P/1 – Bom dia, Gislaine, tudo bom?
R – Bom dia, Lila. Tudo bem, e você?
P/1 – Tudo bem. Você, por favor, poderia começar falando seu nome completo, a data e local de nascimento?
R – Meu nome é Gislaine Gallette da Cunha, nasci em Olímpia, no estado de São Paulo, no interior, no dia 16 de fevereiro de 1970.
P/1 – Como se chamam os seus pais?
R – Eles se chamavam, já não tenho mais eles. Walter Galette e Dalva Elites Long Galette.
P/1 – Você sabe da origem da família, de onde eles vieram, de onde a família veio?
R – Tanto a família do meu pai, quanto da minha mãe, vieram da Itália. Na verdade, meus bisavós. A minha avó já nasceu aqui, meus avós já nasceram aqui no Brasil.
P/1 – E o que seus pais faziam?
R – Meu pai era comerciante. Teve uma época que ele trabalhou com uma beneficiadora de arroz, depois teve vários comércios, sempre no interior, e minha mãe era professora.
P/1 – Você tem irmãos?
R – Tenhos muitos (risos), tenho muitos irmãos. Nós somos em sete. Não, eu tenho sete irmãos, todos homens. Na verdade, quando a minha mãe faleceu, eu era muito pequena, tinha dez meses. Meu pai se casou novamente, por isso que a família é tão grande. Então eu tenho dois irmãos mais velhos, do primeiro casamento do meu pai, e tenho quatro irmãos mais novos. Na verdade, nós somos sete irmãos.
P/1 – E como era a relação entre vocês? Qual o nome deles e mais ou menos as idades?
R – A gente tem uma relação muito boa, sempre teve. Quando eu era pequena e minha mãe faleceu, viemos eu e meus dois irmãos mais velhos morar com a minha avó. Meu pai, minha avó e meu avô… Nós morávamos juntos em uma casinha aqui na Zona Norte de São Paulo. Depois, meu pai se casou e meus dois irmãos mais velhos foram morar com ele, com a Sônia, que é minha madrasta que é uma graça também. Eu acabei ficando com a minha avó, porque eu era muito pequenininha e minha avó ficou com receio de deixar eu ir embora, então acabei ficando. Eles cresceram todos juntos, e eu cresci meio separada, mas assim, a nossa relação é muito boa, porque quando a gente se junta, é uma festa. Imagina, as famílias hoje, todo mundo tem filho, tem vários… Eu tenho um irmão que tem quatro filhos, então as crianças adoram ficar juntas. A gente está sempre tentando buscar toda a família, juntar todos os irmãos, e a gente se dá muito bem. É todo mundo meio espalhado, um mora em Piracicaba, outro em São Paulo, alguns ainda ficaram lá em Olímpia, mas a gente procura algumas vezes encontrar todo mundo.
P/1 – A sua convivência com eles foi até que idade?
R – Eu acho… Não lembro direito da minha convivência com eles, mas acho que até uns três, quatro anos. Minha mãe faleceu quando eu tinha dez meses, e meu pai morou com a gente esse tempo todo, conheceu a Sônia e casou. Eu devia ter mesmo uns quatro ou cinco anos. Estou dizendo isso… Não lembro ao certo, mas eu sofri um acidente de carro bem complicado quando eu tinha quatro anos de idade. Eu morava com a minha avó e meus irmãos já tinham ido embora com meu pai, e minha avó tinha se mudado para uma casinha menor. Morávamos eu, meu avô e minha avó. Eu lembro, porque esse foi um acidente que marcou muito a minha vida. Eu fui atropelada por um carro na calçada, quebrei as duas pernas, fiquei com as duas engessadas por seis meses e tive que fazer várias cirurgias. Isso aconteceu e a gente já morava sozinho, então eu acho que meus irmãos devem ter saído por aí, quando eu tinha uns três, três anos e pouco. Não lembro disso direitinho.
P/1 – E o que você lembra da sua infância? Da sua casa?
R – Eu lembro muito dessa fase, já na casa da minha avó, uma casinha menor. É a casa que ela tem até hoje. Aliás, a minha avó é viva até hoje, ela tem 106 anos. Eu lembro muito da gente brincando ali. Era uma rua sem saída, uma vila muito tranquila. Tinha uma área de matagal enorme ao lado e a gente brincava de ser as panteras, brincava de polícia e ladrão, de mãe da rua, aquelas coisas que eram da nossa época de infância, eu lembro muito de tudo isso. Lembro muito da escola também, eu estudava em uma escola estadual ali perto da minha avó, no República da Bolívia. Estudei lá até o que na época era a oitava série. Não ia até o nono, era oitava série. Eu lembro muito dessa fase, da minha fase de infância brincando com as meninas na rua, brincando com boneca dentro de casa, e da escola. Eu lembro bastante da gente cantando o hino nacional, tomando a sopa na merenda, comendo soja com sal, né? Era o que a gente tinha de merenda, eles davam para gente comer soja. Parecia um amendoim, aquilo era gostoso (risos). E a minha avó sempre companheira. Meu avô trabalhava muito, ele era encanador. Ele fazia algumas obras grandes, então por exemplo, ele ia para São José dos Campos, morava a semana inteira lá e voltava para casa no final de semana. Nessa época, durante a semana eu dormia na cama da minha avó, dormíamos nós duas na cama, e no final de semana, eu ia para o meu quarto, meu avô chegava e ocupava o espaço dele (risos). A gente tinha assim, uma vida muito simples. Era uma casinha de sobrado, em uma rua sem saída, mas éramos muito felizes.
P/1 – E a sua avó não trabalhava? Ela cuidava de você ou ela fazia alguma coisa?
R – A minha avó era uma costureira de mão cheia, mas ela parou de costurar, depois ela… Teve uma época que ela vendeu roupa, mas parou com tudo quando nós três, eu, o Fábio, e o Ricardo - meus irmãos mais velhos - fomos morar com eles, porque aí ela tinha uma estrutura para cuidar. Tinha uma casa e uma família maior para cuidar, então ela parou com tudo, e só o meu avô trabalhava.
P/1 – E da escola, você lembra de algum professor que te marcou?
R – Ah, eu lembro da professora de História… Qual era o nome dela? Ô, meu Deus. Vou falhar com o nome dela agora, mas eu aprendi a gostar de História, porque ela era uma professora que contava… Naquela época, era muito difícil das pessoas viajarem, e ela era uma pessoa viajada. Ela contava as histórias da Grécia, do Egito, da Itália, da Europa com muita propriedade. Era uma pessoa que se controlava muito também nas despesas, porque eu lembro que uma vez um colega de carteira, arrancou uma folha de papel do caderno e ela fez ele colar a folha de novo, porque não podia desperdiçar. Tive uma professora de Matemática muito boa também, a Lia, lembro o nome dela. Aliás, todos os amigos daquela época lembram bem da Lia, porque ela era uma professora muito exigente. Aquela escola era estadual e muito boa, e parece que até hoje é uma escola muito boa, sabe? Acho que é por isso, porque tinha professores bons lá.
P/1 – E de amigos dessa época, tinha algum assim, que você gostava mais e tinha uma ligação maior?
R – Nós tínhamos uma turminha na rua da casa da minha avó, e era a mesma turma, estudávamos no mesmo colégio. Tinha a Adriana da casa da frente, a Sílvia duas casas ao lado… A gente se encontra até hoje. Tem um grupinho de amigas que a gente se encontra. Tem a Sandra, a Márcia… A Márcia não fez muito parte da infância, mas acho que a partir de uns dez anos para frente. Depois acabamos fazendo faculdade no mesmo lugar inclusive, e somos amigas até hoje. Simone, Márcia Lima, têm muitas amigas que até hoje de vez em quando nos encontramos, nos vemos, e são amigas de infância, amigas com as quais eu brincava de boneca. Eu lembro da gente na casa dessa Márcia Nade brincando de boneca. Eu já devia ter uns 11 anos. Eu falava, "nossa, Márcia, acho que eu nunca vou deixar de brincar de boneca, é tão legal" (risos). Era uma infância muito gostosa, uma infância muito infantil, né? Era boneca, rua, pular corda, bambolê, panteras, era uma infância muito legal, eu acho.
P/1 – E você já sabia o que queria ser quando crescesse?
R – Não, não tinha a menor ideia. Me passavam algumas coisas pela cabeça, que não tinham nada a ver com o que eu segui. Uma hora eu queria ser veterinária… Acho que toda criança, em algum momento da vida, passa pela cabeça que quer ser veterinária, porque gosta do pet lá. A gente tinha um cachorro, o Puf, e nessa época eu queria ser veterinária. Depois, eu queria fazer Cenografia, queria estudar o fundo do mar… Mas não segui nada disso como carreira.
P/1 – E da cidade de Olímpia, você lembra de pontos que você visitava, dos lugares que você brincava, da rua do bairro?
R – De Olímpia eu lembro mais da adolescência, não tanto da infância. Acho que na infância, eu ia mais para Olímpia com a minha avó, não ficava muito sozinha. Adolescência assim, a partir dos 12 anos de idade. Lembro das minhas amigas, tinha a Silvana, a Rita, e era muito bacana, porque as cidades de interior têm outra dinâmica da cidade grande. Apesar da gente morar em um lugar muito tranquilo e que eu brincava na rua, a cidade do interior tem aquela história da praça, então eu sou da época em que a gente ia para praça. O legal da praça era ficar dando volta na praça e ir encontrando as pessoas (risos), era muito legal isso. Tinha uma cidadezinha perto de Olímpia, chamada Monte Azul, que é onde nasceu minha madrasta, e que íamos às vezes. A praça de Monte Azul era mais engraçada, mais interessante ainda, porque as mulheres ficavam andando e os homens ficavam sentados, os moços. As moças ficavam andando e os moços ficavam sentados. Era uma coisa tão diferente. Eles ficavam andando, conversando, dando volta, e eles ficavam parados com seus grupos, era engraçado.
P/1 – Tem cidade que tem footing, né? Os homens andam para um lado, e as mulheres para o outro.
R – Ah, tem isso também, né? Lá não, lá eles ficavam parados. Olímpia se dizia mais moderna, acho que por isso que não tinha essa história de homem parado e mulher andando, ou de um lado para o outro. Eu tive uma adolescência… Porque em todas as férias eu ia para lá para a casa do meu pai, então tive uma adolescência muito legal. Tinha as festas do folclore, que a minha madrasta gostava muito. Olímpia é a capital do folclore. Na época… Acho que até hoje tem, mas tinha uns desfiles de fantasias na praça, tipo um carnaval com carro alegórico - não tão grande, carros menores. Minha madrasta adorava. A gente participava, ela me fantasiava, então teve um ano que eu saí de Sinhá Moça, outro ano saí de baiana filha de Nossa Senhora do Bonfim. Era um desfile bem peculiar, porque eram fuscas dos quais eles tiravam o capô da frente e… Tinha uns carros também. Quando eu saí de baiana filha de Nossa Senhora do Bonfim, aí era um carro alegórico e já era um pouquinho maior. Mas como Sinhá Moça por exemplo, eles tiravam o capô, colocavam um tapete ou um pano qualquer na frente, e a gente ia na frente, a gente ia sentado na frente do capô com a fantasia, com a plaquinha falando o que você era, com qual personagem folclórico que você estava participando. Nessa da baiana, a minha madrasta fez um arranjo de cabeça que pesava uns quatro quilos. No final do desfile, eu estava com o pescoço todo caído (risos), porque era pesado, mas era muito legal, era muito gostoso você poder participar da história da cidade dessa forma. Era uma época em que eu já era adolescente, então gostávamos de ir aos bailes, na festa do peão, na festa do folclore… Era gostoso, bem gostoso.
P/1 – Você estava falando da sua adolescência, de como era. Você estudava onde nessa época da adolescência?
R – Eu estudava no colégio estadual, no República da Bolívia aqui em São Paulo. Tudo isso que contei sobre a Olímpia acontecia nas férias. O folclore é em agosto, e no folclore eu ia para lá, justamente por causa da festa. Normalmente eu estava lá nas férias. Mas a minha adolescência em São Paulo também foi boa. Uma das coisas que minha avó me ensinou… Ela me ensinou muitas lições. Minha avó tinha uma questão com a honestidade e com a integridade muito intensa, e ela sempre passou isso para gente. Outra coisa que ela sempre falava muito é que precisávamos estudar. Acho que talvez porque ela queria ter tido a oportunidade de estudar e não teve, então ela falava que deveríamos estudar. Era uma pessoa de uma empatia incrível. Tem uma história que eu gosto bastante da minha avó aqui em São Paulo, que eu lembro muito. Essa casinha dela em São Paulo, o sobradinho dela ali na vila, era uma casinha de esquina, e tem uma ladeira enorme ao lado. Os carros e os caminhões têm que entrar, descer, virar e subir novamente. É uma ladeira cumprida, e minha avó quando ouvia o caminhão do lixo, que passava terça, quinta e sábado lá na esquina, corria para o fogão, colocava água, fazia o café, colocava nas xícaras e ia para a esquina. Quando os lixeiros passavam na esquina de casa, ela estava lá com as xícaras e com o café já adoçado. Isso era em sol, chuva, não importava, ela dava o cafezinho para eles, sabe? Isso para mim, foi a maior lição de empatia que eu tive na vida, de você se colocar verdadeiramente no lugar da outra pessoa. A gente estava falando da minha adolescência. Essa história de estudar, como ela me incentivou muito, eu acabei saindo do República da Bolívia no oitavo ano e prestei colégio técnico, então eu fui estudar no Liceu de Artes e Ofícios, que também era uma escola… Não era pública, mas mantida por indústrias, então não era paga, porque a gente nem tinha condições de uma escola paga. Foram quatro anos, eu fiz curso de eletrônica. Eu entrei com 15 anos, e lá eu aprendi um pouco do que seria mesmo a minha profissão e de qual caminho eu iria seguir. Tanto é que depois eu fiz Engenharia elétrica, por conta até de fazer eletrônica no colégio técnico. Foi lá que eu comecei a fazer estágio, que tive meu primeiro emprego, que conheci meu marido. Eu conheci meu marido com 15 anos. A gente namorou 12 anos, casamos e estamos juntos até hoje. Foi lá, foi no Liceu que muita coisa aconteceu de bacana na minha adolescência e quase fase adulta, dos 15 aos 18 ou 19. Era um colégio que puxava muito, tínhamos que estudar muito. Sempre foi muito puxado, porque para você se manter em um colégio que era pago pelas indústrias, você precisava ter uma média sete, se não você era jubilado da escola, eles não mantinham você lá. Foi uma base muito grande depois para engenharia, para minha profissão e para tudo.
P/1 – Você chegou a trabalhar uma época na sua área?
R – Sim, trabalhei, eu comecei como estagiária de técnico mesmo de eletrônica, fiz estágio, trabalhei um pouquinho e depois eu saí para prestar vestibular. Eu fiz faculdade na Unesp, engenharia elétrica lá em Guaratinguetá, e quando saí da faculdade, também comecei fazendo estágio na parte de telecomunicações, que era uma parte que gostava bastante, e que tinha feito projeto na escola não sei de quê. Consegui um estágio em telecomunicações na Philips na época, fui efetivada, trabalhei um pouco na parte de manutenção, na época de modem… Foi uma época interessante, uma época… Engenheira mulher era meio difícil, sabe? Eu não sei como é hoje, mas naquela época era difícil de você encontrar. Na minha faculdade já eram 40 alunos, e duas meninas, eu e uma japa. Quando eu entrei no mercado de trabalho, nessa área de manutenção, às vezes tínhamos que dar manutenção dentro da Embratel de madrugada, então eu ia para o Centro da madrugada. Passei algumas noites na Embratel dando manutenção lá nas coisas, girando sistema. Depois, eu fui trabalhar na Credicard, mas aí já fui um pouco mais na área de planejamento, não tão de execução e de manutenção pesada. Então eu trabalhei sim, trabalhei um bom tempo na área. Relacionada à telecomunicações, mas trabalhei… Eu me formei em 1995, e trabalhei na área acho que até 2004 mais ou menos, uns nove anos eu trabalhei nessas áreas, sempre ligada a engenharia, mas no finalzinho, um pouco mais de planejamento.
P/1 – O que te levou a escolher essa área? Quais motivos fizeram você escolher engenharia?
R – Acho que a maior influência para eu fazer engenharia elétrica foi o Liceu, eu ter feito eletrônica. Na época estavam começando os computadores, tinha aquela coisa de falar, "nossa, que legal". E a tela era aquela pretinha escrita em verde, imagina. O Windows veio no final da minha faculdade. No começo, a gente fazia a programação em Pascal, umas programações bem básicas, mas era um mundo que estava sendo descoberto, esse mundo da computação, e eu me deixei envolver muito por isso. Eu achava que era uma das profissões de futuro, que era muito legal, e ainda por cima, meu namorado ainda fazia eletrônica, então era uma super influência. Os amigos, o namorado, todo mundo, então eu acabei fazendo engenharia elétrica, acho que por conta dessas influências todas
P/1 – E como foi que vocês se conheceram, você e seu namorado? Marido, né?
R – É. A gente se conheceu logo no primeiro ano. Eu estudava no período da manhã e o Hamilton estudava no período da tarde no primeiro semestre. No segundo semestre, ele veio para o período da manhã e veio estudar na minha sala. Ali a gente já começou meio que paquerar um ao outro, já foi aquela coisa gostosa de falar, "nossa, vou ver". Teve o festival da canção no Liceu, que era um festival que tinha todo ano em que a gente se apresentava, os alunos faziam as suas peças, faziam teatro, faziam música… E nesse festival, no segundo semestre, já no primeiro ano, com 15 anos, a gente já começou meio que namorar. Era muito cedo, ninguém acreditava que iria durar, falavam, "nossa, namorar com 15 anos", mas durou, durou muito. A gente namorou 12 anos e eu ainda fui para fora, para Guaratinguetá fazer faculdade lá. O Hamilton ia também, ficou amigo de todos os meus amigos de Guara. Ele não foi fazer faculdade lá, ele fez faculdade em São Paulo, mas aos finais de semana eu ficava lá para estudar e ele ia para lá, fazia churrasco com os meus amigos e eu ficava estudando (risos). Ele fez amizade com todo mundo, então acabamos passando por tudo isso de uma forma muito tranquila.
P/1 – E dessa época ou da época da faculdade, tem alguma passagem que te marcou?
R – Ah, na minha época da faculdade, se teve alguma… Acho que a gente passou com bastante… Eu não digo com dificuldade, porque não acho que era dificuldade, era tudo tão bom naquela época. Por menos dinheiro que nós tivéssemos, tinha algumas coisas assim de… Na hora de pagar aluguel, tinha uma dificuldade. Minha avó ajudava um pouco. Teve uma época em que meu pai também teve um pouco de dificuldade financeira, e também ajudava, mas com bastante dificuldade. Mas era tudo tão bom. Eu lembro que nessa época, o Hamilton já trabalhava. Eu resolvi fazer a faculdade no interior e fazia CNPQ, mas era uma bolsa que tinha uma remuneração bem baixinha de estudante, mas já me ajudava um pouco. Eu lembro de uma vez que ele chegou lá em Guaratinguetá, tinha comprado umas camidetas e falou, "olha, você está precisando de camisetas (risos), toma aqui três camisetas para você". Mas era tudo tão bom, que acho que essa coisa do dinheiro nunca pegou muito, era muito secundário. No final de semana em que nós não tínhamos dinheiro para voltar de São Paulo e vir de ônibus, nós juntávamos uns amigos, íamos para a Dutra pegar carona e vínhamos para São Paulo de carona. Quantas vezes eu não peguei carona em boléia de caminhão? Sempre acompanhada dos meninos, é claro. Uma menina nunca pode ir para a estrada para pedir carona sozinha, então tinha sempre um ou dois amigos. Eu lembro de duas caronas que me marcaram. Uma de um caminhoneiro que era muito divertido. Eu estava com um amigo e ele resolveu, "vamos parar no posto que a gente vai tomar um guaraná". E ele ainda parou no posto e comprou um guaraná para mim e para o meu amigo (risos). Deixou a gente na rodoviária de São Paulo depois, mas todo animado. Ele falou, "ah, eu não gosto de viajar sozinho". Às vezes ele passava em Cunha, tinha uns meninos que também vinham do colégio militar lá de Cunha e ele falava, "eu sempre passo ali, pego alguém que está pedindo carona, que eu vejo que é estudante, e dou carona, porque vamos até São Paulo conversando". Eu lembro dele ser muito engraçado. E teve uma outra situação, em que a gente pegou carona com um carro, e na hora que chegamos na rodoviária em São Paulo, eu desci, e o motorista ainda iria embora até Curitiba. Ele estava vindo acho que do Rio de Janeiro, não lembro. Na hora que eu saí do carro, vi o carro saindo e falei, "nossa, esqueci minha mochila". Imagina, não tinha celular, não tinha nada e eu chorava, porque minha calculadora estava lá dentro, era o meu bem mais precioso a minha calculadora. Quando ele chegou em Curitiba, ele acabou ligando para um telefone. Na época, a casa da minha avó não tinha telefone, ele ligou para a casa da vizinha, porque tinha lá um caderninho com o número da casa dela. Ele acabou mandando a bolsa para mim, para São Paulo, mas acho que era outra época, né? Acho que naquela época as pessoas não tinham tanta maldade, sabe? Tinham o coração bem bacana assim, então a gente meio que confiava mesmo em todo mundo. E a vida mostrava para nós que podíamos confiar de verdade.
P/1 – Outros tempos, né?
R – É, acho que eram outros tempos.
P/1 – Eu também fiz tantas loucuras de caminhão. Outros tempos
R – (Risos). Imagina, hoje se meu filho fala que ele pegou carona com caminhoneiro na beira da estrada, acho que vou surtar.
P/1 – E uma coisa que você não falou, foi sobre o que aconteceu com seus pais.
R – O meu pai faleceu quando eu estava grávida do meu primeiro filho, do Matheus. Ele teve um derrame e ficou dez anos doente, e acabou falecendo. A minha mãe faleceu de um acidente lá em Olímpia mesmo, mas eu quase não conheci minha mãe. Na verdade, como quando ela faleceu eu tinha dez meses, a minha avó acabou se tornando a minha mãe. Tanto é que eu chamava a minha avó de mãe, quando eu era pequena, porque ela era a minha mãe. O meu avô era o meu avô, porque eu tinha meu pai. A minha avó conta que às vezes a gente viajava para Olímpia, eu, ela e meu pai, nós parávamos no posto para tomar um lanche ou fazer alguma coisa assim, eu chamava ela de mãe e ele de pai, o povo olhava e falava, "nossa, esse cara deve estar dando o golpe do baú, ou essa velha catou esse novinho aí" (risos). Eles ficavam meio sem graça com a situação de eu chamá-la de mãe, porque ela acabou sendo. A minha mãe é uma pessoa que eu conheço de nome, de fotos. Tanto é que nem foto com ela eu tenho. Naquela época era muito difícil essa história de foto. Eu tenho uma foto com ela em que eu estava no colo, era bem bebê, e só. Mas minha avó foi minha verdadeira mãe. Depois eu ganhei mais uma, a Sônia, minha madrasta, que também se tornou uma mãe.
P/1 – Você casou e demorou para ter filho ou teve logo?
R – Não, a gente demorou. Eu casei, e demoramos uns quatro anos para eu engravidar do Matheus. Eu e o Hamilton tínhamos uma cabeça muito… Até hoje, muito de ir devagar, mas ir conquistando as coisas, para depois poder… Tanto é que nunca fomos um casal de muitos gastos, mas viajamos bastante, soubemos aproveitar bem essa época de casados. Mas assim, como nós tivemos uma infância mais… Eu pelo menos, mais restrita, tinha brincadeiras, mas não tinha viagens, não tinha tênis de moda, não tinha roupa de moda, as bonecas não eram as mais caras… Era uma vida bem mais simples. Então, quando começamos a trabalhar, valorizamos muito essa história do dinheiro, sabíamos que tínhamos que aproveitar e dar passos bem pensados. Demoramos um tempo, curtimos bastante essa vida de casados só nós dois, conseguimos juntar um pouquinho de dinheiro, e eu fiquei grávida do Matheus. O Matheus nasceu, e para mim foi um momento difícil. Depois eu fiz até um pouco de terapia, para entender o porquê, e a conclusão que cheguei é que essa relação de mãe e filho, é uma relação que por mais que a minha avó tenha suprido todas as minhas necessidades, é uma relação que eu não conheci, isso de conviver com a pessoa que você tinha o cordão umbilical junto, de onde você saiu. É uma relação muito mais intensa. Quando o Matheus nasceu, eu ficava pensando nisso, "nossa, eu vou ter esse menino grudado em mim o resto da vida, como é que vou conseguir agora respirar? Como é que vou conseguir caminhar? Essa criança depende muito de mim", entrei até um pouco em depressão, foi uma época difícil, aprender a ser mãe, porque eu tive que aprender com o Matheus o que era ser mãe de verdade. Depois de três anos, engravidei de novo do Victor, e foi outra história. Ali parece que a coisa deslanchou, porque eu já tinha aprendido essa história da maternidade, sabe? Com o Victor foi muito mais tranquilo. Eram outros problemas, administrar os ciúmes do primeiro, mas nada comigo, nada dentro. Com o segundo filho, são outras questões, mas nada interno, é uma coisa que você tem que administrar muito mais entre os meninos, então foi muito mais tranquila a minha segunda gravidez. Eu percebi ali que eu estava pronta mesmo para ser mãe. É nessas horas que conseguimos ter a consciência do quanto faz falta uma mãe, que você achava que nunca tinha feito falta. Você achava que sua avó tinha feito e realmente fez aquele papel com muito primor, mas que no fundo, é uma coisa que você não consegue nem explicar direito essa relação de mãe e filho, é muito louco isso, e é uma delícia, né? Depois que você descobre que isso é a mais pura sensação de amor pleno, amor de verdade, você consegue seguir isso de forma mais tranquila, se doando de forma natural. Não é aquele negócio de, "ai, coitado, e agora? O que eu vou fazer com esse menino? Esse pacotinho que chegou na minha vida, e eu não sei o que faço com ele", então a maternidade para mim foi um dos maiores aprendizados da minha vida, eu acho.
P/1 – E como é o seu dia a dia? O que vocês gostam de fazer de lazer?
R – Então, hoje em dia, o lazer está diferente, eu acho. Esse final de semana, nós fizemos várias "sessões pipoca", nós quatro, assistindo filmes, assistindo série… Outro dia eu falei com o meu marido… Falando exatamente dessa época, em que estamos em pandemia, falei para ele, que o que estava me fazendo feliz nessa época de verdade… Sabe aquela sensação em que você fala, "nossa, hoje eu vou passear" e tem um negócio gostoso?! "Hoje eu vou viajar", e dá aquela sensação gostosa?! São nossos almoços de domingo. Eu fico, "nossa, hoje é domingo, que gostoso, nós vamos fazer um almoço". Eu vou para a cozinha, e o Hamilton também porque ele gosta, ou então ele vai fazer uma carninha, e as crianças estão junto… As crianças?! O Matheus hoje tem 17 anos, o Victor tem 13. É um momento gostoso. Antes da pandemia… Assim, eu mudei muito a minha forma de pensar depois que saí do mundo corporativo. Eu fiz engenharia, depois fiz pós-graduação em Marketing na ESPM, fiz MBA na USP… Segui o conselho da minha avó de estudar muito, fui sempre estudando muito. Eu tive uma carreira muito bacana no mercado financeiro, cheguei a ser superintendente de um grande banco, mas era uma coisa que não me satisfazia completamente, sabe? Aquele negócio de você falar, "nossa, falta alguma coisa". Eu tinha uma remuneração bacana, tinha um trabalho bacana, tinha uma visibilidade bacana, mas tinha alguma coisa que faltava. Quando eu fiz o MBA na USP em 2000, naquela época o meu projeto de conclusão de curso, já foi a fábrica de chocolate, porque eu sempre fui muito apaixonada por chocolate. Desde criança, eu fui muito de doce. Tanto que nessa época em que falei que o Matheus nasceu, teve uma noite que eu lembro que foi tão difícil, eu tinha pouco leite e sentia a obrigação de só amamentar no peito, aquela dificuldade, lembro que o Matheus ficou meia hora em um peito, meia hora no outro, e ainda saiu chorando de fome… Eu não sabia, tão perdida naquilo tudo, e resolvi fazer um ano de promessa de não comer chocolate. Eu falei, "meu Deus, se você me ajudar a fazer esse menino ficar calmo e parar de chorar, eu vou ficar um ano sem comer chocolate". Eu descobri nesse ano que os melhores doces da vida são feitos de chocolate, e que tudo tem chocolate (risos). E aí, então, como eu sempre gostei muito disso, resolvi fazer um plano de negócios na conclusão de curso da fábrica. De 2000 até 2011, que foi o ano em que saí da indústria financeira, assim, foi muito natural, mas eu pesquisei, guardava todas as matérias do jornal, todas as matérias de revista dos empreendedores de cacau e de chocolate, das marcas, do chocolate lá de fora, tudo eu guardava. Tem uma pasta gigante com as coisas lá em casa até hoje. Essa ideia toda foi amadurecendo, fui fazendo alguns cursos aqui no Brasil, até que chegou um momento em que falei, "puts, acho que já está na hora". Em 2011 eu resolvi pedir para sair do banco. Eu lembro que pedi para sair, e logo depois eu iria ter 15 dias de férias e iria viajar com o Hamilton meio que em uma lua de mel, só nós dois, sem as crianças. Ele sabia já há um tempo que eu queria sair, mas não sabia exatamente quando isso iria acontecer. A gente pegou um avião, estava indo para os Estados Unidos, e eu falei para ele, "então, eu subi lá na presidência e pedi para sair do banco", ele falou, "para o avião, vamos voltar, você enlouqueceu. Como assim, a gente está saindo de férias e você pediu para sair do banco?" (risos). Mas assim, brincadeiras a parte, o Hamilton sempre me apoiou muito. Claro que foram férias muito legais, a gente se divertiu bastante, mas voltamos com essa tensão de eu sair mesmo do banco e começar a montar meu negócio. É engraçado, que quando eu saí e montei meu negócio, acho que os valores mudaram um pouco, sabe? Você acaba valorizando outras coisas quando você tem o seu próprio negócio e precisa fazer com que ele funcione, seja sólido e cresça. Eu penso muito sempre nas pessoas que trabalham lá com a gente. Nós temos uma equipe envolvida comigo e com o Hamilton de umas dez pessoas. Da menina que faz o design, do pessoal que cuida da contabilidade, enfim. Eu fico pensando assim, que aquele negócio por menos que gere de lucro, ele tem uma responsabilidade social gigante, porque emprega todas essas pessoas. Então quando você assume ter um negócio, não assume só o risco de você falir, assume o risco de você ter pessoas que estão vivendo daquilo, as pessoas que estão lá com seu salário, que estão sustentando a sua família e a sua casa com aquilo que você está produzindo. Então não é só uma questão de lucro. Eu sempre tive muito essa cabeça. Eu lembro que quando voltei… Pedi demissão no final de 2011, e tinha, claro, um caixa que poderia suportar por um tempo até essa empresa começar a rodar. Eu acabei indo para a Bélgica, fiz uma especialização em chocolate lá, voltei e montei a Galette. Quando eu voltei, tinha duas certezas: que iria ser um negócio de chocolate, e que seria um negócio que tivesse um legado relevante do ponto de vista social, e se eu pudesse, também do ponto de vista ambiental. Foi esse o nosso caminho na Galette. Eu lembro que no primeiro ano, tive uma batalha grande, porque naquela época ninguém fazia chocolate no Brasil, as pessoas geralmente compravam chocolates belgas e suíços, derretiam, e faziam os bombons, brigadeiros, as barras e tudo com o chocolate já pronto. Eu sabia que esse chocolate pronto poderia ter vindo de cacau na África. Por mais que ele fosse belga ou suíço… os problemas sociais na África são muito sérios. Eu ficava pensando, "como é que eu posso fornecer o chocolate que é um produto tão gosto para uma pessoa, sabendo que lá atrás pode ter tido uma criança na plantação, ou trabalho escravo?", e eu não me conformava com essas coisas. Então a Galette foi crescendo nesse inconformismo. Logo no primeiro ano, eu conheci um chocolate que tinha o certificado Fairtrade, que me garantia que eu não tinha essa questão do trabalho escravo e infantil nas fazendas de cacau. Ele tinha um custo muito mais alto pelo mesmo sabor, chegava no Brasil 30% mais caro do que o chocolate convencional. Eu tinha que me planejar bastante para pedir esse chocolate, porque do momento em que eu fazia o pedido, até ele chegar, eram meses. Tinha uma dificuldade logística, tinha uma dificuldade de planejamento, e tinha uma outra história que assim, eu também não podia falar que usava o Fairtrade, fazia só por convicção, porque se eu falasse que fazia os meus bombons com chocolate Fairtrade, eu tinha que ser certificada. Para ser certificada, tinha que ter todos os outros produtos, a castanha de caju, castanha-do-Pará, tudo que eu usava como ingrediente também tinha que ter essa certificação. Se existisse esse produto no mundo Fairtrade, ele também tinha que ter essa certificação. E a gente não compra aqui castanha de caju com certificado Fairtrade, né? A gente compra do produtor, vem do Nordeste, assim, está na nossa terra esse negócio. Então eu acabava fazendo muito por convicção, e isso acabou fazendo com que eu nesse meu inconformismo, procurasse cada vez mais formas de deixar menos pegadas nessa terra. Teve uma época em que achei um chocolate colombiano que tinha um trabalho social também muito bacana, porque eles incentivavam a troca de plantação de coca por plantação de cacau. Isso para mim também fez sentido, mas importar esse chocolate também era difícil. Até que chegou um momento em que eu consegui descobrir que eu poderia fazer o meu próprio chocolate. Isaso foi em 2016, e em 2017 eu já comecei a produzir, já comprei as maquininhas. Isso foi muito bacana, porque hoje em dia, a gente oferece nosso chocolate com total tranquilidade de que a cadeia produtiva foi completamente sustentável. Eu conheço o fazendeiro que plantou o cacau, compro direto dele, sei como ele trata os funcionários, sei como é a plantação, sei quanto ele usa de fertilizante e se ele não usa fertilizante, sei como essa cacau chega para mim, sei como ele é transportado. Na negociação com esse pequeno produtor (na verdade, não são grandes fazendeiros, são pequenos produtores), você acaba conhecendo o caráter inclusive dessas pessoas, porque não tem intermediário, você lida direto com eles. Isso para mim, e para a empresa, foi um ganho gigante, porque hoje em dia nossos chocolates são chocolates que falamos, "pode comer, porque esse é um chocolate que traz felicidade do começo ao fim. Não é um chocolate que traz felicidade só na boca". Sempre com esse olhar, sempre procuramos fazer nossas embalagens ou com papel reciclado ou que sejam embalagens recicláveis. É claro que a gente não consegue fugir 100% do plástico, 100% do acetato. Mas um dos dias mais felizes na minha vida dentro da Galette, foi o dia em que descobri que eu poderia ter uma embalagem, em que ao invés de usar acetato, eu iria usar pet cristal. Foi um dia que eu quase não dormi, porque eram pets reciclados que viravam um plástico que fazia a função do acetato. Então aquela parte transparente, era de pet cristal, eu estava ajudando o lixo do mundo. Foi um dos dias mais felizes da minha vida. Não foi um dia em que eu tive bom lucro (risos). Então, essas coisas nos movem, essas coisas dão sentido e outros valores. Desde quando eu comecei o meu negócio, que o mais importante não é você ter… É claro que a gente cuida de aparência, mas não é você ter a marca mais cara, a roupa mais cara, o tênis mais caro, coisas que quando você está no mundo corporativo, dependendo de como você se deixa levar, você acaba sendo influenciado por isso e acaba tendo essas práticas assim, de comprar roupa todo mês. Imagina, hoje eu não compro roupa todo mês, não preciso comprar roupa todo mês. A gente ensina muito as crianças com isso também. Acho que são outros valores quando você assume o seu negócio e você tem uma proposta de que ele tenha que trazer um legado melhor para a sua família, para a família das pessoas que trabalham com você, para o seu entorno, para a família do fazendeiro que te fornece cacau, para a família do pessoal lá da gráfica que imprime as suas embalagens, da pessoa que desenvolve as embalagens. Acho que tem uma responsabilidade nessa história toda que é gigante. Você acaba tendo mesmo outros valores. Quando você vai fazer uma compra, você falar "espera, isso aqui está mais barato, isso é feito onde? Foi produzido em que condições?", e você acaba repensando muitas vezes até o seu modo de consumo. Isso vira a sua cabeça para uma forma de consumo mais responsável. Acho que resumindo, teve uma virada na forma de pensar, não nos valores, porque eu trabalhava em uma instituição financeira que tinha muito forte essa questão da sustentabilidade. Eu aprendi sobre sustentabilidade no berço com a minha avó, a gente economizava o chuveiro e os potes de margarina, mas era por uma outra causa, era mais pela econômica (risos). Naquela época, a gente falava de economia, e não de sustentabilidade. Você aprende a sustentabilidade. Então quando eu fui para a indústria financeira, o banco em que eu trabalhava, trabalhava muito forte isso. Eu participava de vários projetos muito bacanas. Tivemos alguns clientes muito legais, de empresas de motoboys que viraram o jogo. Naquela época, chamava de "cachorro louco", que não virou mais cachorro louco. Eram pessoas que dirigiam suas motos, faziam suas entregas e eram contratadas da empresa. Assim, várias coisas muito legais que a gente fez. Acho que a minha vida toda eu fui aprendendo tudo isso. Você vai aprendendo, e isso faz parte da sua veia, vira crença. Deixa de ser superficial, passa a integrar o seu dia essas coisas todas, quando você aprende desde cedo, então acho que esse que é o resumo dessa virada. Não sei se resumi (risos). Acho que não resumi, eu fui bem longa.
P/1 – Foi ótimo, foi ótimo. Estou aqui já encantada, quero experimentar a Galette (risos).
R – Ah, quando você voltar para São Paulo, eu vou mandar para você.
P/1 – Ah, legal! E você teve algum grande desafio? Algum momento difícil, algum obstáculo… Qual foi o grande desafio no seu negócio?
R – Acho que o desafio do meu negócio foi torná-lo um negócio sustentável. Quando você trabalha no mundo corporativo, e você tem um problema com tecnologia, você liga para o cara de T.I e ele vem resolver o seu problema. Quando você tem um problema com RH, você liga para o RH, e ele resolve o seu problema. Você tem um problema com… Então quando você se torna um empreendedor, de manhã você é o marketing, na hora do almoço você é o financeiro, a tarde você é o faxineiro, a noite você é a pessoa que está fechando o balanço do dia. É um monte de chapéu o tempo inteiro. Como pessoa, acho que essa foi a minha maior dificuldade, acho que eu estava muito mal acostumada com o mundo corporativo, e eu não tinha noção de que eu teria que resolver tantas coisas no dia a dia. Então você me pergunta se teve um grande desafio, eu acho que o grande desafio foram nos primeiros anos, essa incorporação que você tem que se virar nos trinta. Se o telefone quebrou, se a máquina quebrou, e você não tem ninguém lá para dar manutenção na hora, você tem que sair correndo. Ou você faz, ou tem que achar alguém que faça aquilo. Ao mesmo tempo, você resolve todas essas questões no dia a dia e tem que gerar caixa. No meu negócio, acho que foi uma das maiores dificuldades. Imagina, eu montei uma marca de chocolates que era completamente desconhecida, e comecei inclusive como uma loja só virtual. Como no banco eu trabalhei com internet, eu achava que se colocasse isso na rede, o viral iria funcionar maravilhosamente e eu iria sair vendendo. Eu quebrei a minha cara logo no primeiro ano, porque não era assim. Não adiantava eu ter tido o MBA, pós-graduação, tudo que eu estudei, porque não é assim que as coisas funcionam no mundo do empreendedorismo. Você tem que se virar nos trinta, tem que entender quais são as possibilidades, tem que enxergar o que os concorrentes não enxergam, tem que criar formas ideais de se comunicar com o seu cliente, você tem que criar canais de distribuição com seus clientes, e tudo isso é uma construção. O papel aceita tudo. No meu papel, eu tinha lucro no primeiro ano, que maravilha um plano de negócios desse jeito. Quebrei a cara! A minha sorte é que se teve uma coisa que fiz bem, foi um bom planejamento financeiro antes. Eu não imaginava que teria que usar muito mais do caixa do que usei, porque a gente não teve lucro no primeiro ano, e a empresa nem se pagou no primeiro ano e nem no segundo. Nós estamos no oitavo ano de empresa… Estamos no décimo ano de empresa, oitavo ano de loja, e eu vou te dizer que faz dois anos que essa empresa dá lucro. Ela ficou mais uns, sei lá, três anos se pagando, naquela história do fluxo de caixa, em que você põe um pouquinho de dinheiro, depois você retoma, e quando a coisa aperta, você põe mais um pouquinho, depois alivia e você tira. Mas foi muita… Na verdade, eu não sei se foi teimosia ou perseverança, mas graças a Deus, hoje olho para trás, e falo, "ainda bem que insisti". Insisti e não foi só mérito meu. O Hamilton, apesar de ter outros negócios, também me ajudou bastante nesses três últimos anos aí e me ajudou a ter uma visão também mais pragmática do negócio, não só coração, que me ajudou a elevar esse patamar, a sair da empresa que se paga para a empresa que gera lucro. Acho que o meu maior desafio foi esse aprendizado louco durante esses dez anos, essa perseverança louca. Eu nem sei te dizer de onde eu tirava tanta força para falar, "a gente vai continuar", eu simplesmente acreditava. Eu acreditava que a empresa iria dar certo, ela tinha que dar certo. E tinha que dar certo do jeito certo, porque não é sonegando imposto… Eu não queria ter essas práticas dentro da empresa para que ela desse certo. Talvez ela tivesse dado certo antes se eu tivesse dado um jeitinho aqui, um jeitinho ali, mas não era assim que eu queria fazer. Eu queria fazer um negócio legal. Então acho que o maior desafio de tudo isso, foi aprender a empreender, aprender a ser uma empresária, porque você pode ter vontade de ser empreendedora, mas fazer um negócio funcionar é outra história completamente diferente.
P/1 – E quando você sentiu essas dificuldades, você foi buscar algum tipo de ajuda ou informação? Como funcionou isso, quando não estava acontecendo exatamente do jeito que você tinha pensado?
R – Eu vou te dizer, que acho que sempre tive um anjo de guarda gigante atrás de mim. Talvez seja a minha mãe, sabe? Com asas enormes, e que me ajuda a vida inteira. Nessa época, logo no início eu procurei o Sebrae. O Sebrae sempre me apoiou muito, sempre fiz os programas deles, os cursos, os treinamentos, saía de um programa e entrava em outro. Agora mesmo a gente vai fazer o programa de planejamento de produção. Fui buscar aprimoramento na parte técnica, na parte do chocolate, e ajuda sempre. Ajuda dos amigos, ajuda da família, ajuda do marido, ajuda dos filhos. Eu sou uma pessoa que adora compartilhar quando a gente precisa… Não compartilhar, mas acho que a gente não pode guardar as dificuldades para si mesmo, isso me parece um pouco de orgulho. Às vezes as pessoas falam que eu devia ser um pouco mais orgulhosa, que abro muito meu coração, mas acho que é isso. Eu sempre procurei ajuda, de todo mundo, das minha amigas, dessas amigas de infância. Até nos momentos em que estava mais embaixo, falava "puts, vamos se reunir todo mundo e tomar um café lá na Galette juntas, a gente fica lá até tarde, abre um vinhozinho". Até nesses momentos difíceis, que fazem a gente descontrair um pouco mais, acho que são importantes. Ajuda sempre, não sou orgulhosa, acho que nada, eu busco mesmo.
P/1 – Você participou de que programas do Sebrae? Do Mil Mulheres...
R – Vixe, eu fiz Empretec, fiz Sebraetec (fiz uns três Sebraetec), já fiz o Ali que é de agente local de inovação (participei duas vezes e acho que agora é o terceiro que teve, e participei também). Então no Sebrae estou sempre presente, em todos os programas. No que eu acho que nós nos encaixamos, nós fazemos. Eles realmente ajudam muito. É um apoio para o microempreendedor que é uma coisa absurda. A gente tem que valorizar muito, principalmente nessa época agora em que eles têm ajudado bastante todos os microempreendedores.
P/1 – Onde fica a Galette?
R – A Galette fica na Zona Norte de São Paulo, na rua Augusto Tolle, número 245, pertinho do colégio Salesiano ali em Santana. Eu moro ali perto, fica a 15 minutos a pé, 10 minutos de carro da Galette.
P/1 – Gislaine, qual é a sua relação com a Zona Norte?
R – Ixe, eu vivi lá a vida inteira.
P/1 – Se você puder falar, "a minha relação com a Zona Norte"...
R – Tá bom. Minha relação com a Zona Norte é intensa, porque eu vivi lá a vida inteira desde os dez meses de idade. Saí um pouquinho de lá, mas voltei. A gente quase foi morar na Serra da Cantareira, chegamos até a comprar um terreno lá, tínhamos o projetinho de uma casa lá, mas depois eu fiquei grávida e fiquei com muito medo de deixar o bebê lá em cima e vim morar aqui embaixo. Mas aquela serra tem uma energia que acho que não consigo ficar muito longe, sabe? E a Zona Norte é isso, sabe? Meus amigos ainda moram na Zona Norte. A Zona Norte é como se fosse uma cidadezinha do interior, você conhece o fulano, que conhece o beltrano, "ah, mas você é mãe de quem? É filho de quem?". Hoje em dia, muita gente saiu, muita gente foi para outros bairros, mas a gente ainda tem essa história, o bar do Luiz, do Alex, das coisas que são mais típicas dali, da Engenheiro Caetano Álvares, do comércio de Santana mais popular em que você encontra tudo que precisa. Então é uma casa para mim, é onde estudei a vida inteira, onde morei a vida inteira, onde brinquei a vida inteira. É muito gostoso.
P/1 – E como é empreender e atuar na Zona Norte?
R – Você sabe que muita gente fala para mim, "ah, mas você não devia estar na Zona Norte, você devia estar na Vila Madalena, em Pinheiros, no Jardins. A Galette ali iria ser um sucesso, por que você está lá na Zona Norte?", acho que têm dois pontos, tem prós e contras. Primeiro, é meio que um xodó, é um negócio da Zona Norte, é um negócio de Santana. As pessoas que são da Zona Norte falam, "nossa, que legal que vocês estão aqui, não preciso atravessar a ponte para conhecer um chocolate gostoso assim", porque normalmente você atravessa a ponte, salvo aquelas marcas de franquia que tem em todo lugar, as mais especiais não estão lá. Você tem muita coisa boa mesmo em Pinheiros, na Vila Nova Conceição, mas ali na Zona Norte tem poucos destaques, então é um orgulho estar lá e falar que somos da Zona Norte. Por conta disso, acho que não temos tanta concorrência, porque somos meio que únicos ali, mas ao mesmo tempo, não tem tanto movimento de loja como poderia ser se estivesse em Pinheiros, ou em outro lugar, no Morumbi, enfim. Mas a gente vive com equilibro lá, temos um certo balanço. É gostoso, porque hoje em dia já estamos em um nível em que já conhecemos a maioria dos nossos clientes por nome. Tem cliente que vai refazer o seu estoque de chocolate toda semana, tem cliente que vai lá só para tomar um café mas vai toda semana, tem cliente que não vai toda semana mas às vezes está lá. A gente já conhece as histórias, então é gostoso, fica um ambiente muito mais familiar. Os desafios são esses. A gente está pensando agora, montamos um grupo de amigos que gostam muito da marca e estamos pensando em ter uma outra loja, talvez uma segunda, terceira, quarta, em outro lugar, fora da Zona Norte. E aí, vamos sentir um pouco dessa outra história, que talvez não seja tão familiar, mas vai ser mais movimentada. Vai ser uma outra construção, um outro aprendizado, eu acho. A gente não pretende perder a loja da Zona Norte nunca. É bacana, porque nós conseguimos estar em um lugar, que apesar de não ter muito movimento de gente passando, é uma loja mais de destino, as pessoas vão lá, porque vão ns Galette. Não é que estejam passando a passeio na frente, não é. Mas nós conseguimos uma parte da fábrica, não 100%, mas uma parte da fábrica ali, onde nós fazemos os bombons, as barras… Hoje em dia o espaço ficou pequeno e nós mudamos a parte de fazer o chocolate para outro imóvel, que é ali pertinho também. Na verdade, nós estamos na casinha que era da minha avó. Nós montamos a cozinha lá e estamos fazendo a massa do chocolate nesse lugar. Está vendo? Eu não saio das origens nunca. A gente sempre volta (risos). Nossa cozinha está ali, ali a gente faz os bombons, faz os recheios, faz as barras, então conseguimos conciliar tudo em um espaço só, e isso para gente, é legal.
P/1 – Teve algum momento mais marcante como mulher empreendedora? Algum desafio por ser mulher… Tem algum momento marcante na sua trajetória por ser mulher empreendedora?
R – Na verdade, acho que eu nunca valorizei tanto essa história de ser mulher. Tanto é que eu fui sem preconceito para a faculdade de Engenharia, fiz um curso técnico que também tinha muitos homens, depois resolvi empreender, e conheço muitas mulheres que estão nesse ramo hoje. A gente faz parte de uma associação. Essa diretoria é só de mulheres, e eu faço parte dela inclusive. Então tem um movimento crescente, mas para mim sempre foi muito natural. Eu sempre quis ocupar o meu espaço, tanto na carreira, como empreendedora, mas por meu mérito e pela minha forma de ser, independente do meu gênero. Eu poderia ser qualquer coisa, podia não ser mulher, mas sempre busquei isso. Então quando as pessoas me perguntam, "você teve alguma dificuldade por ser mulher?", acho que tive dificuldade por ser profissional, por ser empreendedora, não por ser uma empreendedora mulher ou por ser uma profissional mulher. Acho que justamente por isso, sempre busquei fazer as coisas de forma muito natural. É claro que você encontra algumas situações adversas no meio do caminho, um diretor que não te respeita tanto, mas tudo faz parte também do seu fortalecimento e do seu aprendizado. Com o tempo, essas coisas vão te fortalecendo e depende muito de como como você lida. Se você vai lidar com aquilo com mágoa, ou se vai lidar com aquilo como uma coisa normal. Eu sempre pensei isso também, eu poderia estar aqui nessa situação com um homem, e ele poderia estar me desrespeitando. Eu nunca levei muito essa situação a sério, e não consigo te responder exatamente disso. Eu consigo te responder do ponto de vista de profissional, de pessoa, de mãe, mas não de mulher exatamente, porque é uma coisa que para mim, não coube muito na minha vida. Eu sempre fui muito do mundo masculino, tanto é que hoje eu tenho um marido, dois filhos, e um cachorro, macho (risos). Na minha família, toda aquela pancada de irmãos são homens, não tem uma mulher. Então a minha vida sempre foi muito masculina, eu sempre estive muito no meio dos homens. Não sei se aprendi a lidar com isso, mas para mim é mais natural.
P/1 – E que características você acha que a pessoa precisa ter para ser empreendedora?
R – Para ser empreendedora, o que uma pessoa precisa… Vixe! Acho que precisa ter coragem, precisa acreditar no que está fazendo, precisa perseverar, e aí tem essa armadilha gigante que é a perseverança, mas com visão, porque você pode sim estar caindo na teimosia. É isso. Você sabe que uma vez eu fiz uma matéria para um jornal, faz tempo, e a matéria falava justamente disso, uma pessoa que tinha largado o corporativo para empreender. Eu lembro que isso foi postado no Facebook depois pelo jornal, e eu fui ler todos os comentários, você fica super curiosa. Tinha um homem até que falou, "ah, vem com essa historinha aí. Ela foi demitida e vem com essa historinha aí de que virou o jogo". Foi uma pena, porque eu convidei ele para vir na Galette tomar um café comigo para me conhecer um pouco melhor pelo Facebook, e ele não respondeu mais. Eu queria que ele viesse, para gente bater um papo, para ele ver que não era historinha. Porque as pessoas desacreditam na coragem que pessoas têm quando elas querem buscar algo que falta. Para mim, acho que foi muito isso, uma ressignificação da minha vida. Imagina, eu resolvi empreender aos 40 anos, faz 10 anos. Quando você começa com 18, 20, 22, é uma coisa, você não tem nada a perder. Você mete os pés pelas mãos, vai na tentativa, vai na busca dos sonhos, você é meio minotauro no negócio, e alguns dão certo e outros não. Empreender aos 40, é completamente diferente. Você tem uma família, tem uma formação, você tem coisas que guardou ao longo da sua vida que você não pode pôr em risco, então acho que até essa história da Galette ter tido uma subida mais linear, não tão ascendente, foi por conta disso, porque eu sempre fiz tudo com muita cautela, porque eu não podia correr o risco de ter aquele negócio falido, não podia correr o risco de ter que desempregar as pessoas na minha empresa, mas também não podia correr o risco de perder o que eu tinha construído na minha vida até então. Você não sai por aí falando, "hoje vou empreender, vou vender a minha casa, vou montar o meu negócio", não é assim que funciona. Aos 40 anos, você já pensa em ter lá na frente o seu futuro não mais tranquilo, mas um futuro mais estabilizado. Viver o resto da vida nessa gangorra, nessa balança, você não pode. É tudo com muita cautela quando a gente resolve empreender aos 40. Acho que por isso também que a Galette foi mais devagar, mas também hoje ela é sólida. Nós temos contratos sólidos, temos um modelo de negócio sólido, temos algo que não é uma coisa que se destrói da noite para o dia, e isso é bacana, porque traz mais segurança para mim, e para as pessoas que trabalham comigo. Eu não sei se respondi a sua pergunta ou se eu viajei demais (risos).
P/1 – Não, foi ótima. Ter participado desses programas do Sebrae mudou a sua visão de empreendedora?
R – Ter participado dos programas do Sebrae, para mim foi uma construção. Até hoje eu tenho contato com as pessoas lá do comecinho do Sebrae, e lembro que o primeiro programa que fiz, foi um chamado "Programa indústria", um Sebraetec que era um programa indústria. O governo estava investindo em pequenas indústrias para poder alavancar. Teve um mês que nós faturamos R$2.000,00 no primeiro ano. Eu lembro que a consultora falou para mim, "nossa Gi, a gente precisa dar um jeito de alavancar esse comercial", porque imagina, eu era técnica, gostava de fazer chocolate. Depois que fui descobrir que precisava de um comercial. Na época eu até convidei a minha cunhada Flávia, que veio trabalhar comigo. Ela é muito boa na parte das vendas, então nós formamos uma dupla legal por um tempo, sabe? No mês seguinte ao que faturamos R$2.00,00, nós faturamos R$720,00. Eu lembro de falar assim para a Sandra do Sebrae, "Sandra, a gente faturou menos esse mês, como é que faz isso?". O Sebrae foi apoiando, foi uma construção mesmo. Acho que o Empretec foi bom, porque ele te dá aquela virada de cabeça de empresário. O negócio está na sua mão, está no seu colo, você tem que se virar com isso. E como é que você faz para se virar com isso? Então o Empretec foi bom para isso, ele te dá aquela acordada. Mas o Sebrae é sempre uma construção. Sempre com muita parceria, ensinando, apoiando, você participando dos programas, e aí você vai… Imagina, eu não sabia fazer fluxo de caixa nesse programa indústria no primeiro ano. Tem noção que eu tinha montado um negócio e não sabia fazer fluxo de caixa? O primeiro fluxo de caixa eu montei quando tinha seis meses. Como assim? (Risos). Foi um degrau após o outro, acho que essa é a construção mesmo.
P/1 – E você ganhou prêmios com o chocolate?
R – A história da Galette, acho que foi uma história de sucesso. Como tudo que fazemos, fazemos direito e queremos fazer bem, nós acabamos ganhando vários prêmios ao longo desses dez anos. No ano passado por exemplo, em um prêmio, nós tivemos dois chocolates. Um ganhou dois prêmios, que foi o ouro, como melhor chocolate ao leite do Brasil, e o melhor chocolate ao leite do Brasil na opinião do público, eram duas categorias. E a gente teve nosso 70%, que foi considerado o melhor chocolate 70% na opinião do público. Então, em um único prêmio, nós ganhamos três vezes. E isso… E nós já ganhamos prêmios lá fora. Nós temos uma caixa de bombons de jabuticaba que é bem linda, bem gostosa, e é bem lúdico, porque os bombons são bolinhas, tipo jabuticabas mesmo, que a gente pinta. Ele ganhou um prêmio em Nova York, e ganhou um prêmio em Londres. Temos o pé de moleque de castanha-do-Pará que ganhou um prêmio em Seattle, temos um bombom de Tiramisu que é premiado em Seattle também. Então ao longo desse tempo, nós tivemos várias premiações por qualidade do produto.
P/1 – Uau, que fantástico isso!
R – É, muito orgulho.
P/1 – Está aqui me dando água na boca.
R – (Risos).
P/1 – E mudando um pouco de assunto, como está para você essa época de pandemia?
R – A pandemia teve vários estágios para a Galette. O primeiro foi o desespero e apreensão total, porque você imagina, ela começou em março, e a gente estava na véspera da época de maior faturamento de uma empresa de chocolate, que é a páscoa. Então em março, na hora que falou, "fecha tudo", a gente falou, "ferrou tudo, como é que vamos sobreviver o resto do ano, se não fizermos uma boa Páscoa?", porque você precisa garantir. Fora que assim, todas as embalagens já estavam compradas, todo o chocolate já estava produzido para fazer os ovos de páscoa, enfim, não só ovo, mas coelho, galinha, ovinhos grandes e pequenos, todos. Foi um desespero total, mas assim, de novo, eu não sei se é o grande anjo que prepara a gente para as situações, porque quando a pandemia chegou, nós já tínhamos uma loja virtual, já tínhamos uma logística estabelecida, tínhamos um carro lá e tínhamos um motorista que ajudava a gente fazendo as entregas. E uma coisa que aprendemos é que nós podemos também vender pelo Whatsapp. A gente acabou também tendo um ovo super reconhecido na melhor mídia da Páscoa aqui no Brasil, que é a revista Paladar. Todo ano a gente tem um ovo reconhecido como um dos melhores ovos, saímos na revista, e isso ganha… Eles têm uma bancada super séria lá que faz as degustações às cegas, escolhe os melhores ovos, e graças a Deus os nossos estão sempre no meio dos melhores ovos, então isso também ajudou. A gente tinha uma expectativa de Páscoa de vender 20% a mais do que no ano passado, mas vendemos quase 10%, acho que vendemos 8% a mais do que o ano passado. Então não superou a expectativa, mas foi uma Páscoa muito boa, muito boa. E eu acho que nós viramos isso muito rápido, fechamos a loja, colocamos a mesona da loja no escritório, e ali funcionou o nosso point de logística. Eu cuidando da loja virtual, o Hamilton me ajudou a fechar a logística, para onde que ia, quais eram os endereços, quando ia, qual rota iria fazer. As meninas: uma parte na embalagem, uma parte respondendo Whatsapp… Então tudo que entrava de pedido no WhatsApp, já alimentava ali. A gente rapidamente conseguiu fazer com que ninguém ficasse sem seu ovo de Páscoa e que a gente conseguisse deslanchar também todo o nosso estoque. Claro que acabou sobrando um pouco mais de embalagens do que tínhamos de expectativa, mas foi muito boa, muito boa. E como a Páscoa aconteceu logo depois do começo da pandemia, a gente já meio que aprendeu a trabalhar nessa forma nova. Dali para frente, nós continuamos fazendo as entregas, continuamos aprimorando o site, continuamos trabalhando no WhatsApp, por telefone até, enfim. Acertando meio de pagamento virtual, como que funciona… Nós tivemos que ter um choque muito grande, porque aí nós aprendemos e para no resto da pandemia, ter rolado bem dessa forma. Hoje a gente não está com a loja 100% aberta ainda, não está oferecendo serviço de café ainda. A loja está aberta só para venda de produtos. Esperamos que talvez até o final desse mês, nós já consigamos abrir. A loja é bem pequena, então eu achei bem complicada essa história de entrar gente lá, ficar sem máscara para tomar café, outra pessoa não tem uma condição de ficar tão longe assim, porque vai pagar e tem que passar pela pessoa, enfim. Acho que é um risco desnecessário para os nossos colaboradores e para os clientes, então resolvemos esperar um pouquinho mais. Mas a gente está mandando super bem, tanto é que falei para você que esse é um outro em ano que estamos batendo recorde de vendas e recorde de lucro, sabe, coisa que não tínhamos em anos tão bons, antes da crise, da recessão. Acho que estamos caminhando bem. Estamos até pensando em fazer a segunda loja. Isso, claro, deu uma desacelerada. Nós já estávamos muito mais acelerados no final do ano, para ter essa outra loja esse ano, e agora já pensamos em ter essa outra loja para a Páscoa, para o próximo ano, então postergou um pouquinho, mas estamos caminhando bem. Acho que aprendemos, todo mundo, não só eu e o Hamilton, mas as meninas. Nós temos praticamente quatro setores. É uma equipe muito pequena, mas são quatro setores, que é a cozinha, a parte das embalagens, a loja propriamente dita, e a parte mais administrativa. Outra sorte que tenho bastante grande, acho que é com as colaboradoras. Nós não temos demissão… A Maria, que é um dos meus braços direitos na cozinha, era minha funcionária na minha casa, quando eu trabalhava no mundo corporativo. Eu falei, "Maria, vamos fazer chocolate comigo?" (risos), e ela topou. O Hamilton ficou bravo, porque ela passava super bem as camisas dele, ele ficou meio perdido, mas ela está comigo até hoje. As meninas têm anos comigo lá, então ter muito pouco essa rotatividade, garante também que a gente consiga caminhar de uma forma diferente, mas todo mundo confia em todo mundo, porque todo mundo conhece todo mundo. Nós já estamos habituados, já temos a cultura da empresa, então conseguimos nos dar bem com essas situações adversas. Acho que a equipe faz bem também essa parte, de uma equipe que se conhece, que é sucinta, mas uma equipe que sabe porque está ali, e o que temos que entregar. Nós conseguimos passar por isso bem. Ficou todo mundo muito orgulhoso da nossa Páscoa, sabe?
P/1 – Se você fosse dar conselhos para novos interessados em empreender, novos empreendedores, que conselhos você daria?
R – Conselho para novos empreendedores? Eu diria para procurar se aprimorar antes. Apesar do papel não ter 100% de certezas, ele é um passo gigante quando você vai montar um negócio. Você não pode ter só um sonho, você precisa saber exatamente o que está fazendo. E procurar ajuda, procurar os órgãos competentes, Senai, Sebrae. Buscar, e ir atrás de consultorias que ajudam a construir o negócio, porque sozinho é muito difícil, é muito difícil. Eu já tinha um plano de negócios, comecei sozinha, e no meio do caminho… No meio não, no começo, graças a Deus, eu já vi que tinha um monte de coisa que estava errada, que eu tinha que ajustar, que tinha que correr. E tem que perseverar, né? Mas acho que montar o negócio no papel, para mim foi fundamental, porque eu sei qual é a direção. Por mais que eu tenha errado em uma coisa ou outra, a direção mestre eu tenho, então eu sei onde queremos chegar, e sei como queremos chegar, então isso não desvia. É importante.
P/1 – O que você acha desse projeto de memórias, das mulheres empreendedoras estarem sendo chamadas para contar as suas histórias?
R – Ah, eu achei o projeto incrível, porque são histórias do dia a dia, são histórias que acho que podem causar relevância na vida das novas empreendedoras, e relevância não só na vida das empreendedoras, mas das mulheres que trabalham no mundo corporativo também, porque de certa forma você acaba tendo que ter um espírito empreendedor. E mostrar que na verdade assim, são pessoas, nós somos só pessoas. Eu te contei a minha vida quase inteira, é uma vida comum. É diferente da sua, mas é um vida comum, que teve altos e baixos, uma vida acho que de ganhos e de perdas, enfim, de alegrias e tristezas, mas a vida de uma pessoa comum. No fundo, no fundo, os grandes e os pequenos, para mim, são todos pessoas comuns. Se você for avaliar a história dos empreendedores brasileiros por exemplo, são histórias de vida comuns. Tudo bem, você tem uma característica de persistência maior, uma característica de visão maior, de necessidade maior… Cada um tem o seu driver para poder chegar onde chegou, mas são histórias de pessoas, e isso é muito legal compartilhar, porque aprendemos com as outras pessoas. Nós aprendemos ouvindo, aprendemos assistindo. Um dos maiores ganhos que eu acho que tivemos nessa pandemia, foi esse monte de live que aconteceu, que todo mundo estava até enjoado. Nós nunca tivemos tanta oportunidade de aprender com tantas pessoas bacanas em todas essas lições diárias, praticamente, com pessoas. Você vê que são histórias que se convergem. Um pedaço da história de um converge com a sua, com a de outro, e é muito rico tudo isso, essa troca é muito rica. A pandemia trouxe isso, acho que de forma muito intensa. Acho que o projeto vem para concluir isso, porque o que vocês fazem, esse projeto, é exatamente isso. São as lições da pandemia, que vocês já faziam 30 anos atrás, vocês estão nessas lives há 30 anos, e isso é muito legal. Essa história de compartilhar tudo isso com as pessoas, é extremamente rica, é de um poder gigante.
P/1 – Tem alguma história da sua infância, adolescência, ou alguma história assim, importante que você não tenha contado? Alguma coisa que fez parte, que foi importante na sua vida… Você falou pouco da época do acidente. Não sei se você se lembra. Ou outra coisa que você gostaria de contar.
R – A época do acidente foi muito marcante na minha vida, primeiro porque trouxe consequências - tenho uma cicatriz grande na perna até hoje - e todo aquele período de hospital. Têm algumas coisas que me marcaram muito naquela época. Eu sofri um acidente, foi super feio, fiquei em coma por vários dias no hospital entre a vida e a morte. Eu lembro de duas situações desse acidente só. Eu lembro de eu no colo do meu vizinho, que dizem que me pegou no colo ali na hora em que eu fui atropelada, e me levou até a ambulância. Eu lembro de olhar para a minha perna, estar tudo sangrando, e depois não lembro mais. Me lembro depois, de eu em algum carro, acho que era a ambulância. Eu pedia água e eles me davam uma coisa doce, acho que era soro, não sei. Eu me lembro muito dessa sensação de tomar essa água doce. Mas o que mais me recordo dessa fase do acidente, foram os amigos e a forma como a minha avó lidou com tudo isso. Eu tinha um primo que levava… Eu não podia sair de casa. Minha avó e meu avô não tinham carro, então eu tinha um primo que levava a enfermeira lá para fazer meu curativo quando eu já estava em casa. Eu fiquei três meses no hospital. Ela ia lá todo dia fazer o curativo, e eu lembro dessa senhora, chegando com meu primo. Então era uma pessoa que se dispunha a ir lá, buscar a enfermeira e levar na minha casa sempre para fazermos esse curativo. Outra situação que eu lembro era no hospital, das pessoas que iam me visitar. A minha avó montou um negócio que tinha uns bichinhos de pelúcia, as pessoas iam me visitar e eu contava, porque quando a pessoas saíam do meu quarto, a minha avó transformava aqueles bichinhos de pelúcia em personagens e contava as histórias. O tigre falava com o leão… Nossa, eu lembro exatamente dos bichinhos de pelúcia ali na ponta da cadeira e ela me contando essas histórias. Quando as pessoas vinham me visitar, eu contava, "ah, você conhece o ratinho? Você sabia que ele fez assim com leão?", e lembro que minha avó dava risada (risos). Nem sei se a visita queria saber da história do ratinho, mas era o que eu tinha para contar. Acho que ela teve uma força gigante nessa época, sabe? Mesmo sem ter condições. Um dia que também me marcou bastante… Meu pai nessa época já não morava com a gente, então ele veio para São Paulo por conta do acidente. Eu sofri o acidente em janeiro e fazia aniversário em fevereiro. E ele… Não foi exatamente em fevereiro, porque eu já estava em casa, mas ele trouxe uma das bonecas mais caras que eu tive na vida, que foi aquela Mãezinha. Aquela Mãezinha que colocava o bebê e fazia ninar. Eu tenho essa boneca até hoje. Eu lembro que ele chegou com aquele boneca loira em casa, e me deu uma sensação de que ele tinha me levado a minha mãe, sabe? Eu lembro, foi uma… Até hoje eu olho aquela boneca e tenho a sensação de que ela é a minha mãe, porque ela está lá com aquele bebezinho, ele chegou e era uma família completa. Uma coisa meio estranha. Mas eu tenho esses relances assim, dessa época, da compaixão e da ajuda das pessoas, da força da minha avó, da presença do meu pai, essas coisas me marcaram bastante. Eu lembro até das minhas amigas, porque imagina, as meninas queriam ficar na rua. Eu estava com as duas pernas engessadas em casa, o máximo que eu podia brincar era de boneca, mas elas vinham em casa, e a gente brincava de boneca ali. Eu com as duas pernas engessadas, as meninas vinham e era muito legal recebê-las e brincar de boneca. Imagina, com cinco anos. Algumas coisas me marcaram, mas de uma forma bem positiva, porque acho que é muito como eu vejo as pessoas, essa história da compaixão, de se colocar no lugar do outro. Foi uma época que me deu bastante insumo de vida, tudo isso. Sei lá, acho que é isso.
P/1 – E Gislaine, o que você achou de contar a sua história aqui?
R – Ixe! Contar a minha história aqui, é meio que sair de alma lavada. Chorei pouco, mas agora estou tremendo. Acho que nós mexemos em umas coisinhas que eu não lembrava direito, o dia a dia não nos faz voltar tanto na vida assim. É uma sensação boa, de saber que por mais difícil que tenha sido tudo, foi tudo muito bom. Era com sacrifícios, mas era sempre tudo muito bom. Teve altos e baixos, mas sempre foi tudo muito bom. Então relembrar tudo isso, é uma sensação de alma lavada, e de sair daqui com a sensação de terapia. Eu tinha certeza que isso seria muito mais um presente do que uma doação, com certeza absoluta, e foi.
P/1 – Muito inspiradora a sua história.
R – Muito comum, né?
P/1 – Ah, é um grande exemplo de vida, de perseverança, de seguir os objetivos, de fazer a coisa dar certo. Queria te agradecer muito, muito por compartilhar sua história com a gente.
R – Eu que agradeço. Foi uma hora, né?
P/1 – Não, duas.
R – Duas horas? Não é possível isso. Uau! Forma duas horas que passaram voando, nem senti. Nem deu vontade de tomar água, nem deu vontade de ir ao banheiro, nem de nada (risos). Muito obrigada, eu que agradeço.
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