Identificação Museu da Pessoa - Celso, para começar eu queria que você dissesse seu nome completo, data e local de nascimento. Celso - Meu nome é Celso de Abreu, nasci em São Paulo, capital, no dia 20 de fevereiro de 1949. Fiz aniversário nesta quarta-feira. MP - Teve festa lá no Aché? Celso - Teve um bolinho com refrigerante. MP - Que bacana. Celso - Logo cedo, às sete e meia. (risos) Antes de começar as atividades, já teve um bolinho. Origem da família MP - A tua família é daqui da São Paulo mesmo? Celso - Sim. MP - Inclusive os teus avós? Celso - Meus pais são de São Paulo. Meus avós são de Portugal. MP - Você sabe um pouquinho da história da família de teu pai? Celso - Pouca coisa que eu me lembro. Meus avós paternos vieram de Portugal na época da Segunda Guerra Mundial. Meu avô era chacareiro. Tinha sítio, vaca leiteira, inclusive meu pai ajudava a distribuir esse leite na região ali, com carroças. Além da chácara, onde faziam o plantio de hortaliças para vender no mercado, tinha essas vacas leiteiras também. MP - Eles moravam em Portugal aonde? Você tem uma idéia? Celso - Não tenho lembrança agora. MP - E eles vieram casados para cá? Celso - Vieram casados. MP - E foram morar aonde? Celso - Em Santana mesmo, no bairro do Imirim, próximo ao Aché velho. MP - A família de seu pai era grande? Celso - Bem grande. MP - Como era essa chácara onde eles moravam? Celso - Na verdade, naquela época, aquela região do Imirim, do Chora Menino, era como se fosse uma cidade do interior, com bastante arborização, não tinha asfalto. Em muitos lugares, não tinha água encanada, não tinha iluminação pública. Era bem assim, interiorzão mesmo. MP - E aí seu pai morava lá com os irmãos também? Quantos irmãos, você sabe? Celso - Eu acho que eles eram em oito. Posso lembrar aqui... Vivos mesmo tem só o meu tio, que é meu padrinho de crisma, Antônio de Abreu. Ele tem o nome de meu avô, e a minha...
Continuar leituraIdentificação Museu da Pessoa - Celso, para começar eu queria que você dissesse seu nome completo, data e local de nascimento. Celso - Meu nome é Celso de Abreu, nasci em São Paulo, capital, no dia 20 de fevereiro de 1949. Fiz aniversário nesta quarta-feira. MP - Teve festa lá no Aché? Celso - Teve um bolinho com refrigerante. MP - Que bacana. Celso - Logo cedo, às sete e meia. (risos) Antes de começar as atividades, já teve um bolinho. Origem da família MP - A tua família é daqui da São Paulo mesmo? Celso - Sim. MP - Inclusive os teus avós? Celso - Meus pais são de São Paulo. Meus avós são de Portugal. MP - Você sabe um pouquinho da história da família de teu pai? Celso - Pouca coisa que eu me lembro. Meus avós paternos vieram de Portugal na época da Segunda Guerra Mundial. Meu avô era chacareiro. Tinha sítio, vaca leiteira, inclusive meu pai ajudava a distribuir esse leite na região ali, com carroças. Além da chácara, onde faziam o plantio de hortaliças para vender no mercado, tinha essas vacas leiteiras também. MP - Eles moravam em Portugal aonde? Você tem uma idéia? Celso - Não tenho lembrança agora. MP - E eles vieram casados para cá? Celso - Vieram casados. MP - E foram morar aonde? Celso - Em Santana mesmo, no bairro do Imirim, próximo ao Aché velho. MP - A família de seu pai era grande? Celso - Bem grande. MP - Como era essa chácara onde eles moravam? Celso - Na verdade, naquela época, aquela região do Imirim, do Chora Menino, era como se fosse uma cidade do interior, com bastante arborização, não tinha asfalto. Em muitos lugares, não tinha água encanada, não tinha iluminação pública. Era bem assim, interiorzão mesmo. MP - E aí seu pai morava lá com os irmãos também? Quantos irmãos, você sabe? Celso - Eu acho que eles eram em oito. Posso lembrar aqui... Vivos mesmo tem só o meu tio, que é meu padrinho de crisma, Antônio de Abreu. Ele tem o nome de meu avô, e a minha tia Júlia que é a caçula das mulheres. Só os dois são vivos. Eu perdi meu pai em setembro de 99. É coisa recente. Tem dois anos. Avós paternos MP - Como se chamavam seus avós paternos? Celso - O meu avô chamava-se Antônio de Abreu e a minha avó Maria Isabel Fernandes. MP - Que lembrança você tem desses avós? Celso - Eu lembro pouca coisa do meu avô e da minha avó, porque eles se separaram. Tem as histórias que meu pai contava, que marcou muito. Quando a minha avó se separou do meu avô, o meu avô era tido como uma pessoa muito ruim. Desses portugueses ruins. Tanto é que ele tinha o apelido de Antônio Russo. Não tem nada a ver com o Antônio Russo que é o meu diretor. (risos) Ele era ruim mesmo. Ele era briguento, andava com revólver na cintura para chamar a atenção, para que as pessoas impusessem respeito. E, quando minha avó faleceu, ele soltou fogos para comemorar o falecimento dela. Então, isso marcou muito. Porque eles eram separados e eles estavam se desfazendo de todos os bens que eles tinham. Estavam brigados. Se separaram, e quando ela faleceu, ele soltou fogos, para comemorar a morte dela. (risos) MP - E teu pai ficou morando com quem? Celso - Eu não lembro dessa passagem. Eu sei que tinha o tio João, o meu pai, o tio Toninho, a tia Júlia, a tia Isabel, a tia Rosa, quem mais? A tia Luiza... Acho que de homens eram só três. Eles eram muito severos. Esse pessoal da Europa, tanto de Portugal quanto da Espanha, da Itália, eram muito enérgicos, muito severos. E meu pai contava essas passagens. Quando meu avô queria bater neles, dar uma sova, eles subiam, trepavam em árvores altas, então não tinha como meu avô alcançar. Só que meu avô esperava eles descerem: "Uma hora eu pego eles." E é interessante. As poucas coisas que eu lembro do meu avô... Ah, minha avó era benzedeira e fazia massagens. Tinha muito disso na época. Mulheres que benziam crianças de quebranto, de bucho virado, de olho gordo. E massagens também em pessoas que davam mal-jeito, torciam o pé, davam mal-jeito nas costas. As pessoas iam na casa da minha avó para fazer massagem ou para se benzer. Esse dom meu pai levou com eles, tanto é que ele fez isso até praticamente o último dia de vida dele ele fez isso. Mas ele fazia isso como um voluntariado, como uma benevolência. Ele não cobrava. Era uma atividade paralela. Porque depois dele ter sido chacareiro, trabalhar junto com meu avô, de distribuir leite, ele entrou na CMTC. Ele era cobrador de ônibus, na extinta CMTC que era uma empresa de ônibus da Prefeitura, depois ele passou a fiscal de ponto, que falava. Ficava lá naquela guarita para fazer os apontamentos. E paralelamente, ele fazia isso. Benzia as pessoas, fazia massagem. MP - Você quando criança, lembra de seu pai recebendo pessoas na sua casa? Celso - Sim até recentemente. Até na semana em que ele morreu, ele estava fazendo massagem nas pessoas. Então, ele sempre esteve em atividade. MP - Essa avó, mãe do seu pai, que tinha esses dons, você chegou a conhecer? Celso - Eu tenho vaga lembrança dela. MP - Com é que ela era? Como você a descreveria? Celso - Eu tenho vaga lembrança. Muito vaga lembrança. Do meu avô eu lembro que ele era grandão. Aquele portuguesão grandão, cabelo branco, mas bem batidinho, curtinho. Rosto redondo. Ele tinha fama de ruim. Quando ele faleceu, eu devia ter acho que 10 anos mais ou menos e o que eu lembro dele é que ele faleceu com as duas pernas em carne viva. Deu uma doença lá que eu não me lembro qual era. Ninguém mais mexia. Só meu pai que podia fazer curativo nele. Ele só confiava no meu pai. Acho que meu pai tinha a mão da minha avó, a mão benta para estar mexendo, para fazer os curativos. Mais ninguém mexia. Só meu pai. MP - E essa chácara onde eles moravam, você sabe mais algum detalhe sobre essa chácara? Celso - Não, porque quando a gente era pequeno já não existia mais essas chácaras. Quando nós nascemos, eu e minhas irmãs, meu pai já trabalhava na CMTC. Era coisa mais da época de juventude dele. Avós maternos MP - E por outro lado, a família da sua mãe de onde veio? Celso - Eles vieram também de Portugal. Meu avô chamava-se Joaquim Maria Rito e minha avó Teresa de Jesus Ribeiro. Eu não me lembro qual das minhas tias... Era a minha mãe, tia Ester, tia Rosa, tia Amélia, tio Orlando, tio Tininho... Tio Orlando inclusive, ele se enforcou. Ele tinha um relacionamento com uma mulher, só que ela era de cor. Era bem escura, era parda e o meu avô não gostava, não aceitava aquele relacionamento. E nós acreditamos que ele tenha se enforcado por causa disso. MP - E teus tios, eles nasceram aqui no Brasil? Celso - Eu tenho uma vaga lembrança, não lembro qual das minhas tias que nasceu na viagem. Não me lembro se foi a tia Amélia. Uma das irmãs da minha mãe nasceu viajando de navio para o Brasil. Acho que foi a tia Amélia. MP - E lá em Portugal, a família trabalhava com o quê? Celso - Eu desconheço. Nunca tive a curiosidade de levantar a árvore genealógica e me aprofundar mais nessas histórias, inclusive de Portugal. MP - E, chegando no Brasil, eles foram morar aonde? Celso - Que eu me lembre, os pais do meu pai viviam ali nas imediações do Aché velho, no Chora Menino, no Imirim. E os pais da minha mãe, um pouco mais distante dali, mas é próximo também, no Parque Peruche, Casa Verde, que fica bem próximo. MP - E era uma chácara também? Celso - Não. Ali já não era mais chácara. Já era uma residência. O meu avô, pai da minha mãe, era carpinteiro e trabalhava em uma oficina de carpintaria. Fazia móveis. Marcenaria, carpintaria. Eu me lembro que, que quando a gente era pequeno, normalmente a gente ia passear de domingo. Nós íamos a pé, na casa dos meus avós, pais de minha mãe. Dava para ir a pé. Tipo assim uns três, quatro quilômetros. MP - E como era essa casa dos avós? Celso - Que eu me lembro, tinha várias casas vizinhas também que eram iguais, inclusive tinha uma casa do lado, que morava a tia Amélia e tem uma coisa que eu me lembrei agora: na porta da casa da minha avó era um barranco e nesse barranco tinha um coração feito com um tipo de uma grama, em formato de um coração. Bem na porta da casa.E acho que era coisa ainda cultivada pelo meu tio Orlando, esse que se enforcou. MP - E sua avó como é que chamava? Celso - Teresa de Jesus Ribeiro. MP - O que você lembra dela? Celso - Uma coisa que eu sempre me lembro é que ela tinha uma certa dificuldade para falar meu nome. Porque ela tinha um outro neto chamado Nelson... Sérgio eu acho que não tinha. Tinha sim. O Sérgio que era da minha tia Iracema, o Nelson que era da minha tia Olga, se não me engano, e eu o Celso. Então, para ela falar o Celso, para ela me chamar, tinha que sair Sérgio tinha que sair Nelson, para depois sair o Celso. Ela era muito boazinha. Nossa. A gente ia para lá e a casa ficava cheia de crianças. Porque juntava eu, minhas irmãs e mais os meus primos. MP - E ela cozinhava bem? Celso - Cozinhava. MP - Você lembra de algum quitute especial? Celso - Costumava fazer assim muito doce. Doce de abóbora, doce de chuchu... Até doce de chuchu ela fazia. Agora não lembro muito. Uma outra coisa que eu me lembrei agora, que é dessa época, na mesma rua onde eu estudei, onde eu fiz o curso primário, a minha tia Iracema mudou e ficou morando vizinho da escola. Então, muitas vezes eu passava lá para ela me dar umas moedinhas para eu comprar doce na escola. MP - Como era essa tia Iracema? Celso - Ela era muito divertida. Era casada com um tal de... A gente chamava de tio Salim. Salim é turco, é árabe. Acho que ele era sírio. Ele era alfaiate. Mas ela era muito divertida. MP - Por que divertida? Celso - O jeito dela, ser extrovertida, brincalhona. MP - E o seu avô carpinteiro? Você lembra dele? Celso - Lembro. MP - Como é que ele era? Celso - Eu tenho pouca lembrança dele também. A gente se via assim mais nos finais de semana, e não era sempre também. Ele era muito calmo. O oposto do avô, do pai do meu pai. Era muito calmo, tranqüilo. Eu não entendo, era tão calmo. Eu me lembro também, que ele morreu de úlcera. Não a úlcera nervosa, a úlcera péptica. Naquela época era difícil curar até com cirurgia. Eu lembro pouco dele. Eu lembro que ele era muito calmo. Muito sossegado, muito tranqüilo. Casa da infância MP - Você falou que você morava perto dos seus avós. Como era essa casa da infância? Celso - Teve um casarão que eles moraram - hoje já destruíram - ficava na esquina da rua dos Timoneiros que é travessa da Nova dos Portugueses onde era o Aché velho. Eles chegaram a morar ali, naquele casarão. MP - Os teus pais? Celso - Os meus avós. Os meus pais, a minha mãe é viva ainda. Ela mora na mesma casa. Nós mudamos para lá em 56. Foi quando eu entrei na escola. Eu tinha sete anos de idade, quando nós mudamos para essa casa. Minha mãe mora nessa casa até hoje. MP - E, antes dessa casa, onde vocês moraram? Celso - Nós moramos ali nas imediações, na rua dos Timoneiros. Antigamente era apelidada rua do Vieira, porque tinha um empório na esquina. O empório era de um português também chamado Vieira. Era travessa particular. Então a gente chamava Rua do Vieira. Nós moramos em três casas ali. Nós moramos em duas casas mais no final da rua, e inclusive as casas eram do meu tio e padrinho, tio Antônio. Ele mora lá nessa rua, inclusive. MP - Como é que era a rua do Viera na época? Celso - Era uma rua sem saída. Uma ladeira, de terra. Não tinha asfalto, não tinha sarjeta, não tinha rede de esgoto. Inclusive na última casa da rua, que nós moramos, passava um rio. Hoje ele é canalizado. Mas passava um córrego lá. Uma outra casa que nós moramos, mais para cima, tinha um... Ah, é. Tinha uma última casa, onde morávamos nós, na beira do rio, depois tinha uma outra casa que era alugada e uma outra casa mais para cima, onde morava tia Júlia. Tia Júlia mora até hoje nessa casa. Tinha um quintal grande, que tinha uma espécie de um pomarzinho, que eu brinquei muito tempo nesse quintal. Brincadeiras da infância MP - Quais eram as brincadeiras de infância favoritas, Celso? Celso - Essa minha tia Júlia, ela tem um filho, o Nivaldo, que nós tínhamos diferença de seis meses de idade. Eu sou nascido em fevereiro e ele é de agosto. A gente brincava de mocinho e bandido. Na época tinha muito esse negócio de faroeste, filme de faroeste. E a gente brincava muito de mocinho e bandido. Escalava árvore, andava de cavalo, fazia cavalo com cabo de vassoura... a gente improvisava os brinquedos. E essa minha tia Júlia conta que - nós moramos na casa de cima também, que era vizinha dela de cerca - e ela conta que a minha mãe era muito desmazelada com os filhos. Ela tratava do Nivaldo, ela teve três filhos homens. E a minha mãe, além de mim, teve mais seis mulheres. Eu de homem, mais seis mulheres. E a minha tia comentava que ela dava banho no Nivaldo, dava mamadeira para ele, deixava ele limpinho, e ela falava que eu ficava lá no cestinho ou na bacia, eu não sei onde eu ficava lá, chorando, todo molhado, com a fralda molhada. E ela ficava com dó. MP - E você, que lembrança você tem da tua mãe nessa época? Celso - Nessa época, eu não lembro. Eu era muito pequenininho para lembrar. O que eu me lembro, eu já garotinho, eu me lembro que em uma outra casa mais para cima, onde nós morávamos, no mesmo quintal tinha um senhor que era reformado, aposentado da extinta Guarda Civil, seu. José, também. Ele tinha o mesmo nome de meu pai. Ele morava no mesmo quintal. Eu aprendi com ele comer, tomar ovo cru. Tirava só a casquinha, só a tampinha de cima, colocava sal, mexia com a colher e tomava o ovo cru. MP - Você falou que tinha muitas irmãs. Quantas irmãs? Celso - Nós éramos em seis irmãs mulheres e eu de homem. MP - Como era o nome delas? Celso - Só tem uma falecida, que o nome... Eu devia ser muito pequenininho, que eu não lembro quando ela faleceu. É a mais velha, a Guiomar. Depois tem a Maria Teresa, aí vem eu, depois abaixo de mim tem a Neide. Aí vem a Noêmia, depois vem a Nadir e depois vem a Nair. MP - E como é que era essa casa cheia de irmãs? Celso - Era uma encrenca danada.Tinha muita mulher na casa. É interessante que eu não gostava muito de ficar lá em casa, porque tinha muita mulher. Não tinha menino para eu brincar. Então eu ia para casa dessa minha tia Júlia para brincar com o Nivaldo. Inicialmente a gente brincava no quintal, brincava de mocinho e bandido... Eu ia para casa dessa minha tia Júlia, porque como minha casa era cheia de mulher, sobrava mulher para fazer serviço: varrer, arrumar a casa, limpar a casa, lavar a louça, passar roupa. Na minha casa tinha bastante mulher. Ainda a minha mãe tinha mais cinco irmãs. Só que eu fazia tudo isso na casa da minha tia Júlia. Como ela não tinha filha, só tinha filhos homens, o Nivaldo era o caçula. Depois tinha mais dois que já eram moços. Então, o que a gente fazia? Ela ensinou muito, eu aprendi muito com ela. A varrer a casa, arrumar a cama. Um lavava a louça... O meu primo, por exemplo, lavava a louça e eu enxugava. Depois a gente guardava. Mas a gente sempre fazia isso com um certo interesse. Desde criança. A gente sabia que depois ela ia dar um dinheirinho para a gente ir ao cinema, comprar sorvete. Sempre tinha algum interesse por trás. MP - Onde vocês iam ao cinema? Celso - Que eu me lembro, eu ia no cinema na avenida Imirim, que era o cinema mais próximo na época e que dava para ir a pé. Depois tinha em Santana. Em Santana, tinha mais dois. Na Voluntários da Pátria, que é a rua onde eu estou morando atualmente. Lá tinha o cine Hollywood e o cine Vogue, que era um pouquinho mais para baixo. Esse cine Vogue, inclusive, era tratado de pulgueiro. Costuma-se dizer que esses cineminhas sem-vergonha eram pulgueiros. Hoje já não existe mais. Existe o Hollywood, onde era o cine Hollywood, hoje é uma galeria e tem parece, duas salas. Trabalho em casa MP - Você falou que as tuas irmãs ficavam com os afazeres domésticos. Você também tinha algum tipo de trabalho? Celso - Na verdade, como nós tínhamos um quintal grande, e meu pai sempre mexeu com plantação, com hortaliças. Ele tinha uma horta, por sinal muito bem cuidada, tinha um galinheiro. Sempre tinha ovo fresco. Final de semana quisesse matar uma galinha, sempre tinha uma galinha para matar. Ovo tinha todo dia. A gente ia recolher os ovos que as galinhas tinham botado. Também era muito bem cuidado esse galinheiro, porque tinha parte que era de terra e uma parte que era cimentada. Então, tinha que estar raspando, tinha que estar lavando e esse próprio esterco que a gente recolhia, a sujeira que a gente recolhia do galinheiro, servia para adubar a terra da horta. E mais umas 15 ou 20 gaiolas de passarinhos. Meu pai gostava muito de passarinho e ele fazia criação, inclusive, em casa. Cruzamento de pintassilgo com canário do reino, canários belgas. Uma das minhas atividades era ajudar meu pai a cuidar das gaiolas, do galinheiro, da horta, arrancar matinho da horta, ajudar ele replantar. Porque ele fazia, preparava a terra, a revirava toda, depois ele semeava, e aí, quando começava a brotar aquelas sementes, aquelas mudinhas tinham que ser replantadas no canteiro, com uma certa distância. Com um pauzinho, a gente fazia os furinhos na terra e replantava essas mudinhas. Ficava muito bonito. Tinha canteiro que era só de alface, canteiro que era só de couve manteiga, canteiro de berinjela, de pimentão. Era tudo separadinho. Cebolinha, salsinha. Ele era muito caprichoso. Eu ajudava ele nessa parte. Não só eu. Minhas irmãs também ajudavam. Fora isso aí, meu primeiro emprego mesmo, foi dentro de casa. Como nós éramos de família grande, família pobre, humilde e só meu pai trabalhava - como eu já disse, ele trabalhava de cobrador e depois passou a ser fiscal de ônibus - então, o que nós fazíamos? Nós íamos em uma fábrica buscar botão para costurar o botão na cartela. Os botões eram vendidos - acho que até hoje - são vendidos, comercializados, em cartelas, em cartolinas. Nós íamos nessa fábrica de botão, que ficava lá nas imediações também, pegar botão para pregar na cartela. E nós ficávamos em volta da mesa, eu, meu pai, minha mãe, minhas irmãs, todos nós, pregando botão nas cartelas. Era mais uma fonte de renda para ajudar em casa. MP - Isso à noite, então? Celso - Quem não trabalhava - que na verdade nós não trabalhávamos - ia para escola, fazia lição e depois, pregar botão nas cartelas. E tinha que pregar bem pregadinho, o meu pai era muito exigente nisso. Ele era muito caprichoso e eu tenho muito dele também, de ser perfeccionista. A cartela vinha marcada com uns pontinhos. Então, não podia costurar o botão na cartela e deixar as linhas tudo tortas ou então tudo balançando.Os botões não podiam balançar. Nós fazíamos uma revisão no final. Depois de todos os botões nas cartelas, tinha que ser organizado e armazenado tudo na sacola para poder levar, para não amassar, para não estragar. Já naquela época, o meu pai fazia esse controle de qualidade. Ele pegava as cartelas, tinha uns botões grandões, que rendia. Pregava seis botões, enchia a cartela. Tinha outros pequenininhos, de blusas, normalmente de blusas de mulher, que era um botão pequenininho assim, e a cartela desse tamanho, ficava cheia de botão. Então, tinha que ficar bem costuradinho para hora que fosse pegar na ponta da cartela e chacoalhar, você não podia ouvir barulho de botão. De um bater no outro. Se tivesse algum chacoalhando, ficava separada para refazer o trabalho. MP - Isso tudo era em qual casa, Celso. Naquela em que morava... Celso - Isso já... Na casa em que minha mãe mora até hoje, nós chegamos a pregar bastante botão. Mas já fazíamos isso desde as outras casas. Primeira escola MP - Você falou da escola. Que escola era essa? Como é que era? Celso - Eu não me lembro se as minhas irmãs também chegaram a estudar nessa escola. Acredito que foi a Teresa, depois fui eu e depois foi a Neide. Que eu me lembro, a escola que eu fiz o primário. O que é hoje é o ensino fundamental, na época chamava-se primário, que era da primeira até a quarta série do primário. Depois tinha o Admissão para você prestar exame de seleção para você entrar no ginásio. Também o ginásio ia da primeira até a quarta série. Hoje é direto, da primeira à oitava série. Eu fiz o meu primário no Grupo Escolar Barão Homem de Mello. Esse grupo existe até hoje, ali na rua Alfredo Pujol, número 1.555, em Santana. E foi nessa mesma escola que eu fiz o cursinho para fazer a primeira comunhão. Essa escola era muito boa na época, apesar de ser... acho que era da Prefeitura na época. Ela servia merenda, que eu me lembro era canjica ou toddy ou chocolate, e essa escola era muito limpinha. As serventes usavam um uniforme, um avental azul. A escola era muito limpa, muito organizada, tinha dentista, teatrinho, tinha uma quadra de basquete, uma área de gramado muito bonita, que a gente saía para o recreio e ia correr, brincar de bola... MP - E as salas-de-aula, como eram? Celso - As salas-de-aula eram muito bem arejadas, tinha o quadro-negro... Se não me engano, o quadro-negro nessas salas ainda eram aquelas lousas grandes, não eram chumbadas. Hoje são fundidas na parede, com gesso. Antes era de madeira, um quadro-negro mesmo. Que eu me lembro, as carteiras eram pesadas, se eu não me engano tinha classes com carteiras compridas que cabiam três alunos, e tinha salas que tinha carteira individual. Cada aluno tinha sua carteira. No tampo da carteira, tinha um local para você encaixar a caneta para não escorregar, para não ficar rolando. E tinha um buraco para você encaixar o vidrinho de tinta, o tinteiro, que na época ainda usava caneta tinteiro. Até hoje é usada. Mas eu não gostava muito de usar essa caneta, porque eu sou canhoto, então, conforme eu vou escrevendo, eu vou passando a mão por cima daquilo que eu estou escrevendo. Eu vou borrando tudo. Então, não gosto de usar caneta tinteiro justamente por isso. Nunca gostei. MP - E você era bom aluno, Celso? Celso - Eu sempre me considerei um bom aluno, o "cdf" que o pessoal costuma comentar, porque eu não faltava, não chegava atrasado... Tanto é que eu me lembro - meu pai é muito caprichoso conosco com isso também - antes da gente ir para escola, de entrar na escola, ele ensinava as horas para a gente, no despertador. Ensinava as horas e ensinava números, inclusive. Nós entrávamos na escola, no primeiro ano, com sete anos de idade. Normalmente era com sete anos. Mas já sabendo as horas e sabendo escrever alguns números, escrevendo o nome, o nome do pai, o nome da mãe. Ele fazia questão de ensinar os filhos, antes de eles irem para a escola. Tanto é que eu me lembro que ele foi me levar na escola um dia só. Só no primeiro dia porque tinha que atravessar a avenida Imirim, que antigamente era uma rua que não tinha quase movimento, mas era a rua mais movimentada. Só que na porta da escola tinha um guarda que atravessava a gente. Ele foi me levar só no primeiro dia. Eu falei para ele que ele não precisava mais me levar na escola, que eu podia ir sozinho. MP - E tinha muita lição de casa? Celso - Na verdade, nessa época tinha. Eu me lembro que meu pai ajudava a gente a encadernar, forrar, encapar os cadernos com papel, um tipo de um papel manteiga que chamava papel impermeável. A escola é que definia se era azul, se era vermelho. E meu pai tinha um capricho de estar ajudando a gente a encapar os cadernos. Que esses cadernos de trabalho, ficavam no armário da escola. Nós só utilizávamos esses cadernos, no dia que tinha que fazer aquele trabalho. Por exemplo: Era Caligrafia? Então a gente usava aquele caderno que estava na escola, só no dia que tinha aula de Caligrafia. Nós não carregávamos ele e voltávamos todo dia para casa. Só carregávamos mesmo aquele que era o de tarefas. Eu me lembro também da minha primeira cartilha. Chamava-se Caminho Suave. Ela deve existir até hoje. Ela tinha o texto e tinha as gravuras. Coisas que a gente aprende bem assim o basicão, o rudimentar. O "o" do ovo, o "e" do elefante, o "i" da igreja... Isso ficou tão gravado na minha mente que parece que eu estou com a cartilha na mão. A capa da cartilha Caminho Suave, tinha um caminho, uma fotografia de um caminho e um menino e uma menina andando de mãos dadas nesse caminho. E eu costumava dizer que eu sou "cdf", porque eu não faltava e quando eu chegava em casa... Eu estudei o primeiro, o segundo e o terceiro ano das onze da manhã às duas da tarde. Era um horário estranho. Porque das onze às duas, no horário do almoço, ficava na escola. E eu me lembro que a minha mãe fazia o lanche para mim. Ela fazia ovo, omelete... ou, às vezes, quando não tinha nada para o por no meio do pão, eu passava banha, passava massa de tomate. A gente sempre levava um lanchinho, apesar de ter na escola, a merenda. Sempre tinha uma canjica, um chocolate, um bolo. Os três primeiros anos eu estudava das onze às duas. Só o quarto ano é que eu fiz das oito às onze. Eu me lembro que eu chegava em casa e não tirava o uniforme. Eu chegava em casa, sentava para fazer a lição. Terminava a lição e depois eu tomava café de copo. Café puro, preto. Tomava café com pão. Molhava o pão no café e depois eu vestia meu calção e ia para a rua. Primeira comunhão MP - Como é que era esse uniforme da escola? Celso - O uniforme da escola era a camisa branca, a calça curta com suspensório e o sapato era preto. Se não me engano era preto. Me lembrei de uma coisa agora: na mesma escola que eu estudei o primário eu fiz o cursinho para fazer a primeira comunhão. E eu queria porque queria que meu pai comprasse a roupinha para eu fazer a primeira comunhão, com a calça comprida. E ele não comprou a calça comprida. Eu vesti a roupa, fui fazer a primeira comunhão contrariado, porque eu queria usar a calça comprida, e ele me comprou a calça curta. Era um conjuntinho também de suspensório, só que a calça era curta, era azul marinho e a camisa branca. Eu fui contrariado porque eu cheguei lá e vi um monte de coleguinhas todos de calça comprida e eu de calça curta. Tinha outros também de calça curta também. Eu já era enjoado desde essa época. (risos) MP - E você teve educação religiosa? Celso - Eu sou Católico Apostólico Romano, hoje não muito praticante, mas nessa época eu me lembro também, que era interessante que na própria escola em que você estudava eles darem aula de Religião. Apesar de ser escola do Estado ou de Prefeitura. E eu me lembro, já era um pouquinho mais... Dessa mesma época, eu e esse meu primo Nivaldo, nós íamos em uma chácara que tinha na Santa Terezinha, que é um bairro próximo, nós tínhamos um... A Igreja Santa Terezinha, inclusive a igreja que eu casei. Na época que eu estava estudando no primário, eu ia brincar com esse meu primo Nivaldo - que eu até cheguei a comentar que minha tia dava dinheiro para gente ir ao cinema ou para comprar sorvete - ela também, não que obrigava, mas ela fazia com que a gente fosse à igreja para assistir a missa aos domingos. E nós tínhamos na Santa Terezinha, um bairro próximo também, a Igreja de Santa Terezinha, que é a igreja que eu casei, inclusive. E lá tinha vários campos de futebol, e os padres brincavam com a meninada. Só que para nós jogarmos futebol, para pegar uma camisa para jogar, nós tínhamos que ir de sábado, assistir o catecismo ou ir domingo na missa. Aí ele dava um cartãozinho, que era a senha para pegar a camisa para poder jogar futebol. MP - Então, você ia à missa? Celso - A gente ia à missa. E mesmo assim, quando eu tinha já uns 13 ou 14 anos, eu ia para casa de outros primos também - eram três primos, o Lúcio, o Célio e o José. E tinha o João também. O João era mais velho. Só que o João já era casado. Isso já era na época dos bailinhos. A minha prima obrigava a gente a ir para a missa dia de domingo. Podia chegar de madrugada, ela fazia acordar para ir para a missa: "Vocês podem ir para a missa e depois quando vocês voltarem, vocês podem dormir mais até a hora do almoço". Ela fazia a gente sair da cama cedinho no domingo para ir assistir à missa. Primeiro emprego MP - E na escola, Celso, quanto tempo você ficou naquela primeira escola? Celso - Lá na Barão Homem de Mello, eu fiz o primário - o primeiro, o segundo, o terceiro e o quarto ano primário. Enquanto eu estava fazendo o quarto ano primário, à noite eu estava fazendo o Admissão. Admissão era como se fosse um vestibular para entrar no ginásio. Então a gente tinha essa opção de estar fazendo o Admissão à noite para ganhar um ano, para economizar um ano. Só que eu não passei no Admissão. Eu tirei o diploma do primário e não passei no Admissão. Nessa época meu pai arrumou uma professora particular para me dar aula, se não me engano era de História e Geografia. Meu pai pagou essa professora, para eu poder me preparar para fazer o exame de segunda época. Só que eu andei dando uns canos nessa professora. Em vez de eu ir para escola, eu ia com meu primo para a lagoa, para nadar, para brincar de mocinho e bandido. E acabei não passando. Eu tinha 11 anos nessa época. Já achava que era homem e não queria mais estudar. Queria trabalhar. Eu queria, na verdade, me livrar daqueles afazeres de casa, as tarefas do lar, que era cuidar da horta, do galinheiro, dos passarinhos. Nessa época acho que não tinha mais o botão. Queria mais era me livrar disso. E eu comecei a perturbar o meu pai que eu queria porque queria trabalhar fora. Mas ele não queria. Ele queria que eu estudasse. Eu insisti, insisti. A família era grande. Eu já tinha uma irmã, a Teresa, já trabalhava em uma fábrica de cadernos. Não. Ela trabalhava em casa de família e depois ela começou a trabalhar em uma oficina de costura de camisas. Eu me lembro que o meu pai, na época, ele arrumou um serviço para mim, com um amigo dele que tinha uma banca na feira. Só que eu trabalhava de quinta e de domingo. Vendendo laranja na feira. MP - Como é que fazia para vender a laranja? Celso - Na verdade, eu ajudava arrumar. Eu era pequeno. Eu não podia com a caixa da laranja. Ajudava arrumar, organizar, colocar no saquinho. Eu não me lembro de ter algum refrão ou de algum jargão de eu dizer na feira para fazer a propaganda. Eu ia mais para ficar... Às vezes o cara ia para o bar, para padaria tomar café, e eu ficava tomando conta. Vendia. Fazia troco. Já conhecia dinheiro. Era só de quinta e de domingo que eu ia. E parei de estudar mesmo. Eu arrumei um emprego em uma fábrica de cintas também. Mas fiquei pouco tempo nessa fábrica de cintas. Trabalhava com couro. MP - Onde é que era essa fábrica? Celso - Era próximo lá também. Dois quarteirões da minha casa. MP - Você lembra o que você fez com o primeiro dinheirinho que você ganhou? Celso - Não me lembro. MP - Você dava para sua mãe, ou ficava com você? Celso - Que eu me lembro assim com certeza, era do dinheiro que eu já ganhava no Aché. Porque, depois dessa fábrica de bolsas - era cintos e bolsas - eu fiquei coisa de um mês só. Aí meu pai arrumou um emprego para mim, em uma fábrica de calçados para homens. A fábrica de calçados era de um colega dele, de juventude, que jogou futebol com ele. O Levon Simonian, um armênio do Imirim também. Era em uma rua próxima. Eu ia a pé. E eu fiquei nessa fábrica acho que quase quatro anos. Porque, na verdade, o Levon era gerente de uma outra fábrica, de outro Levon. Eram dois Levon. Um Levon baixinho e o Levon alto. O Levon baixinho é que tinha a fábrica e o Levon era gerente na fábrica que meu pai arrumou para eu trabalhar. Aí, o Levon saiu dessa fábrica e montou uma fábrica e me levou para trabalhar com ele. Nessa época, o Aché já funcionava na Nova dos Portugueses. Brincadeiras de infância Celso - Eu me lembro que no prédio que construíram o prédio do Aché, era um casarão, tinha uma torre alta e tinha uma quadra, só que era de areia. Eu joguei muito futebol ali. Bolinha de gude, futebol... Aquelas peladas que a gente jogava na rua, a gente jogava nessa quadra também. Eu me lembro que tinha a quadra, o casarão... No meio do terreno ficava o casarão; na frente, a quadra; e do lado, umas bananeiras. A gente brincava ali também. Aí começaram a construir lá um prédio. É onde ia ser o Aché. Mas fora isso, antes, - eu não queria entrar logo nessa parte aí - nós não tínhamos televisão. Nós morávamos bem em frente do cemitério do Chora Menino. Bem em frente mesmo. Atravessou a rua, está no cemitério. E tinha uma ruazinha que ficava dentro... Ela saía assim... Era uma vilinha, uma rua sem saída e morava uma família lá, o Seu Alberto, a dona Odila e o seu Benedito. O Seu Benedito era construtor. Ele construía campas no cemitério. No terreno dele tinha duas casas: a casa da filha dele, dona Odila e da Nena. E a dona Odila tinha um filho chamado Neno. A gente ia juntos para a escola, no Barão Homem de Mello. Nós éramos colegas de escola. Você falou de namoradinha. Lembrei de uma. Ele tinha uma irmã chamada Cida. Foi a primeira Cida da minha vida.(risos) E a gente brincava. Brincava de casinha, brincava de médico. A gente se comportava como se fosse uma família. Tinha o marido que ia trabalhar, a esposa que ficava em casa. Ele tinha uma irmã que chamava Cida. E eu gostava muito dela. Marcou. Eu era garoto. MP - Como era o namoro daquela época? Celso - Era garoto de tudo. Interessante. E tinha outro menino, o Betinho, Alberto. Eu lembrei disso aí pelo seguinte: eles tinham quintal grande, a gente ia para escola juntos... A quarta série nós fizemos junto, porque eu me lembro que era de manhã, eu subia, ia para casa de dona Odila para esperar o Neno e normalmente eles me convidavam para entrar e sempre eu serrava lá um copinho de Toddy, um bolo. Eles tinham um padrão de vida melhor que o nosso. E nós não tínhamos televisão. Então nós íamos à noite assistir televisão na casa deles também. Não saía de lá. Passava o dia lá. MP - Que programas de TV tinha naquela época? Você lembra? Celso - Que eu lembro, que veio assim na hora, televisão branco e preto, desenho do Pica Pau. Tinha dois programas, se não me engano era sessão Zaz Traz, sessão Zig Zag, que passava desenho animado. E o desenho animado da época era o Pica Pau. Mas eram dois programas distintos: sessão Zaz Traz e sessão Zig Zag.Tinha uma tia que fazia o programa como as crianças, que nem a Xuxa hoje, e passava o desenho. Trabalho na fábrica de calçados MP - Depois da escola, eu queria que você falasse um pouquinho mais da fábrica de calçados. O que você fazia exatamente? Celso - Eu, depois que eu parei de estudar e meu pai conseguiu um emprego para mim lá na fábrica do Levon - era sapato para homem. Não era moleza, não. Era serviço pesado. A fábrica era pequena, tinha meia dúzia de funcionários, então a gente fazia de todo serviço um pouquinho. Tinha um serviço mais sério, que era para trabalhar no balancim, para cortar a sola. Era o patrão que fazia isso porque era muito perigoso. E o couro também, para fazer o corte do couro, eram pessoas já mais adultas, mais capacitadas porque também era perigoso, porque trabalhava com uma lâmina muito afiada. Eu aprendi a fazer a montagem, a montar o sapato: o couro depois de pespontado e costurado, tinha que colocar em uma forma de madeira e apontar com tachinha, para ele pegar o formato. Depois tinha que lixar, passar a cola. Passava cola com a mão. Essa cola que a molecada hoje cheira na rua, eu usei muitos anos lá. No tempo que eu trabalhei na fábrica eu usava essa cola sem nenhum equipamento EPI. Hoje, para qualquer coisa nós usamos EPI e naquela época nós não usávamos EPI junto. MP - O que é EPI? Celso - Equipamento individual de proteção. A gente usava normalmente uma calça e uma camisa velha porque ia sujar de tinta, ia sujar de cola. Eu me lembro que eu lavava a mão para sair a tinta, aquela cola, com cândida, água sanitária, para tirar a sujeira, porque a unha ficava toda preta. E eu tinha vergonha de sair no final de semana para passear, com a mão suja. Não usávamos máscara, não usávamos luva. Quando era com a mão, era com uma escovinha. Usava dois tipos de cola: uma cola branca que era a base de látex, e uma outra cola que é essa cola benzina, que a molecada cheira na rua hoje. Então, eu já cheirei muita cola. (risos) No bom sentido. Ignorando inclusive os males que ela poderia estar provocando para o meu pulmão. Ela faz mal para o pulmão. MP - Nessa época, depois do trabalho, vocês faziam o quê? Dos 15 aos 19? Celso - Essa fábrica era pequena, e no final de semana eles pediam para eu ir buscar, comprar galinha para eles. Eles compravam de três ou quatro galinhas para matar no final de semana. E eu ia auxiliar o patrão a matar. Ele afiava bem a faca... Nós em casa, meu pai, minha mãe, eles destroncavam o pescoço e penduravam a galinha de cabeça para baixo para o sangue descer e acumular no pescoço. Depois amarrava com um cordão, cortava e punha na panela e cozinhava aquilo ali. E os armênios não tinham esse hábito. Eles degolavam. Eles cortavam o pescoço da galinha fora e as duas pernas na região da junta. Inicialmente eu só auxiliava, mas depois eu comecei a matar também as galinhas. Eu ia, comprava as galinhas, escolhia e acabava eu matando as galinhas. MP - Era galinha para quê? Celso - Para matar para final de semana. De sexta-feira, eu saía da fábrica e ia buscar essas galinhas para ele. Eu matava. Entregava a galinha morta para ele. Aí eles limpavam. A dona Eva, a mãe do seu Levon, ela fazia massa de tomate em casa. Em um tacho bem grandão. Quando ela via tomate bem maduro. Fritava umas sardinhas. A fábrica era pequena, a casa era no fundo, a gente sempre estava comendo uma coisa diferente. O pão sírio. Ele era muito sério. Ele não chamava a atenção da gente. Nós estávamos trabalhando, conversando, e ele do balancim, ele só olhava para trás e a gente já entendia. "Ou nós estamos falando muito alto ou nós estamos conversando demais." E tem um dito popular que diz que quem cheira o couro do boi, que entra em uma fábrica de calçados para trabalhar, não sai mais. Vai o resto da vida trabalhando. Mas isso não aconteceu comigo. E é interessante que nessa época, eu já namorava. Eu comecei a namorar a minha esposa em outubro de 64 e entrei no Aché em dezembro de 65. Então, nessa época, eu já comecei, com 13, 14 anos, já comecei a freqüentar bailinho. Naquela época não tinha salões de baile como tem hoje. Alguns clubes grandes é que tinham salões de baile. O resto era tudo aniversários, casamento. Era tudo na própria casa da família. Não tinha esses bufês como tem hoje. Já naquela época eu comecei a freqüentar bailinho, comecei a dançar. MP - Gostava de dançar o quê, Celso? Celso - Dançava de tudo. Dançava bolero, de rostinho colado. Cheguei a aprender a dançar rock. Dançava solto. Depois mais para a frente veio o Hali Gali, que era um outro estilo de dança. Dançavam várias pessoas em conjunto. MP - Como é que era? Hali Gali? Celso - Hali Gali. Cinco ou seis pessoas dançando todos iguais, indo para frente, para traz, rodando. Tudo junto. em um grupo. Era coletivo. O rock dançavam só duas pessoas. Hoje dançam tudo solto. É um aqui, e outro lá na esquina. Namoro MP - Como é que você conheceu a sua esposa? Celso - Eu estava na casa de outros primos, no Lausane... Tinha uma fábrica de cadernos, e meus primos conheciam todo o pessoal ali. Eu estava na casa desse meu primo - porque como nós não tínhamos televisão em casa... Aí já era uma outra época. E em vez de eu ir na casa do Neno, da dona Odila, eu comecei a ir assistir televisão no Lausane, na casa dessa minha prima. Ela era minha prima. Eles eram primos em segundo grau. Na época passava o filme "O Fugitivo". Só que era outro artista. Acho que era o David Jansen. Passava toda segunda-feira. Então toda segunda-feira saía de casa andava até o Lausane, acho que era uns quatro ou cinco quilômetros, para assistir esse filme. Era um seriado que passava toda segunda-feira. Ou quando eu ia para casa da minha prima na sexta-feira à noite e depois só voltava para casa no domingo. Almoçava lá, jantava, dormia lá. Ela fazia nós acordarmos domingo cedo para ir na igreja Santo Antônio. Já era outra igreja. Lausane era tudo ali, bairros vizinhos. E, um belo dia, nós estávamos na rua, jogando bolinha de gude, apareceram duas meninas lá na esquina. Uma era minha esposa, a Cida. Outra Cida. (risos) E a Lúcia. Ela estava junto com a Lúcia, que era tida como prima. Era parente meio distante. Essa Lúcia, se não me engano, trabalhava na fábrica de cadernos na mesma rua, e um dos meus primos conhecia. Não eram os três. Acho que era só o Célio que conhecia a Lúcia, e por intermédio da Lúcia ficou conhecendo a Cida. E nesse dia, a gente estava lá na rua jogando bolinha e eles chamaram para apresentar as meninas.O Célio chamou. Estava eu e o Lúcio. Nós fomos até a esquina, e apresentaram essas meninas. E esse meu primo era muito divertido e tinha muito disco. A gente sempre promovia bailinho na casa dele. Foi aí que começou. Nesse dia de apresentação já pintou uma oportunidade, que ia ter um bailinho, ficou gravado como "o bailinho da casinha verde". Lá no Lausane ia ter um bailinho em casa de família, e a gente foi convidado para participar desse bailinho. Foi quando a gente começou já a namorar. E a minha esposa chegou a trabalhar nessa fábrica de cadernos também, por um bom tempo. Eu me lembro... Era próxima do meu primo, e eu saía de casa, não sempre, mas sempre que possível, quando coincidia o horário, eu saía de casa e ia buscar ela nessa fábrica de cadernos para levá-la para casa. Levar para casa entre aspas. Perto de casa. Era interessante: eu me lembro que a gente andava na rua, mas nós não andávamos de mão dada. Hoje no primeiro dia já está beijando na boca, já está... E nós andávamos um do lado do outro, sem pegar na mão. Eu sempre fui tímido. Muito tímido. O que me ajudou a me aproximar mais dela foi a chuva. Isso de pegar na mão, de pegar no ombro. Quando estava chovendo eu tinha que, com uma mão segurar o guarda-chuva e a outra passar por cima do ombro. Mas eu me lembro que o que fez eu me aproximar, pegar a mão, de começar a namorar de mão dada, foi uma poça dágua. Nós fomos desviar de uma poça dágua e aí eu peguei na mão dela. E não larguei mais. (risos) E os bailinhos de final de semana, sempre na casa de um amigo, de uma amiga. E meu primo sempre carregava os discos atrás, então aonde a gente chegava, a gente tomava conta dos bailinhos. Já nessa época, a gente levava a namorada mais cedo para casa - porque tinha hora para entregar a namorada - e depois voltava para o bailinho para dançar com as outras. (risos) MP - Essa época era a fábrica de calçados? Celso - Justamente. Nos anos 60. Aí já mescla um pouquinho. Parte eu na fábrica de calçados e parte no Aché. Construção do Aché antigo MP - Como é que foi essa saída dos calçados e entrada no Aché? Celso - Na verdade, o Aché já fazia parte da minha vida, do meu cotidiano porque eu já tinha duas irmãs trabalhando no Aché. A Neide e a Noêmia já trabalhavam no Aché. Há pouco tempo, mas já trabalhavam. Nessa época, nós já dependíamos também, para ajudar em casa, do salário delas. MP - O que elas faziam? Celso - Elas trabalhavam acho que na parte de embalagem. Montavam caixinha. Eu trabalhava na fábrica de calçados e vinha almoçar em casa. Era pertinho. Na hora do almoço, eu almoçava correndo para ficar sentado na porta do Aché, conversando com o pessoal lá. Então, eu já tinha amizade com o pessoal do Aché. Tinha o prédio do Aché, um empório e depois a minha casa. MP - Você estava contando de você esperando a sua irmã na porta do Aché, e eu queria que você voltasse um pouquinho. Como foi a construção do prédio do Aché, na sua rua? Celso - Como eu comentei, eu cheguei a brincar nesse terreno. Onde foi construído o Aché velho, era um casarão, tinha uma quadra. O casarão foi mantido. Onde era a quadra é que foi construído o prédio do Aché. Pelo pouco que eu sei, o Aché foi fundado em Ribeirão Preto, em 1937, pelo Dr. Phillipe Aché. Ele foi pioneiro no Brasil a trabalhar com hormônios. Eu cheguei a trabalhar um pouquinho com hormônios no Aché velho. Na verdade, quem trouxe o Aché de Ribeirão Preto para São Paulo foi um grupo de acionistas do laboratório Nitrafarma. O Nitrafarma era um laboratório farmacêutico, a fábrica ficava ali na Conselheiro Nébias. Campos Elíseos, ali, Barra Funda... Eles trouxeram o Aché de Ribeirão Preto para São Paulo, e como o Nitrafarma ficava em uma casa e era pequena, depois de um certo tempo eles construíram esse prédio na Nova dos Portugueses, se não me engano, 64, onde foi construído o prédio para as instalações do Aché aqui em São Paulo. Nessa época, eles eram, me parece, 12 acionistas. Eles se separaram, quatro ficaram com o Aché propriamente dito, na Nova dos Portugueses e os outros ficaram na Nitrafarma. Eles se desvincularam. Logicamente era uma fábrica nova ali no pedaço. Que eu me lembro, tinha o quê? Tinha essa fábrica de botão, naquela época acho que tinha tecelagem lá próximo também, mas eram poucas fábricas. Então, o pessoal logo tinha interesse de querer colocar os filhos para trabalhar, para poder ajudar a família. Esse vizinho de onde foi construído o prédio... Tinha o prédio do Aché, vizinho tinha um empório, que nós inclusive comprávamos com caderneta, que nós comprávamos fiado, e depois já vinha a minha casa. Então, na hora do almoço... Foi por intermédio do dono desse empório, seu Américo, que as minhas irmãs entraram no Aché. Porque tinha os dois encarregados do laboratório, o Antenor e a Waldemar. O Antenor era o encarregado da produção. Era o técnico, o farmacêutico e o seu Waldemar era a pessoa responsável, encarregado da parte administrativa. Hoje a gente costuma dizer: Toninho químico, Toninho contador, lá no Aché da Dutra. O Toninho químico na parte de produção e o Toninho contador na parte de administração. Então o Antenor e o seu Waldemar eram os Toninhos da época. Eles iam na hora do almoço nesse empório, inclusive acho que compravam lá também; e por intermédio desse seu Américo, dono do empório é que ele com o conhecimento dessas pessoas é que foi encaixando minhas irmãs lá. MP - Você lembra da chegada dos equipamentos? Da matéria-prima? Teve uma mudança? Celso - Eu não me recordo. Interessante, eu não me recordo dessa passagem. Eu me lembro do Aché velho já uma fábrica lá produzindo remédio. Depois que essa fábrica começou a funcionar, que logo as minhas irmãs começaram a trabalhar, eu trabalhava na fábrica de calçados, eu vinha almoçar em casa, almoçava rapidinho para ficar sentado na porta da fábrica para conversar com o pessoal lá, para fazer hora. Então, eu já conhecia o pessoal ali. Já conhecia todo o movimento. Entrada no Aché antigo Celso - É interessante. Quando eu comecei a trabalhar no Aché, eu trabalhei em um sábado, no domingo fui na fábrica de calçados do Levon pedir a conta... Ele não queria que eu saísse de jeito nenhum. Queria que meu pai fosse lá conversar com ele. Ele falou: "O que você quer? Domingo? Está fazendo o quê aqui? Você veio ontem trabalhar. Você quer dinheiro? É dinheiro que você está precisando?" Aí eu mesmo falei: "Não. Eu vim aqui pedir a conta porque eu não vou mais trabalhar com vocês. Eu vou entrar no laboratório." "Não, porque eu não vou te dar a conta. Você manda o seu pai vir aqui falar comigo..." Falei: "Está bom, mas não adianta. Mesmo que ele não vier, eu não venho mais. Eu vou trabalhar no laboratório." Eu me lembro que na época eu saí da fábrica da calçados - a gente recebia semanalmente - e eu saí para ganhar menos no laboratório. Ia ganhar menos, mas eu sabia que para mim ia ser melhor trabalhar em uma fábrica de remédios do que em uma fábrica de sapatos. MP - Como é que surgiu o convite para ir para o Aché? Celso - Por intermédio desse seu Américo também. Seu Américo é que fazia o meio de campo ali. Fazia o papel de agência de empregos. Ele era o agenciador de empregos. No bate-papo, na hora do almoço com o pessoal lá, pôs as duas filhas do Zé. O Zé é meu pai. "Colocou as duas filhas do Zé lá, não tem um jeitinho de colocar o filho dele também?" Foi assim que eu entrei no Aché. MP - Quando foi? Celso - Dia 13 de dezembro de 1965. Só que oficialmente, no registro, consta dia 3 de janeiro de 66. Interessante que eu trabalhei na fábrica de calçados no sábado, pedi a conta no domingo, comecei no Aché na segunda, dia 13 de dezembro. Acho que eu trabalhei uma semana só e já entrei de férias. Era próximo do Natal. MP - Você foi contratado para fazer o quê, Celso? Celso - Inicialmente, para trabalhar de expedidor. Meu primeiro registro consta lá: Expedidor. Na verdade, era para fazer embalagens na expedição. Separar a mercadoria e... Eu me lembro que nós fazíamos umas caixas de madeira, caixas para embarque de medicamentos. Nós utilizávamos caixa de madeira, palha e jornal. Prego e as ferramentas martelo, alicate. Tinha uma máquina de aço, de chapa de aço, arame, uma cinta de aço. A gente fazia naquela época caixas com 70, 60, 80 quilos. Lógico que eu não podia com umas caixas pesadas dessas. Então nessa hora vinha esse gerente da produção, o Antenor, vinha me ajudar a separar, conferia e embalava nessas caixas de madeira para depois despachar. A transportadora vinha buscar. MP - O que era colocado dentro dessas caixas de madeira? Celso - Nós forrávamos a caixa de madeira. Primeiro nós... Eram caixas de bacalhau. Nós comprávamos em um depósito. Desmontávamos os fundos, montávamos, emendávamos uma na outra para ficar uma caixa maior. Então eu usava prego, martelo... Revestíamos internamente com palha, revestíamos com jornal, para depois acondicionar os medicamentos. Depois fechava, pregava, passava a cinta de aço para reforçar, escrevia com pincel piloto o destinatário. Produtos do Aché antigo MP - E que medicamentos eram produzidos nessa época? Celso - Alguns foram mudando de nome. Foi mudando alguma coisa na formulação. Que eu me lembro, a linha era pequena, tinha um produto chamado Fosfoplex, que era um fortificante para o cérebro. Tinha um outro, Rubrobion, depois mudou para Combiron. Tinha um medicamento para pingar no nariz, para desobstruir as vias aéreas. Ele chamava-se Instilotricim. Era de uso nasal. Hoje ele é o Sorine, que é um dos produtos mais vendidos no Aché. Que mais que tinha? O Dextrovitase que ainda existe até hoje. É um complexo de glicose com vitamina. Complexo B. Esse existe até hoje, com o mesmo nome, inclusive. Eu me lembro, que quando eu entrei no Aché, nessa época, 65, 66, ainda se fabricavam hormônios, que veio com o laboratório de Ribeirão Preto e um equipamento que conhecido como... Era como se fosse um esterilizador, mas era conhecido vulgarmente como "pescoço de ganso". Era um tacho grande que era utilizado para esterilizar o soro. Eu me lembro que tinha um senhor lá, o seu Pedro... Esses hormônios que nós trabalhávamos no Aché nessa época, eles eram extraídos de vísceras de animais, de cérebros de animal, de boi, de cavalo. De cérebro, de placenta, de ovário. Eu me lembro de alguns nomes desses soros. Tinha o Travasma, que era para asma, tinha o Hormocerebrino - tinha o masculino e o feminino - que também era fortificante para o cérebro. Tinha o Hormorenino, que era para os rins. E eu me lembro que essa pessoa mexia com essas vísceras. Eu cheguei até a ajudar em uma época. De sangue de cavalo também eram feitos hormônios. Eles eram prensados para extrair aquele líquido e depois esse líquido era esterilizado e se transformava em um soro completamente líquido para envasar nas ampolas. Os soros, os hormônios, eram todos envasados em ampolas. E paralelamente a isso, tinha alguns produtos que eu falei. Tinha uma outra que chamava Vitaserpina, um comprimidinho, Vitaserpina, que eu não me lembro para quê que servia. Tinha o Fastil.Tinha um outro também, que era um sedativo para tosse, chamado Paratossil. Depois nós mudamos o nome dele para Iodepol. Produção no Aché antigo MP - Como era organizada a produção Celso? Eram muitos funcionários? Celso - Que eu me lembro, a fábrica era pequena, mas o prédio tinha três andares. O último andar era escritório. O terceiro andar era a parte administrativa. O primeiro e o segundo andar era onde funcionava mesmo a produção. Eu me lembro que fiquei pouco tempo na Expedição, quando eles já me promoveram. Foi minha primeira promoção no Aché. Eles me promoveram de expedidor para auxiliar de laboratorista. Aí, eu comecei a trabalhar na fábrica mesmo. Na produção de medicamentos. Mesmo na época da Expedição, eu não ficava na Expedição direto. Não tinha serviço todo dia na expedição, para o dia inteiro. Uma hora eu estava montando caixinha, uma hora eu saía para fazer um serviço de banco, para pagar algum título. Ou para fazer alguma ligação, porque a gente não tinha telefone lá. Eu me lembro que eram uns bilhetinhos, uns recadinhos. Eu ia por os bilhetinhos, os recadinhos em uma padaria, onde tinha telefone público. E, depois que eu passei a auxiliar de laboratorista, eu comece a ajudar inclusive a pesar a matéria-prima. Eu auxiliava na pesagem da matéria-prima, auxiliava na manipulação, e na parte de compressão também. A fábrica era muito pequena e eu acredito que nós deveríamos ter ali 30 funcionários ao todo, era muito. Nós tínhamos ali em torno de, uns 20 que batiam cartão e mais uns 10 da área administrativa que não batiam cartão. Eles eram do administrativo, então não batiam cartão. MP - Uma produção toda manual? Celso - Toda manual. Tinha, lógico, algumas atividades que exigiam equipamentos, máquinas. Eu me lembro que na parte de comprimidos, nós tínhamos uma estufa com duas portas, uma máquina de compressão... Ela era conhecida vulgarmente e até hoje é conhecida como "pica-pau". Uma máquina de compressão excêntrica. Hoje existem máquinas rotativas que produzem milhões de comprimidos por hora. E essa máquina era bem arcaica mesmo. Ela produzia bem poucos comprimidos. A canequinha dela acho que fazia dois quilos de pó. Então, a produção era muito lenta. Nós tínhamos essa máquina de compressão, tínhamos a estufa e duas bolas de drageamento. Tinha uma bola para drageamento e uma bola para fazer os trajes dos comprimidos drageados. É interessante que nessa época já se comentava que essa profissão da área de compressão, manipulação, drageamento, era artesanal, mesmo. Então, a pessoa que se especializasse naquilo, era um bom profissional. Na indústria farmacêutica era uma atividade muito bem vista. No ramo farmacêutico. Essa atividade de drageamento, que era assim bem artesanal. MP - Tinha algum sucesso de venda? Celso - Eu me lembro que o laboratório era muito pequeno, os propagandistas iam lá buscar as amostrinhas e vendia-se pouco. Eu me lembro que um dos diretores, um dos donos tinha uma Vermagete - era o carro de uso dele e da empresa também. Dependendo do tamanho do pedido ele levava no carro dele. Eu ia junto também para ajudar a fazer a entrega. Quando não era de carro, nós separávamos os pedidos - eram pacotinhos pequenos. A linha era pequena também, tinha poucos produtos. Como os pedidos de farmácia eram todos pequenos, nós embrulhávamos, separávamos, embrulhávamos com jornal, o Antenor junto. Eu auxiliava o Antenor na separação, na conferência, embrulhava com jornal, amarrava com barbante, e muitas vezes eu cheguei a sair do Aché e fazer entrega nas farmácias, de ônibus. Amarrava um pacote no outro. Esse patrão me deixava em Santana, eu pegava um ônibus - hoje tem o metrô. Antes tinha uma linha chamada Santana-Jabaquara. Eu pegava esse ônibus... Fazia um roteiro. Ia até um certo trecho, descia do ônibus e depois ia entregando nas farmácias, a pé. Distribuição no Aché antigo MP - E a distribuição era só em São Paulo? Celso - Esses pacotinhos, a entrega era feita na farmácia direto. Outras entregas eram enviadas para representantes. Nós tínhamos representantes em outros estados. Que eram aquelas caixas de madeira que eu fazia na expedição. As caixas de madeira que eram as caixas de embarque, que alguns nomes eu lembro, de alguns distribuidores, que eram representantes nossos. Eu lembro de alguns: na Baixada Santista tinha um que era o Galante, o Rubens Galante. No Nordeste, eu não me lembro agora em qual Estado - um era o Góias e companhia.; outro era o Edésio Duarte. Alguns nomes de alguns distribuidores representantes que eu lembro. MP - Mas era no Brasil todo? Celso - Não chegava a ser no Brasil todo. Tinha um outro também, acho que no Espírito Santo, Albernassi. Se não me engano o nome dele era Albernassi. Mas na época, não atingia o Brasil todo, não. MP - E não tinha um grande sucesso de vendas então? Celso - Não. Na verdade o sucesso foi mesmo quando esse pessoal, essa nova diretoria comprou. MP - Deixa só voltar um pouco. Você disse que a vinda para São Paulo foi com a entrada de novos sócios no Aché. Celso - Na verdade, foi o seguinte: o laboratório Nitrafarma ficava na Conselheiro Nébias. Eles tinham, acho que doze acionistas. Eles trouxeram o Aché de Ribeirão Preto para São Paulo e ficou tudo junto lá na Nitrafarma. Aí eles construíram o prédio, porque a casa lá era pequena. Construíram esse prédio na rua Nova dos Portugueses e aí eles desmancharam a sociedade. Quatro ficaram com o Aché propriamente dito e os outros oito continuaram com o Nitrafarma. MP - E tinha algum proprietário ainda da família Aché? Ou não? Celso - Eu me lembro de ter visto a Lúcia Aché, que era a farmacêutica responsável, na época. Eu me lembro de tê-la visto por duas ou três vezes, se muito. A gente não tinha contato. MP - E o que se falava da família Aché, Celso? Celso - Olha, eu tenho pouca lembrança, pouca história disso. Eu me lembro que no próprio Aché tinha uma foto do Phillipe Aché, No Aché velho tinha uma foto dele em um quadro e nem sei nem que fim que deu essa foto. Precisaríamos até ver se está guardada em algum canto no Aché. Porque a máquina "pica-pau" está lá no Aché, está bem guardadinha lá para fazer parte do museu. Compra do Aché MP - E, em seguida, essa empresa foi adquirida pelos novos sócios? Celso - Justamente. Eu entrei no Aché em dezembro de 65, como eu já disse, fui registrado em janeiro de 66, e se não me engano, os novos acionistas, os novos donos da Aché finalizaram mesmo a negociação, foi em agosto ou setembro de 66. Foi no mesmo ano, praticamente, que eu entrei. Nessa época eu estava trabalhando na parte de produção mesmo. Eu me lembro que eles eram quatro, eles tinham uma distribuidora de medicamentos... Porque na verdade, eles se conheceram, eu costumo dizer "os novos donos do Aché" porque eu sou do Aché velho. Eles eram colegas de trabalho. Eram propagandistas, já trabalhavam no ramo farmacêutico, mas só na área de marketing e vendas. Não na área de produção, de fabricação. Eles foram colegas de trabalho e trabalharam na Squibb. Depois eles se reuniram e compraram o Aché do laboratório Nitrafarma. Perdão. Eles compraram o Aché da Nova dos Portugueses. A Nitrafarma já não tinha nada a ver com o Aché. Eles compraram o laboratório do Sanches, que era o sogro do seu Waldemar, que era um dos acionistas. Compraram do Sanches e o filho dele, que eu não me lembro o nome agora. A gente tinha pouco contato. Compraram do Cancella, que era químico, que tinha também uma outra indústria de condimentos para salsichas, para embutidos em geral, e do Gabriel Moreno, que era o outro acionista do Aché na época, um espanhol. Os novos donos do Aché compraram desse pessoal, só que eu já fazia parte do Aché. Por isso que o pessoal brinca: "O Celso é mais velho que o Aché." A frase é errada. O Celso não é mais velho que o Aché. O Celso é mais velho de empresa que os atuais donos do Aché. MP - E você lembra como é que a notícia desses novos sócios chegou no grupo de funcionários? Celso - A minha parte, quem fazia muito contato na época - porque nós não conhecíamos os quatro assim de cara - quem ia muito lá era o seu Adalmiro. Se não me engano, quem ia lá muito no início, na época da negociação, era seu Adalmiro e o seu Depieri. Inclusive, o seu Depieri... Interessante, eu fiquei conhecendo São Paulo, por ele. Ele que me ensinou a conhecer São Paulo. Quando eles compraram o Aché, mas foi coisa assim rápida, eles compraram e já começou a revolucionar porque eles já tinham um know how, uma bagagem de marketing e propaganda fora do comum. Eles nunca foram industriais, não conheciam nada de indústria. Eles tinham uma distribuidora, faziam a parte de propaganda e marketing do laboratório Sintofarma. Eles faziam a representação e a comercialização dos produtos do laboratório Sintofarma. Como eles não tinham muita experiência na área de indústria, inclusive eles chegaram a chamar na época esse pessoal do laboratório Sintofarma para ir conhecer as instalações do Aché, para ver como era essa fábrica. Eles não tinham noção nenhuma. Eles conheciam a Sintofarma, mas assim em termos de produção mesmo, de industrialização, eles não tinham noção. Eles tinham conhecimento teórico e não prático. De maneira que foi assim, foi revolucionário. Eles começaram a tocar o negócio, mudou assim como se fosse do dia para noite. Primeiras mudanças MP - Que mudanças? Celso - Em maquinário. Começaram a investir em maquinário, equipamentos, inovação. Começaram a fazer lançamento de produtos. Não demorou muito para lançar produtos. MP - Eles mantiveram aquela linha de hormônios do princípio? Celso - Pouco tempo. Já era algo superado. Essa linha de hormônio já era praticamente superada. Já existiam medicamentos sintéticos para essas doenças. Então já era uma coisa superada. MP - Havia algumas fórmulas que estavam lá na prateleira, esquecidas nas gavetas do laboratório antigo? Celso - Na verdade, alguns eles até utilizaram a mesma fórmula. Mexeram em alguma coisa, chegaram até a mudar o nome. Alguns produtos que eles mudaram o nome. Eu até cheguei a citar alguns já. Alguns existem até hoje. Mas, como eles estavam bem gabaritados, bem capacitados nessa parte de marketing e comercialização, começaram a fazer pesquisa: o que era mais interessante para o mercado.Um dos que revolucionou foi o Somalium. MP - De venda? Celso - O Somalium, que era um comprimido a base de Diazepan, que era um antidistônico, um calmante. Moderex, moderador de apetite. Revolucionou, vendeu muito também. Teve um outro que já não existe mais também, um injetável, Energisan, a base de vitamina B12. Um energético. Chegamos a vender um milhão de ampolas por mês. Uma ampola de 2 ml. Nós chegávamos a produzir e comercializar em torno de um milhão de ampolas por mês. Isso revolucionou o Aché. Eles adquiriram o Aché em 66 e coisa de quatro anos, em seis anos, já tinha o Aché na Via Dutra. MP - Nessa revolução, o que aconteceu fisicamente com aquela casa? Celso - Na verdade, o que aconteceu? No prédio em si, onde funcionava o laboratório, que era na rua Nova dos Portugueses, não foi mexido. Foi mexido internamente uma ou outra coisa, mudança de layout para poder estar recebendo alguns equipamentos. Mas, em pouco tempo que a nova diretoria estava com o Aché ali na Nova dos Portugueses, eles acharam por bem trazer também a Prodoctor. A Prodoctor era a distribuidora que eles tinham na rua Venâncio Aires. Eles trouxeram a distribuidora para junto do laboratório. Então ficaram dois endereços. Na Nova dos Portugueses, o laboratório; na Rua Dona Elfrida, 123, a Prodoctor, que era a distribuidora. Facilitou a racionalização do trabalho em si. Tanto a fabricação como a distribuição dos produtos do Sintofarma... Eu me lembro também que nessa época eles pegaram a representação do Dietil, que era um adoçante. O primeiro adoçante que apareceu no Brasil, o Dietil. MP - Muitos funcionários se mantiveram, com essa compra do Aché pelos novos sócios? Celso - Na verdade, quando eles compraram, não houve assim uma revolução: "Vamos mandar fulano embora, beltrano embora, vamos admitir novos funcionários". Em pouco tempo o Aché começou a expandir e começou, ao invés de despedir, a admitir funcionários. Eu me lembro até que teve uma época, que nós tivemos que ter dois turnos, porque o laboratório ficou pequeno. A produção começou a aumentar, aumentar, aumentar, e nós não tínhamos capacidade de produção. Nós tínhamos dois turnos. MP - Então, no primeiro momento, se manteve aquele grupo original de funcionários... Celso - Manteve e inclusive a tendência foi ampliar esse quadro, e com a vinda da Prodoctor, vieram os funcionários de lá. Funcionários da área administrativa, que faziam estatísticas, faziam os controles de vendas. E o pessoal que trabalhava na Expedição também. E eu me .lembro que dessa época, já veio o Carlão, que hoje é o nosso Diretor de Produção. Ele veio da Prodoctor. Nessa mudança veio o Osmar, que é irmão das meninas, da Marli, Marlene, Cida, que são gerentes hoje da área de produção também. Eu me lembro que na época, eu fiquei com a expedição e depois de um certo tempo o Carlão já passou para o Almoxarifado, a ser encarregado de Almoxarifado. De funcionário da Produção a encarregado da Expedição MP - Essa vinda da Prodoctor foi quando? Celso - Eu não me lembro da data, mas não foi muito longe, não. Foi muito próximo. Muito próximo. Então, com a vinda da Prodoctor para rua Dona Elfrida, para ficar junto com o laboratório Aché, eu trabalhava na Produção e eu nunca me esqueço disso. O Antenor entrou na seção de comprimidos com o Sr. Depieri, e o Sr. Depieri veio me fazer a proposta de eu trabalhar na Expedição. Devia ter dois anos, mais ou menos de Aché ali. MP - Quando mudou de sócios, você continuou na Produção? Celso - Eu estava na Produção, na sessão de comprimidos. Eu estava me aperfeiçoando naquela profissão. Manipulação, compressão e drageamento. E o seu Depieri veio oferecer a proposta para eu trabalhar na Expedição, para tomar conta da Expedição do Aché e da Prodoctor. Então, eu tinha 18 anos nessa época. MP - E você aceitou? Celso - Aceitei. Com 18 anos eu já era encarregado de Expedição. MP - E como é que era a expedição nessa época que você assumiu? Celso - Eu me lembro que nós separávamos os pedidos para as entregas nas farmácias, nós tínhamos uma perua que fazia a entrega. Nós separávamos os medicamentos em umas caixinhas de madeira. As caixinhas eram numeradas. Isso para a entrega em São Paulo, na Grande São Paulo e na Baixada Santista. Já era feita tudo entrega direta por nós. Eu me lembro de uma perua, inclusive foi nessa época que eu comecei a conhecer São Paulo e o seu Depieri é que me ensinava a fazer os roteiros. MP - Como é que era? Celso - Inicialmente, só tinha uma perua. Depois, eu me lembro, nós chegamos a ter quatro peruas para fazer entrega. Nós tínhamos quatro motoristas, e além das entregas em farmácias tinha a entrega das amostras, que tinha que entregar na casa dos representantes, dos propagandistas. Saíamos com as peruas lotadas. MP - Tem uma história interessante dessa primeira perua, não é? Celso - É. Eu tenho duas lembranças de histórias com peruas. Eu me lembro de um motorista chamado Clóvis, tinha uma perua Kombi azul muito bonita. Tinha friso, ela era super incrementada. Ele inclusive ia embora para casa com essa perua, porque ele morava em Pinheiros. Mas, ele cuidava da perua como se a perua fosse dele, não da empresa. Cuidava tão bem desse carro, lavava, polia, encerava, ele não deixava a gente por a mão, encostar na perua. Uma coisa que me lembrei agora: algumas vezes eu tive a oportunidade de sair para fazer entrega com ele. Então, a gente parava na porta da farmácia, eu ia à farmácia entregar o medicamento e ele ía no bar tomar café. Cada entrega em uma farmácia, ele tomava um café, e fumava. Então, chegava à tarde no Aché com uma dor no estômago Ele vinha apertando assim, vinha com o corpo curvado, apertando o estômago. Não sabia por quê. Cada entrega na farmácia era um café na padaria. Uma outra coisa também que eu me lembro, que nessa época já trabalhávamos... Eu já mexia com dinheiro da empresa. As entregas eram com pagamento à vista ou com cheque. Então quando esse pessoal voltava das entregas, eles tinham que entregar a féria do dia. Ou cheque ou dinheiro. Então eu ficava com o canhotinho para sentar com eles e prestar contas um por um. Não podia faltar nem sobrar porque eu tinha que prestar contas desse dinheiro também. Aí eu fiquei conhecendo São Paulo. Seu Depieri me ensinou a fazer os roteiros, dividir São Paulo por zonas. Então, cada perua ia para um local. Zona Norte, zona Sul, Baixada Santista. Fazendo o roteiro pelo código, pelo setor do vendedor eu comecei a conhecer São Paulo. Eu nunca me esqueço uma vez que tinha um pedido que era para Santa Isabel. Só que não era Santa Isabel um bairro que fica ali para o lado da zona Leste, Vila Carrão. Era Santa Isabel cidade. E eu coloquei no roteiro do rapaz. Coloquei errado. MP - Você citou o seu Depieri.... Celso - E tinha uma outra particularidade também. Nós tínhamos uma outra perua de entrega e o motorista era o seu Jonas. Jonas Siaulys, pai do seu Victor. Ele era funcionário nosso na expedição. Além de algumas outras coisas que a gente precisava, ele que comprava também. "Precisa trocar um vitrô ali, precisa consertar esse telhado." Ele que comprava o material. Mas ele saía para fazer entrega também e sentava ali, da mesma forma que os outros motoristas, ele sentava junto comigo para prestar conta do dinheiro. Seu Jonas. Quatro sócios MP - Eu queria que você descrevesse um pouquinho essa presença dos sócios fundadores na empresa, nos primeiros anos. Eles participavam do dia-a-dia? Celso - Na verdade, eu me lembro, de algumas concorrências públicas que eles ganhavam para vender medicamentos para o governo, para o Estado, e a gente ia entregar de caminhão, porque era uma quantidade muito grande, que eu não me recordo agora de números. Mas nós vendemos muito Iodepol e o Combiron e nós íamos fazer a entrega desses medicamentos na rua Paula Souza. Mas nós não tínhamos capacidade para produção para produzir esses medicamento. A fábrica era pequena. Então nós produzíamos à noite, em regime de hora extra, ou então de finais de semana. Sábado, domingo. Então, era uma revolução total quando ganhavam essas concorrências públicas. E nós íamos inclusive ajudar a fazer a entrega. Vinha caminhões buscar, e a gente ia junto para fazer a entrega desses medicamentos. Na rua Paula Souza , que era um depósito do governo. Tinha um deles, que estava ali... Na época de fazer roteiros, de fazer separação de pedidos, eu me lembro bem do seu Depieri, que cuidava da parte administrativa. E tinha o seu Raphael que cuidava da parte de produção. Ele criava muita coisa, sugeria, dava muitas idéias para a gente. Era muito participativo, ia lá discutir o problema com a gente. Ajudar a resolver. Eu nunca me esqueço: nós fizemos uma escada rolante, e quem bolou, quem teve a idéia de fazer aquela escada - eu participei também, apesar de ser novo, garoto - foi o seu Raphael e seu Jonas. O seu Jonas ia comprar o material. Nós fizemos uma esteira rolante toda de madeira, com cabos de vassoura. Tipo de um escorregador, que devido ao desnível que tinha da fábrica até o armazém... Tinha vários desníveis, várias escadas. Então nós construímos uma esteira rolante com três lances, até chegar na expedição. Então não precisava mais carregar as caixas nas costas. No lombo. MP - Soltava lá em cima... Celso - Soltava lá e ela ia parar lá em baixo. Ampliação do Aché da Rua Nova dos Portugueses MP - Como foi esse crescimento do Aché nesse terreno? Tinha aquela casa inicial... Celso - A ampliação praticamente foi para o fundo, justamente no lado da rua Dona Elfrida, com a ampliação de armazém para armazenagem de insumos e produtos prontos, acabados para comercialização. Mais a parte de armazenagem e separação. Ali ia assim ampliando os galpões. Eu me lembro que nesse terreno do fundo, na rua Dona Elfrida, tinha uma casa que fazia parte do terreno do Aché, onde morava o Antenor, que era o encarregado da produção. E a família Vono chegou a morar nessa casa também. O Antenor mudou para Vila Maria e a família Vono chegou a morar nessa casa. Eles já trabalhavam... O Osmar trabalhava no Aché. Ele veio da Prodoctor. Aí por intermédio dele e do Carlão, começou a trazer os amigos dele, da Vila Maria, porque eles moravam na Vila Maria. A maioria dos funcionários do Aché era das imediações: do Chora Menino, do Imirim. Com a vinda da Prodoctor, eles começaram a trazer os amigos deles. Eles moravam na Vila Maria. Aí foi quando entrou a Cida, a Marli, a Marlene. Eu me lembrei agora também, nós lembramos da separação. Eu me lembro das notas fiscais, da emissão das notas fiscais. Eram feitas na mão mesmo, com caneta esferográfica, com carbono, acho que em seis vias. Então tinha que apertar bem a caneta para poder sair em todas as vias. E olha que tinha nota para tirar, que era tudo feito na mão mesmo. Não tinha esse negócio de nota fiscal em máquina de escrever. MP - E o número de funcionários também foi crescendo? Celso - Foi aumentando. Conforme foi aumentando o volume de vendas, foi aumentando o número de funcionários. Na época dessas concorrências inclusive, não só dessas concorrências que eram esporádicas. Mas na época de faturamento, de fechamento de mês, sempre ocorria no final do mês, aumentava o volume de pedidos, e então tinha que aumentar o volume de notas também. Então com certeza a gente tinha que trabalhar em regime de hora extra. Trabalhar à noite, separar pedido, tirar nota para poder as peruas sair e entregar no dia seguinte. Casamento MP - E seu dia-a-dia como é que estava nessa época? Você continuava morando lá perto? Celso - É. Eu ainda era vizinho ali. Eu ouvia a campainha da minha casa. A hora que soava a campainha. Interessante que nós trabalhávamos, essa cultura de empresa familiar, nasceu dessa época. Um vai, arruma emprego para o irmão, o rapaz fica conhecendo a moça, acabam se casando, constitui família e continua no Aché. Isso até hoje. 36 anos de Aché e acontece isso. De maneira que vai ser difícil - é lógico, hoje a empresa está em um outro processo de profissionalização - mas essa coisa de família não vai acabar nunca. Interessante que eu me casei em 71. Em 71, eu casei e fiquei morando na casa do meu pai, que tinha duas moradias, fiquei morando ali. Só que o Aché foi para a Dutra em 73. Em junho de 73. Nessa época eu comprei uma casinha no Imirim, e eu me lembro que um dos acionistas falou para mim: "Mas você vai comprar casa no Imirim? O Aché vai mudar para Guarulhos. Por que você não compra lá?" Já me incentivando a... Já que eu estou fazendo a minha vida, então vamos acompanhar a empresa. Vai para lá? Então vamos comprar lá." E eu não quis porque eu não queria sair de perto da minha família. Tanto a minha família, como a família da minha esposa, eram todos ali da região. E acabei comprando essa casa no Imirim. Então, eu fiquei seis meses indo trabalhar, pegando ônibus, coletivo, e levando marmita. Porque não tinha refeitório no Aché. Não tinha restaurante. Tinha que levar marmita naquela época. Eu levei marmita seis anos, e esquentava lá no banho Maria, porque não tinha refeitório, não tinha nada lá. MP - Isso tudo em Guarulhos? Celso - Ainda na Nova dos Portugueses. MP - Mas o Imirim era longe? Onde você foi morar era longe? Celso - Já precisava pegar ônibus.Já era um pouco mais distante. MP - Queria que você falasse um pouquinho do teu casamento. Celso - Nós namoramos... Eu entrei no Aché em 65, mas eu já comecei a namorar com a minha esposa em outubro de 64. Faltava dois anos para casar, em 69 nós combinamos: ela era de família pobre, de família humilde também, nós combinamos de ficar noivos e falamos: "Daqui a dois anos a gente casa". E realmente nós conseguimos. Ela já trabalhava, já tinha que ajudar em casa e começou a fazer o enxovalzinho dela devagar. Eu também era de família grande, eu tinha que ajudar em casa. Trabalhava eu e mais duas irmãs no Aché, a Teresa trabalhava na fábrica de camisas e tinha as outras menores que ainda não trabalhavam. Eu comecei a aprender muito cedo a ser responsável. De sentar ali com meu pai, porque a família era grande e a gente comprava fiado de todo mundo. Era no açougue, no empório, na farmácia, na loja de ferragens, no empório vizinho do Aché que sabia quando saía o pagamento, quando saía o vale. Se a gente não ia pagar logo eles já cobravam: "Como é que é? O Aché já pagou." Então, eu sentava para acertar contas com meu pai. Era eu e ele só. Somar, conferir caderneta e tal. E o dinheiro nunca dava. Então eu saía para pagar. Levava um tanto e dizia: "Olha, meu pai falou que no dia do vale dá o resto". E já em contrapartida, paralelamente a isso no Aché, que eu comecei a aprender a fazer roteiros, conhecer São Paulo, já mexia com dinheiro, já mexia com coisa de responsabilidade, então isso me ajudou muito também. Com 18 anos eu já tinha essa bagagem de casa, e depois logo com 18 anos ser encarregado da expedição e já mexia com dinheiro da empresa. Então, eu fiquei responsável muito cedo. Comecei a namorar com 14, 15 anos com a minha esposa. E eu me lembro que eu parei de dar dinheiro na minha casa acho que uns três meses antes de casar. A gente estava mexendo na casa, reformando porque eu ia morar de graça, só ia pagar água, luz e imposto. Então, tivemos que dar uma ajeitada na casa. Pintar, fazer alguns retoques, e o dinheiro que eu tinha praticamente para comprar o dormitório, eu gastei na reforma da casa. Então, eu paguei o dormitório - nós pagamos eu e minha esposa - depois do casamento. Nessa época ela já não trabalhava mais na fábrica de cadernos, ela trabalhava em uma confecção que era de um dos primos dela. Ela mexia com confecção de lingerie. Fez curso de modelagem e tudo. Na época que nós casamos, vamos dizer numericamente, se eu ganhava 500 reais no Aché era para manter a casa, para pagar as despesas do mês e o dinheiro que ela ganhava era para pagar a prestação da casinha que a gente comprou no Imirim. Quer dizer, eu mudei para o Imirim em janeiro e em junho o Aché mudou para a Dutra. Fiquei um mês ainda na Nova dos Portugueses com o pessoal de Expedição e Faturamento. Mudou só a fábrica. MP - E o casamento foi bonito? Celso - Não. Como nós éramos de família pobre, família humilde, nós não fizemos festa. Nós éramos contra festa. A família era muito grande. Para fazer festa tinha que se fazer uma senhora festa, porque fica difícil para gente agradar todos. E como a gente tinha pouca posse, nós preferimos fazer uma viagem de lua-de-mel de uma semana em Campos de Jordão, que por sinal foi muito bom. E quando acabou o dinheiro, nós viemos embora. Voltamos para casa. (risos) Vamos trabalhar. Passamos uma semana em Campos de Jordão. Foi muito bom, foi ótimo e minha esposa sempre me ajudou. Ela trabalhou bastante. Depois daquela casinha no Imirim nós compramos um apartamento. Ela trabalhava ainda, me ajudava. Eu passei por uma experiência muito triste, no ano que eu casei. Eu casei em janeiro e em agosto apareceu uma doença nela. Ela trabalhava com náilon, com lingerie, inclusive a empresa me apoiou muito nessa época, me deu muita força nessa época, inclusive o seu Depieri, para indicar hospitais. Começou a aparecer uma tossinha seca nela, uma tossinha seca, e começou a pôr sangue. Eu tinha o quê? 21 para 22 anos. Ela também, recém-casados, seis meses praticamente de casados e uma mulher tuberculosa em casa. Foi uma experiência que eu tive na minha vida, que eu não desejo para o meu pior inimigo. Às vezes minha mãe ia me chamar no Aché, que a minha esposa estava pondo sangue. MP - E ela se tratou aqui em São Paulo? Celso - Eu tinha que apertar a barriga dela, eu tinha que segurar ela por trás, apertar a barriga dela, porque ao mesmo tempo que ela vomitava, ela sentia dor na barriga. Tinha que segurar a barriga dela para ela vomitar o sangue. Chamava-se hemoptise. E é interessante que ela acabou fazendo o tratamento. Eu fui procurar médicos, alguns hospitais, inclusive quem cuidava dessa doença eram hospitais de rede pública. Eu nunca me esqueço: eu deixei ela internada na véspera... Porque ela teve uma crise em agosto, depois passou e em dezembro ela teve outra crise. Tomou uma série de medicamentos, parecia que estava curada, voltou a trabalhar e em dezembro voltou de novo. Voltou, e a doença se agravou mais em dezembro. Eu me lembro que do hospital do INPS, Hospital Ipiranga - na época era uma dificuldade, eu não tinha carro, eu pedi para um vizinho taxista levar a gente para o Hospital do Ipiranga, antigo hospital do IAPTEC. Eu chego lá, uma fila enorme, a minha esposa pondo sangue, vomitando sangue. Eu tive que levar até um lençol para não sujar o carro do rapaz. Chegamos lá com a carteira profissional na mão e aquela baita fila lá". E eu fiquei nervoso, comecei discutir, comecei xingar. Eu nunca me esqueço disso. E funcionou. Fizeram uma junta médica, eu nunca me esqueço, eu tive acesso até para conversar com o diretor do hospital. Nunca me esqueço. Do Silvio. Diretor do hospital. Fizeram "n" exames nela. Alguns davam tuberculose, outros davam tuberculose com interrogação. Não tinham certeza. Acho que era porque ela estava vomitando sangue, não dava para fazer o exame direito. E esse médico me arrumou um hospital particular, na Vila Gustavo, o Hospital e Maternidade Santo Antônio do Tucuruvi. Foi onde eu deixei a minha esposa internada. Foi onde cortou a hemorragia dela. Era o primeiro Natal que ela iria passar fora de casa. Nós fomos conversar com o médico, eu e o irmão da minha esposa, nós fomos e conversamos com o médico e ele autorizou a gente levar ela para casa, para passar o Natal com a família. Só que ela iria ficar na cama, tranqüila, sossegada, sem se movimentar. E o médico deixou em aberto. Se qualquer coisa acontecesse, voltasse a hemorragia, podia levar ela automaticamente, imediatamente para o hospital. Então foi a maneira que a gente conseguiu contornar que ela passasse o Natal com a família. Aí nós voltamos, depois do Natal, a internar ela para fazer o tratamento. Aí voltou para o INPS, porque os medicamentos eram todos fornecidos pelo governo. Ela tomava todo dia uma injeção, que inclusive quem ia aplicar injeção nela em casa era o Antenor, que era o encarregado lá da fábrica, da produção. Ele ia toda noite em casa aplicar a injeção nela, ela tomava uma média de 13 comprimidos por dia. Fez o tratamento em casa, não precisou fazer internação, a gente pode continuar dormindo junto, continuou beijando na boca, porque existia aquele tabu que tuberculose era contagiosa, e como eu fiz o teste e não tinha tendências, então eu pude ficar com ela normal. Não precisou internar. Mas foi uma experiência muito triste para mim. MP - Foi na época da Rua Nova dos Portugueses? Celso - Na Rua Nova dos Portugueses. Mudança do Aché para Guarulhos MP - Celso, e ficou lá na Rua Nova dos Portugueses até quando? Celso - O laboratório veio para Guarulhos, para via Dutra, em junho de 1973. Nessa época eu já morava no Imirim. Interessante que um pouquinho antes de eu mudar para o Imirim, já casado, eu chegava em casa primeiro que a minha esposa, porque eu morava vizinho ali da fábrica, e ela trabalhava no Bom Retiro. Então, quando ela chegava em casa, eu já tinha adiantado... O arroz já estava no fogo, já estava quase no ponto de apagar a panela para secar. O feijão também na panela já temperado. Eu adiantava a janta. Como era casadinho de novo, era só nós dois, nós dividíamos as tarefas de casa também. Depois que nós mudamos para o Imirim, aí já começou a mudar um pouquinho de figura. Aí eu chegava mais tarde, quando eu chegava em casa ela já estava... Eu mudei para o Imirim em janeiro de 73 e o Aché mudou para Guarulhos em junho de 73. Inicialmente, alguns funcionários foram selecionados para estar indo para a Dutra conosco, alguns acharam por bem não ir, pediram demissão. Outros foram... Forçosamente foram demitidos e alguns... MP - Então nem todos os funcionários foram para lá? Celso - Que eu me lembro, na época que nós mudamos para a Dutra, iam três ônibus para transportar o pessoal lá de Santana, do Chora Menino para Guarulhos. Depois aos poucos esse pessoal foi saindo, até... Mas ficou durante muito tempo um ônibus. MP - Saía de onde? Celso - Na verdade, eu morava lá no Imirim e o motorista morava próximo também. Então eu era o último passageiro à tarde e o primeiro de manhã. Às vezes até acontecia de a gente não estar no ponto e ele dava a volta no quarteirão e passava na porta da minha casa. Eu era o primeiro de manhã e o último à noite. E ele morava ali próximo. MP - E você lembra como é que chegou a notícia: "Vamos mudar para Guarulhos"? Celso - Na verdade, nós fomos sendo preparados em doses homeopáticas porque a gente estava acompanhando a evolução da construção da fábrica. Acompanhando a construção da fábrica. Houve todo um preparo nessa época, porque na verdade nós não mudamos totalmente. Só mudou a fábrica. Foi em um final de semana. Foi uma loucura o dia dessa mudança. Foi assim uma experiência muito boa também porque nós conseguimos mudar em um final de semana. Só ficou mesmo na Nova dos Portugueses, na Dona Elfrida, a parte de expedição, estoque, expedição e faturamento. Nós ficamos mais um mês ali, até o pessoal ajeitar todas as coisas, começar a produzir e armazenar. A gente ficou mais um mês ali, na Nova dos Portugueses. MP - Você lembra de algum detalhe desse fim de semana da mudança? Celso - Eu estou lembrado vagamente, que eu acabei não participando dos quatro dias de mudança. Nós começamos, me parece, a mudar em uma sexta-feira... Não, foi em uma quinta-feira. Foi quinta, sexta, sábado e domingo. Para já na segunda-feira começar a funcionar a fábrica. E eu não participei. Acho que foi no sábado, porque eu tinha um casamento para ir, na Vila Gustavo, de um parente da minha esposa. Fui eu, a minha esposa, o irmão e a cunhada, nesse casamento, na Vila Gustavo. Então eu não participei ativamente do início até o final da mudança. Só que eu me lembro que a estratégia que nós preparamos para a mudança, foi assim bem dinâmica. De estarmos carregando o caminhão e ao mesmo tempo apontando o que esse caminhão estava carregando para providenciar uma nota fiscal para poder estar despachando o caminhão. E os contatos feitos por telefone. Nós tínhamos, em torno de, se não me engano, 12 caminhões. Carregando, em trânsito e descarregando. E nessa aí, até os diretores e acionistas arregaçaram manga e todos carregaram pesos, todos ajudaram a carregar, descarregar caminhão. Foi assim bem sincronizado. A gente fazia contatos. Eu me lembro bem que eu fiquei na Dona Elfrida, no Aché velho, para despachar mercadoria. Não a minha mercadoria. A minha mercadoria era o estoque de acabados, que ficou. Mas para despachar os insumos, matérias-primas, material de embalagem, que eram administrados pelo Carlão. Só que eu fiquei no Aché velho para despachar. Algumas pessoas da equipe do Carlão ficaram comigo no Aché velho e outros foram para Guarulhos para poder estar recebendo esse material, já separando e organizando no estoque. Foi assim uma coisa de louco, uma loucura. MP - E a tua primeira impressão lá de Guarulhos? Você já tinha visitado? Celso - Eu tinha visitado a fábrica no início das fundações. Estava assim bem crua a obra. Depois fiquei um bom tempo sem visitar a obra propriamente dita. Às vezes, quando acontecia de em algum passeio passar em frente lá na Dutra, eu via a evolução da obra. E acabei não vendo o Aché quando ele estava pronto para funcionar. Eu não fui. Eu fiquei mais um mês ainda no Aché velho. Criou aquela expectativa de como vai ser essa fábrica, como será que é? Só vi no início da obra e depois não vi mais. E é interessante que, de todos os funcionários que ficaram comigo lá no Aché velho, tanto da parte de expedição e de faturamento, nós já sabíamos, os funcionários que iriam para a Dutra. Nós já tínhamos previamente definido, escolhido e determinado quem ia e quem não ia. Só que nós mantivemos isso até o último momento em segredo. Em sigilo. Então, coube a mim, no último dia de expediente lá no Aché velho, mandar esse pessoal embora. Dispensar todos eles. MP - Por quê? Não comportava todos os funcionários? Celso - Não porque já tinha sido feita uma estratégia que alguns... Foi feita uma seleção prévia. Seria inviável para o Aché estar levando todos. Mesmo da fábrica. Uns quiseram ir, outros não quiseram ir e nessa oportunidade, o Aché aproveitou também para fazer uma seleção. Dar uma filtrada melhor, quem vai, quem não vai. Em contrapartida, já estava se fazendo admissões, seleção de pessoal, recrutamento de pessoal lá em Guarulhos. Pessoal da região, para facilitar inclusive a própria locomoção, o acesso. Inicialmente se colocou ônibus, porque seria inviável estar levando esse pessoal da fábrica velha para fábrica nova, sem condução. De maneira que, eles passaram essa incumbência para mim. Estar conversando com os funcionários e posteriormente chamar novamente quem tinha sido escolhido para ir para Guarulhos e quem não tinha sido escolhido. Foi outra experiência muito marcante para mim. Eu não gostei muito disso. Hoje mesmo, ontem mesmo, revendo as fotos, tem muitas fotos, muitas passagens que a gente não gosta de relembrar. Colegas que já saíram da empresa, que não estão mais conosco hoje, de repente você se depara com a foto dele ali. E outros que até faleceram. MP - E chegando lá, viu tudo pronto. Celso - Nossa. Uma fábrica muito bonita. Foi uma mudança assim... Completamente... Você sair de um casarão velho, para ir para uma fábrica nova, com instalações modernas, maquinário moderno, o pessoal todo uniformizado, com uniforme novo, bonito. Uma fábrica bonita, como é até hoje. Apesar de "n" obras, "n" estágios, de mudanças de layout, de melhorias, de ampliações, continua sempre mais bonita ainda. MP - No primeiro momento, o que estava pronto? Celso - Na verdade era uma fábrica completa. Tinha sua área administrativa, tinha a sua área de produção, tinha seu refeitório, mas era tudo novo, tudo coisa nova. Os uniformes novos, equipamentos novos. De encarregado a supervisor de Expedição MP - E você foi para lá assumindo qual função? Celso - Na verdade, nós éramos em dois na Expedição. Eu era o encarregado, e tinha o Wilson, que hoje é o gerente de Expedição. Ele era tido como um líder meu. Então, depois nós fizemos uma divisão, eu fiquei com a parte de original e ele ficou com a parte de amostras. Quer dizer, uma sub divisão dentro da expedição. E tínhamos também um outro menino, o Carlinhos. Ele tinha o apelido de "Meio-Quilo". Ele era miudinho, pequenininho, e o Wilson, o apelido dele era "Tigrão." MP - E o teu? Celso - O meu? Não sei. Se me colocaram algum apelido. Eu não gostava de apelido, não. Eu tinha um apelido muito feio que eles me chamavam e que eu não gostava. De "Lagartixa" Achavam que eu era muito branco. Lagartixa. MP - Então você foi lá para assumir que funções exatamente? Celso - Na época, eu fui lá para Dutra para assumir definitivamente a chefia, a supervisão da Expedição. MP - E mudou muita coisa no dia-a-dia da expedição? Celso - Na verdade, o que mudou nas instalações novas, a movimentação de materiais. Era tudo feito na mão. Nós carregávamos as caixas tudo na mão, no Aché velho, na Nova dos Portugueses. Toda a movimentação tanto para insumos para produção, ou para separação e embarque de mercadoria, era tudo feito na mão. E chegando lá na Dutra, nós já encontramos uma outra filosofia de trabalho, um novo layout que favorecia. Não tinha escada, era tudo plano. Tinha uma plataforma muito ampla para embarque e desembarque de mercadorias. Estrados, palets de madeira, essas paleteiras, carrinhos hidráulicos para transportar a mercadoria. Já não tinha mais a necessidade de estar carregando peso. De balcões para fazer a separação de mercadorias e pedidos. Nós saímos do Aché velho para Guarulhos, de Santana para Guarulhos, já com notas fiscais sendo emitidas tudo em máquinas elétricas, máquinas de escrever importadas, da IBM. Tudo elétrico. Já tínhamos saído daquela de tirar nota fiscal com carbono. Eu me lembro, e tem até uma foto... Aparece um pedaço daquelas calculadoras Facit de manivela. Nós trabalhamos muito tempo com essas Facit de manivela. MP - Que depois foram substituídas... Celso -...por calculadoras eletrônicas, lá da Bosh Me lembro que as primeiras nós compramos foram as máquinas de escrever da IBM, elétricas e a... Primeiro foram as Olivetti, que não eram elétricas. Depois nós adquirimos as IBM elétricas e as calculadoras do Bosh, eletrônicas. De supervisor de Expedição a supervisor de Almoxarifado MP - E qual foi o passo seguinte, Celso? Celso - Eu fiquei um certo tempo na Expedição. Eu fiquei em torno de 10 anos mais ou menos na Expedição e depois nessa época, acho que em 82, 83, o Carlão era supervisor do Almoxarifado. Almoxarifado de insumos, almoxarifado em geral: de matéria-prima, embalagem, reagentes, material de limpeza, material de escritório. O Carlão é que era supervisor dessa área. E ele passou para a Produção, que naquela época era gerenciada pelo Antônio Russo. O Carlão passou a ser assistente do Antônio Russo na Produção. Então eu saí da Expedição, fui para o almoxarifado para supervisionar o almoxarifado, e o Wilson ficou no meu lugar como supervisor da Expedição. E está até hoje, mas hoje como gerente. MP - E representou alguma mudança no seu dia-a-dia? Celso - Na verdade, o que aconteceu? Eu já tinha uma larga experiência de expedição do Aché velho. Só mexia com produtos acabados. E no Almoxarifado eu fui aprender coisa nova. Eu fui para lidar com outros itens, com outra filosofia. A Expedição não tinha quase que ligação com a Produção. Tinha um contato mais direto com a Embalagem, que era a parte final de fabricação. Embalagem, Expedição. E já no Almoxarifado, eu fui manter um contato mais direto com a Produção. Que é o estar atendendo a todas as áreas de produção com relação ao fornecimento de matérias-primas, material de embalagem, fornecer material de limpeza para todos os departamentos. Material de escritório. Nessa época também nós é que recebíamos mercadorias para o almoxarifado do refeitório. Nós que conferíamos todos os suprimentos para o refeitório, porque teve uma época, no início, que foram vários testes com comidas congeladas, com empresas que forneciam alimentos e depois passou-se a fazer a comida no Aché, como é feita até hoje. MP - Que época que é essa que você assume? Celso - Eu acredito que era 82, 83, mais ou menos. MP - E esse controle já estava informatizado? Celso - Não. Ainda não. Desde a época do Aché velho, nós controlávamos as baixas, eram tudo em fichas. Usava-se calculadora, na época para fazer as baixas, e uma coisa que eu esqueci de falar lá atrás, o nosso estoque de insumos no Aché velho era controlado em uma lousa. E a parte de expedição era controlada em fichinhas, mas como eram poucos itens, nós tínhamos até o estoque decorado na memória. E ficamos um bom tempo ainda, na Dutra, fazendo esses controles manuais. Depois, conseguiram umas máquinas que eram utilizadas para fazer contabilidade. Eram umas máquinas mecanógrafas, que faziam baixas de débito e crédito. E nós adequamos essas máquinas para fazer baixas de entrada e saída. Elas foram modificadas para atender no almoxarifado nessa parte de entradas e saídas. Antes de chegar a informatização do computador propriamente dito. Foi um primeiro estágio nosso e aí já não tinha mais as calculadoras. Agora, interessante que a fábrica, a fábrica Um, o Aché Um, era uma fábrica pequena, mas era uma fábrica completa, e na época, nós não achávamos diferença, Na época, era uma fábrica enorme. O refeitório ficava em baixo do prédio. Eu sei que o nosso refeitório mudou três vezes. Compra da Bracco-Novoterápica MP - Nesse meio tempo teve a aquisição da Bracco-Novoterápica. Tem alguma lembrança? Celso - Eu me lembro quando nós. Posso falar nós porque eu sou Acheano também, nós tivemos que adequar o prédio, as nossas instalações. Nós tivemos que adequar aquele layout para também estar recebendo, não só na parte de armazenagem de produtos acabados, como de insumos em geral para produção, alguns equipamentos, e adequar dentro no nosso layout da fábrica. Porque a partir do momento em que foi comprado o Novoterápica, desativou-se a fábrica e levou tudo para a Dutra. Que a fábrica era em Pinheiros, na rua Pedroso de Moraes. Desativou-se a fábrica e mudou tudo lá para Guarulhos. MP - Vieram funcionários também? Celso - Alguns. Que eu me lembro tem o Roberto Mitsuda, que recentemente aposentou. Acho que foi agora em novembro. Roberto Mitsuda, do Contas a Pagar. O Renato, que está conosco até hoje também, na área de produção. Ele é mecânico de máquinas. Ele trabalhava com máquinas de encapsulamento. E seu Raul, que também já é aposentado, que fazia a parte de departamento de pessoal, RH. Uma das particularidades dele também é que ele entrou de office-boy na Novoterápica. Entrou garotinho. E tem mais quem? O Cláudio Cardoso também que já não é mais funcionário do Aché, trabalhava na parte administrativa também. Parceria com Parke-Davis MP - A vinda do Parke-Davis também foi sentida? Celso - Do Parke-Davis foi mais pesado. Foi muito mais pesado porque era um laboratório maior, tinha uma linha bem maior. A mudança do Novoterápica para quem tinha feito a mudança do Aché velho para Guarulhos, foi um café pequeno. Com a mudança do Novoterápica nós não sentimos muito não, porque foi uma mudança, até que fácil, já estava tudo nos seus devidos lugares era só adequar os materiais. Agora, o que foi difícil, foi a mudança do Parke-Davis, que era uma mudança que já vinha do Rio de Janeiro para São Paulo. Nós não conhecíamos fisicamente o laboratório e os equipamentos. Algumas pessoas que foram envolvidas na parte de mudança de layout da fábrica para adequar, para estar recebendo essa mudança, da engenharia de manutenção, de logística, foram para lá para conhecer, além da diretoria que já conhecia, alguns funcionários que tiveram quer ser levados para lá para ver o que a gente ia mudar. E como nós íamos tirar tudo aquilo daquele prédio e levar para Guarulhos? Então nós não fazíamos noção do volume. Fizemos uma logística, uma estratégia de sinalizações para quando chegassem os caminhões, o que teria que ser encaminhado para que lugar. Nessa época, o Aché ficou pequeno. Foi uma mudança que foi muito cansativa, provocou até stress. Eu posso até dizer da minha parte. O prédio praticamente não iria comportar, nós tivemos até que alugar um armazém do outro lado da Dutra, em Guarulhos - hoje funciona lá uma agência, uma concessionária de automóveis - para estar adequando, dimensionando e organizando os estoques, porque na fábrica não ia caber tudo. Não ia comportar. MP - E com o tempo como é que isso foi resolvido? Celso - Na verdade, o que aconteceu? Algumas máquinas vieram... Porque nós ficamos lá em Guarulhos recebendo. Ora chegava caminhão de máquinas, ora chegava caminhão com matéria-prima, ora chegava caminhão com produto acabado. Então, apesar de toda aquela logística, de toda aquela sinalização que nós fizemos, nunca dava 100%. Às vezes vinha caminhão com matéria-prima e com material de embalagem junto. Então tinha que descarregar um pouco em uma parte, um pouco em outra. Esse caminhão tem que ir lá para o galpão. Era próximo, era quase em frente, mas só que tinha que pegar o retorno para chegar do outro lado da Dutra. Então nós ficamos, acho que ficamos uns dois anos com esse armazém, até o Aché ser ampliado novamente com a fase Aché I, Aché II, Aché III. Aché II nós ampliamos para o fundo. O Aché II foi uma ampliação que foi feita para o fundo da fábrica. Nós também duplicamos a área e aí é que deu para fazer a ampliação da fábrica em cima, e em baixo nós fizemos e o refeitório novo. O segundo refeitório. MP - E teve alguma repercussão na dinâmica da empresa? Celso - Nessa época, nós fomos um pouco sacrificados com essa logística, com essa movimentação de materiais, porque nós tínhamos que ter um controle melhor, mais bem feito, mais organizado, para não deixar faltar nada na produção. Então, o que aconteceu? A expedição ficou na Dutra, as matérias-primas ficaram na Dutra, os insumos de matéria-prima, os sais, e o material de embalagem foi tudo para esse galpão. Tudo o que você pensa de material de embalagem, estava tudo lá no galpão. Caixa de papelão, caixinha para colocar medicamento, a bula, a tampinha, o vidro, o rótulo. Então, diariamente nós tínhamos que fazer a remoção. Separar material e transferir para a fábrica. Diariamente. Nós tínhamos dois caminhões, caminhonete. Às vezes acontecia de faltar alguma coisa porque o fornecedor não entregou, e checar aqui fazer as coletas de amostras para poder mandar para o laboratório fazer as análises, para aguardar aprovação. Essa época foi muito sacrificada. Foi uma época triste, sem contar as enchentes. Enchentes no Aché MP - Teve alguma enchente mais marcante? Celso - Eu enfrentei três. Eu enfrentei várias enchentes, acho que quase a totalidade das enchentes no Aché. E normalmente as enchentes aconteciam sempre nessa época de final de ano ou de Carnaval. As nossas férias coletivas eram de 20 dias no Natal e 10 no Carnaval. Então, sempre as enchentes aconteciam no Carnaval. Pessoal de férias. E para localizar esse pessoal? E para recrutar esse pessoal para levar para o Aché? Lá na portaria, na segurança, nós tínhamos um livro, um book de cada funcionário: endereço, telefone para contato, para em uma eventualidade estar avisando a família. Mas, acontece que era uma época crítica, porque o pessoal está de férias, viajando. Alguns funcionários tinham telefone, tinham contato: "Olha, fulano está em Santos, fulano está em Mongaguá". O pessoal deixava o lazer, deixava as férias e ia para o Aché para puxar água, puxar barro. Não tinha descriminação: era gente da área administrativa, era gente de fábrica, da faxina, do escritório, da Expedição, do Almoxarifado... Todo mundo arregaçava a camisa, enfiava bota, cada um pegava o seu rodo e vamos amassar. Vamos amassar barro e vamos puxar água. E assim uma coisa de mutirão pós-guerra, pós um terremoto, porque a fábrica precisava funcionar na segunda-feira. MP - A água entrava onde? Celso - Ali tinha um córrego que passava por dentro do Aché. Ele fazia ali umas curvas e passava por dentro do terreno do Aché. Na verdade, antes ele não passava no Aché. Ele passava do lado. Depois, o Aché foi adquirindo aquelas áreas em volta e acabou ficando dentro do terreno. De maneira que ali a água, as enchentes davam ali, o seguinte: sujeira... Onde o Aché foi construído, era um brejo. Está certo que na época da primeira obra, o Aché I, foi feito aterro. Mas o Aché foi construído em cima de um brejo. Então, ora a sujeira do rio, as pancadas, as chuvas, os temporais muito fortes na cabeceira desse rio e o curso dele, a água... Esse córrego desaguava no Tietê e, se chovia muito na cabeceira do Tietê, vinha aquele temporal, o fluxo da água invertia. Ao invés da água desse córrego ir para o Tietê, voltava, vinha água do Tietê para esse córrego. MP - Então, essas enchentes deram muito trabalho... Celso - Toda enchente dá trabalho. A gente vê muito nessa época de final de ano, em dezembro, janeiro, fevereiro, na época do verão. As enchentes ocorriam no Aché sempre nessa época. Em fevereiro. Época do Carnaval. Toda enchente é triste, lamentável, principalmente quando você é pego de surpresa. Você não sabe quando ela vem. Você nunca está prevenido, deixa a mercadoria no andar térreo, acaba molhando. Aí você entra no desespero. MP - E como é que isso foi removido? Celso - Toda enchente é triste, é lamentável, porque você tem todo aquele trabalho de rescaldo, de fazer aquela limpeza, depois fazer recuperação de materiais, colocar tudo em ordem, arrumar, organizar. Assepsia principalmente. Por ser uma indústria farmacêutica. A higiene é primordial dentro de uma indústria farmacêutica. De maneira que é um trabalho muito árduo. Os vestiários, os roupeiros do pessoal, o refeitório. É um trabalho muito desgastante. Mas nós conseguimos. Todas as enchentes que nós tivemos, nós conseguimos já na segunda-feira deixar o laboratório limpinho, para começar a funcionar. Nós tivemos essa última, eu não me lembro agora se foi em 99, Carnaval de 99, tivemos um prejuízo muito grande. Porque nos pegou de surpresa. Nós já tínhamos feito a canalização. Porque esse córrego passava por dentro do terreno do Aché, ele fazia várias curvas por dentro do terreno. Passava pelo meio da fábrica. Nós construímos uma galeria, nós endireitamos o leito do rio. Nós fizemos em linha reta, fizemos duas galerias enormes que acredito que, se fosse depender de uma Prefeitura, de um governo, acho que até hoje estaria esperando. O Aché fez isso, mas inicialmente até chegou a se pensar que esse endireitamento do leito do rio tivesse provocado essa enchente. Não. Na verdade, são obras que são feitas, e o pessoal não percebe. Nós ficamos desguarnecidos no fundo do laboratório. Já tinha a construção da Trabalhadores, lá da Rodovia Ayrton Senna, que, o nível da água do Tietê subiu tanto, subiu tanto, que ela veio pelo fundo, ela entrou até aqui por trás, pelo campo, pelo Grêmio. Ela entrou e transformou o Aché em um piscinão. O nível da água dentro do Aché teve lugar que deu mais de um metro de água. Então, o estrago foi muito grande. Como nós tínhamos feito o endireitamento, a galeria e mais as obras de contenções, drenagem, bombas, postos de emergência para bombear a água por cima do leito do rio, nós tínhamos certeza que não iríamos mais ter enchente. Então nós fomos pegos de surpresa mesmo, porque nessa época nós tínhamos muito material armazenado no piso, na parte térrea. Desde a Expedição do prédio da antiga Alcoa, onde hoje funciona o Aché VII, o Aché VIII até aqui no Grêmio. Ficou tudo alagado. Quase que entrou água no Aché V, que é bem mais alto, onde tem a parte da cantina. Entre o refeitório e a cantina temos aquela escadaria que vai para fora e para o pátio, a água chegou a bater no último degrau do piso da cantina, da escada da cantina. Seria o cúmulo do absurdo entrar água no Aché V. Essa foi a que deu mais trabalho. E deu um prejuízo muito grande para empresa porque houve uma perda muito grande de materiais e o próprio custo que nós tivemos para limpar o Aché novamente. Nós tivemos que fazer um mutirão, contratar várias empresas com logísticas, com transformadores, geradores, caminhões para bombeamento de água, barro. Foi terrível. E depois, nós tivemos um prejuízo maior, depois do rescaldo, da mudança, para incinerar, tivemos que pagar para incinerar o que estragou. Porque molhou. A água de chuva contaminou. Nós não podíamos usar nada daquilo. Nada pode ser aproveitado. De supervisor a gerente de Almoxarifado MP - E em relação à sua carreira, Celso. Depois de você ser supervisor do almoxarifado, você assumiu qual cargo? Celso - Eu fui promovido a gerente de almoxarifado. Eu fiquei como gerente de almoxarifado até 1995. Eu saí da expedição acho que foi em 82, 83, fui para o almoxarifado e fiquei até 95. Em 95 eu tive um problema de saúde. Em 95, eu não sabia... Eu era portador de uma doença, mantive no anonimato, eu não digo que totalmente, mas eu mantive no anonimato na empresa devido a essa doença por causa do preconceito. E hoje eu estou aberto até a falar sobre isso, porque hoje eu sirvo de um exemplo de um alerta para outras pessoas. Eu em 95, eu estou hoje com 53 anos, em 95 são menos sete, eu tinha 47, 46 anos. Eu sou portador de uma doença terrível: alcoolismo. Eu tenho essa doença incubada em mim, e como se diz assim costumeiramente, eu sou alérgico ao álcool. Então eu não posso ingerir uma gota de álcool. Na época, eu me afastei assim de uma hora para outra. Repentinamente. Essa doença já vinha se manifestando dentro do meu organismo. Como eu já citei anteriormente, no decorrer do meu depoimento, eu comecei tudo cedo: eu comecei a trabalhar cedo, comecei a fumar cedo, comecei a namorar cedo e comecei a beber cedo também. De maneira que hoje eu sei que é uma doença terrível, eu não tenho vergonha nenhuma de estar abrindo hoje para o público, para os meus colegas de trabalho. Eu só não posso abrir externamente. Mas dentro da fábrica eu posso abrir. Eu não posso abrir porque eu vou estar desrespeitando a Irmandade dos Alcoólicos Anônimos. Nós podemos dar entrevistas e não aparecer o rosto. Só aparece o áudio e não o vídeo. De maneira que para empresa eu posso abrir. Posso abrir para os meus colegas de trabalho, porque isso serve de exemplo e de alerta, não para a própria pessoa diretamente, mas também para os seus familiares, seus filhos, com relação à parte educacional. Costuma-se dizer que essa doença é porque a família não tomou cuidado, não orientou, não educou, mas nem sempre é a família. As pessoas também aprendem errado lá fora. Eu estou falando do álcool, como outras drogas também que estão muito em evidência hoje: cocaína, crack, maconha, extasy, etc. Está inclusive muito evidente na novela que está passando na Globo agora, no Clone. Tem uma pessoa lá que é um portador dessa doença, só que ele é cruzado, que além da cocaína, ele usa o álcool. Então é dito como portador de uma doença cruzada. Afastamento do Aché MP - Você chegou a ficar um tempo afastado do Aché? Celso - Em 95, ficou muito gravado na minha memória - até eu costumo dizer isso - que aquele Celso morreu e nasceu outro Celso a partir de 28 de julho de 1995. Na verdade, eu já sentia que o álcool estava me prejudicando, que estava me prejudicando profissionalmente, moralmente, socialmente, conjugal... Só que eu não procurava ajuda. Eu comecei a me esconder, a me retrair, a fugir dos meus amigos, dos meus verdadeiros amigos. De maneira que eu estava me fechando em um casulo. Eu estava acabando com a minha vida mesmo. A minha esposa não tinha percebido. Eu acordava de manhã com delirium tremelis. Eu ia pegar o copo para tomar laranjada tremendo. E ela não sabia. Ali do meu lado e ela não sabia o que era aquilo. Ela não sabia que era do álcool. Mas eu já sabia. Na empresa eu trabalhava de avental, com dois drops no bolso para esconder o hálito do álcool. Eu não bebia durante o expediente. Eu quero deixar isso bem claro. Eu não bebia durante o expediente. Eu trabalhava das sete e meia até as cinco da tarde. Só que eu não via a hora de dar cinco da tarde para chegar no primeiro boteco lá no posto, na esquina, que eles tratavam de "Sujinho" para já começar a ingerir o meu primeiro gole. E eu não parava naquele primeiro gole. Ia uma, duas, três, quatro. Fazia a via sacra até chegar em casa, e sempre dirigindo. Eu dirigindo e Deus me guiando, porque eu tive a sorte de não atropelar ninguém, de não bater o carro, de não me matar em um acidente. A empresa já vinha acompanhando meus comportamentos. Havia pessoas que gostavam verdadeiramente de mim, que estavam acompanhando o meu dia-a-dia, a evolução dessa minha doença, para me abordar no momento oportuno. Eu discutia muito com colegas, gerentes de outras áreas. Eu chamava atenção de funcionários às vezes sem ter razão. De maneira que o álcool contaminou de uma certa forma que o meu metabolismo não era o mesmo. É tida como uma doença. Ela é progressiva, incurável e de ter terminação fatal. Ou a pessoa pára de beber, ou ela vai para o sanatório, manicômio, ou ela vai para cadeia, ou ela vai para o cemitério. E eu felizmente tive essa sorte, a empresa já estava acompanhando meus comportamentos. Nessa época o Antônio Russo era meu diretor. Ele estava viajando na Europa, e eu deixei 56 funcionários meus órfãos de gerente e de diretor. Três dias sem aparecer na empresa. Sem dar notícia. Porque a esposa já não tolerava mais esse negócio de ficar ligando para a empresa e querer tentar manipular. Dizer que eu não fui porque eu estava com febre, que estava com dor de barriga. "Que não passou bem essa noite... Se ele melhorar vai depois do almoço..." Até um certo tempo ela foi minha aliada e meio ela foi uma facilitadora. Até um certo tempo. Depois a moral dela mesmo não deixou ela mentir mais. De maneira que eu estava há três dias sem aparecer no Aché. Um belo dia eu chego das minhas noitadas, porque normalmente você acaba trocando o dia pela noite. Só tem hora para começar a beber e não tem hora para parar. Eu só bebia depois das cinco, só que não tinha hora para parar, eu ia embora. Então eu chegava em casa sem banho. Eu não tomava banho, eu não jantava. Como é que você ia acordar às cinco horas da manhã para trabalhar no dia seguinte? Aquilo foi me debilitando, me debilitando. E eu fui me isolando. Eu não procurei ajuda e fui me fechando, e me fechando. Eu tive a sorte do Aché ter, já estar fazendo esse acompanhamento. Um belo dia eu chego em casa às cinco horas da manhã e quando é oito horas da manhã aciona a campainha e chega lá o Dr. Antônio Carlos, que era o nosso médico do trabalho na época, e a assistente social, a Elaine, a Eliane, que era a nossa assistente social na época. Vieram me abordar, vieram prontos, sabendo que iam chegar e me pegar em casa, precisando de ajuda, muito doente. Eles já vieram, ofereceram ajuda. Aí nesse dia me abri que nem pára-queda, chorei como uma criança junto com a minha esposa. Eles sugeriram três clínicas para me internar. Eu aceitei humildemente. Aceitei a ajuda deles e fui para essa clínica nesse mesmo dia, dia 28 de julho, e graça a Deus eu estou parado de beber até hoje, são seis anos e meio. Graças a Deus não tive nenhuma recaída. Na clínica, eu me lembro, fiquei de 42 a 45 dias internado, e eu falava que eu nunca mais ia voltar para o Aché. "Como é que eu vou por os pés dentro do Aché? Como é que eu vou encarar os meus colegas de trabalho?" Na época em que eu bebia, eu sempre andava de cabeça baixa. Eu sempre olhava para o chão. Eu não olhava pras pessoas, eu não olhava no olho das pessoas. Hoje eu olho. Eu encaro as pessoas. Eu converso com as pessoas olhando nos olhos delas. Eu andava olhando para o chão. Parecia até que era uma falta de respeito, cruzar com as pessoas e as pessoas acharem que eu era mal-educado ou que era fresco, era orgulhoso, de não olhar, não cumprimentar. Eu vivia em um outro mundo, em uma realidade completamente diferente daquela. Na verdade, eu estava em outro mundo mesmo. Eu fiquei internado nessa clínica, fizeram um trabalho de desintoxicação. Essa doença, ela é física, mental e espiritual. O tratamento que eu estou fazendo até hoje, eu continuo freqüentando a Irmandade de Alcoólicos Anônimos. Não sou fanático. Não preciso ir todos os dias nas reuniões. Nessas reuniões a gente faz depoimentos e coloca tudo de bom e de ruim que aconteceu naquele dia ou na semana, e onde a gente vai fazer um tipo de uma terapia. E lá a gente encontra pessoas que sabem da doença, que também sofrem da mesma doença, que falam a mesma linguagem que a gente. Então fica muito mais fácil de a gente estar colocando isso. Inclusive hoje, completo 57 dias parado de fumar. Cigarro também é droga e eu tenho, por essa experiência que eu passei, o cigarro é a pior das drogas. Nessa clínica em que eu fiquei internado, eu tive a oportunidade de conhecer pessoas que era eram usuários de cocaína, de crack, de maconha, de cigarro. Alguns pararam com todas as drogas e não conseguiram parar com o cigarro. E eu estou tentando mais uma vez. Eu tenho bastante força de vontade e vou conseguir. Volta ao trabalho MP - Como foi a retomada do trabalho? Celso - O pessoal me preparou de uma certa forma, que eu retornei para o Aché de cabeça erguida. Fui muito bem recebido. Poucas vezes fui barrado, interpelado nos corredores do Aché, para perguntar: "O que foi isso? Como foi aquilo? O que você teve? Por que você ficou afastado?". Precisei dar pouca satisfação. E entrei de cabeça erguida. Só não retornei para o mesmo departamento, porque o pessoal chegou em um consenso que seria melhor para eu não reassumir a área em que eu estava porque poderia não fazer bem para mim como também não fazer bem para os funcionários. MP - E aí você passou para qual área? Celso - Aí eu fui trabalhar com o Hamilton, no Suprimentos. De 95 para cá. Até hoje trabalho com ele. Na época, nós tínhamos um departamento, um setor, que existe até hoje, de recebimento documental. É conhecido mais popularmente como recepção de materiais. Na verdade é uma seção de registro de entradas de bens e serviços. É onde faz o recebimento documental e o lançamento contábil das notas. O início da contabilidade. Eu fiquei acho que três anos mais ou menos, uns dois anos nessa seção e hoje eu estou na seção de compras, comprando materiais de manutenção e obras. Peças de reposição, peças para máquinas, equipamentos, maquinário propriamente dito, alguns materiais de obra, com relação a concertos, mudanças de layout... De maneira que é uma nova experiência que eu tive. Me dei muito bem com essa nova atividade também. Desde 95 para cá. Eu sempre gostei de trabalhar com documentos. Dia-a-dia atual MP - E hoje, como é um dia típico de trabalho, Celso? Celso - Na verdade, o que eu posso dizer, eu sinto assim: eu tenho o Aché como uma extensão da minha casa, porque com 30 anos de casamento,... Eu estou com uma nova passagem com relação a isso, e eu acho que eu não devo ficar mantendo isso no anonimato, porque não deve estar fazendo bem para mim. Dá para você contar nos dedos as pessoas que sabem no Aché hoje, que eu estou separado da minha esposa desde 14 de abril de 2001. Por questões assim, acredito eu, de incompatibilidade de gênios... Nós não tivemos filhos. Hoje tem minha sogra que mora conosco, que mora com ela. Minha sogra tem 88 anos, já não anda mais. De maneira que ela ficou com uma outra residência nossa, um outro apartamento com a minha sogra, e eu achei por bem sair e estou morando sozinho em outro apartamento. Mas foi feito assim uma separação consensual, nós continuamos amigos, continuamos conversando. Toda semana a gente conversa. Ou eu ligo para ela ou ela me liga, não deixei ela desamparada de forma alguma, a gente continua mantendo contatos e tem uma outra experiência que eu estou passando: de estar morando sozinho, convivendo sozinho. Alguns momentos são difíceis. Bate depressão. Bate solidão. Na cabeça de muitas pessoas isso aparece diferente. Não digo para todas, mas algumas pessoas deturpam. Dizem: "Agora que o cara está sozinho, agora o cara vai se acabar. Vai se esbaldar vai sair para gandaia, não tem mais quem controle". E não é bem por aí. Eu acho que uma vez que a pessoa tenha raciocínio, a cabeça no lugar, principalmente eu hoje, sem o uso do álcool, eu sou uma outra pessoa, sou um outro homem. É difícil a gente saber administrar, manter a casa em ordem, cumprir os horários... É interessante e vale lembrar também que a partir de 28 de julho de 1995, depois daquela minha internação nessa clínica, durante e depois, quem mais me ajudou foi a empresa em que eu trabalho e a minha esposa. Se não fossem eles, eu não estaria mais aqui. MP - E tua relação com o Aché? Celso - De maneira que, o que acontece? Eu devo muito a eles isso. Eu não posso nunca me esquecer, tanto da empresa quanto da minha esposa. E o que eu ia falar, só para concluir essa parte, de 28 de julho de 95 para cá, eu nunca mais briguei com a minha esposa. Nós nunca mais discutimos. Eu nunca mais perdi hora. Nunca mais cheguei no Aché atrasado. Então, eu tenho que pensar também nas coisas, nos benefícios que essa doença me trouxe. Essa doença trouxe benefícios também para mim. E eu quero hoje aplicar isso também para o meu vício de cigarro. Para o tabagismo. Para melhorar minha qualidade de vida, para eu ter uma saúde melhor, uma disposição melhor, para poder continuar trabalhando, continuar levando a minha parte de contribuição para o Aché, principalmente nessa fase de mudanças que está tendo agora. Nós estamos passando por uma série de mudanças dentro, desde a vice-presidência que já está chegando agora, do nível de produção dos níveis administrativos... De maneira que eu acredito que se eu tiver uma melhor saúde, eu vou estar mais bem predisposto e psicologicamente também preparado para estar sabendo lidar com todas essas mudanças que estão vindo. Para me adequar inclusive a essa nova visão do Aché. Sonho de vida MP - Falando em mudanças, eu queria saber de você o teu sonho, olhando para o futuro agora. Celso - Eu na verdade, costuma-se dizer fim de carreira, mas eu acredito que eu ainda tenha muito para dar de mim, para contribuir profissionalmente. Eu tenho aí alguns pensamentos para futuro, mas assim voltado para voluntariado. Pretendo me especializar, fazer algum curso, para estar lidando, trabalhando inclusive com pessoas portadoras desse tipo de doença que eu falei: usuários de drogas, de álcool e outras drogas. Eu penso que o meu futuro, depois que eu me aposentar definitivamente no Aché, é fazer um trabalho voltado para voluntariado mesmo, sem nenhum interesse financeiro. Dar um pouco daquilo que eu aprendi, do que a vida me ensinou e que outras pessoas também me ensinaram, outras pessoas me passaram. Relação com Aché MP - E quando você olha para trás e vê todo esse crescimento do Aché, como você descreve isso? Celso - Paralelamente a isso, eu também tive um crescimento. O Aché cresceu? O Aché cresceu, os donos estão ricos, estão milionários. Mas, tem uma coisa muito interessante que aconteceu comigo de 95 para cá, que eu não dou muito valor para bens materiais, hoje. Lógico, eu preciso ter para mim, para minha convivência... Conveniências e convivências. Mas eu vejo assim: Quem ganhou com a evolução, com o crescimento do Aché, da empresa? Não foi só o funcionário. Por trás desse funcionário tem uma esposa, um marido, tem filhos, tem a família. Depois da família tem o vizinho, tem a comunidade, tem os nossos vizinhos lá do Aché, tem os nossos vizinhos de nossas casas... E outras pessoas também, aquelas pessoas que são beneficiadas com aquele produto que nós fabricamos. Que é o medicamento. O Aché produz saúde. E é interessante, que mais de meia vida minha, eu estou com 53 anos, há 36 anos no Aché. Mais de meia vida minha eu passei no Aché. Eu convivo muito mais tempo dentro da empresa, do que na rua e na minha casa. Então o Aché para mim é uma segunda família. Sempre foi uma segunda família, desde quando eu entrei, porque eu já tinha irmãs que trabalhavam lá, como tem outros funcionários, outras pessoas que se conheceram aqui na empresa, casaram, constituíram família e continuam aqui. De repente até segundas gerações vão trabalhar na empresa. Como nós temos uma segunda geração de acionistas já trabalhando ao lado dos acionistas tidos como fundadores do Aché. Já estão também ajudando eles a administrar esse império. Hoje o Aché é um império. Hoje há até uma frase que o nosso diretor geral executivo, o Eduardo Bandeira de Mello usa muito, que o Aché não é mais dos acionistas. O Aché é do Brasil. Nós temos é que nos orgulhar disso. Saber que essa empresa continua nacional e com todas essas mudanças, com pessoas novas, com cabeças novas, com idéias novas para modificar e fazer melhorias e benfeitorias para a empresa, e conseqüentemente quem vai ser beneficiado? Com isso vão ser os funcionários. Tanto eu, com 36 anos de empresa, como outro de 20, como aquele outro funcionário que está chegando agora. Com certeza vão colher os frutos. Eu tenho o Aché como uma segunda casa, tenho muitos amigos aqui dentro, eu tenho umas pessoas ali de 20, 25, de 30 anos que são como se fossem da família. Eu não vou nem citar nomes, porque eu vou cometer injustiças. São 36 anos dentro de uma empresa, que não são nem 36 horas, nem 36 dias, nem 36 meses. São 36 anos. Contar sua história MP - A gente está chegando no final e eu queria fazer uma última pergunta. Queria saber o que você achou dessa experiência de ter contado um pouco da sua história? Celso - Interessante é que eu sempre fui cheio de complexos, e, de 95 para cá, mudou muita coisa na minha vida e muitos dos complexos que eu tinha sumiram. Por isso eu costumo dizer que o Celso nasceu de novo em 28 de julho de 95, porque eu nunca fui um bom orador, eu nunca gostei de falar em público. Tive algumas experiências no Aché, participei de "n" cursos pelo Aché. Mas eu sempre tive medo, receio, dificuldade de estar falando em público ou dando entrevistas. Tudo isso são coisas que eu fui ganhando no dia-a-dia. Achei interessante até eu estar dando esse meu depoimento. Eu procurei usar aqui 100% da minha franqueza, da minha honestidade, e isso eu quero deixar como mensagem, não só para quem está iniciando no Aché hoje, neste ano, para companheiros antigos também, que é muito interessante: a humildade e a honestidade. E a dedicação no trabalho. Com certeza, os frutos virão. Eu quero deixar isso como mensagem para quem está começando agora e para quem já está na empresa há um bom tempo, como eu. Muito obrigado. MP - Obrigada você.
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