quitanda, vamos supor. Eu não tinha todas as coisas de quitanda porque agora, até mesmo quando a minha filha, por exemplo, era criança, já tinha uma feirinha pronta, de brinquedo. Até hoje continua tendo, né? Mas não havia essas coisas. Então, quer dizer, eu não me lembro o quê que tinha na quitanda, mas quer dizer, era uma quitanda. Então ela entrava lá e pedia carvão pra ele. Carvão naquele tempo não vinha embalado, né, tinha que pegar. Ela sabia que o dono ia ter que pegar, o dono da quitanda. Então ele iria pegar. Quando ele saía, ela pegava a melancia e punha embaixo do casaco, que é uma coisa... Eu gosto, eu adoro nonsense, eu escrevo muito com nonsense. Isso é um absoluto nonsense porque pegar uma melancia é uma impossibilidade de carregar. Como é que você rouba uma melancia numa quitanda?
P/1 – E colocar debaixo...
R – Não, era uma coisa absurda. Quer dizer, você podia encher os bolsos de laranja, de qualquer outra coisa, mas melancia. Então é um nonsense. Quando eu estava revendo isso pra escrever agora, eu pensei: “Meu Deus, mas o nonsense já estava aí pronto”. Então é claro que depois ela cai, ela quebra a melancia. A bolinha não quebrava, mas faz de conta que quebrava, né?
P/1 – E quando foi que você editou o seu primeiro livro?
R – Eu editei o meu primeiro livro... Você sabe que é uma pergunta tão interessante pra mim, tão agradável, inclusive, porque faz exatamente... Faz exatamente não, foi alguns meses atrás, sessenta anos. Eu publiquei o primeiro livro em 1945, já aqui em São Paulo. Eu moro em São Paulo desde fevereiro, eu acho, de 1945, fevereiro ou março, não tenho bem certeza, de 1945. Devo ter publicado esse livro em junho, mais ou menos, de 1945, maio ou junho. E é um livro pra criança, chamado “A moedinha amassada”, porque eu estava muito engajada, vamos dizer, politicamente. Então quer dizer que isso aí é bem simbólico, bem coisa assim de discriminação, de coisas, você entende? Eu estava bem envolvida.
P/1 – Eu não entendo bem não.
R – Não entende não, porque se você põe uma moedinha que é amassada, que é mais pobre, que é mais feia, que é mais triste, quer dizer, é o carente, é o que está sendo, como é que se chama isso, posto de lado, é o que ninguém quer. É isto que eu falei.
P/1 – Foi em mil novecentos e quanto?
R – Quarenta e cinco.
P/1 – Quarenta e cinco.
R – Faz sessenta anos.
P/1 – E depois que você editou esse livro o quê que aconteceu?
R – Não aconteceu nada, porque eu já estava trabalhando na imprensa. Eu já trabalhava em imprensa há algum tempo. Eu já tinha trabalhado em Porto Alegre. Aí que vem uma coisa interessante, que eu falei pra Vanessa que eu ia contar quando estivesse gravando. Agora vai para a Bárbara. Então é o seguinte. Quando, eu já tinha publicado... Eu escrevia, né? Então eu comecei a escrever contos, bastante. Ah, tinha uma coisa que foi marcante na minha vida, que estava lá em casa. O meu pai em uma ocasião, uma ocasião, como é que se dizia? Nos tempos... “Nos tempos”, agora eu falei como se fosse aquelas histórias de mitologia, né? Um tempo assim. É, como se diz, popular, porque é num tempo anterior, eu acho, até ao meu nascimento. Ele tinha comprado uma porção de coisas num leilão, onde tinha alguns móveis pra casa, tinha coisas assim. Mas a coisa que foi decisiva pra eu ter vindo nesse leilão foi uma máquina de escrever Underwood, que é uma marca antiquíssima de máquinas de escrever, que ninguém usava na casa, ninguém tinha interesse nela. Então ela estava lá. E eu, a partir dos sete anos, mais ou menos, eu comecei a mexer, martelar essa máquina. Eu escrevi muitos anos nessa máquina e aprendi sozinha, e até brinco sobre isso, por isso que eu sempre fui uma péssima datilógrafa, porque eu aprendi sem método nenhum, aprendi na, sabe como é, aprendi, apesar de alguém ter me ensinado a pôr o papel, coisas assim, mas o teclado, aquilo eu aprendi sozinha. Também ninguém dominava isso e ninguém estava interessado porque sempre foi tido como uma coisa que eu gostava.
P/1 – Sete anos?
R – Eu comecei a mexer. Mas as crianças não começam a mexer no computador com dois ou três? Então qual é, não tem nada de espantoso, é só estar ali e era permitido. E então eu sempre escrevi à máquina. Aí eu, a partir de uns quinze ou dezesseis, eu comecei, já escrevia fazia tempo, mas eu comecei a ter uma coisa mais, uma proposta mais clara de contos. Com uns dezessete mais ou menos, eu comecei a mandar pras revistas, até no Rio. Eu mandava, né, mandava, tinha o endereço, mandava. Acontece que umas publicam, ficou bonito, ou pelo menos publicaram, naquele tempo. Então, quando eu tinha dezenove, eu juntei uns publicados e outros ainda inéditos e mostrei isto na – é a história de Porto Alegre – eu mostrei isto numa revista que havia da Editora Globo, que agora é aqui em São Paulo. Era em Porto Alegre, né, eram outros donos.
P/1 – Ah tá.
R – Não, acho que isto não se sabe porque esta compra, essa troca de donos é razoavelmente recente, é dos últimos oito anos, sei lá, não faz mais que isso, dez, doze, não faz muito tempo. Ah não, todo este acervo enorme de Proust, de Mário Quintana e Érico Veríssimo era tudo de editoras de Porto Alegre.
P/1 – Editora Globo?
R – Editora Globo, é isto que eu estou falando.
P/1 – Eu estava pensando na emissora Globo.
R – Não, a emissora Globo é outra coisa. E a editora era em Porto Alegre. Então era uma editora muito poderosa, inclusive com um acervo enorme. Eles tinham, publicavam autores tanto brasileiros quanto estrangeiros importantíssimos. Em face disso, ela tinha uma revista, em face de ser uma editora importante, né, que se chamava “Revista do Globo”. Então, eu me apresentei lá na revista com essa coisa toda, quer dizer, os contos inéditos e os contos já publicados, pra mostrar que também não era tão inédita assim, né, porque a gente tem muita coragem quando tem dezessete, dezoito, dezenove, vinte, vinte e poucos anos, muita. Então aí eu me apresentei lá e deixei. Claro que tinha que deixar pra poder ele ler, né? Alguns dias depois, aí aconteceu um milagre, né? Eles publicaram os contos que eram inéditos, fizeram uma foto minha, foi minha primeira foto publicada, pra acompanhar, justamente por causa da minha idade, e pra mostrar como eu era novinha. E publicaram, claro. Aí sim, aí foi uma coisarada, porque a moçada que eu conhecia em Porto Alegre ficou toda na maior alegria, parecia que eu era a pessoa mais importante.
P/1 – E os seus pais?
R – Só o meu pai, né, porque a minha mãe já tinha falecido. Meu pai estava em Bagé. Mas a minha família sempre foi muito orgulhosa das coisas que eu fazia, sempre, sempre, sempre, sempre. Foi sempre de uma generosidade, e dos irmãos também, demais, uma generosidade e uma alegria diante de tudo que eu fizesse. Desde que eu era bebê, vamos dizer, eles estavam assim fazendo isso pra mim, e continuaram. Qualquer coisa que eu fizesse, eles achavam uma maravilha. Até mesmo eu estar no teatro de estudante em Porto Alegre, tudo eles achavam muito bom. Então, claro que a revista foi um orgulho, né? E agora, o que aconteceu com esse conto, foi por isso que eu me detive um pouco. Eu, quando era pequena, já tinha uma vez escrito pro Lobato. Eu estou fazendo uma volta no tempo pra poder chegar lá. Porque eu gostava muito dos livros dele e tinha vontade... Naquele tempo havia pouca divulgação assim de fotos de cores porque era um outro tempo, um tempo muito antigo. E, então, eu tinha vontade de ter um retrato dele, e eu escrevi contando como eu gostava dos livros dele, que eu queria um retrato. Até pros autores devia ser complicado ter um retrato, no sentido que hoje é uma coisa tão popular, tão comum, tão usual, que nem dá pra imaginar que poderia ser difícil até pro Lobato ter um retrato. Então ele me mandou uma página de revista onde tinha sido publicado um retrato dele. Quer dizer, não dispunha portanto de um retrato, né? Mandou uma página de revista. E eu adorei isso. Bom, passaram-se muitos anos sobre isso. Quer dizer, pelo menos uns dez, porque eu deveria ter nove quando escrevi, agora tinha dezenove quando publiquei o conto. Eu mandei esse conto pra ele e contei nessa carta que eu tinha muita vontade de vir pra São Paulo, o que era verdade, porque eu via que aqui em Porto Alegre não ia haver muita expansão pro meu assunto. Eu pensava mais no jornalismo do que nos livros.
P/1 – E aí você mandou uma foto?
R – Não, a foto saiu publicada, a minha também estava na revista, né, que eu mandei uma revista e estava a foto. Quer dizer, estava retribuindo foto com foto, né? Então, ele me escreveu uma carta absolutamente maravilhosa, que eu passei muitíssimos anos sem falar nisso porque na verdade eu pensei que eu tinha perdido pra sempre. Quando, agora... Eu morei, depois que eu me aposentei, eu faço assim porque eu sou uma, eu gosto de fazer essas coisas de vai e volta, viu?
P/1 – Tá.
R – Nas minhas retrospectivas. Então de vez em quando eu dou umas voltas assim, umas idas pra frente, umas voltas pra trás no tempo, né? Quando eu me aposentei, eu me aposentei aqui na Editora Abril, quando eu me aposentei eu estava muito cansada – acho que quase sempre as pessoas estão – e estava querendo ir pra um lugar que não me oferecesse tanto freelance, porque quando oferecem, a gente aceita. Pode estar cansada, mas, já que estão pagando bem, a gente faz. Então não era tão bem em relação ao que a gente gostaria, mas um dinheirinho. Então aí eu resolvi mudar pro Rio, onde eu conhecia muita gente. E eu não gosto de cidade pequena, viu, eu só gosto de Bagé. Então, pra morar não, nem trabalhando. Então aí eu fui pro Rio e morei muito tempo lá. Quando eu estava arrumando minhas coisas, fazendo aquela faxina gigantesca, porque eu estava de volta, porque eu estava morrendo de saudade de São Paulo, eu não aguentava mais. Eu tinha tanta saudade de São Paulo que, como eu brincava com as pessoas, eu tinha saudade até da poluição. Assim, porque saudade quando é muita é de tudo, né? Então aí, eu estava fazendo a minha faxina assim. É muita papelada, né? Então você tem, por obrigação, que olhar tudo pra não jogar fora o que presta, né? Não é que apareceu a carta do Lobato?! Foi uma coisa tão milagrosa, tão maravilhosa. E aí então...
P/1 – Espera lá. Achou a carta do Lobato, mas vamos tentar voltar.
R – Não, eu vou voltar lá, agora eu volto.
P/1 – Então volta.
R – Agora eu volto exatamente lá. Achei a carta do Lobato, isso foi só um parênteses. Achei a carta do Lobato, que é aquela que ele me mandou pra eu vir pra São Paulo. Só que a carta era muito melhor do que estava na minha memória. A carta sai agora, no mesmo livro meu, esse das memórias. A carta, ele dizia tudo. Ele me falava de onde eu poderia morar, que quando eu chegasse aqui ele me apresentaria pra pessoas pra eu conseguir trabalhar. Ele programou a minha vinda.
P/1 – Ele apresentou?
R – Apresentou, claro. Foi ele que me arranjou emprego aqui quando eu cheguei. Por isso que eu fui pra imprensa direto. Claro que eu tinha uma pequena experiência, como chamasse assim um pequeno currículo, que eu tinha trabalhado na “Revista Globo”.
P/1 – Então, com o conto publicado na “Revista Globo”...
R – Eu vim pra São Paulo.
P/1 – Você veio pra São Paulo?
R – Graças ao Lobato, né?
P/1 – Você mandou, ele te convidou e você veio pra São Paulo. E aí, como é que é a sua chegada em São Paulo? Como é que foi?
R – A minha chegada em São Paulo é muito interessante também. Tudo, porque, olha, você sabe que se a gente olha com olhos assim de boa vontade, fica tudo muito interessante.
P/1 – Claro, com toda certeza.
R – E eu olho com olhos de muito boa vontade.
P/1 – Então vamos lá.
R – Foi assim. O local que o Lobato tinha me sugerido, que era um pensionato, porque naquele tempo as moças moravam no pensionato, você sabe, né?
P/1 – Isso eu sei.
R – Então ele tinha me sugerido um pensionato que era no Bom Retiro, da Liga das Senhoras Católicas, que, aliás, ele faz com aquela verve dele, uma certa troça disso aí, dentro da carta. Aí, nesse ínterim, eu resolvi também agir um pouco por conta própria. Muito bem. Já que vinha, vinha, né? Então vamos acertar um pouco as coisas. Hoje em dia não tem esses chats pela Internet, que as pessoas se comunicam, até ficam íntimos amigos através da Internet? Muito bem. Na “pré-história”, lá onde eu vivia, a gente usava carta pelo correio, e havia muita comunicação de gente da mesma idade que eram amigos porque trocavam correspondência, bababá. Então eu resolvi apelar pra um amigo. Eu tinha mais de um, mas porque eu achei, não sei se apelei para mais de um, mas eu achei depois só um. Eu apelei pra um amigo meu de São Paulo que ele procurasse um lugar pra mim e que eu, pra minha chegada, vamos dizer, que eu tivesse algum lugar. Só que ele fez mais que isso. Ele deve ter falado com os pais dele porque ele era um menino, que nem eu. Eu me hospedei nessa casa três dias ou dois dias, uma coisa assim, nessa família, era uma família de descendentes de italianos. Que, aliás, as famílias de descendentes de italianos em São Paulo sempre foram a doçura da minha vida, até hoje. Não as mesmas, né, mas no correr dos tempos. Então, ele foi me esperar, porque eu vim de trem, que eram três dias de trem. E eu vim de trem. Eu desci na Sorocabana.
P/1 – Só um parênteses. Esse menino ainda vive?
R – Não, eu não sei nem... Não o vejo quase praticamente desde aquela época. Se fosse vivo também estaria pelo menos na minha idade. Quer dizer, não seria mais menino, de toda maneira.
P/1 – Como ele chama?
R – Eu acho melhor a gente não falar porque a gente nunca sabe se as pessoas gostam ou não de ser citadas, né?
P – Ah, então está bom.
R – É, a gente nunca sabe assim, são pessoas que você nunca mais viu, né? As pessoas que você tem convívio, você sabe que pode falar, né? Então aí ele me esperou na Sorocabana e eu fui pra casa dele. Aí nós saímos. O que eu tenho de interessante é que ele fez várias fotos minhas em lugares bem marcantes de São Paulo, que ainda estão aí, que é a Praça do Trianon, a Siqueira Campos, né, que a gente chama de Trianon, e coisas assim. Aí então viemos procurar um outro pensionato, que foi muito bom pra mim, aqui a Rua da Consolação, quase esquina com a Caio Prado, que hoje é edifício ali. Mas era uma casa grande e tinha, parece que inicialmente tinha sido feito pra os meninos do Des Oiseaux, uma coisa assim, que o Des Oiseaux era na Caio Prado. Eu vou beber um pouquinho d’água porque eu estou ficando com a garganta ruim.
P/1 – Por favor. Tem mais água, você pode beber o quanto quiser.
R – O quanto quiser, né? A água tá liberada. Então aí nós fomos, encontramos ali. Eu acho que ele já tinha, tinha ele e um outro, que também era desses meus amigos, mas eles também entre si eram amigos. Então, nós estávamos os três andando pela rua, andando de bonde, essas coisas, né? E este pensionato da Consolação tinha moças que não eram de escola nenhuma, tinha umas que eu acho que do Des Oiseaux e tinha umas do Mackenzie, que o Mackenzie é pertinho também ali. Então eu, tudo... Mas eu não sei como é que em dois dias eu fiz tanta coisa, porque também encontrei com o Lobato, também ele começou a telefonar pros amigos nos jornais pra contar, porque existia essa história toda. Ele se divertia, né? Ele está se divertindo desde que me mandou a carta, claro, porque com aquela verve que ele tinha, né? E a gente se encontrava num escritório do, era um representante da Editora Globo superengraçado. Eu tinha até uma carta pra ele, mas era muito amigo do Lobato, que é o Edgar Cavalheiro, que é um escritor até bem conhecido. Eu acho que ele até fez uma biografia, se não me engano, do Lobato. E era um escritório do Edgar Cavalheiro, que era na Xavier de Toledo. Então aí, lá, o Edgar Cavalheiro deu uma carta pra mim, de recomendação pra este pensionato da Consolação. Quer dizer que o Lobato ficou sabendo que eu não ia usar. Não que eu fiz uma espécie de coisa assim escondida, não. Eu também contei pra ele, também contei, também ele achou bom o da Consolação. Já o Cavalheiro me ajudou pra ir pra lá, você entendeu? E já vim de mala e cuia, né? E morei aí três meses, porque na verdade já tinha um namorado no Rio Grande do Sul. Porque dá a impressão que eu estava meio que namoriscando esses meninos, de modo algum. E já estávamos, inclusive, certos de que ele viria logo em seguida, que ainda teve umas coisas. Ele também era menino, também teve umas coisas pra resolver com a família dele devido às idades, né? E aí então ele chegou e nós casamos. Eu casei em junho de 1945.
P/1 – Que idade?
R – Eu tinha vinte e ele tinha vinte e dois.
P/1 – Você teve seu... A revista saiu?
R – A revista saiu, eu tinha dezenove.
P/1 – Mandou?
R – É. Isso aí tudo, muito acelerado, porque tem que ser muito rápido. A gente tem que fazer uma bagagem.
P/1 – Como é que foi? Ele chegou...
R – Ah, o casamento? Ah, não, o casamento foi o seguinte. Ali naquele pensionato nós não podíamos ficar porque só moravam moças, né? Então nós arranjamos uma pensão na Itambé, porque tinha uma porção, daquelas meninas tinham algumas que tinham irmãos também no Mackenzie e que não iam morar lá no pensionato, evidentemente, então moravam numa pensão na Itambé. E aí então já estava combinado isso dele ir pra essa pensão da Itambé onde moravam esses rapazes que eram irmãos das meninas ali, com quem eu já tinha convivido. Quer dizer, todo mundo estava animadíssimo com este casamento. A meninada, eu quero dizer do pensionato. Então aí, e nós depois fomos os dois morar lá. Aí nós resolvemos fazer um casamento meio tipo como a gente via no cinema. Quer dizer, nada de fazer festa nem contar pra ninguém. Nós criamos um casamento. O meu pai mandou, o Fernando tinha completado vinte e um anos, o meu pai mandou uma, como é que se chama isso, uma autorização pro casamento. Porque os meus pais sempre foram assim... A minha família não era uma família retrógrada, em hipótese alguma. E então nós fomos no cartório ali da Consolação e combinamos o casamento. Aí a dificuldade foi nós encontrarmos três pessoas maiores de vinte e um anos pra ser testemunha. Precisava ter mais de vinte e um pra ser testemunha. Quase todo mundo que eu conhecia não tinha vinte e um.
P/1 – E o Lobato?
R – Ah, o Lobato eu não ia convidar para um ridículo disso. Nós não queríamos festa nenhuma. Eram as meninas do pensionato, os irmãos delas ou gente assim muito íntima. Era turma.
P/1 – Ah, entendi.
R – Não, não tinha nada disto, nem... Tinha que ser o povo ali. Era uma coisa na maior simplicidade. Então nós fomos lá no cartório. Conseguimos, né, porque você perguntando assim tem alguém que tem mais de vinte e um. Então foram lá duas que tinham mais de vinte e um. Na verdade ia precisar três, aí nós pegamos uma pessoa que estava no cartório. E saímos do cartório e fomos pro editor, fomos pra isso, fomos pra aquilo. Nós não queríamos dar nenhuma característica de coisa muito especial. Fomos pro dia a dia. Nem contamos, contamos depois nos jornais, editora, estas coisas, que tínhamos casado.
P/1 – Mas não contaram?
R – Não, nem contamos porque também isto tudo não valia a pena. Quer dizer, não queríamos que fizesse aquele jeito festivo, de lalalá, não queríamos nada disso.
P/1 – Então nem no trabalho as pessoas ficaram sabendo?
R – Não, ficaram um pouco depois, mas não assim no dia do casamento.
P/1 – E aí, quantos filhos?
R – Ah, mas muitos anos depois, que também... Aliás, muitos anos depois, que nós já estamos separados há muito tempo, nós conversando, ele me disse assim: “Eu acho que nós tínhamos pelo menos uns cinquenta anos na frente das pessoas da época”. Eu disse: “Eu concordo, nós tínhamos pelo menos cinquenta anos”. Quer dizer, nós vivíamos como as pessoas passaram a viver uns cinquenta anos depois, quer dizer, é mais ou menos, né? Quer dizer, era muito independente tudo isso. Então seguimos essa mesma regra, quer dizer, que as pessoas não casam hoje e têm filho. Isso é coisa antiga, coisa daquele tempo. Então nós só tivemos um filho nove anos depois.
P/1 – Você já teria vinte e nove anos?
R – Eu tinha vinte e nove anos. Era lá na Vera Cruz que nasceu o meu filho.
P/1 – No Vera Cruz. E aí você conheceu a Tatiana nessa época?
R – Não, eu conheci a Tatiana nesses anos cinquenta, mas não na Vera Cruz porque eu não tenho lembrança dela na Vera Cruz. Ela pode ter tido algum contato com a Vera Cruz mas eu não tenho lembrança dela lá. Eu tenho lembrança dela na Tupi, porque uma pessoa que está na imprensa, está na companhia de cinema, nada é mais natural que ter contato com a televisão nascente.
P/1 – Claro.
R – Até porque bem no nascedouro, a televisão foi só quase o pessoal que já estava ali porque era de rádio. Mas uns dois, três anos depois começou a ter uns diretores, até um pessoal, às vezes, que trabalhava na Vera Cruz e outros assim. E então, mas naquela época eu não tive contato direto com a Tupi. Eu até tive com a Record e com a Paulista, que a Record ainda existia, a Paulista é que depois virou Globo. Mas tive contato com a Tatiana, que eu não me lembro como ocorreu, você entende, não me lembro, mas me lembro que ela e o Júnior já estavam fazendo, eles já tinham um grupo de teatro. Achei que estivemos, eu e o Antônio Augusto estivemos, inclusive, nesta casa que eles tinham esse grupo de teatro. E tínhamos um relacionamento agradável com eles, e muito agradável, eu diria. E eu gosto muito da Tatiana. E ela estava, acho que era ela que fazia as fábulas na TV Tupi. Eram umas fábulas teatrais, né, era um teatro, como era feito o teatro de televisão naquela época, porque com aquelas câmeras gigantescas e paradas, aquilo ficava, não só o infantil. Quer dizer, o teatro, aqueles teatros famosos que teve eram todos feitos assim. Eles eram como um teatro filmado, porque não tinha outra maneira, um teatro gravado, vamos dizer. E além de tudo ao vivo, que corre um risco danado.
(PAUSA)
R – Aí pega onde é que nós estávamos.
P/1 – Nós estávamos na televisão. Mas...
R – Ah, sim. A televisão, com aquelas câmeras paradas, era isso que eu falava. Independente, eu não estou falando porque era infantil. Era assim. Quer dizer, era umas câmeras enormes que ficavam fixas. Então o teatro tinha que ser feito ali. A Tatiana deve ter sofrido um bocado porque fazer ao vivo, porque é ao vivo, não tinha videoteipe, e daquele jeito. Quer dizer, é difícil. E ela fazia bem, as crianças amavam os espetáculos da Tatiana. Eu também curtia muito, mas eu quero dizer o público alvo, né? Bom, daí eles passaram pra o sítio, que é um marco, né? Realmente é um marco em matéria infantil, porque a televisão até hoje vai muito pra linha de show, em termo infantil. É o termo que eles usam, né? Linha de show quer dizer esta coisa que não é dramático, não é história, não é teatro. Não seria teatro mas seria, vamos dizer, como fazem no sítio mesmo hoje. Quer dizer, é uma história. Mas isso só o Lobato, porque não é assim. A televisão infantil sempre teve esse lado, e a Tatiana e o Júlio impuseram uma maneira de ser de dramaturgia na televisão. Eu acho isso da maior importância, acho isso algo, ainda mais pensar que foi naquele tempo. Quer dizer, uma coisa que até hoje ainda é meio assim. As crianças amaram. Eu acho que não há ninguém que seja daquelas gerações, que assistiam, que não tenha ficado completamente envolvido. E uma coisa muito interessante porque alguns deles, como me contou o Cláudio Fragata, foi a partir daí que foram ler o Lobato, a partir de ver o programa. Quer dizer, é muito maravilhoso.
P/1 – Em que ano que passa as fábulas?
R – É nos anos cinquenta, eu acho.
P/1 – Mas que vai pro sítio é mais tarde.
R – É um pouco mais tarde, né? É, vai pro sítio um pouco mais tarde. Mas eu não me lembro exatamente assim, a cronologia, eu só me lembro que faz muito tempo, faz muito tempo, e era muito bom.
P/1 – E aí você conheceu a Tatiana?
R – Não, eu já a conhecia porque a gente já tinha se encontrado, inclusive, no grupo de teatro. Eu acho que também, eu estava até pensando nisso, como é que eu conheci a Tatiana? Antes de vir pra cá eu estava pensando. E eu não me lembro exatamente, mas também São Paulo era pequeno. São Paulo tinha o quê? Um milhão e meio, vamos dizer, dois milhões, não tinha mais que isso, de habitantes. As pessoas que gostavam de coisas de arte, como é o caso deles e o nosso, eles frequentavam os mesmos lugares, quer dizer, iam nos mesmos teatros, iam às mesmas exposições, as mesmas coisas, os mesmos aspectos, vamos dizer. Então era fatal que se cruzassem, né? Eu não sei em que exato instante houve uma aproximação maior, que nós começamos até a ir assistir ensaios, conviver um pouco com esse grupo de teatro deles. Isso eu não me lembro exatamente. Mas eu estou falando é dessa importância porque eu acho esse trabalho em televisão da Tatiana mais que meritório. Acho um pioneirismo, algo que marcou e que acho que ainda está marcando. Quer dizer, que tem algo mesmo demais. E tem um detalhe. Eu estive na Tupi muitos anos depois, o que dá um elo aí, uma ligação interessante, porque como é um canal que não existe mais, a gente fica numa ligação televisiva, embora eu não estive lá fazendo programa de criança, eu estive lá fazendo novela de adulto.
P/1 – Novela?
R – É.
P/1 – Escrevendo novela?
R – Escrevendo.
P/1 – Então, voltando um pouquinho, como foi que você conheceu o seu marido?
R – Ah, isso aí é uma coisa muito interessante, pelo seguinte. Porque você sabe quem nos apresentou? O Mário Quintana, em Porto Alegre.
P/1 – Mas então...
R – Sim, eu conhecia o Mário Quintana, ele também conhecia o Mário Quintana, quer dizer, nós dois conhecíamos o Mário Quintana. O Mário Quintana, inclusive, era autor da Editora Globo onde eu trabalhava, na revista do O Globo. Então quer dizer, eu e o Mário, até tenho uns retratos com o Mário, tenho muitos poemas do Mário. E o Mário não escrevia à máquina, ao contrário de mim que só escrevia à máquina. Escrevia só a mão. Então tenho manuscritos. Eu tenho até um poema dedicado a mim nas canções, que agora está sendo registrada a obra completa dele. E então eu e o Mário éramos muito amigos, e aí o Mário me apresentou ao Antônio Augusto. Foi assim que nós nos conhecemos, e ficamos já amigos nesse dia. Fomos amigos um tempo. Tudo é rápido porque tudo é muito pouco no tempo. Quando eu digo no tempo dá a impressão que é um tempo enorme. Não pode ser porque eu só estive um ano lá na “Revista O Globo”. Mas é tudo isso. E daí, de amigos ficamos namorados e depois eu vim embora.
P/1 – E ele foi?
R – Não, ele veio depois.
P/1 – Três meses depois?
R – É.
P/1 – E aí chegou, só também voltando mais um pouquinho, o seu pai chegou a conhecer o Antônio Augusto?
R – O Antônio Augusto? Não, antes do casamento não. Depois, quando nós, uma vez, fomos a Bagé, nos anos...
P/1 – Mas antes do casamento.
R – Não, ninguém conheceu, nem o meu pai nem... Aliás, acho que uma de minhas irmãs tinha estado em Porto Alegre e tínhamos estado juntos ainda no tempo que nós éramos amigos.
P/1 – Bem à frente, né?
P/2 – Bem à frente.
P/1 – E então vamos lá, voltando ao tempo que nós estávamos. Quantos filhos que você tem?
R – Eu tenho um casal de filhos. Ele é o mais velho.
P/1 – Como é o nome dele?
R – Eduardo.
P/1 – E o dela?
R – Ela é Ana Cristina.
P/1 – Ana Cristina. Mudou alguma coisa quando você...
R – Ah, muda muito. Filho, só imagina que não muda quem não os teve.
P/1 – Essa é uma máxima, com certeza.
R – Nós também tínhamos a ideia de que não mudaria nada, que nós íamos carregá-lo pra todo lado. Aliás, no princípio até carregávamos. Estávamos os dois na Vera Cruz quando ele nasceu, e até carregávamos um pouco. Porque um bebê bem pequeno, se você leva dentro daquele cesto ele vai dormindo, né? Mas muda bastante, muda muito. E então, mas também acho que já estávamos na idade de mudar, né, porque eu já tinha vinte e nove anos, ele já tinha trinta e um, estávamos mais na idade de mudar, de assentar um pouco de raízes, de pensar mais assim numa outra forma de viver, deixar de ser tão notívagos e tão andarilhos da noite e coisas assim.
P/1 – Eu queria que você contasse pra mim um pouco então como é que era a sua vida, sei lá, como é que era. Descreve um dia na sua vida antes de ter filhos e depois de ter filhos
R – Ah, eu acho que... Bom, eu sempre trabalhei, né, você sabe disso. Então estou falando sobre, principalmente, o meu trabalho, aqui. Olha, o que acontece é que nós tínhamos uma vida intensa de espetáculos, de exposições, de bar, de restaurante, disso tudo. Nós nunca fizemos comida em casa, pra dizer a verdade, antes de ter filho. Pode eventualmente um dia ter feito, nem me lembro. E então, como nós tínhamos esta vida aí do lado de fora, vamos dizer, e num meio muito movimentado, que é um meio de arte. Nós estávamos, na verdade, não só ligados com a imprensa mas nós estávamos ligados com teatro e com cinema, mais até que com a televisão, que era muito incipiente naquela época. De televisão mesmo é essa lembrança que eu tenho da Tatiana e uma outra pessoa, muito pouco a televisão. Agora, na época que eu quero dizer, nos anos 1950. E agora, cinema muito, pois estávamos na Vera Cruz. Eu fui pra Vera Cruz, na verdade, porque o Cavalcanti, o Alberto Cavalcanti, o de cinema, comprou uma – na época ele andava escrevendo teatro – comprou uma peça minha pra transformar em roteiro. Então, e aí ficou depois também. Ele era uma pessoa maravilhosa. É uma das coisas assim belíssimas que me aconteceram na vida, tê-lo conhecido, porque belíssimo foi o Lobato, né, e depois veio o Cavalcanti, eu acho, pela ordem. Então aí ele está me ensinando a fazer roteiro. Aí eu fiquei muito lá. E depois, como a gente era jornalista, eles me convidaram para o que não tinha esse nome, mas é assessoria de imprensa da Vera Cruz. Só que, naquela época, não existia a palavra, existia a função. E eu fiz a divulgação até do “Cangaceiro”, que é o filme mais famoso da Vera Cruz, né? E conheci, é claro, todas as pessoas da Vera Cruz. As pessoas da Vera Cruz, na verdade, eram também, de um certo modo a Vera Cruz e a TBC eram a mesma empresa, né? Então quer dizer que eu conhecia muitas pessoas da TBC também. Ia muito ao teatro. Íamos muito ao teatro, mas muito mesmo. Então é isso aí. Quer dizer, que esse dia era assim. Agora, com bebê não é mais assim, né? Eu, como não sabia nada de bebês, falei na maternidade com uma pessoa lá se ela podia me arranjar alguém que viesse pelo menos dar banho no bebê assim nos primeiros dias, qualquer coisa, e ela me disse que sim, ela disse: “Ah, quando chegar as seis horas”. Eu disse: “Mas de modo algum. Eu acho que nove já está bom”. Nove eu pensei numa concessão fantástica da minha vida, me acordar às nove da manhã, né? Bom, o bebê começa a berrar às seis da manhã. A mulher tinha completa razão de que tinha que chegar às seis horas, eu é que não sabia. Mas aí então...
P/1 – E que horas que a mulher chegou?
R – Não, ela chegou às nove como eu tinha pedido, mas daí em diante eu pedi pra vir cedo. Disse pra ela que ela tinha toda a razão, quem não sabia era eu.
P/1 – Bom, mas aí quando nasceu a Cristina?
R – Ah, aí a vida já estava organizada. Nós já tínhamos, inclusive, saído desse apartamento que nós tínhamos ali no Bexiga, bem perto do TBC, que o escritório da Vera Cruz era em cima da TBC, onde tem aquelas outras salas de espetáculo agora. Ali eram os escritórios da Vera Cruz. Nós já tínhamos mudado para o Paraíso. Nós morávamos numa casa. Porque assim que o Eduardo ficou um pouquinho mais crescidinho, quando estava pra fazer um ano, por aí, nós mudamos pra uma casa no Paraíso, perto da Tutóia, na Tomás Carvalhal, onde são prédios agora. E então já estava tudo organizado, já tinha... Bom, também empregada nós arranjamos antes, graças ao conselho de uma amiga minha que já tinha filhos, amiga minha desse meio mesmo, mas ela tinha criança. Ela tinha me dito que eu tinha que ter uma empregada antes da criança chegar. E eu tinha, que foi uma pessoa tão maravilhosa, tão importante na minha vida, que você não pode imaginar. Ela é fundamental porque ela ficou muitos anos comigo. Ela não existe mais, mas ela ficou muitos anos comigo e foi fundamental. Ela é o esteio da minha vida. E então nós tínhamos mudado lá pra casa, já tínhamos até mais uma, mais uma empregada eu quero dizer, que uma criança ainda ia chegar alguns anos depois. E a Maria foi absolutamente fantástica. E ela tem um nome muito bonito, ela se chamava Maria Paulista da Silva. Não era bonito? Pode ser mais bonito um nome assim? E ela era uma pessoa muito importante na nossa vida.
P/1 – Você quer fazer mais alguma pergunta pra ela?
P/2 – E a Tatiana?
R – Ah, vamos falar um pouco mais da Tatiana, vamos falar da Tatiana. Além do Tupi or not Tupi que nós duas temos, além disso ainda tem mais outras coisas. Por exemplo, Tatiana é uma leitora, desde criança que eu sei disso porque já vi declarações dela. Tem muitos livros, é uma pioneira em teatro, escritora de teatro pra criança. E tem um outro elo muito forte entre nós duas, que é o Lobato, além da Tupi, porque o Lobato me trouxe pra São Paulo. O Lobato é importantíssimo na vida da Tatiana. Então quer dizer que o Lobato está marcando aí as vidas das pessoas, e isso é muito, muito legal. Eu gosto muito da Tatiana, e sendo que o Ricardo, filho dela, eu lembro dele criança.
P/1 – Ah, lembra?
R – Lembro, lembro do Ricardo. Ele talvez não lembre de mim, não sei se lembra, mas lembro que eles moravam, eu tenho a impressão que era na Rua Itacolomi. Eu não tenho certeza absoluta, mas era em Higienópolis, não era em Pacaembu onde ela mora agora. E eu me lembro que nós estávamos lá até assistindo. Nós nem tínhamos televisão, e eles tinham. Então estávamos assistindo justamente, eu não sei se Fogos, uma coisa dessa. Estávamos assistindo...
P/1 – Na casa dela?
R – Na casa deles, da Tatiana e do Júlio. E aí eles comentaram conosco o fato de que o Ricardo fazia teatro na garagem.
P/1 – E que idade que o Ricardo tinha então?
R – Ele eu não sei, talvez tivesse uns doze anos, eu não sei exatamente.
P/1 – E me conta agora um pouquinho de como é que é a sua vida hoje. Com quem que você mora atualmente?
R – Ah, os deuses me deram um presente que eu não imaginava acontecer, nem nunca tinha pensamentos a respeito. A minha filha mora em Florianópolis e o filho dela não estava curtindo. Quer dizer, curtir Florianópolis qualquer um curte. Não estava gostando de morar lá por causa que ele queria uma estrutura cultural maior, ele queria, enfim, isto que São Paulo dá, e que então resolveu morar comigo. Não é uma coisa maravilhosa? Eu estou tão fascinada da vida que ele está vindo. Eu morava sozinha muitos anos, desde que os meus filhos casaram. Tanto que eu saí da minha casa, eu morava aqui no Jardins. Eu saí daí, fui pro Rio, voltei pra São Paulo, aqui pra onde estou agora.
P/1 – Onde é?
R – É na Melo Alves, e é apartamento. E morava sozinha. Tinha tanto tempo que morava sozinha que isso era o meu plano de vida. Eu gosto inclusive, não estava infeliz de estar sozinha. Mas com o Francisco morando comigo é algo além da minha imaginação. E ele faz cinema, ele está trabalhando no teatro com o pai dele. No fim de contas, ele está nas minhas artes, que são as dele.
P/1 – E que mais que você gosta de fazer?
R – Eu acho que eu gosto mesmo é de escrever, né? Gosto de caminhar. Mesmo ali, que eu moro agora, que tem tanta ladeira, ainda eu ando. Quando eu morava aqui onde é plano, eu andava mais, e no Rio mais ainda.
P/1 – Conte então pra mim como é que é o dia na sua vida hoje.
R – Ah, é muita preguiça. E às vezes eu penso: “Ah, também não tenho mais obrigação nenhuma, tudo já está organizado”. Agora o que, porque antes era aquela correria. Você pode imaginar o que seria uma casa, duas empregadas, dois filhos. Eu já estava separada do Antônio fazia tempo, desde que as crianças eram pequenas. Então quer dizer que era uma correria tremenda, era um levantar de manhã cedo, pegar o carro e já ir pra... E quando trabalhava na Marginal Tietê, que a vida era lá, porque agora é aqui na civilização, né, aqui na Marginal Pinheiros. Mas era uma loucura. Não, e aquilo estava abrindo, aquilo era um templo. Que agora tem lá também está bom. Pelo menos parece, porque o pessoal que está lá agora, trabalhando, está gostando. Mas era muito fora de mão antigamente, há quarenta anos atrás. Quer dizer, era uma coisa tremenda.
P/1 – Por muito tempo eles ainda tiveram?
R – Eles ainda têm, ainda têm, ainda é da Abril aquilo lá. Então, aí você imagina essa loucura toda. Então quando eu trabalhava na Sete de Abril, antes ainda, nos primórdios, antes dessa história, que eu ia pra Sete de Abril. Na Sete de Abril eu me divertia muito com o negócio de deixar o carro estacionado ali com aqueles guardadores de carro, aquilo com qualquer um. Naquele tempo a cidade não era tão perigosa, né? Esses de rua, deixava até chave. E trabalhava na Sete de Abril, nos diários. E essa correria, essa loucura, porque você na mesma idade, você tem organizar a casa, você tem contato com os seus filhos, você faz alguma coisa, era criança de escola. Quer dizer, tem um monte de coisa, é muito agitado. Agora, você repara que marasmo. Nem, não tenho horário pra nada. Não faço comida, porque isso eu continuo não fazendo. Mas tive comidas maravilhosas em casa enquanto a Maria fazia, né? Agora não, faz muito tempo, você compra comida pronta. Então não tem nada, tenho é que escrever mesmo, né?
P/1 – E vamos falar dos sonhos. Tem algum sonho que você não realizou?
R – Olha, se tem eu já esqueci. Eu tenho é planos, né? Por quê? Aliás, essa história de planos eu acho que é muito bom pra gente velha. Enquanto a gente tem planos a gente tem um compromisso de não morrer tão já.
P/1 – Então conta um plano pra gente.
R – Por exemplo, agora é “Infinito” que está saindo. Mas tô que tô. Tá todo mundo lá também envolvidíssimo com isso. Damú estava comentando isso comigo, que o livro está sendo uma coisa assim importante. A gente fica toda envolvida com isso. A gente tem que fazer planos. Planos podem ser pequenos, podem ser grandes, pode ser coisa, mas tem que ter plano, tem que ter. Alguma coisa a gente tem que estar fazendo.
P/1 – E como você imagina o seu futuro?
R – Ah, você sabe que eu nunca pensei muito no futuro. Eu faço planos mas não penso muito no futuro. Eu nunca pensei nem em idade nenhuma, muito no futuro, no quê que ia ser depois. Eu gosto muito do dia presente. Eu sou muito daquela coisa que teve muito, aliás eu adorei os anos sessenta. Pra mim os sonhos realizados foram aqueles, porque era tudo que eu queria. Era uma liberação sexual feminina e era uma liberdade de ação, quer dizer, de paz e amor, né, era isso. Então pra mim os anos sessenta foram algo que não tem nome. Então eu continuo, e lá naquela época que se dizia: “É o dia de hoje, é o aqui e agora”. Por isso que eu citei os anos sessenta. Eu continuo no aqui e agora. Pra mim não tem nada mais maravilhoso hoje do que estar falando com vocês. Pra mim é sempre assim, o maravilhoso está aqui, o que está acontecendo.
P/1 – E o quê que você achou de contar a sua entrevista?
R – Eu gostei muito. Eu falei feito doida aqui, falei, falei, falei, falei, falei, falei, falei.
P/1 – Então está bom. Então muito obrigada.
R – Ah, mas sou eu que tenho que agradecer. Tinha ouvintes, né?
P/1 – Então obrigada, Edy.Recolher