Venho aqui relatar minha história. Sou Regimar, professora de português e inglês em uma escola estadual de Minas Gerais, mestranda na Unimontes e mãe solo de 04 filhos com um encontrando-se no céu. O que me torna especial para querer me abrir com vocês? Aos 45 anos descobri que sou AUTISTA e i...Continuar leitura
Venho aqui relatar minha história. Sou Regimar, professora de português e inglês em uma escola estadual de Minas Gerais, mestranda na Unimontes e mãe solo de 04 filhos com um encontrando-se no céu. O que me torna especial para querer me abrir com vocês? Aos 45 anos descobri que sou AUTISTA e inicio minha história aconselhando a você, leitor, que não seja o “desagradável” que diz “hoje em dia está na moda ser AUTISTA, todo mundo agora é AUTISTA”. Por trás da sensação de “normalidade” de quem convive comigo, há uma vida inteirinha tentando adaptar-me a um critério de padronização que nunca foi natural para mim. Precisei morrer e renascer inúmeras vezes para tentar ser algo que não incomodasse os outros.
Nascer “inteligente”, do ponto de vista aceitável pela sociedade, não poupou-me do inferno que era não poder fugir do meu cérebro. Mediava com o Criador, a todo momento, tentando convencê-Lo de que, certamente, tinha colocado-me no lugar errado por descuido. Por que viver em comunidade para os outros era tão simples? O que todos em minha volta sabiam que eu não sabia? Que instituição era essa do qual não fui convidada a fazer parte? Sentindo-me em desacordo com o mundo no qual vivia, só era verdadeiramente, feliz dentro de casa lendo um livro. Era o momento no qual conseguia reconhecer sentido nas coisas, baixar a guarda e respirar aliviada, por não estar incomodando ninguém. Longe de casa, ficava sempre em modo de alerta tentando ser normal e não conseguindo. Com o passar do tempo, fui arrumando estratégias para que os outros gostassem de mim e não reparassem que eu era esquisita, pois muitos enxergavam-me como problemática.
Nascida em uma família humilde de Brasília de Minas-MG, a própria família não sabia como lidar com a situação, pois estamos falando dos anos 70, 80 e 90. Em 1992, fui fazer o Ensino Médio em Montes Claros, e lá descobri que se eu tirasse boas notas e passasse cola para os colegas, não teria que permanecer sempre sozinha nos intervalos e trabalhos de classe. Foi assim que consegui minha primeira turma de “amigos” e a implicância passou a ser só pelas minhas costas. Isso já abrandava meu sofrimento e vontade de suicidar. Quando penso na adolescência, sinto que o livro Polyana foi minha válvula de escape por muito tempo. Não saía sem uma frase do livro memorizada para que ajudasse-me a olhar os outros nos olhos, ser simpática e ter papo com desconhecidos sem gaguejar tanto.
Tenham serenidade com esse relato, pois prometo que essa é uma narrativa promissora. Não suporto vitimismo, nem dos outros, muito menos meu. Ainda hoje, não tenho muito filtro do que posso ou não falar, consequentemente, acabo sendo precipitada quando minhas emoções acumulam. Vejo-me muito instável, desta forma, tenho comportamentos inadequados como dar risada quando alguém está chorando (não estou achando graça, é que sentimentos alheios deixam-me desconfortável e rio de nervosa), mas estou aprendendo a copiar comportamentos alheios e isso salva-me de muitas situações difíceis.
Quando estou nervosa, esfrego os dedos sem perceber, balanço as pernas, bato com os pés no chão e além disso, ruídos repetitivos fazem-me surtar... Mas no geral você não perceberia meu AUTISMO. Há circunstâncias em que o mundo e as pessoas são além da conta para mim, e nesses dias eu fico mais agitada e explosiva, tentem entender quando me virem assim.
Por que falar sobre isso se, finalmente, estou conseguindo chegar na Regimar que eu rezava tanto para ser na infância? Porque ouvi anjos cantando quando meu diagnóstico veio após os 40. Porque meu passado todo, com uma palavrinha, passou a fazer sentido. Porque meu sofrimento e o sofrimento de quem me ama tinha um nome e um porquê.
Se hoje sou feliz (e sou muito) e se hoje sei não “parecer autista” é porque sobrevivi ao meu diagnóstico, e não porque não o tenho. Que máximo que hoje o diagnóstico precoce poupa tanta gente de passar pelo que eu achava ser um não pertencimento. Na minha época, especificamente em minha cidade, não existia terapias para aliviar o sofrimento de quem vivia em um mundo no qual não se encaixava.
Nos dias atuais, não está na moda ser autista, está na moda entender que existem várias formas de funcionar. Hoje em dia, está na moda saber que autismo não é doença, é apenas uma forma diferente de processar o mundo.
Esse escrito é um pedido de desculpas para a Regimar da Escola Estadual Cremilda Passos, que tinha a impressão que se sentiria inapropriada para sempre. Aqui eu murmuro baixinho com um sorriso largo no ouvido de todas as “crianças esquisitas” e digo, nunca seremos normais, e que bom que é assim, pois é aí que habita nosso encanto.Recolher