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P/1 – Então, vamos começar. Regina, por favor, você poderia falar seu nome completo, a cidade onde você nasceu e a sua data de nascimento?
R – Então, meu nome é Regina Luiza Gonçalves dos Santos Lopes, sou de São Paulo mesmo, Capital, nasci aqui na...Continuar leitura
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P/1 – Então, vamos começar. Regina, por favor, você poderia falar seu nome completo, a cidade onde você nasceu e a sua data de nascimento?
R – Então, meu nome é Regina Luiza Gonçalves dos Santos Lopes, sou de São Paulo mesmo, Capital, nasci aqui na Capital no dia 27 de fevereiro de 1952.
P/1 – E qual é o nome dos seus pais?
R – Meu pai era Alvino Gonçalves dos Santo, e minha mãe Diná Gonçalves dos Santos. Eles eram do interior de São Paulo, porque os dois já são falecidos, né? Minha mãe era de Ribeirão Preto, da cidade de Ribeirão Preto, e meu pai da cidade de Cravinhos, no interior de São Paulo.
P/1 – E você sabe de onde vieram os seus avós?
R – Então, a minha avó também era da cidade de Cravinhos - a minha avó materna. Já a minha avó paterna, eu não sei de que cidade que ela era, porque o nosso contato maior era com os nossos avós maternos. Eu sei que minha avó materna era também da cidade de Cravinhos e meu avô materno era de Ribeirão Preto. E meus avós paternos… A minha avó paterna, eu realmente não sei de onde que ela era. Meu avô paterno era da Bahia e veio para São Paulo mais ou menos com 19 anos e fez a vida dele aqui em São Paulo.
P/1 – E antes, bisavós, a origem da família…
R – Então, a origem da família, eu tenho sim, mas eu tenho a origem da família do meu lado materno, porque assim… A minha família começou mesmo com a… De onde eu tenho a ideia, de onde eu tenho o conhecimento… A minha bisavó era da Lei do Ventre Livre e vivia em uma fazenda. A mãe dela era escrava, mas ela era do Ventre Livre. E aí, quando ela estava mocinha, chegou de Portugal um familiar desse pessoal da fazenda para ficar no Brasil. Eles pegaram a minha bisavó que morava nessa fazenda e deram para esse português. Deram assim, falaram que era para ela ir com ele, porque ela iria lavar, passar e cozinhar para ele. Ele se estabeleceu aqui no Brasil e ela foi ser empregada para ele, só que ele acabou gostando dela, se apaixonando, e ficou com ela, teve filhos… Ela morreu com 104 anos essa minha bisavó. Ele morreu bem antes, mas a gente não tem muito conhecimento de que até idade ele viveu. Dela temos mais, porque ela ainda viveu com a minha mãe, morou com a minha mãe e tudo. Então o conhecimento que eu tenho da minha família é daí para frente. Ela teve quatro filhos, que foram duas mulheres e dois rapazes. Com os dois rapazes, nós não temos contato mais, foi uma família que se distanciou muito. Os únicos que ficaram unidos, foram as duas filhas, a minha avó e a tia Carmem, que morava também em Ribeirão Preto, então são as duas que ficaram mais unidas e que nós tivemos contato. A minha avó, morando em Ribeirão Preto, se casou também com o meu avô que se chamava Vicente e também morava em Ribeirão Preto, e aí teve a minha mãe, Diná, e meu tio que também se chamava Vicente. A minha avó teve dois filhos, e minha bisavó ficou com eles até os 104 anos.
P/1 – E como é que você soube dessa história? Quem te contou?
R – Eu soube dessa história porque a minha avó…
A minha avó era assim, a minha paixão. Eu era uma pessoa que tinha uma afinidade incrível com a minha avó. Quando eu tinha oito anos de idade, eu morava em Santo André e minha avó morava aqui na Zona Norte. E aí, minha avó queria vir aqui para São Paulo, porque nós tínhamos uma casa aqui… Então eu estava falando que eu tinha uma paixão muito grande pela minha avó. A nossa afinidade eu acredito que era de outras vidas, porque era muito grande. Ela morava em São Paulo e eu em Santo André. Meu pai tinha uma casa aqui em São Paulo que estava alugada, só que ele queria tirar os inquilinos e estava difícil, mas assim, ele esperava muito que esses inquilinos saíssem. A minha mãe falou, "olha, vocês vão para São Paulo logo no começo do ano, porque eu vou ver escola para vocês lá. Vocês ficam com a sua avó (eu e meus irmãos, porque nós somos em cinco, duas meninas e três meninos), que no máximo em três meses nós já tiramos os inquilinos da casa, nos mudamos para lá e vamos ficar todo mundo junto", e aí eu vim morar com a minha avó quando tinha oito anos de idade. Ela contava muitas histórias da família. Minha avó tinha uma cruz que era de prata e de marcassita. Antigamente se usava muito essa pedra. Então ela tinha a correntinha de prata e a cruz, e falou para mim, "eu vou te dar essa correntinha com essa cruz, que essa correntinha foi da sua bisavó - que era mãe dela - e você guarda isso com você para o resto da sua vida. Só que eu não vou dar na sua mão. Eu vou guardar comigo e quando você ficar mocinha, você pega essa cruz e a corrente, que são suas". Nessa época é que ela foi contando as histórias para mim. Contou a história da minha bisavó, que ela era filha de escravo… Então foi contando essas histórias. Tem muita coisa também que ela contou, mas com o tempo a mente da gente não retém tudo. Essa parte da minha bisavó que foi da Lei do Ventre Livre, essa questão da cruz que ela me deu… Porque essa cruz e essa corrente,
quem deu para a minha bisavó foi esse português que se tornou o marido dela. Esses detalhes ficaram bem fortes para mim, então eu guardei. Agora, muitas outras histórias se perderam com o tempo. Essas ficaram bem marcadas para mim. Eu fiquei morando com a minha avó, e o inquilino que era para sair em três meses, levou cinco anos para sair da casa, então nós ficamos cinco anos com a minha avó. Nesses cinco anos que meu pai pagava o advogado para tirar o inquilino, esse mesmo advogado também era advogado do inquilino e meu pai não sabia. Ele fazia toda uma falcatrua para que ele não saísse rápido, e foi esse tempo que ele ficou de cinco anos, que ele levou para construir uma casa para ele. O inquilino ficou cinco anos na casa do meu pai e construiu uma casa para ele na mesma rua que a nossa, mas assim bem… A rua era muito grande. E esses cinco anos eu passei com a minha avó e aprendi tudo com ela, porque quando eu voltei a ficar com a minha mãe, eu tinha 13 anos já. Então eu aprendi tudo com a minha avó, aprendi a cozinhar, aprendi a passar… Porque a minha avó era lavadeira. Ela lavava roupas nessas casas de famílias chiques, famílias ricas, trabalhava para essas famílias lavando e passando. Quando nós fomos morar com ela, ela teve que parar para ficar cuidando de nós. Éramos em cinco, viemos em quatro e ficou um com a minha mãe, que era o pequenininho. Então dos oito aos treze anos, eu fiquei com a minha avó. A minha infância foi uma coisa muito bonita, porque ela morava em uma vila e era muito lindo, tinha muita criança. Naquela época, você brincava na rua, você brincava de amarelinha, de queimada… Então a minha infância, apesar de eu estar longe da minha mãe… Que eu sofria com essa questão de estar longe dela, mas como eu tinha muita afinidade com a minha avó, aquilo se diluía. Foi uma infância muita gostosa, porque eu tinha muitas amigas ali na rua. Nas férias, nós íamos para Santo André e ficávamos com a minha mãe o mês inteiro, no meio e no final do ano também, aquela época de Natal e ano novo, até retornar às aulas nós ficávamos lá. Tanto aqui em São Paulo com a minha avó, como lá em Santo André, a nossa infância era muito gostosa, sempre muito rodeada de muitos coleguinhas e a gente aprontava muitas coisas. Quando eu morava em Santo André, por exemplo, meu pai trabalhava no Moinho
_______ [00:12:41], que depois virou Moinho Seu Jorge. As casas ali eram todas do Moinho e eles deixavam os funcionários morarem nas casas. Nessa casa que nós morávamos tinha um pé de limão, então quando eu ia passar as férias lá com a minha mãe… Eu tinha uma prima que morava ao lado da nossa casa, e quando eu chegava lá, era uma alegria. Essa minha prima sempre inventava algumas coisas para fazermos, que ela era muito levada e eu era meio bobona. Quando eu chegava em Santo André, a primeira coisa que ela falava era, "Regina, nós vamos apanhar os limão do pé da sua casa e vamos sair vendendo limão na rua", então era tudo muito divertido. Eu tive uma infância… E a gente pegava os limões e íamos vender na rua. A minha infância foi muito boa, esse período dos oito, nove, dez anos. Depois dos treze anos, os meus pais conseguiram tirar o inquilino da casa. Quer dizer, conseguiram não, o inquilino saiu realmente quando a casa dele ficou pronta (risos), aí ele realmente foi embora. Nós voltamos a morar com a minha mãe, mas eu já tinha 13 anos de idade.
P/1 – E seus pais faziam o quê? O teu pai era o que?
R – A minha mãe era costureira. Ela costurava, fazia vestidos de noiva, trabalhava com… Fazia vestidos de noiva e roupas em geral, mas o que ela gostava muito era de fazer vestido de noiva. E eu ajudava muito a minha mãe, porque ela me ensinava a bordar, porque naquela época se usava os tecidos todos bordados a mão, de lantejoulas, vidrilhos… A minha mãe me ensinava a bordar. Eu já tinha um gosto por aquilo ao ver minha mãe fazendo e me interessava. Já minha irmã nunca gostou, nunca quis, mas eu não, então eu ficava com a minha mãe bordando os vestidos de noiva, vestidos de baile de formatura até muito tarde, mas era uma coisa que eu gostava. O meu pai era eletricista. Meu pai também era uma pessoa fantástica! Ele era uma pessoa séria, e foi um pai muito seco, muito severo, pela criação que ele teve. Ele achava que não tinha que ter muita liberdade com filho. Filho você tinha que trazer ali… Mas ele era uma pessoa assim, exemplar, porque ele era uma pessoa muito íntegra, mas muito íntegra mesmo, muito honesta e muito trabalhadora. Isso ele passou muito para gente. Com treze anos, nós viemos morar juntos e ele continuou trabalhando em Santo André no Moinho São Jorge. Ali eu comecei essa fase da minha pré adolescência, nesse bairro que eu fui morar. Eu morava ali na Zona Norte, no Imirim, e a casa que meu pai tinha era no Parque Peruche e nós fomos morar lá.
P/1 – E só um pouquinho… Na tua infância tem alguma história que foi muito marcante para você?
R – Então na minha história, eu digo assim, de coisas marcantes… Foram situações que me marcaram, mas foram situações tristes, que eu como criança, muitas coisas não conseguia entender o porquê. Olha, um fato muito triste que ficou muito marcado para mim e eu nunca esqueci… Porque nem tudo você lembra da infância. Você lembra de fatos que foram muito bons, uma coisa que te marcou muito boa, ou uma coisa que te marcou muito triste. Só que um fato que me marcou muito mesmo, triste, é que nós tínhamos uma família que era muito amiga da minha avó. Ela chamava dona Florentina e era muito amiga da minha avó. O filho dela era advogado e tinha nove filhos. Eu brincava muito com as meninas dele, com as filhas dele. Nós estudávamos na mesma escola, porque antigamente era mais escola pública, né? Uma vez nós nos reunimos na casa de uma coleguinha que também era ali do lado para estudar. Nós estávamos estudando, todos ali na sala, e aí a… Eu estava falando sobre determinada matéria da qual eu não me lembro, e a filha desse senhor, desse advogado, que era neta da dona Florentina, mandou eu calar a boca, "ah, cala a boca que você não sabe de nada", e eu falei, "não, eu sei, estou certa, é isso assim", ela falou, "não, você não sabe de nada, eu é que tenho que explicar". Só que a explicação que ela estava dando, não estava certa e eu estava contradizendo, então ela saiu e foi embora. Ela foi embora e nós continuamos ali estudando. Passou um tempinho, ela entrou com a avó dela, que era essa dona Florentina, ela virou para mim e falou assim, "como que você se atreve a discutir com a minha neta e falar que ela está errada?", e eu fiquei meio assustada, porque eu era nova, era criança, éramos todos crianças. Acho que a gente deveria ter por volta de uns 11 anos, por aí. "Como você se atreve?", e eu, "não, mas eu…", ela disse, "não, você tem que ficar quieta, você vai me ouvir. Você sabe que ela é filha de um advogado, e você é o que? Você é filha do que?" Nossa, aquilo me destruiu, me destruiu. Eu fiquei assim, sem chão, eu não sabia mais o que eu falava. E naquela época, tudo que acontecia assim, os pais e os avós - no meu caso, a minha avó - não davam tanta importância. Eu não sei, era uma coisa que… Aquilo me doeu fundo, eu me senti no chão. Hoje eu sei os termos, hoje eu digo que naquele momento eu me senti humilhada, mas naquela época eu não achava um termo para o que eu estava sentindo, entendeu? Eu fui embora para casa e eu guardo até hoje o sorriso da menina, ela se chamava Sílvia. Ela deu aquele sorriso tipo assim, "você é um nada". Eu fui embora para casa e não chorei, mas fiquei arrasada. E a minha avó que me amava muito, falou "o que aconteceu para você estar assim tristinha?", eu contei para ela a história e ela disse, "não liga, não liga, deixa para lá, não se importa com isso", mas isso me marcou muito, eu nunca esqueci. Foi uma coisa que me deixou… Hoje eu lembro e ainda hoje eu sinto aquela sensação que eu tive naquele momento. Isso foi uma coisa que me marcou muito.
P/1 – Nossa, mas que história. E isso marcou tanto que ficou na sua cabeça, né?
R – Foi, e eu nunca esqueci, nunca esqueci, porque foi muito forte. Eu era criança e a gente… Nossa, você se sente o chão, porque todo mundo ficou olhando para a minha cara, tanto é que eu me retirei. Naquela época, a minha avó… Minha avó era muito doce, tudo ela achava que, "deixa para lá, deixa para lá". Foi assim que ela me consolou, "deixa para lá". Na época, eu chamava a dona Florentina de vó Florentina, mas nunca mais eu a chamei dessa forma, daquela data em diante, eu nunca mais a chamei de vó Florentina, nunca mais.
P/1 – Por que?
R – Porque para mim, eu achei assim, como eu poderia chamar de vó Florentina, uma pessoa que foi lá e fez aquilo para mim? Não digo a minha avó, digo a dona Florentina, que eu chamava de vó Florentina, entendeu? Eu achei assim, a minha avó era tão doce para mim. Como eu poderia chamá-la de vó, ela tendo feito aquilo para mim? Na época, eu não achava um termo e hoje eu sei que aquilo foi uma humilhação que ela fez comigo.
P/1 – Vocês voltaram a se falar depois?
R – Ela fazia parte, frequentava o mesmo centro que a minha avó frequentava, nós éramos muito vizinhos ali. Então a gente fazia o curso de evangelização, todas as crianças juntas iam na evangelização, mas assim, o meu contato com ela e com a própria Sílvia, nunca foi o mesmo, entendeu? Nunca foi o mesmo, eu não conseguia. Ela percebeu que eu não a chamei mais de vó Florentina, mas também nunca falou nada, tipo assim, "você é uma pessoa tão insignificante, que tanto faz que você me chame de vó Florentina ou não", entendeu? Mas eu nunca mais consegui ser a mesma nem com uma, nem com outra. Aquilo cravou fundo em mim, doeu muito.
P/1 – E como era a escola na sua infância? Qual lembrança você tem da escola?
R – Eu tenho lembranças muito boas da escola, porque era uma época muito boa e eu sempre fui muito alegre, muito alegre, então eu fazia muitas amizades. Eu era muito assim… Eu fazia muita palhaçada, ria muito, então as pessoas se aproximavam muito de mim, devido a eu estar sempre rindo muito, fazendo palhaçada, mas na verdade, eu era muito tímida e uma forma de eu poder ficar no meio das pessoas ativamente, era fazendo palhaçada. As pessoas achavam, "nossa, mas você é tão alegre, é tão divertida, tão espontânea", mas não era, eu era uma pessoa tímida. Só que exatamente por aquela timidez me incomodar muito, que eu fazia muita palhaçada, eu ria muito… Mas era a forma de eu… Não sei explicar, talvez de ser aceita no grupo. Eu não estou sabendo explicar, mas eu acho que a forma de eu estar com as pessoas ao meu lado, era exatamente por eu ser palhaça, então as pessoas estavam ali, sempre juntas comigo. Se eu me reservasse no meu canto, na minha timidez, eu não teria contato com essas pessoas. Era uma coisa meio confusa para mim, entendeu? Mas eu conseguia levar bem essa fase de escola, da infância. Eu não sei se estou conseguindo explicar, é meio confuso até para eu falar, entendeu?
P/1 – Tinha alguma amiga específica que você gostava muito, que você se dava mais?
R – Não, na minha infância eu não tinha uma amiga específica, não. Eu me dava com todo mundo, e não tinha aquele apego por uma amiga específica. Eu tinha muito apego por uma prima minha, que se chamava Lúcia, e nós éramos unidas, muito unidas, só que ela não morava perto de mim, ela morava em Santo André, então os contatos que nós tínhamos eram só nas férias mesmo, naquela época que eu te falei que minha mãe ainda morava lá. Depois que meus pais vieram para cá, o nosso contato era menor, mas ela era uma pessoa que estava sempre presente no meu coração, porque ela me entendia, a gente brincava, eu podia falar com ela abertamente do que eu tinha medo… Era uma coisa bem de união mesmo. Mas de amiga, amiga específica na infância, eu não tive ninguém que… Nós tínhamos uma turma muito grande que se reunia todo dia ali na vila, mas eu não tinha aquele apego com nenhuma dessas pessoas, sabe?
P/1 – E professor… Onde era a sua escola, em que bairro, qual era a escola, e você tinha algum professor que te marcou?
R – Eu estudava no Joaquim Leme do Prado, que era uma escola que ficava ali no Imirim. Ela ficava na rua detrás da casa onde eu morava. Eu tinha uma professora chamada Izildinha, ela era uma professora negra e aquilo para mim era muito bom, muito bom eu ver que ela era minha professora e que era negra. Então o meu sentimento era assim, de que ela como professora negra, poderia me dar mais atenção, sabe? Eu gostava muito dela. Quando eu vim para São Paulo, tinha oito anos, e eu tinha passado… Eu saí de Santo André, vim para São Paulo, e com oito anos, iria fazer o terceiro ano de escola. Quando eu cheguei lá, que minha avó me matriculou e tudo, comecei a ter as aulas com essa professora Izildinha, ela veio, foi me avaliando, me avaliando… Ela chamou na minha avó e disse assim, "olha, a Regina, muito embora tenha vindo com a documentação para estar no terceiro ano, na avaliação que eu faço dela, ela não vai acompanhar o terceiro ano, então eu sugiro que a gente coloque ela no segundo ano, porque eu acredito que ela vá acompanhar mais", e aí foi o que eles fizeram. Essa professora me colocou no segundo ano, eu fiz o segundo ano normalmente, e depois, quando eu passei para o terceiro, eu continuei tendo aula com ela. Você entendeu? Eu fui para o terceiro ano e tive aula com ela. Ela era muito carinhosa, eu lembro até hoje do rostinho dela, e daquele cabelo dela mais armadinho. Ela era muito carinhosa, era muito doce, uma professora muito doce. Da minha infância, é a única professora que eu tenho registrada na minha mente. Todas as outras professoras que eu tive até chegar no ginásio, nenhuma delas me marcou. Foi mesmo só essa professora, Izildinha.
P/1 – E no ginásio, quais são as suas lembranças dessa época, da sua adolescência?
R – Então, o ginásio foi uma época também muito boa. Eu sempre tive bons amigos,
então a gente sempre teve laços de amizade… Porque naquela época, todos moravam perto, todos brincavam na rua, todos estudavam na mesma escola… Quando você saía do primário, ia fazer admissão. Então você caminhava junto em todos os anos e era sempre a mesma turma. Por mais que você fosse para a sala de aula e tivesse vários outros amigos, de outros lugares, aquela turma era sempre a mesma, sabe? Moravam na mesma rua, estavam na mesma escola, mesmo que em classes diferentes. Então na verdade, nessa minha fase da saída do primário para o ginásio, eu também estive em contato com essas mesmas pessoas que estudaram comigo no primário. É lógico que vão vindo outras pessoas, outras amigas, mas a gente ficava muito centrado na rua onde você morava e que moravam também muitas pessoas. Nessa época, a gente já começava a fazer bailinhos, essas coisas que eram em casa. Uma coisa que a gente fazia muito nessa minha fase de ginásio, eram fogueiras. A gente fazia muitas fogueiras no quintal de casa, porque naquela época, as casas não estavam ainda todas cimentadas. Toda casa tinha um quintal com terra, com plantas.... Por exemplo, a casa onde eu morava, tinha dois pés de abacate bonitos. Tinha um pé de orvalho, que é uma fruta que hoje em dia acho que nem tem mais, ninguém conhece mais. E nessa época, em tempo de São João, festa junina, a gente fazia muita fogueira no quintal. Reunia toda aquela criançada da rua para soltar balão. Naquela época, não era balão, a gente falava "galinha morta". Era um jornal que você enrolava as quatro pontas, colocava fogo no bico das quatro pontas, ele queimava e depois subia, então a gente chamava de galinha morta. O ginásio foi uma época muito gostosa, continuou aquela época gostosa, entendeu? E aí, veio aquela fase de você começar a fazer os bailinhos em casa. Cada época o bailinho era na casa de um. Essas coisas… O que eu vivi na época de ginásio, foi isso.
P/1 – Aí começavam os primeiros namorados…
R – Então, na verdade… É verdade, os primeiros namorados. Eu vou te falar que é uma fase meio complicada mesmo. Você puxou um detalhe que às vezes a gente não, sei lá, ou não faz questão de lembrar ou deixa para lá. Foi uma fase também muito difícil para mim, sabe por que? Porque começa a fase dos namorados, mas eu não tinha namorados. Para dizer a verdade, a verdade mesmo, eu fui ter um primeiro namorado, eu tinha já acho que 17 anos de idade. Porque aquela fase de 14, 15, 16 anos, em que as meninas flertam… Naquela época, era difícil porque, primeiro eu como uma menina negra, eu me achava muito feia, eu me achava feia, e assim, eu não tinha ninguém que se interessasse por mim, para ter namorico e essas coisas. A minha vivência toda foi sempre em um reduto de pessoas brancas. Meus amigos eram quase todos brancos, nós éramos a única família negra ali no nosso pedaço… Então o meu relacionamento era mais com pessoas brancas, e os brancos não namoravam os negros, entendeu? Nessa minha época de adolescência era assim. Então já começava uma série de detalhes. As meninas brancas tinham os cabelos lisos, esvoaçantes, e a gente ja era de uma outra forma. Naquela época, a gente ainda alisava os cabelos com pente quente, entendeu? Era todo um processo que não era fácil. Era muito difícil você ter um namorado da forma como eu vivi naquele reduto de pessoas brancas, porque assim, o Parque Peruche era um bairro que tinha muitos negros. Ainda tem, mas eram muitos negros. A minha mãe não deixava nós estarmos em contato com o pessoal. Ela não deixava a gente, por exemplo, ir assistir ensaio de escola de samba, ela não queria que tivéssemos contato com essas pessoas, porque naquela época, eles falavam que não era bom, que a gente iria ficar mal falado… Era uma série de coisas de… Vamos dizer assim, a minha família tinha uma forma diferente de ver as pessoas negras. Elas eram negras, entendeu? Elas eram negras. A minha bisavó casou com um branco, que era português. A minha avó saiu bem clara e casou com um negro, e minha mãe já saiu mais assim, parda. Então eles tinham uma ideia de que não era bom ser negro. Então se não erabom ser negro, seria melhor você não estar nesse reduto de negros, porque os negros eram muito mal falados, diziam queeram vagabundos, que eram sujos, que eram bêbados, que só gostavam de samba, entendeu? Hoje minha visão não tem nada a ver com aquela época, mas naquela época, eu fui criada dessa forma. Eles não queriam, então eu só vivia em um ambiente de brancos. Meus amigos eram brancos, eram todos brancos. Nesse período, eu não tive nenhum namorado. Não tinha, porque…
P/1 – E Regina, quando você começou a mudar? Como foi essa transição dessa visão que a sua família tinha mesmo sendo negra?
R – A gente vivia nesse meio e minha mãe falava muito que a gente tinha que clarear a raça, porque seria melhor, sabe? Só que eu não concordava com esse ponto de vista. É lógico que eu não batia de frente com a minha mãe, mas eu não concordava com esse ponto de vista. Na verdade, mesmo tendo muitos amigos, você acabava se sentindo solitária, porque você via que suas amigas namoravam, flertavam, e você não, você não tinha um namoradinho, nem nada. Vamos supor, a minha mãe nunca aceitava… Eu tive um namorado e eu gostei muito dele, nossa, eu era muito apaixonada por ele. Foi exatamente nessa fase de 17 anos, porque essa fase da adolescência com 15, 16, 14 anos, eu nunca tive namorado, nunca. Eram mesmo só os amigos e tudo mais. Com 17 anos, eu conheci esse rapaz e o nome dele era Artur. Ele era muito bonito e eu gostava muito dele. Minha mãe implicou, achava que não, que eu não tinha que namorar com ele, porque não era bom, a gente tinha que pensar em clarear a família, que os negros já sofriam tanto… E no fim, eu acabei terminando o namoro com ele, mesmo gostando dele, eu terminei o namoro, porque nossa, minha mãe falava tanta coisa, mas eu não achava aquilo certo. Eu gostei de vários rapazes negros e acabei não namorando, porque tinha aquela pressão da família. Meu pai, não. Meu pai era muito neutro, mas a minha mãe era muito ali, assim… E minha avó também, de uma certa forma ela também achava que a gente não deveria mesmo, achava que a gente deveria clarear a raça. E aí, eu terminei com esse namorado meu, outros eu acabei também não tendo. Tinha uma prima minha… Porque assim, minha família era dividida. Minha família paterna, era uma família que assumia mais a negritude, porque eram só negros mesmo, a origem era sem mistura, e a da minha mãe tinha mistura. Uma prima minha falou, "nossa Regina, é um absurdo você gostar de uma pessoa e você terminar o namoro porque sua mãe fala isso e aquilo. Acho que você nunca vai ser feliz, porque se você não fica com a pessoa que você realmente gosta, você nunca vai ser feliz. Acho que você deveria pensar um pouco nisso". Era uma coisa que eu também não concordava, mas eu acabava pensando realmente, "poxa vida, é tanta dificuldade que o negro enfrenta mesmo, será que eu vou querer ter filhos e que meus filhos também passem por isso?", porque nessa caminhada, a gente passa por muita coisa. Era gozação, era piadinha, era uma série de coisas, mas tudo bem, a vida foi seguindo. Na verdade, eu vou te falar uma coisa, eu só fui ter uma mudança mesmo de pensamento e assumir, "não, não é assim, a coisa é diferente. Eu sou negra, tenho que valorizar a minha raça, tenho que conhecer a minha história, e é assim que vai ser", eu só fui ter esse comportamento mesmo, quando eu já estava com 32 anos, que foi quando eu já tinha dois filhos, e falei, "meus filhos vão ser diferentes". Eu casei com um branco, acabei casando com um branco, e falei, "meus filhos vão ser diferentes. Eles são negros, eles são filhos de uma mãe negra e um pai branco, mas eles serão negros". Nessa fase que eu fui passando dos meus 17 anos, que passei por tudo isso, acabei indo para uma escola fazer um curso técnico. Eu fui fazer um curso técnico no Senai, e lá, também foi uma fase muito boa. Eu fui fazer o curso técnico químico textil. Foram quatro anos de estudo ali, com uma turma maravilhosa. Não teve nada de tão importante, somente os amigos que eu tenho até hoje, que ficaram até hoje. Eu me formei, técnica química textil, e acabei indo trabalhar na Bayer do Brasil, eu consegui um estágio na Bayer do Brasil. Fiz esse estágio e acabei sendo efetivada como funcionária e fiquei trabalhando. Eu conheci o meu marido lá, porque ele também for trabalhar na Bayer do Brasil. Só que na época, eu entrei já como técnica e ele entrou como auxiliar, porque ele não tinha um curso técnico. Ele era quatro anos mais novo que eu. A gente começou a se envolver e começamos a namorar. Nessa época, eu falei para ele, "nossa, você trabalha aqui como auxiliar e…", porque eu trabalhava no laboratório têxtil da Bayer do Brasil. Ele também foi trabalhar no laboratório têxtil, mas como auxiliar. Eu comecei a conversar com ele, a gente acabou se envolvendo, e eu falei para ele, "por que você não vai e faz um curso técnico? Você entrou como auxiliar e se conforma em ser auxiliar? Vai lá e faz um curso técnico". Ele foi, acabou fazendo um curso técnico também, acabou sendo promovido na Bayer, e a gente acabou se envolvendo muito. Foi um período em que ficamos noivos e aí eu casei. Quando eu casei com ele, ainda trabalhava dentro da Bayer. Até aí, meus passos foram todos sendo seguidos de acordo com o que a minha família queria, em relação a você realmente casar com uma pessoa branca, ter os filhos mais claros… Mas não era uma coisa de maldade da minha família, era uma questão de preservação, porque eles achavam que você iria sofrer menos. Você estando ao lado de uma pessoa branca, ou tendo filhos mais claros, você sofreria menos. Era a cabeça deles na época, por tudo que eles passaram também. E aí, eu me casei. Quando eu casei, já tinha 29 anos. Tive meu primeiro filho aos 30 anos, porque logos depois eu já tive filhos. Tive meu segundo filho com 32 anos, e comecei a mudar minha cabeça, porque eu tinha uma prima que era de Araçatuba - não essa prima que havia conversado comigo na época, essa era uma outra prima minha -, e ele tinha ido morar na Bélgica, porque tinha ido estudar lá. Uma série de processos que ela foi tendo, até ela chegar a estudar na Bélgica. E aí, quando ela voltou ao Brasil, ela voltou para fazer o mestrado aqui. Ela estudou lá e voltou para fazer o mestrado no Brasil. Ela me mandou uma carta pedindo para vir morar na minha casa nesse período em que ela iria vir estudar no Brasil, porque Araçatuba ficava muito longe, não dava. O mestrado que ela iria fazer era aqui em São Paulo. Ela me mandou essa carta e veio morar na minha casa. Quando ela voltou para o Brasil, veio direto e ficou morando na minha casa o tempo em que ficou fazendo o mestrado. E aí, com todas essas conversas que eu acabei tendo com ela… E na época ela até queria me ensinar francês e ensinar meus filhos também, porque aí eles já estavam bem maiores. Ela que foi mudando a minha cabeça. Não é que tenha ido mudando, ela foi me dando um outro olhar das coisas, porque até então, eu achava que todo negro não estudava porque não queria, sabe? Esse tipo de coisa. Ela foi me dando um outro olhar, foi me mostrando um outro lado da coisa, foi me ensinando a assumir a minha negritude, que não tinham me ensinado a assumir lá na minha infância. Ela foi me mostrando o quanto era importante eu abriros olhos e me enxergar como negra e ver as dificuldades que a minha raça tinha e o porquê da condição dos negros ainda estarem na situação em que estavam. Então ela foi abrindo o meu olhar, muito, muito mesmo. Foi uma coisa incrível. Ela estudava Sociologia, então foi me dando uma base melhor para realmente estar enxergando e procurando conhecer. Ela falava para mim, "a sua origem é de uma bisavó que foi da Lei do Ventre Livre, você sabe dessa história, mas você praticamente fechou os olhos para tudo isso e seguiu a vida sem querer se autoconhecer, conhecer mais de você mesma e da sua história". Com 32 anos é que eu fui ter um outro olhar, entendeu? Eu casei com um homem branco, porque realmente eu gostei dele, não casei só porque ele era branco, mas gostei de outros que eram negros e talvez pudesse ter dado certo, mas eu simplesmente fiz com que não desse certo. Respondendo a sua pergunta, foi a partir dos 32 anos que eu mudei o meu olhar e comecei a assumir a minha negritude, comecei a querer saber mais da minha história.
P/1 – Era uma prima, né? Como era o nome dela?
R – É, a Renata Gonçalves. Ainda hoje… Hoje ela é professora da…. Meu Deus, eu não… Eu sei que ela dá aula em Lins, na faculdade pública de Lins, ela dá aula aqui em São Paulo também. Hoje ela está aí bem conceituada, Renata Gonçalves, nessa área da Sociologia.
P/1 – E vamos falar um pouquinho da sua família. Você teve dois filhos…
R – Isso, tive dois filhos, o Tiago e o Renato. O Renato foi meu primeiro filho e depois veio o Tiago. Eram também a minha vida, a minha paixão, assim o amor que eu tenho por eles… Toda mãe ama seus filhos, mas para mim, era a minha vida. Dali para frente, quando eu tive meus filhos, a minha vida era eles, então tudo que eu fazia era para eles. Eu fiz questão também de dar um outro olhar para eles, nessa questão de negros e brancos, então eles já cresceram sabendo que eles eram negros. Até porque o meu casamento foi cheio de situações muito tristes, porque a família do meu marido não me aceitava, a família dele não queria o meu casamento com ele por eu ser negra. O meu marido para poder realmente casar comigo, acabou colocando para a família da seguinte forma, "ou é eu, vocês e ela, ou é eu e ela sem vocês, mas de qualquer forma eu vou me casar com ela", então na verdade, o contato com a família do meu marido, não foi um contato harmonioso. Meus filhos cresceram mais para o lado da minha família do que para o lado da família do pai. Nós tínhamos uma condição de vida bem melhor, porque na minha infância e na minha juventude, a gente era pobre. Pobre assim, não passava fome, mas não podia ter grandes coisas. A vida da gente não era um mar de rosas. Já depois que casei, eu já estava formada, o meu marido também se formou, então nós tínhamos uma condição de vida boa, razoável. Nós pudemos dar uma condição de vida para os meus filhos muito boa. Eles sempre estudaram em escolas particulares, sempre tiveram as coisas que queriam ter… Tiveram uma condição de vida boa. Eu pude, nós pudemos dar essa condição de vida boa. Eles foram crescendo comigo e como tudo na vida não é flores, nós tivemos assim… Eu saí da Bayer. Trabalhei nove anos lá e saí da Bayer para ter o meu segundo filho. Tive esse meu segundo filho, meu marido continuou na Bayer e eu fui trabalhar em uma outra empresa depois. Passado um período, o meu marido foi demitido da Bayer e ficou em casa desempregado. Eu era encarregada dessa empresa que eu trabalhava, a Ourovel, e pude ir mantendo ainda, porque eu ganhava um bom salário lá, o nosso nível de vida foi continuando ainda bem. Meu marido foi procurando algumas coisas, mas não para ganhar o salário que ganhava na Bayer, mas ainda dava para nós caminharmos e vivermos bem. Até que veio o problema da minha demissão. Não foi bem demissão, a empresa em que eu trabalhava fechou. Era uma empresa de judeus. Eu era encarregada do setor de produção têxtil. Eles eram judeus e decidiram fechar a empresa, porque o dono já era muito velhinho e os filhos já tinham outros negócios. Então eles resolveram fechar a empresa. Eles fecharam e foi uma quebra muito boa… Quebra muito ruim na minha vida, porque meu marido ainda estava desempregado e eu acabei ficando desempregada. Nesta época, nós estávamos morando em Guarulhos, em um conjunto habitacional que tinha lá. Foi uma situação muito delicada, com meu marido desempregado, eu acabei ficando desempregada e nós ficamos sem chão, "o que nós vamos fazer?", então foi muito, muito difícil essa fase. Eu pensava assim… Eu já estava aí com acho que uns 40 anos, 39 para 40 anos mais ou menos. Eu pensei, "bom, eu com 40 anos, negra e mulher para o mercado de trabalho temos que ser realistas, vai ser complicado". Meu marido, tudo bem, ainda tinha uma possibilidade de conseguir uma colocação, mas na época, estava muito difícil. Eu falei para ele assim, "olha, Lopes, vamos fazer o seguinte"... Dentro dessa empresa que eu trabalhei, era uma empresa de flocagem. Flocagem é um aveludamento que você faz em uma base sintética e depois essa base vai para o vacuform e ele dá o formato da embalagem que você quer. Por exemplo, ele dá o formato da embalagem para embalar perfumes, para embalar joias… Aquele aveludadinho onde as joias vêm naquelas caixinhas, era esse trabalho que essa empresa fazia. E aí, a minha função era na área de acabamento de tintura, tingir os materiais… Eu tocava a produção tingindo as cores desse material para fazer essa flocagem. Na época, eu falei com o meu marido, "olha, eu aprendi tudo sobre isso daqui, eu sei até como fazer os maquinários para gente poder
montar um negócio nesse segmento", e meu marido falou, "mas é complicado o investimento…", eu falei, "não, se nós formos montando as máquinas, nós conseguimos". Porque quando eu trabalhava na Ourovel, eu era encarregada da produção, eu tinha 14 funcionários nesse setor de tinturaria e acabamento. Só que eu sempre fui uma pessoa muito curiosa, então o que eu fazia? Eu tocava o meu departamento, mas ficava junto com os mecânicos, ia na oficina mecânica, ficava conversando com eles… Tinha outro setor na empresa que era da parte de flocagem, e eu me apaixonei, então eu ficava nas máquinas de flocagem também, conversando com os encarregados das máquinas, ficava vendo toda a engenhoca daquelas máquinas, sabe? Então quando eu fui demitida, eu falei para o meu marido, "vamos montar uma empresa nesse segmento. Eu vou fazer contato com os mecânicos - porque todo mundo saiu da empresa -, nós vamos vender o nosso apartamento, vamos morar com a minha mãe e a gente vai montando essas máquinas. Nós só precisamos de uma máquina e uma enroladeira, porque o material, nós não podemos fazer, mas a gente pode comprar fora. Eu sei todos os caminhos", e aí nós fizemos isso, nós vendemos o apartamento e eu vim morar com a minha mãe para gente investir e montar essa empresa. Eu vim morar com a minha mãe, e foi assim, muito complicado, porque nessa época o meu filho mais velho tinha 13 anos e o meu pequeno, mais novo, tinha 10 anos… Não, 11 anos, a diferença é de dois anos. E aí, foi muito complicado para ele aceitar de sair do apartamento dele, do quarto dele, das coisas dele. Eu lembro que foi muito triste, porque ele falava para a minha irmã, "a minha mãe está vendendo tudo que nós temos para gente vir ficar aqui na casa da vó", então foi muito triste, mas eu tinha que fazer, eu tinha que tomar uma atitude, eu tinha que resolver aquela situação. Nós viemos para a casa da mãe e eu vim morar na garagem dela, porque eu não queria tirar ninguém de dentro da casa para… "Eu vou desalojar as pessoas para"… A garagem da minha mãe era muito grande e ali nós ficamos. Foi uma fase muito dura, muito sofrida para mim. Nós começamos esse processo de começar a fazer a máquina, né? Começamos ali na garagem mesmo, porque ela era grande. Eu contratei os mecânicos e tudo, "olha, vamos fazer a máquina assim e assim, eu tenho todo o sistema, eu sei mais ou menos como vai funcionar, como a gente tem que fazer, e com a ajuda de vocês....
Vocês sabem fazer, e eu sei como isso vai funcionar, então vamos tocar para frente". Foi um mecânico só inicialmente que eu chamei para gente fazer a máquina. Nesse meio tempo também, nós tínhamos um conhecido que frequentava o mesmo centro que nós íamos - eu sempre fui kardecista, desde a minha infância - e ele tinha uma empresa de embalagens também, mas nada a ver com o que eu iria fazer. Só que ele tinha um filho que era muito problemático, mas eu só fui saber depois. Ele sabia que eu queria montar uma empresa nesse segmento de flocagem. Ele chegou, foi até a minha mãe e falou, "Regina, você está querendo montar isso assim e assim? Como está o andamento disso aí?", mas nisso a máquina já tinha andado, mas eu ainda estava a passos lentos, porque precisava de um lugar para poder montar e começar a tocar. Eu não queria já alugar um lugar e tudo, porque tinha que controlar o dinheiro que tinha na mão. Ele falou, "não, olha se você colocar o meu filho como sócio, eu posso dar uma força para vocês, posso trazer trabalho para vocês. Eu conheço gente que trabalha na ________[01:03:25], eu conheço gente...", e aí ele foi e eu fiquei meio com pé atrás. Meu marido falou, "não, é a nossa oportunidade, é a nossa oportunidade, vamos aproveitar", eu falava, "Lopes, é melhor a gente ir devagar do jeito que eu estou indo", "não, a gente não pode perder a oportunidade". Esse senhor se chamava Armando, ele ainda é vivo. Eu falei, "bem, Armando, o Lopes acha que vai ser uma boa, então…", ele falou, "não, pode deixar que eu já vou ver o lugar, a gente aluga, já paga uns três meses adiantados, vocês colocam meu filho como sócio e a gente segue adiante". Tudo bem, ele e meu marido saíram e acharam um lugar que também não era tão longe da minha mãe. Nós morávamos no Peruche com a minha mãe e ele achou na Casa Verde Alta, não era uma distância… De onde eu morava, dava para ir a pé até onde eles tinham achado o salão. Alugou o salão e nós levamos aquilo que já estava na garagem da minha mãe que já dava para começarmos a trabalhar e fazer a flocagem. E aí, como eu também já tinha contatos da empresa em que eu trabalhava, fui atrás deles e começamos a trabalhar nesse espaço que eles alugaram, junto com o filho. Então o filho dele iria trabalhar nessa parte administrativa e eu e meu marido ficaríamos na produção, nessa parte de flocagem. Nós trouxemos um trabalho que era na época da automobilística, porque eu já tinha contato com esse pessoal da empresa que eu trabalhava e fechou. Nós trouxemos para fazer o porta-luvas dos carros e conseguimos. O pai desse rapaz também conseguiu alguns trabalhos, mas alguns trabalhos pequenos para nós, mas tudo bem, nós fomos caminhando. Ainda faltava muita coisa para fazer em termos de maquinário, mas o dinheiro também foi acabando. Inicialmente nós começamos só a flocar pecinhas, essas peças para automobilística, flocamos o porta-luvas do Ômega, flocamos os porta-trecos do Tempra… E aí, fomos tocando a empresa, mas assim, bem quebrados. Quebrados que eu digo é bem aos trancos e barrancos. Nessa época chegou um senhor da empresa ________ [01:06:18], e falou para mim, "eu vim visitar vocês, porque sei que vocês estão fazendo flocagem e tudo mais, vocês fazem flocagem em bobinas de polietileno?", meu marido falou, "não, não, nós não fazemos flocagem em bobina de polietileno ainda. O nosso maquinário ainda é mais para peças", e aí eu falei, "não, não, espera um pouquinho. O meu marido está falando que nós não fazemos essa flocagem (risos), mas na verdade eu tenho como adaptar e flocar essa peça para o senhor. Se o senhor me trouxer a bobina, eu posso fazer um teste". Só que na verdade nós não tínhamos nada adaptado para aquilo, mas eu falei, "não posso perder, é a minha oportunidade". Esse senhor disse, "tudo bem, então daqui a alguns dias eu vou mandar a bobina para vocês". Nesse meio de tempo, eu tive que bolar alguma coisa para fazer essa bobina, e aí foi quando eu comecei a bolar, mas para fazer tudo manual. Quer dizer, era uma bobina de polietileno onde eu teria que fazer a aplicação da resina. Se era peça, eu faria a aplicação na peça, mas ali não, ali tinha que correr contínuo. Então o que eu fiz? Adaptei uma cabine onde a bobina ficava aqui em um cavalete, entrava nessa cabine, um funcionário ia resinar a bobina manualmente, essa bobina iria sair, ia passar em uma mesinha onde outros dois funcionários iam flocando manualmente, um outro funcionário ia batendo para o excesso ir desgrudando, e aí ela passaria por uma estufa que a gente já tinha, e lá na frente, com uma manivela eu iria enrolando. Isso tudo manualmente. Eu bolei esse sistema e o sistema foi… Ele trouxe a bobina, nós fizemos dessa forma e a bobina ficou boa. Quando o homem levou, ele falou, "nossa, maravilhoso, perfeito". Ele puxou no vácuo e era para embalagem de óculos, era para pôr nas caixinhas de óculos. "Nossa, está perfeito esse trabalho. Eu vou começar a mandar o trabalho para vocês", e eu falei, "só que a nossa produção não é muito alta" (risos), porque era tudo manual. E aí, nós começamos a fazer essas bobinas para esse senhor e com isso eu fui aperfeiçoando. Depois nós bolamos um sistema… Não eu sozinha, juntamente com os mecânicos que pedi ajuda. Nós automatizamos tudo. Nesse meio de tempo, a firma começou a crescer, porque esse trabalho era um trabalho que rendia muito. Nisso que a firma começou a crescer, esse filho desse senhor, que tinha entrado de sócio com a gente, começou a nos dar rasteira, só que nós não sabíamos, a gente ficava muito tempo na produção, trabalhando lá de roupa suja, trabalhando mesmo pesado. Um belo dia, em um final de semana, eu falei para o meu marido, "vamos lá na empresa dar uma limpada, uma arrumada", porque nós não tínhamos nem faxineira para pagar. Nessa época nós estávamos com quatro funcionários, a gente girava a empresa com quatro funcionários. Com eu e meu marido, seis, e com meu filho também que nessa época comecei a levar para ajudar a gente, porque ele estava muito revoltado e tudo. Eu colocava na cabeça dele, "vamos para lá, porque com lá crescendo, nós vamos ficar bem". Nesse final de semana eu e meu marido fomos lá para limpar. Chegando lá… Eu nunca tinha mexido com… Eu não tinha essa prática de mexer com computador e essas coisas, mas nesse dia, eu não sei, parece que foi uma luz que me deu, eu fui ao escritório e falei, "vou mexer no computador, porque não é um bicho de sete cabeças, vou começar a mexer nesse computador", e aí liguei e comecei a mexer no computador. Nisso, eu entrei em uma pasta que estava "entrada e saída". Eu nem tinha muita habilidade com essas coisas naquela época. Quando eu fui puxando, puxando, puxando, falei "nossa, que estranho". Eu fui vendo que tinha, por exemplo, "conta de água", passava de novo "conta de água", sabe? Repetia, os pagamentos estavam em duplicidade, e eu falei, "gente, que estranho isso". Imprimi e conversando com o meu marido eu falei, "não é estranho isso daqui assim?", e meu marido falou, "não, isso é roubo, não tem nada de estranho, isso é roubo. Ele está roubando a gente, eu falei, "não, pelo amor de Deus Lopes, vamos ver direitinho, eu nem sei mexer. De repente a marcação dele é outra", e ele falou, "não, ele está roubando". Nós fomos pegando os documentos e vendo que realmente ele estava marcando tudo em duplicidade e desviando dinheiro. Nesse momento nós chamamos ele começando a semana, e meu marido falou, "olha, eu quero você fora daqui agora", e aí ele se ajoelhou e pediu perdão, porque ele…. Aí que nós soubemos que ele já era uma pessoa muito problemática, ele já tinha dado desfalque na empresa do pai, entendeu? Foi aí que nós tomamos conhecimento de quem era a pessoa dele. Ele saiu da empresa, nós fizemos todos os trâmites legais e não demos parte, nem nada. A separação foi assim amigavelmente, "você sai e acabou".
P/1 – E isso foi depois de quanto tempo de empresa?
R – Olha, nós já tínhamos o que? Um ano e meio de empresa mais ou menos. E aí meu marido não quis saber. Ele pediu pelo amor de Deus para não falar para o pai dele que era essa questão, de que ele estava desviando dinheiro da gente. Na verdade, nós não falamos mesmo nem para o pai, nem para a mãe dele. Para a mãe dele eu não falei, porque a Sônia era uma pessoa que eu conhecia e seria muito triste para ela saber. Só que em contrapartida, nós não falamos, mas quem ficou mal na situação fomos nós, porque eles nunca entenderam porque nós tiramos o filho deles, entendeu? Quer dizer, eu não sei a história que ele contou para eles, mas a Sônia não entendia porque tinha havido essa separação e eu não tinha coragem de falar para a mãe dele, mas tudo bem, passou, ele foi embora e a empresa foi crescendo mais. Só que nesse período de crescimento, eu fui tendo muitos problemas também, porque meu filho que eu levei para trabalhar comigo, continuou uma pessoa muito revoltada, muito revoltada. Ele não aceitava nunca ter saído de Guarulhos, não aceitava o nível de vida dele ter caído - porque eles já não puderam mais ir para escolas particulares, tiveram que ir para a pública, mas eu me empenhei em ver uma escola boa para eles estudarem. O caçula não, para ele era tranquilo. E aí o meu filho começou a se envolver com drogas e foi um período muito, muito difícil para mim. Foi um período de muita luta. A gente contava com a empresa que estava crescendo aos poucos, mas não era uma coisa ainda que estava dando rios de dinheiro. E esse transtorno dele envolvido… Ele começou a se envolver com as drogas com 14 anos, então foi muito difícil mesmo. Nesse período todo que foi se passando, nós saímos desse lugar em que nós estávamos, mas tudo com muito sofrimento, sabe? Porque o dinheiro não era tão grande e mais esses acontecimentos… Nós saímos de lá e fomos para um outro lugar, para um outro bairro, que era chamado de Chora Menino. Levamos a empresa para lá e conseguimos sair da casa da minha mãe, porque eu falei, "quem sabe a gente agora saindo para esse lugar e morando na nossa casa mesmo, ele vai melhorar e tomar um outro rumo na vida?", só que não adiantou. Nós nos mudamos para o bairro Chora Menino, a empresa mudou para lá e aí consegui alugar uma casa e morar perto da empresa. Ali a empresa continuou crescendo, mas era a passos lentos, porque a gente também não tinha muito capital para investir. A gente tendo todo esse transtorno com ele envolvido com drogas… E meu mais novo não, o meu mais novo sempre ali ajudando a gente, também trabalhando com a gente. Nós ficamos nesse bairro mais ou menos por um ano e meio, e aí a vizinhança fez uma denúncia da gente, por essa questão ambiental, porque eles diziam que as resinas que nós usávamos exalava odor no ambiente e tudo. Só que não era bem isso, aquilo lá foi uma implicância, porque não tinha mesmo nada de prejudicial, porque a resina que a gente usava era a base de água, então não tinha nada de tão prejudicial. Só que como eles fizeram essa denúncia, nós fomos notificados e tivemos que sair de lá e o único lugar para o qual poderíamos ir com um preço mais acessível de aluguel, foi em Guarulhos. Nós mudamos a empresa para Guarulhos. Eu continuei morando em São Paulo e a empresa foi para Guarulhos, ainda enfrentando bastante dificuldade, porque não estava nada fácil. A empresa foi rodando ali em Guarulhos, estava começando a ficar melhor, e nesse meio de tempo aconteceu um fato assim, muito triste, que acabou com a vida da gente, acabou, acabou. Naquele momento a vida da gente acabou e tivemos que ser muito fortes para poder levantar, porque nessa ocasião que a empresa mudou para Guarulhos, o meu filho que estava com 16 anos, o caçula, faleceu. Foi uma morte muito trágica, muito triste, a gente jamais esperaria aquilo, porque assim, ele tinha 16 anos, era um menino maravilhoso, um menino alegre, inteligente, prestativo… Ele trabalhava na firma com a gente, ele ia aos bancos, ia fazer trabalho de banco para gente. Ele sentava na mesa do gerente para conversar, era uma coisa assim, incrível. Tanto é que quando ele morreu e o gerente do banco ficou sabendo, o gerente chorou, porque tal era o grau de intimidade que ele já tinha com ele. Ele era um menino inteligentíssimo e ajudava muito a gente. O meu filho continuava como usuário de droga (o mais velho), e tinha amizade com um outro rapaz, que no bairro todo mundo conhecia ele, porque ele se envolveu em uma briga com a namorada de um rapaz que era traficante, e ele bateu nessa menina. Quando ele bateu nessa menina, ele ficou jurado de morte por esse traficante, então a família o afastou, o levou embora, foram morar em outro lugar, nem sei onde. Ele ficou muito tempo fora do bairro, e aí passou mais de ano, ele voltou para esse bairro. Eu nem conhecia o rapaz. Ele voltou para o bairro, e o meu filho que era usuário de droga, fez amizade com ele e eles andavam juntos. Muitas pessoas falavam para mim, "Regina, esse rapaz está jurado de morte", então eu fazia de tudo, mas não tinha, não tinha, não tinha o que eu mudar na cabeça do meu filho. Nesse meio tempo, eu falei, "meu Deus, o que eu posso fazer para mudar a vida dele e mostrar uma outra vida para ele?". E aí, eu resolvi prestar vestibular e fazer a faculdade de Direito. Só que eu fui fazer a faculdade de Direito, porque lá no passado eu tinha começado a fazer Psicologia e parei. Depois do técnico eu fui fazer Psicologia, mas parei para me casar. Eu falei assim, "eu vou voltar a fazer uma faculdade para pelo menos mostrar para ele que eu com a minha idade, estou voltando para uma faculdade, e ele tão novinho levando essa vida improdutiva, nas drogas", eu não sei… Na minha mente, eu não sabia o que fazer, então eu falei, "eu tenho que fazer alguma coisa que ele vá olhar e falar "poxa, a minha mãe". E aí, eu comecei a fazer a faculdade de Direito, mas não tinha jeito. Ele via que eu saía todas as noites para ir para a faculdade. Meu outro filho, o de 16 anos, também estudava, já estava no segundo ano do colegial. E ele com essas amizades todas… Um dia eu estava na faculdade e tive uma sensação de ir embora para casa e falei, "ah gente, vou embora", mas passou, saí no horário normal e fui embora. Quando fui descendo a rua da minha casa, que era um morro assim, quando o carro passou, eu vi todos os rapazes sentadinhos assim na calçada, aquele grupo de jovens sentados na calçada. Eu passei, olhei para eles, eles olharam todos para mim e eu falei, "graças a Deus o Renato está aí", porque eu vi que tinha um rapaz com um blusão e com a touca assim, e para mim, parecia ser meu filho, o mais velho, esse que era usuário de drogas. Com o pequeno eu não tinha preocupação, porque ele ia para a escola e voltava. E aí, passei. Quando cheguei no portão da minha casa, vi minha sobrinha, falei "ué, por que você está aqui?", ela falou, "não tia, entra, entra que eu vim aqui fazer uma visita para você". Eu estacionei o carro, entrei na minha casa e aí me deparei com o cenário, né? Disseram, "olha, o Tiago está no hospital, mas ele está bem. Ele está passando por uma cirurgia, mas vamos sentar aqui e orar por ele". Quando eu passei, eu estava tranquila, porque como eu falei, achei que meu mais velho estava ali, mas não era meu filho mais velho, eu havia me enganado, porque estava de noite, era tarde. E aí, eu fiquei sentada ali, ajoelhei no chão e pedi a Deus pelo meu filho. Nesse meio de tempo, entrou o meu filho e o meu marido mais velho, os dois chorando, foi quando me deram a notícia de que ele tinha falecido,o meu pequeno. E aí, eu fui saber de toda a história. Ele morreu de uma forma muito triste, ele não merecia morrer daquele jeito. Eu aceitei depois, porque eu sou kardecista e acabei aceitando. Ele chegou em casa da escola e conversando com o meu marido, falou para ele assim, "ô pai".... Ele entrou em casa, deixou os cadernos dele, pegou umas bolachas no armário e falou, "pai, eu vou dar uma saída", e meu marido falou, "não, filho, não sai, fica aqui comigo sentado, fica aqui comigo conversando", e ele disse, "não, pai, eu vou dar uma saída, porque vou levar uns negócios ali para umas crianças, mas eu volto já". Meu marido não tinha reparado que ele tinha pego bolacha e essas coisas. Ele só falou, "vou pegar uns negócios aqui, levar para umas crianças e volto já", e aí diz que ele saiu e foi lá nesse lugar onde estavam esses jovens, porque eles se reuniam todos ali. Tinha uma senhora que morava ali, ela tinha filhos pequenos, e ele brincava muito com os filhos dela. Tudo isso, eu vim saber depois. Ele saiu e foi levar bolacha para as crianças, e no que ele foi levar as bolachas, ele ficou conversando, porque o irmão dele estava ali e ele ficou também, com todos os jovens conversando. Disseram que nesse meio tempo, desceu um carro e esse carro parou exatamente onde todos eles estavam. Eles falaram assim, "quem é o fulano?", eu não lembro o nome do rapaz, não lembro, apagou da minha mente. Ele falou, "sou eu", e no que ele falou "sou eu", disseram que eles sacaram a arma, e quando eles fizeram isso, esse fulano abraçou o meu filho. Quando ele abraçou meu filho, eles atiraram até derrubar. Não importava se era da mesma laia ou se não era, não importou, eles atiraram até derrubar os dois. Quer dizer, esse fulano morreu abraçado no meu filho, derrubaram os dois. Foi uma morte muito trágica. Nessa época, eu morava ali e a empresa estava em Guarulhos. Foi uma morte muito trágica e acabou com a vida da gente. Ou seja, essa pessoa que eles mataram, era exatamente o rapaz que andava com o meu filho, entendeu? Na verdade, quem morreria seria o meu filho que estava acostumado a andar com ele, e não meu pequeno, que chegou da escola e foi ali. Depois que aconteceu tudo, conversando com as pessoas, essa moça veio me falar, "nossa, ele veio aqui trazer as bolachas para o meu filho e ficou aqui conversando com os rapazes". Foi uma coisa muito trágica que acabou, acabou com a vida da gente. Meu marido começou a beber, não teve estrutura para aguentar isso. E aí, a gente com a empresa lá, com toda essa situação na mão, eu falei, "meu Deus", eu nem tive muito tempo para ficar chorando. Eu tinha que me levantar para levantar a família. Meu marido estava bebendo, e aí chegaram para mim e falaram, "Regina, o Lopes vai todo dia lá na padaria e bebe. Ele está bebendo muito", porque quando ele chegava em casa, já ia direto dormir. Falaram, "ele está bebendo muito, Regina, você precisa dar uma solução", porque naquele momento que aconteceu, a gente saiu um pouco e a empresa ficou na mão de funcionários. A gente ficou uma semana na casa do meu irmão que morava na praia, e depois nós retornamos para São Paulo. A vida segue, né? Tivemos que retornar. Falei para ele, "Lopes, a mesma dor que você está sentindo, eu estou sentindo e estou de pé. Então é o seguinte, nós temos que viver essa dor, tocar a empresa e cuidar do nosso filho que ainda ficou e que ainda é usuário de drogas. Então é assim, ou a gente se levanta, sofre junto, sem a bebida e dá um jeito nessa situação, cuidando do nosso filho, ou você segue a sua vida, chorando sozinho e eu mesmo com a minha dor vou me levantar com o meu filho. É um escolha que eu te dou. Você tem que escolher agora, ou a gente caminha junto ou eu caminho sozinha, porque mesmo com a minha dor eu vou caminhar", e aí foi quando eu consegui reverter essa situação da bebida dele. Eu falei, "eu vou caminhar sozinha, mas eu não vou aguentar você sofrendo e bebendo, porque eu estou sofrendo igual você", foi quando eu consegui reverter essa situação e continuei estudando, fazendo minha faculdade. Meu filho continuou usando droga, e a morte do irmão abalou um pouco ele… Um pouco não, abalou muito, porque ele se achava culpado, ele falava, "na verdade mãe, quem iria morrer era eu que andava com o rapaz e não o Tiago que não tinha nada a ver", então isso pesou muito para ele, mas mesmo assim ele continuou usando drogas. Ele continuou usando drogas e a gente lá com a empresa… Mas a empresa deu um impulso, cresceu, foi para frente. Nesse meio tempo, você vai vivendo a vida e tudo mais. Esse meu filho acabou engravidando uma moça, e eu me vi em uma situação de, "meu Deus, o que eu faço? Acolho ou não acolho? É uma criança que vem aí. Quem sabe com essa criança ele mude também?", então eu acolhi, trouxe essa moça para dentro da minha casa e ia ajudando. Ele trabalhava na empresa comigo, mas assim, mais não trabalhava do que trabalhava, porque o dia em que ele estava bom ele ía, no dia que ele usava droga.... E aí para o meu sofrimento maior, essa moça também usava droga. Foi uma situação muito difícil, muito difícil. Eles tiveram esse filho, que é o Gustavo, meu neto que eu também amo de paixão. Depois, eles tiveram um segundo filho, que é o Tiago. Eles são a minha vida. E aí, eles tiveram o terceiro filho, que foi o Pedro Henrique. E a gente continuando nessa luta, eu fazendo a faculdade, tocando a empresa junto com o meu marido, e nessa luta para poder tirá-lo da droga. E nesse período em que ele estava junto com ela, eu o internei em uma clínica para ver se conseguia salvá-lo. E como ela era esposa dele, na primeira visita que nós fizemos, ela autorizou desinternar. Ela tinha essa autoridade, só ela que poderia tirá-lo de lá. A gente foi nessa luta, e quando ele teve esse terceiro filho, ele era um bebê maravilhoso também, lindo. A minha infância, a minha adolescência e juventude, vieram em coisas assim, bem leves, mas a minha vida adulta mesmo, foi marcada por acontecimentos bem trágicos. E aí, com esse terceiro filho que ele teve, ele… Esse bebê estava com quatro meses, era um bebê maravilhoso, lindo. Eles tiveram uma briga dele quebrar tudo em casa. Ele quebrou tudo e foi embora para a minha casa. Quero dizer, quebrou tudo na casa dele, porque eles ficaram morando comigo, e depois de um tempo, eu aluguei uma casa para ele morar, porque falei, "não dá certo ficarmos todos juntos". Aluguei uma casa e ele foi morar com a mulher. A gente dava uma ajuda de custo para ele ficar na casa dele. Ele quebrou tudo, em um surto, em uma briga que eles tiveram e foi embora para a minha casa. Eu fui lá ver o estrago que tinha sido feito e tudo, eu falei, "bom, Taís, eu vou te ajudar a continuar mantendo a casa e você vai ficando aqui". Só que abriga aconteceu e três dias depois esse neném dele, amanheceu morto no bercinho. Eles foram dormir, e quando a mãe acordou e foi pegá-lo no berço, o bebê estava morto. Isso foi assim, outra coisa que me destruiu, mas também os destruiu. Precisou vir uma dor tão profunda como essa, uma dor que acabou com eles, para ele finalmente sair da droga, para ele finalmente entender que a vida era uma outra coisa. O sofrimento foi tão grande que ele mesmo fez um juramento,"eu vou sair da droga", e ele nunca mais usou droga, graças a Deus, até hoje ele nunca mais usou. Mas foi outro momento muito difícil. A gente tinha passado pelo meu filho, e depois pelo neto. Nesse meio tempo, eu acabei me formando em Direito. Nós conseguimos que eles saíssem das drogas, por uma iniciativa dele mesmo, ele falou, "eu não uso mais droga", eu falei, "Renato, Deus está falando com você. Ele falou com você de várias formas, quando seu irmão morreu… De várias formas ele falou e você não ouviu, então foi preciso uma situação dessa para você realmente poder caminhar agora". Nós caminhamos, continuamos caminhando, ele saiu das drogas, graças a Deus e a gente continuou a nossa vida. Ele foi embora para Minas, passou um tempo lá, montou um negócio que acabou não dando certo por causa da situação do país e voltou. Atualmente, ele está morando na minha casa, mas eu não moro mais na minha casa mesmo, porque eu tinha um tio e uma tia que eram bem idosos e que tinham perdido uma filha. Eu cuidava deles, cuidava de toda a situação financeira deles da minha casa, comigo morando em Guarulhos e eles em São Paulo. E aí, meu tio que era irmão da minha mãe veio a falecer e minha tia já tinha 94 anos. Eu fiquei com muito dó de tirá-la do cantinho dela com 94 anos, então eu e meu marido nos mudamos para a casa dela e meu filho ficou morando na minha casa, que é onde ele está agora, e eu aqui em São Paulo morando com a minha tia, que esse ano em abril, veio a falecer com o vírus da Covid. Nós estamos ainda aqui em São Paulo, mas na verdade, a minha casa é em Guarulhos, e meu filho que está morando lá. Então a minha caminhada na minha vida adulta foi assim, muito marcada de situações bem difíceis, bem trágicas. A nossa condição de vida também ficou bem difícil. Nós passamos por muitos momentos de situação financeira difícil, até chegar em uma situação melhor, onde a firma deslanchou e tudo. Nós caminhamos e a firma veio, subiu, teve um pico bom, depois veio descendo, descendo e descendo, até eu chegar no Mil Mulheres, em como eu fui parar no projeto Mil Mulheres. A empresa cresceu bastante, só que depois, diante do cenário da economia do nosso país, ela foi caindo muito também, porque era um setor que trabalhava com embalagens, e embalagem é algo em que você investe, mas se o momento não está bom, você recua, as pessoas recuam. Nós chegamos a trabalhar com vários clientes bons, tivemos muitos trabalhos para O Boticário, Ferrero Rocher, fizemos trabalhamos bons, que durante um período de tempo, deram ganhos até bons para a empresa. Só que depois a coisa veio caindo. Entrou essa fase do sustentável e as empresas já não estão querendo mais trabalhar com plásticos, com coisas sintéticas, elas estão seguindo mais uma linha sustentável. A Avon, a própria Natura, o Boticário, que chegamos a fazer trabalhos, começaram a ir para um outro caminho, por uma linha mais sustentável. E aí, a nossa empresa que trabalha com polietileno, com floco de nylon, resinas, foi tendo uma diminuição muito grande. A empresa foi minando aos poucos, sabe? A gente não tinha como reverter esse quadro, porque para reverter isso, nós teríamos que entrar para um outro seguimento, e para entrar para outro segmento, nós precisaríamos
de um investimento muito alto, que nós não teríamos. Ano passado eu falei para o meu marido, "não, não vai ter condição, eu acho que a gente vai ter que fechar a empresa, porque do jeito que está, nós não vamos continuar, nós não vamos muito longe", porque nós já estávamos devendo impostos, entendeu? A empresa estava simplesmente pagando funcionários, pagando fornecedores, mas nós não estávamos mais tendo ganho praticamente nenhum. Nesse período eu já estava aposentada e ele também já era aposentado, nos aposentamos dentro da empresa, mas falei, "não, eu não vou mais tocar, vamos fechar essa empresa", com dor no coração, porque era uma empresa de 23 anos. Foram 23 anos em que nós tiramos muito frutos bons dela, porque quando eu vendi meu apartamento lá atrás para poder montar a empresa, eu fiquei sem casa. Eu não vendi só o apartamento, eu vendi carro, nós tínhamos um sítio em Conceição dos Ouros que era no Sul de Minas e eu vendi também, nós vendemos tudo, ficamos sem nada. Ainda tinham pessoas que diziam assim, "olha, vocês nunca mais vão ter nada na vida, porque vocês se desfizeram de tudo que vocês tinham para montar essa empresa", e eu falei para o meu marido, "não, vamos atrás e tudo que nós nos desfizemos, nós vamos conseguir adquirir", e realmente, na constância da empresa, eu comprei a minha casa, depois voltei a comprar carro, então eu consegui tirar coisas muito boas dali. Eu sempre viajei muito, eu amo viajar, e a empresa me dava essa condição também. Só que que chegou o ano passado eu falei, "a gente vai ter que encerrar a empresa, não vai ter como". Nós optamos por vender os equipamentos e eles não tinham muito valor comercial, porque foram equipamentos que nós fizemos, não foram máquinas que nós compramos, nós construímos essas máquinas, entendeu? Então eu falei para ele, "olha, nesse momento a melhor forma, a melhor saída para nós é vendermos os equipamentos e fecharmos a empresa enquanto é tempo, porque depois que a gente se afundar mais, não vai dar". Nesse meio tempo, eu fiquei muito triste, muito para baixo, porque são 23 anos, e fazendo uma análise de tudo, eu vi que tiveram muitos erros. Talvez lá atrás, eu já deveria ter um plano B para a empresa, entendeu? Eu já deveria ter estudado um outro segmento para empresa e ir migrando aos poucos também para ele, mas não foi o caso. E aí, conversando com uma amiga, eu estava muito chateada, muito arrasada de ter que fechar uma empresa de 23 anos. O meu sentimento era de incapacidade, "olha, como você foi incapaz, 23 anos e agora você fechar uma empresa", era um sentimento que estava fazendo muito mal para mim. Eu pensava assim, "tudo bem, eu sou aposentada e a minha aposentadoria está acima da média do que se ganha por aí, mas eu sou uma pessoa que ainda me sinto muito ativa e vou fazer o que agora? Porque com 68 anos, eu não vou mais trabalhar mais no mundo corporativo". Eu me formei bacharel de Direito, só que eu não fui tirar minha carteirinha da OAB, porque eu estava mais centrada em outras coisas. Com o diploma, eu não tinha intenção de atuar no mercado, eu queria mais atuar na minha empresa, o meu ganho era da minha empresa. E aí, eu não fiz a OAB e sou bacharel em Direito. Muito embora eu faça muitos trabalhos para muitos advogados amigos meus, porque eu estagiei durante quase dois anos em um escritório de advocacia muito grande, então eu aprendi muita coisa na prática, então muitas coisas meus amigos me pedem para fazer junto com eles na área de inventário, que é uma coisa que eu gosto muito. Eu estava conversando com essa amiga, falando do sentimento que eu tinha, ela falou, "Regina, você sempre gostou de costurar. Você não gosta?", eu sempre fazia algumas coisas assim, aí ela falou, "por que você não vai participar de um curso que vai ter do Mil Mulheres, que é um projeto do Sebrae? Quem sabe você não vai lá… Eles vão falar sobre empreendedorismo, e vai ser uma boa para você, porque você vai estar em contato com outras pessoas, e pelo menos você vai sair desse sentimento, porque se você ficar centrada nisso, você vai acabar entrando em uma depressão", e eu acredito até que eu já estava em um processo de início de depressão. Eu resolvi fazer, falei, "é verdade, eu vou mudar, tenho que achar alguma coisa para fazer, então vou lá fazer esse curso", e aí eu fui nesse projeto Mil Mulheres e eles deram aula de empreendedorismo, foi maravilhoso. A visão que eles deram para gente… Ali eu fui ver quantas coisas erradas… Eu já comecei a minha empresa de uma forma errada e não fui atrás, porque na época nem se falava muito nessa questão de empreendedorismo, não tinha isso. Era simplesmente "vou abrir um negócio e vou trabalhando do jeito que eu sei", e não é bem assim. Ali que eu fui ter a consciência de que muitas coisas eu fiz errado. Talvez se eu tivesse um curso de empreendedorismo antes, eu teria me dado muito melhor. Talvez eu não tivesse encerrado a empresa, ou talvez tivesse encerrado, mas teria ido para um outro segmento. O importante é quando eu cheguei nesse projeto Mil Mulheres, a minha visão abriu, eu falei, "nossa, agora eu sei realmente onde eu errei, mas estou tão bem ainda. Por que não começar de novo em uma outra atividade?", porque a minha mãe sempre foi costureira e na época me ensinou muita coisa. A minha mãe teve uma oficina de costura com a minha tia e eu cheguei a costurar com elas nessa oficina, só que chegou em um certo ponto em que a minha tia falou, "Diná, a Regina já está mocinha, vamos arrumar um emprego para ela", e ela me levou para trabalhar em uma fábrica de costura aqui no Bom Retiro. Só que eu não queria, eu falava para a minha mãe, "não, isso está errado, eu não quero ser costureira, eu jamais na minha vida vou ser costureira", e minha mãe falava, "Regina, ser costureira é uma coisa tão boa também, mas não é que você vá ser costureira para o resto da vida, mas aí você aprende", e eu dizia, "não, de jeito nenhum, não quero ser costureira". E realmente, eu trabalhei nessa fábrica dois meses, saí da fábrica e fui procurando emprego, porque eu fazia curso de contadora na época e tinha que pagar esse curso. A minha mãe falava, "se você sair, você não vai ter como pagar o curso", e eu falei, "não, eu vou sair" e saí mesmo, mas arrumei um serviço na Santa Casa de Misericórdia, e com o dinheiro que ganhava lá, consegui ir pagando o meu curso. Voltando nessa amiga minha, ela falou, "por que você não vai?", e eu fui. Chegando lá, quando comecei a ter as aulas de empreendedorismo, conversando com outras mulheres que também faziam artesanato, elas perguntavam, "o que você faz? Qual artesanato você faz?", falei, "não, eu não faço nada, mas sei costurar". Eu fui vendo uma fazer isso, outra fazendo aquilo e falei, "gente, nossa, o mundo não acaba aqui. Eu fechei uma empresa e acabou? Não, espera aí". Nisso que eu estava fazendo o curso, eu peguei… Porque eu tinha máquinas, eu tenho máquinas que eram da época da minha mãe. Eu resolvi tirar a coberta dessas máquinas e comecei a fazer algumas coisas, comecei a fazer alguns artesanatos. Eu sempre tive habilidades. É que eu não queria ser costureira, mas habilidade eu tinha. Eu fui na internet e comecei a ver uns trabalhos de patchwork. Fui, comprei material, e com as aulas da Internet, eu comecei a fazer os trabalhos de patchwork. Fui fazer cursos mesmo para aprender mais peças e tudo mais, e com isso, fui indo ao projeto. Só que no projeto, eu criei muitas amizades, muitas amizades, e eles já me convidaram para participar do projeto que ficava lá no Andorinha. A CCIJ é um projeto do Andorinha que dá cursos para mães e para filhos de mães carentes. Eu fui para esse quiosque da Andorinha e comecei a expor as peças que eu fiz, as poucas peças que eu fiz. Desse projeto Mil Mulheres… A base que eles nos dão é muito grande. E mesmo terminando o curso, o acompanhamento que eles dão para gente, de estar sempre em contato, passando informações e tudo, é muito grande. E aí meu mundo foi se ampliando, foi se ampliando muito. Eu comecei a fazer várias peças e acabei caindo no projeto da Rede Asta. Por todo esse conhecimento, acabei sendo conduzida para o projeto da Rede Asta. Nesse projeto, o mundo se abriu mesmo. Ali eu fui encontrar mulheres maravilhosas, incríveis, incríveis mesmo, que tinham o artesanato como a única fonte de renda mesmo. Eu comecei a fazer parte desse projeto e aprendi muito, muito mesmo em todos os sentidos. Eu estou participando atualmente do Quiosque Solidário, que fica dentro do Center Norte. Então com toda essa tristeza de fechar uma empresa… Eu fechei uma empresa, e esse sentimento de incapacidade… Cm uma simples conversa com um amiga, eu entrei em estado de transformação quando me deparei com um mundo totalmente diferente dentro da costura, que era uma coisa que eu falei que jamais queria ser, costureira. E dentro da costura, eu encontrei uma nova forma de continuar vivendo ativamente, colocando, criando… Foi muito maravilhoso, então hoje eu estou fazendo artesanato, faço patchwork, vendo as minhas peças para várias pessoas conhecidas ou não, porque tenho o Instagram também, onde coloco as peças. Atualmente, estou vendendo as peças no Quiosque da Rede Asta, que está lá no Center Norte. Isso me mostrou que realmente a gente não pode parar de sonhar nunca. Você tenha a idade que tiver, tem sempre que sonhar, porque a partir do momento em que você para de sonhar, você morreu internamente, você morre. Eu iria acabar internamente, porque a minha vida era a empresa. Quando eu fechei a empresa, é como se eu não pudesse fazer mais nada. Tinha tanta coisa dentro de mim que eu poderia fazer, mas que na época, lá atrás, eu julgava coisas menores, coisas pequenas, sabe? Hoje eu estou vendo a grandiosidade de tudo isso. Eu analiso como a minha mãe era grandiosa, né? Eu falava para ela, "não quero ser costureira", como se fosse uma coisa tão… Sabe? E hoje, principalmente nessa época agora de pandemia, o quanto essas costureiras não trabalharam?! Fazendo máscaras… Então a vida é um eterno aprendizado. Até você aprender a saber valorizar seja lá qual for… Você vê, eu tenho 68 anos, e hoje é que eu tenho essa consciência da valorização de uma costureira. Olha, é um trabalho que as pessoas acham tão insignificante. Hoje eu estou fazendo e o aprendizado que eu tive e de valorizar, porque é uma profissão, uma abençoada profissão. Muitas mulheres sustentam suas famílias dessa profissão, da costura. Foi muito bom esse projeto para mim.
P/1 – Nossa, muita história incrível. E Regina, o que você percebeu durante o curso que você fez de errado na empresa?
R – Olha, eu percebi o seguinte, primeiro, tudo que você vai fazer na vida, tudo, tudo, seja o que for, você tem que começar primeiro pelo planejamento, você tem que planejar tudo. "Ah, planejei? Está tudo planejadinho aqui? Agora eu vou começar a executar", porque se eu começo executando sem o planejamento, tudo tende a dar errado, porque você vai remendando aqui, remendando ali… Por exemplo, eu comecei construindo a máquina. "Ah, eu construo a máquina e começo a trabalhar. Não,vou planejar. Vamos ver com o que eu vou trabalhar, é com flocagem? Do que eu preciso?", tudo isso precisa ser planejadinho. Então a falha maior que eu identifiquei assim que comecei a fazer o curso, foi isso, a falta de planejamento, eu não planejei para começar a empresa.
Se eu tivesse feito um planejamento, pode ser que o rumo teria sido outro. Planejamento, conhecimento… Você tem que ter um conhecimento aprofundado não só daquilo que você domina. Por exemplo, eu dominava a técnica da flocagem, okay, mas eu não tinha que dominar só aquilo, tinha que dominar uma série de outras coisas. Se eu estava começando uma empresa pequena, eu tinha que pelo menos saber essa questão da parte administrativa. Como é que você começa uma empresa e não tem a mínima ideia dessa parte administrativa, entendeu? Eu fui identificando todas essas falhas.
P/1 – E agora, com a questão da costura e do patchwork, você está conseguindo inserir o planejamento?
R – Sim, sim, agora eu estou, porque você veja bem, eu quero… Primeiro que eu já comecei o meu trabalho… Por exemplo, o que eu quero? Eu quero um ateliê onde eu possa fazer peças de patchwork e outras coisas mais. Então o que eu tive que fazer primeiro? Um planejamento de como iria trabalhar nesse ateliê. "Como eu vou trabalhar nesse ateliê? Quais os materiais dos quais vou precisar? Quais as máquinas que vou ocupar? Vou conseguir trabalhar sozinha ou não? Então okay, eu preciso de tudo e por onde posso começar? "Ah, vou começar por aqui", entendeu? Eu tive que fazer esse planejamento. Hoje eu sei exatamente… Por exemplo, hoje as minhas peças têm uma ficha técnica, porque seu eu não tiver uma ficha técnica da peça, como vou precificar? Hoje eu sei precificar, porque eu tenho uma ficha técnica. Ali eu coloco todas as informações da peça, tudo milimetricamente, as medidas, a altura, o peso, e isso me dá visão para que eu possa precificar. Quer dizer, se eu começo um trabalho, e nem uma ficha técnica dele eu tenho… Você está entendendo? Quer dizer, você faz um negócio, põe um preço lá, não sabe se realmente gastou o suficiente, se você está ganhando ou se está perdendo… Hoje para mim, as coisas estão sendo muito mais fáceis, porque eu estou focada em fazer peças para vender no meu ateliê, mas hoje sei exatamente… Eu tenho tudo na minha mão. Sei as máquinas que tenho que usar, os materiais, o controle de estoque, porque se você não tem controle de estoque, você fica saindo toda hora para buscar isso e aquilo. É um gasto que você tem, então tem que ter um controle de estoque. Tudo isso é muito importante e desde o planejamento. Até esse controle de estoque tem que ir dentro do seu planejamento. Para mim foi tudo, foi um caminho muito bom.
P/1 – E você falou que é kardecista, né?
R – Sou, sou kardecista desde a nascença.
P/1 – E você participa, é presente em alguma associação?
R – Sim,
eu sou presidente da… É porque assim, esse centro… Os fundadores desse centro, foram a minha avó, minha madrinha… Foram eles que fundaram. Eles eram um grupo pequeno e fundaram esse centro, que inicialmente foi na casa da minha avó mesmo. Depois eles foram, cada um contribuindo com um pouquinho, compraram esse terreno e aos pouquinhos foram construindo uma casinha, sempre fazendo um projeto social que era de distribuição de cesta básica, no final do ano faziam as festas de Natal para as crianças carentes… Então eu fui crescendo dentro desse meio, na evangelização que era ali nacasa também… Nós fomos crdscendo nesse meio e a casa também foi crescendo, foram vindo mais pessoas, dando mais possibilidade de fazer uma casa maior e tudo mais. A minha infância, adolescência e vida adulta, foram ali dentro desse centro, e hoje eu sou presidente da casa. A casa continua com o mesmo trabalho, que é a evangelização, o estudo da doutrina e o trabalho com as famílias carentes. A casa assiste 50 famílias carentes. As festividades de final de ano para os filhos das famílias que são assistidas, nós fazemos os cursos de artesanato para as mães… Então até hoje eu frequento esse centro, em que atualmente sou presidente da associação.
P/1 – Okay, e como está o seu filho hoje?
R – Meu filho graças a Deus desde a morte do filhinho dele, ele assumiu essa postura de não usar drogas, nem fumar. Ele continuou trabalhando comigo, porque depois que ele foi para Minas, vendeu apartamento e carro dele aqui para montar a loja lá, montou a loja, teve todo esse processo de ficar um tempo, começou a cair e voltou para São Paulo, ele voltou a trabalhar na empresa comigo. Com o fechamento da empresa, atualmente ele está desempregado, mas está casado ainda, com os filhos dele… A mulher dele depois também saiu do mundo das drogas, foi fazer curso de técnico de enfermagem, se formou em técnica,
hoje trabalha no Hospital das Clínicas e no Dante Pazzanese, sabe? Ele conseguiu virar a vida dele. O triste é que realmente atualmente ele está desempregado, mas nós estamos estudando algumas possibilidades para que ele… Ele também foi fazer a faculdade depois, se formou em Administração, mas hoje o cenário do país também está muito complicado para serviço. Ele está estudando alguns outros caminhos para poder ter um ganho.
P/1
– E o seu marido?
R – Então meu marido se aposentou também. Nós ainda estávamos trabalhando quando ele se aposentou. Assim, a nossa sorte foi que nós nos aposentamos como empresários, então a gente pagava o teto máximo do INSS, e temos uma aposentadoria que nos permite viver razoavelmente. Só que assim, ele hoje quer fazer alguma coisa, porque ele é até mais novo que eu, tem 64 anos, mas ainda não definiu o que ele pode estar fazendo, porque o mercado já não está bom para os jovens, né? (Risos). Agora imagina para a terceira idade, então a gente… Mas ele me ajuda muito em casa, porque com esse trabalho que eu faço de artesanato… Eu faço muita coisa para a área médica. Por exemplo, faço muita touca cirúrgica e ele me ajuda também por enquanto, mas ele quer achar alguma coisa para fazer. Ele ainda também está aí vendo, porque está tudo muito recente ainda, o fechamento da empresa… Com essa coisa da pandemia, depois que minha tia faleceu, nós fomos para Goiás, ficamos dois meses e meio lá e retornamos agora, no começo de agosto.
P/1 – A gente já está caminhando para o final, tá bom Regina?
R – Tá bom, tá bom.
P/1 – Estou achando incrível a sua história. É muita história (risos). Vamos falar um pouquinho da pandemia. Como é que… Você estava falando… Vamos retornar aí. Como que era a sua vida antes e depois? O que a história da pandemia abalou?
R – Antes da pandemia, como eu te falei, a gente estava nesse processo e tinha fechado a empresa, então eu estava em casa, mas já fazendo alguns trabalhos de artesanato e nesse período ainda estava cuidando da minha tia que tinha 94 anos. Ela pegou Covid mas nós não sabíamos. Ela ficou muito mal, e nesse processo em que ela estava muito mal, eu dormia com ela na cama. Até eu alugar uma cama hospitalar, eu dormia com ela, porque tinha medo e preocupação, mas ela já estava com a Covid, e a gente não sabia o que era. Eu aluguei uma cama hospitalar, e foi tudo assim, na fração de uma semana. Aluguei a cama hospitalar, instalamos ela lá, onde ficou por dois dias e ficou muito ruim, então fomos
para o hospital. Ela já se tratava no Hospital do câncer aqui, porque ela era paciente deles, e eu a levei para o hospital. Chegando lá, disseram que era Covid e era Covid mesmo. Depois que eu fui associar os sintomas que ela estava sentindo. Os sintomas eram só a pressão muito baixa, o oxímetro não conseguia medir a oxigenação… E ela faleceu. Com o falecimento dela, nós tivemos mais dois casos na família de falecimento também por Covid. Meu filho ficou muito, muito agitado com toda essa história. Ele falou, "mãe, eu acho melhor você ir para Goiás", porque o meu pai teve um posto de gasolina lá em Goiás e morou um tempo lá e minha irmã vez uma casa de veraneio lá, em Britânia. Essa casa fica lá e todo ano minha mãe, minha irmã e eu ia algumas vezes também. Meu filho falou, "mãe, sai desse foco, desse meio aqui e fica lá com o pai e com a Marta. Quando a coisa melhorar um pouco, vocês voltam". Nesses dois meses e meio que fiquei lá, deixei tudo parado aqui, porque eu faço esse trabalho de artesanato e faço trabalhos com alguns colegas meus que são advogados, essa parte de inventário eu faço para eles. Ficou tudo parado. Até processos que eu… Porque assim, quando eu faço o processo de inventário para eles, eu tenho todo acesso ao sistema, com a senha deles e tudo, então na verdade, eu faço tudo, coloco no sistema e nem passa pela mão deles. Eles só assinam no sistema deles. E aí, eu deixei tudo para trás e fiquei esses dois meses e meio lá. Agora, retornando, porque chegando agora em agosto eu disse, "não, eu tenho muita coisa pendente. Estou fazendo inventário da minha tia, fazendo inventário da minha mãe. Tenho que voltar", porque meu filho queria que eu ficasse bem mais, que fosse ficando lá. Nós voltamos no começo de agosto e foi complicado, porque eu tinha muita coisa pendente, muita gente querendo alguns produtos, alguns processos eu tinha dar andamento, então a pandemia mexeu bastante. Só que eu passei… Passei não, eu estou passando por essa pandemia de forma muito serena, porque eu tomo os cuidados que têm que ser tomados, a higienização, o uso de máscara, tudo isso eu faço tranquilo. Eu só não tenho esses desespero, esse medo, sabe? Porque assim, se eu tomar todos esses cuidados e eu pegar o vírus, não tem o que fazer, vou ter que passar por isso. Se com todos esses cuidados, mesmo assim eu acabar pegando, vou ter que passar por isso. Eu acredito até que pode ser que eu tenha pego, porque eu dormia junto com a minha tia. Depois que ela faleceu, eu não tive sintomas e eles não fizeram o exame, porque disseram que eu teria que ter sintomas. Eu não sei, de repente eu até tive e não tive sintomas, mas assim, afetou bastante a vida, porque você já teve que se manter em isolamento, não vai ficar saindo por qualquer coisa, sai só quando necessário… Porém é uma situação que estou passando de uma forma bem serena, bem equilibrada. Não estou com desespero, aquele medo, "ai, se eu pegar eu vou morrer". Se eu morrer, morri, foi um ciclo que acabou (risos).
P/1 – E Regina, para você, o que é ser uma mulher empreendedora?
R – Olha, uma mulher empreendedora no meu ver, é ser aquela mulher que leva adiante todos os projetos que ela tem em mente, então a partir do momento que você colocar os projetos que tem em mente de uma forma real na sua vida e faz disso uma forma de ter um ganho a mais ou que seja único, acho que você está empreendendo. Você está pegando um projeto seu, transportando ele para o papel, depois executando de uma forma que ele te dê retorno em ganhos para a sua vida. Acho que ser empreendedora é isso, a capacidade que você tem de transformar um conhecimento seu em algo rentável, eu acredito e vejo dessa forma.
P/1 – E a respeito do empreendedorismo social, por exemplo esse trabalho que você faz na igreja… Você considera também…
R – O empreendedorismo social também. Nós temos uma capacidade muito grande de poder ajudar o outro.
Eu acho assim, a partir do momento que você enxerga o sofrimento do outro e se coloca no lugar do outro, você vai ver que muitas vezes está em condições com uma possibilidade maior de ajudar e de amparar aquela pessoa, porque muitas vezes nem ela mesma sabe como sair daquele estado em que ela está. Às vezes as pessoas estão em uma pobreza tão grande, tão grande, que elas não enxergam caminhos. E você vendo e assistindo tudo isso, se põe no lugar daquela pessoa para poder estender a mão, e muitas vezes nesse estender de mãos, você acaba levantando muitas pessoas. Eu acho que o empreendedorismo social é muito importante, porque você acaba tirando muitas pessoas… Por exemplo, lá na nossa instituição, nós damos curso de artesanato. Têm mulheres que chegaram ali e não sabiam fazer nada, nada, nada. O incrível é que muitas aprenderam a pintar pano de prato e depois começaram a vender pano de prato, mas quando começaram o curso ali… Porque elas têm que fazer o curso, porque elas recebem a cesta básica, mas em contrapartida, têm que levar as crianças na evangelização e têm que fazer os cursos de artesanato. Então têm mulheres ali que nunca tinham feito nada, começaram aprender a pintar e começaram a vender os panos de prato. Tiveram outras que começaram aprender a fazer o crochê e começaram a fazer bicos nos panos de prato e tapetes de crochê e começaram a vender também. Esse empreendedorismo social é muito importante porque você vai acabar dando a oportunidade de outras pessoas tirarem de dentro delas aquela capacidade que elas também têm de fazer alguma coisa e transformar isso também em algo rentável para a vida delas. É muito importante. Eu dou muito valor a esse trabalho e amo fazer esse trabalho na instituição. Você acaba vendo histórias muito bonitas, por exemplo, temos uma senhora lá que hoje não faz mais parte, mas quando chegou lá, ela tinha os filhos dela pequenininhos, era de Minas Gerais e chegou aqui em São Paulo atrás do marido dela que tinha vindo embora e sumiu. Ela não achou o marido em São Paulo, evidentemente (risos). Mas ela foi até a instituição pegar cesta básica, porque ela foi morar na favela do Peri e começou a trabalhar como doméstica. Ela criou todos esses filhos dentro da instituição, recebendo cesta básica e as crianças fazendo evangelização, estudando. Depois de um tempo, os filhos já estavam todos grandes e todos tomaram um caminho e ela passou a não pegar mais a cesta básica, mas veja a importância desse empreendedorismo social. Você dá a mão e ajuda muitas pessoas a saírem dessa situação de miséria mesmo, de miséria profunda.
P/1 – E qual é um dos maiores aprendizados que você tira da sua trajetória empreendedora?
R – Olha, o maior aprendizado que eu tiro, eu vou te dizer, é a paciência. Sabe por que é a paciência e eu acho que isso é um aprendizado? Porque quando você pensa em empreender em alguma coisa, você já pensa logo em ganhar rios de dinheiro, "não, eu vou fazer isso que é para ganhar rios de dinheiro, eu vou ficar rico, eu vou…", e não é bem assim, isso eu aprendi. Até porque quando eu montei a minha empresa lá atrás, a minha ideia era essa, "nós vamos ficar ricos, vamos ganhar muito dinheiro", e não é bem assim. Eu acho que o mais importante talvez nem seja ficar rico, o mais importante é você ter a possibilidade de estar trabalho e de você estar dando trabalho também, porque quando você monta um negócio, você também dá a oportunidade de outras pessoas trabalharem, você dá emprego também. Então é a paciência de você ir caminhando dia após dia, pesquisando, aprendendo, colocando em prática, ajudando, porque quando você está com o seu negócio empreendendo, você está ajudando outras pessoas. Eu aprendi que você não pode olhar o dinheiro que aquilo vai te dar. Primeiro aquilo tem que ser prazeroso para você, você tem que ter o conhecimento daquilo que está fazendo e o dinheiro, é uma consequência, ele vem. De qualquer forma, se você trabalhar de forma correta, ele vai ter um retorno, e o retorno é exatamente isso, é o ganho, o dinheiro que você vai ganhar. Eu acho que meu maior aprendizado foi a paciência, porque quando você vai muito afoito a tudo, você vai deixando de enxergar uma série de outras coisas, você vai se atropelando. A vontade de ganhar dinheiro é tão grande, que você vai se atropelando.
P/1 – E quais são as suas características pessoais? Quais são os valores pessoais que a pessoa precisa ter ou que você tem para ser uma empreendedora?
R – Olha, persistência. Persistência é uma das coisas que você tem que ter. Apesar de eu ter errado muito no começo, se eu não fosse persistente, eu não teria chegado aonde eu cheguei, eu não teria chegado a lugar nenhum, porque você começar a fazer um trabalho manual… Eu poderia simplesmente dizer, "não, não vou fazer". Foi a persistência. Uma das características que o empreendedor tem que ter é a persistência, é a paciência, é a vontade realmente de trabalhar… Eu acho que coloco isso como base, sabe? A persistência, a vontade e o conhecimento para o empreendedor poder caminhar. Eu vejo dessa forma.
P/1 – A casa da sua tia onde você mora é na Zona Norte?
R – É na Zona Norte, Lauzane, um lugar muito bom também para se morar.
P/1 – E o que significa a Zona Norte para você?
R – Ah, a Zona Norte para mim, nossa, é um… Eu passei a minha infância, minha juventude e… É um lugar muito bom, cheio de recordações boas e tristes. Quando o meu filho morreu e eu fui embora para Guarulhos - que quando ele morreu, eu fui embora, a firma estava lá e eu me mudei para lá -, eu falei que nunca mais voltaria para São Paulo, falei, "nunca mais eu volto para São Paulo e nunca mais eu venho para a Zona Norte", e minha mãe continuou morando na Zona Norte, né? Tanto é que eu vinha para a casa da minha mãe, mas dava uma volta para não passar perto do lugar onde eu morava, e dizia, "nunca mais eu volto para São Paulo". A única coisa que me fez voltar para São Paulo, realmente foi a minha tia estar sozinha, sem ter quem cuidasse dela. Mas a Zona Norte para mim, significa muita coisa, eu tive momentos muito alegres na Zona Norte. E é um lugar que é acessível para tudo, você está perto do Centro, nossa… é uma ligação muito forte que tenho com a Zona Norte. Acabei voltando e jurava que nunca voltaria (risos).
P/1 – Tem alguma história assim, que você não tenha contado e que gostaria de contar? Ou da sua infância, ou da adolescência, juventude… Algum momento que foi marcante na sua vida e você não contou?
R – Olha, pode parecer simples para você, mas para mim foi muito marcante, sabe por que? Eu sempre viajei muito, muito, graças a Deus eu tive essa oportunidade de viajar muito, e fui para vários lugares. Eu tinha muita vontade de levar os meus netos para a Disney. Nossa, eu queria muito levar os meus netos para a Disney! E aí, eu fui me programando para isso, porque nada vem do céu, você tem que se programar muito quando não é rico, não tem muito dinheiro. E aí, eu fui me programando e falei para o meu marido, "nós vamos levar os dois para a Disney". Nós viemos nos programando e tudo, mas eu achava que o melhor seria eu levar os meus netos para a Disney, mas que eu levasse também o pai deles, porque eu acho que a experiência de você viver isso com o seu pai… Eu tinha um sonho muito grande de levar os meus dois netos para a Disney e fui me programando para isso. Eu e meu marido fomos nos programando, só que eu achava que esse momento de estar na Disney com eles teria que ser vivido também pelo pai deles, porque seria diferente eles estarem brincando nos brinquedos com o pai. Só que eu não teria condições de levar todo mundo. Me programei para ir eu, meu marido e os netos. Outros parentes iriam, mas cada um arcando com as suas despesas. Só que nós fomos conversando e meu marido falou assim… Eu tenho certeza que meu marido fez isso, para que o meu filho pudesse ir. Nós estávamos com a empresa ainda, foi em 2017, e meu marido falou assim, "Regina, sabe que eu não faço questão de ir para lá para a Disney? Eu não faço um pingo de questão de ir. Eu acho que no meu lugar, você deveria levar o Renato", eu falei, "nossa Lopes, mas a gente vem se programando e tudo, você estava tão contente", e ele falou, "não, mas eu fico pensando na empresa, vamos ter que deixar aí" (nós tínhamos um funcionário que era nosso braço direito lá), ele falou, "acho melhor eu ficar e o Renato ir com vocês". Eu fiquei meio assim, porque a gente não sabe se consegue ir mais de uma vez para a Disney (risos). Meu marido desistiu de ir, eu perguntei, "é isso mesmo que você quer?", e ele falou, "pode levar o Renato, que eu prefiro ficar aqui". Nós fomos em setembro de 2017, eu, meus netos, meu filho e mais os outros parentes, fomos em dez pessoas. Foi muito marcante, porque foi muito lindo, entendeu? Foi muito linda essa viagem! Essa viagem foi uma coisa… Eu assim, não andei em quase nenhum daqueles brinquedos, porque eu não ando naqueles brinquedos malucos, de altura, para mim não dá, mas eu estar no parque vendo meu filho sorrindo com os filhos dele… Gente, foi lindo! Era lindo, era mágico! Cada brinquedo em que nós parávamos e subiam meus filhos e as crianças, gente, olha, é inexplicável. É uma coisa que só eu como mãe olhando… Quando esses meus netos estiverem mocinhos, eles vão lembrar que foram… Eles foram com a avó, mas "eu fui com meu pai, eu estive lá com o meu pai, eu andei em uma montanha-russa com o meu pai". Foi uma coisa que eu queria muito, então tudo para mim foi lindo nessa viagem. Vê-los juntos, sentados juntos no avião, nossa, foi… Isso é uma coisa que eu vou levar assim, para outra encarnação
(risos), porque foi muito lindo, foi uma viagem maravilhosa, porque era um sonho levar as crianças para lá e eu pude criar essa possibilidade do pai viver esse momento com eles. A minha vida foi sempre mais assim, voltada para filho e neto do que propriamente para mim mesma, entendeu? Eu fui muito feliz na minha vida com tudo que passei. Tive momentos tristes e tudo, mas eu sempre me preocupei em fazer a felicidade dessas pessoas que eram queridas para mim, entendeu? Então isso aí foi uma coisa muito marcante na minha vida. Foi muito bonito para mim (risos).
P/1 – Muito legal, muito legal. E como é que foi contar sua história aqui hoje?
R – Olha, foi uma experiência muito, muito boa, porque eu não imaginava primeiro que eu pudesse contar a minha história, entendeu? Eu achava assim, que eu não teria muita coisa para falar. Eu até estava em casa e pensava assim, "ai meu Deus, será que eu fiz a coisa certa? O que será que eu tenho para contar?" (Risos), porque por exemplo, têm coisas aqui que eu falei, que não vinham na minha mente, entendeu? Porque você não fica com a sua história na mente o tempo todo, então em casa eu ficava… Até esperando o Uber, eu ficava assim, "meu Deus, o que eu tenho para contar de tão relevante assim?", então foi uma experiência muito boa, porque a gente tem muita coisa para contar, muita coisa, e acha que não. É uma vida, 68 anos, tenho muita coisa para contar sim. E a gente só dá umas pinceladas, né? Porque se você for entrar mesmo em tudo (risos), é muito coisa mesmo. Foi uma experiência muito boa eu vou sair daqui assim, nossa, já estou me sentindo tão bem de ter falado tanta coisa, porque tudo aquilo que você fala você tirou um pouco também de dentro de si, né? Muito bom.
P/1 – Justamente. E qual é o seu sonho hoje?
R – Olha, como eu te falei, não importa a idade que você tenha, você tem que estar sempre sonhando, e eu me mantenho assim, me mantenho sonhando. O meu sonho hoje, que se Deus quiser eu vou realizar… Porque assim, eu não vou tirar meus filhos e meus netos da minha casa. Eles moram em um lugar bom, em um condomínio fechado, eu dei essa… Eles estão morando lá e meus netos se sentem muito bem lá, então por exemplo, agora com o falecimento da minha tia, eu voltaria para a minha casa, mas eu ainda considero que morar junto não é a melhor forma. Acho que cada um tem que ter o seu espaço. Em contrapartida, eu não tenho essa coragem de falar para o meu filho, "olha, estou voltando para a minha casa, então vocês vão ter que alugar alguma coisa para vocês", eu não tenho, não adianta. E aí, qual é o meu grande sonho agora? Eu vou ter que sair da casa da minha tia, porque ela fez um testamento onde deixou 50% da casa para mim e 50% da casa para os irmãos, então eu estou fazendo o inventário dela, vou ter que vender a casa… E aí, com os 50% que vou pegar, eu e meu marido estamos agora sonhando em ir morar em São Sebastião. Estamos com dois projetos, ou vamos morar em São Sebastião ou vamos morar em Caldas Novas, que também é um lugar pelo qual tenho paixão. Agora, vai depender de quanto nós vamos pegar na casa, qual vai ser o local que vai me dar mais possibilidades de estar comprando uma outra coisa, né? Mas o nosso sonho agora é ir embora de São Paulo, ou para São Sebastião ou para Caldas Novas, vamos avaliar. E aí, continuar fazendo os meus trabalhos no ateliê. Para onde eu for, eu quero estar com o meu ateliê, fazendo esses meus trabalhos, e viajando muito, que é o que eu mais adoro fazer (risos). Meu sonho hoje é esse. Vamos ver se eu consigo realizar (risos).
P/1 – Tomara que sim, você merece.
R – É, tomara que sim (risos).
P/1 – Queria te agradecer muito por ter compartilhado sua história aqui com a gente. Agora ela vai ficar eternizada aqui (risos).
R – É, para a posteridade, né? (Risos). Eu é que agradeço o convite. Agradeço bastante a oportunidade de participar de um trabalho como esse de vocês.Recolher