P/1 – Carlos, seja bem-vindo. Obrigada pela sua presença aqui, em nome do Museu e da Nestlé. Pra gente começar, por favor, seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Meu nome é Carlos Antônio de Souza Lemos, sou nascido em Araçatuba, interior de São Paulo, tenho 42 anos, nasci no dia 28 de fevereiro de 1971.
P/1 – Você lembra um pouquinho da história dos seus avós, o nome dos seus avós, tem essa memória?
R – Sim, sim, tenho. Meu avô paterno é senhor José, que era um gaúcho, muito gente boa. A minha avó era a dona Barbara, uma avó que adorava fazer bolo pra gente, principalmente pra mim, porque fui um dos netos próximos, o primeiro que ela viu nascer, então, era bem querido por ela. E dos meus avós maternos eu tenho meu vô, o senhor Arlindo e também a Benedita, que conviveu comigo até pouco tempo, agora, até 2007, quando ela faleceu.
P/1 – E todos de Araçatuba?
R – Todos de Araçatuba, interior.
P/1 – Você tem a lembrança de porquê que eles foram pra lá, como que…? Tem alguma história de imigração ai? Por que Araçatuba?
R – O meu vô… o pai do meu avô é daqui de São Paulo, e ai, quando iniciou Araçatuba, ainda eram muitos terrenos, fazendas, tanto é que “Aqui é a cidade da agricultura” se diz em Araçatuba. E ai, eles viram a oportunidade, de sair daqui de São Paulo e foram pra lá. Mas meu pai mesmo, a minha mãe e nós todos já nascemos em Araçatuba mesmo.
P/1 – Seu pai e sua mãe, os nomes completos deles?
R – A minha mãe Luzia Marli de Souza Lemos; meu pai, Deomir Pereida de Souza Lemos, meu pai já é falecido.
P/1 – E os dois, nascidos em Araçatuba?
R – Em Araçatuba.
P/1 – Você sabe como que eles se conheceram?
R – Meu pai e minha mãe, eles se conheceram lá em Araçatuba, em uma festa… naquela época, hoje já não se tem mais, hoje rola o baile funk, mas lá eles tinham a festa no...
Continuar leituraP/1 – Carlos, seja bem-vindo. Obrigada pela sua presença aqui, em nome do Museu e da Nestlé. Pra gente começar, por favor, seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Meu nome é Carlos Antônio de Souza Lemos, sou nascido em Araçatuba, interior de São Paulo, tenho 42 anos, nasci no dia 28 de fevereiro de 1971.
P/1 – Você lembra um pouquinho da história dos seus avós, o nome dos seus avós, tem essa memória?
R – Sim, sim, tenho. Meu avô paterno é senhor José, que era um gaúcho, muito gente boa. A minha avó era a dona Barbara, uma avó que adorava fazer bolo pra gente, principalmente pra mim, porque fui um dos netos próximos, o primeiro que ela viu nascer, então, era bem querido por ela. E dos meus avós maternos eu tenho meu vô, o senhor Arlindo e também a Benedita, que conviveu comigo até pouco tempo, agora, até 2007, quando ela faleceu.
P/1 – E todos de Araçatuba?
R – Todos de Araçatuba, interior.
P/1 – Você tem a lembrança de porquê que eles foram pra lá, como que…? Tem alguma história de imigração ai? Por que Araçatuba?
R – O meu vô… o pai do meu avô é daqui de São Paulo, e ai, quando iniciou Araçatuba, ainda eram muitos terrenos, fazendas, tanto é que “Aqui é a cidade da agricultura” se diz em Araçatuba. E ai, eles viram a oportunidade, de sair daqui de São Paulo e foram pra lá. Mas meu pai mesmo, a minha mãe e nós todos já nascemos em Araçatuba mesmo.
P/1 – Seu pai e sua mãe, os nomes completos deles?
R – A minha mãe Luzia Marli de Souza Lemos; meu pai, Deomir Pereida de Souza Lemos, meu pai já é falecido.
P/1 – E os dois, nascidos em Araçatuba?
R – Em Araçatuba.
P/1 – Você sabe como que eles se conheceram?
R – Meu pai e minha mãe, eles se conheceram lá em Araçatuba, em uma festa… naquela época, hoje já não se tem mais, hoje rola o baile funk, mas lá eles tinham a festa no quintal, então eles faziam as festas no quintal e tinha um vizinho que tava fazendo essa festa e foi onde o meu pai acabou conhecendo a minha mãe nessa festa. E num outro final de semana que teve outra festinha, eles se encontraram de novo, tal, e ai começou aquela coisa do ver, né? Só que ele tinha que pedir par o meu avô, meu avô era muito bravo. Ele criou coragem um dia, foi lá e pediu para o meu avô que ele queria namorar a minha mãe. E a minha mãe falou assim: “Olha, eu acho que ele não vai deixar, porque o meu pai é muito bravo e ele fala que eu só vou namorar depois de 25 anos”, mas ele falou assim: “Mas eu vou pedir”. Ai, ele foi lá, pediu, meu vô gostou dele, e eles começaram a namorar. Mas tudo se iniciou ai, numa festinha de quintal.
P/1 – E você é o filho mais velho?
R – Eu sou o filho mais velho. Assim, mas de uma família de cinco. Eu sou o mais velho, 42 anos, ai depois, eu tenho mais quatro irmãos, e também uma irmã adotiva, porque o sonho da minha mãe era ter uma filha mulher e ai, ela teve, só que ela faleceu. Então, a minha mãe queria de todo jeito, ter uma filha. Então, ela teve a oportunidade de adotar uma, então nós temos a Camila, que é muito querida da família, que é a nossa irmãzinha de coração.
P/1 – Caçula?
R – É.
P/1 – E ai, depois, subindo, Camila…
R – Ai, tem o… sou eu, o primeiro, depois tem o Marcos, Marcos Lemos, temos o Paulo Lemos, o Alexandre Lemos e o Junior Lemos, que é o caçula de sangue.
P/1 – Conta um pouquinho da tua infância, como é que foi, fazenda…
R – Olha, a minha infância, ela foi uma infância… como eu posso dizer? Uma infância bem gostosa e ao mesmo tempo também, uma infância já com bastante responsabilidade, por ser o filho mais velho. Então, a gente morava em um sítio e eram distantes as coisas, escola, mercearia, tal, então, por ser o filho mais velho, eu tinha que tomar algumas responsabilidades, porque o meu pai e a minha mãe trabalhavam na agricultura, e eu tinha que estar auxiliando, tinha que estar ajudando. Então, tinha que preparar as coisas para os meus irmãos, tal. Mas assim, também brinquei muito, é uma coisa que eu falo até hoje, que eu tenho duas filhas, Ana Gabriela e Isabela e eu falo pra elas: “Hoje, vocês têm tudo muito fácil, naquela época, nós é que fazíamos os nossos brinquedos”, então é uma coisa que eu procuro resgatar com elas. Eu, na época, não tinha como comprar carrinhos, então nós fazíamos o nosso próprio carrinho. Então, foi uma infância gostosa, por quê? Porque nós é que fazíamos as nossas brincadeiras, para que a gente tivesse algo para fazer no decorrer do dia e coisa que hoje, você vê tudo muito fácil, a internet, vídeo game, então isso, eles têm tudo fácil ali na mão, mas foi uma infância, voltando te dizer da minha infância, foi uma infância gostosa, iniciei os meus trabalhos na agricultura novo, também, com 12 anos, 13 anos, já estava ajudando os meus pais por necessidade, mas hoje, eu vejo que pra mim, aquela fase de responsabilidade já cedo fez com que eu me tornasse mais maduro mais rápido.
P/1 – Você falou dos carrinhos, que mais que vocês faziam? Como que você fazia esse carrinho? Como que era?
R – Então, nós catávamos… nossos carrinhos eram de… hoje, fala-se roletão, as latinhas de óleo. Então, a minha mãe comprava óleo, acabava de utilizar a lata, então a gente sempre falava: ‘Mãe, não corta a boca da lata não, deixa só furadinha, porque depois nós vamos utilizar”. Então, nós fazíamos dois furos laterais, passava o arame e colocava o cordão. E ai, você saía puxando e aquilo era o nosso carrinho. E quando ele era mais incrementado, mais invocado mesmo, nós catávamos um pedacinho da borracha de kboa e colocava do lado, então, ele andava e fazia o barulhinho, tátátátá… (risos), então, esses eram os carrinhos mais incrementados. E as outras brincadeiras, pião, também, nós cansamos de fazer pião de papelão, então a gente… de jornal, a gente enrolava ele e jogava com a linha. Então, isso ai eram as nossas brincadeiras. E quando… que no caso, tinham as primas, minhas primas, filhas das minhas tias, as brincadeiras de boneca, nós fazíamos com milho, então, como a gente tinha plantação de milho, a gente catava aquele cabelo de milho, enrolava lá para estar brincando com elas, então, era… a gente tinha que usar a nossa criatividade pra poder brincar.
P/1 – E quando você teve que trabalhar para ajudar a família, era o quê, o quê que vocês plantavam?
R – Então, meu pai, ele tinha plantação de quiabo, arroz e feijão, né? De todos esses três, o que eu mais detestava trabalhar era do quiabo, porque ele era muito gostoso, a gente adorava comer quiabo, mas só que ele machucava toda a mão. Então, chegava no final do dia, eu tava com a mão toda machucada, falava: “Ah, pai, eu não vou mais trabalhar não. Eu quero só trabalhar no arroz”, por quê? Porque o arroz era a coisa baixinha, então a gente ajudava a capinar, mas aquela coisa de menino mesmo, nada de tão sério, você ficar lá cinco, seis horas trabalhando, ia lá para ajudar, fazia uma coisinha, fazia outra, tal, mas já sentia o peso da responsabilidade, né? então assim, eu falava pra ele: “Quiabo eu não quero mais catar, não, eu só vou ficar com o arroz e com o feijão”. Feijão também era só para limpar, porque quando era pra colher, eu também não queria, porque tinha que ficar muito tempo abaixado. Então, a gente ficava escolhendo o quê que ia fazer, mas assim, uma infância de lembrar muito boa, momentos muitos bons que eu passei junto com os meus pais, de novo, mas também, nesse meio tempo, uma coisa que eu nunca deixei de fazer foi o estudo, meu pai e minha mãe, por mais que tivesse ali, ajudando e tal, eles me cobravam que eu tinha que estar lá ajudando, buscando, pra ser um pouco diferente do que eles tinham, então isso é muito importante.
P/1 – Você lembra da tua casa, como que era? Você falou que tinha as primas…
R – Ah, eu lembro!
P/1 – Tinha muita fartura? Tinha arroz, feijão, tinha quiabo na mesa, também?
R – Tinha! Tinha quiabo, tinha frango, tinha porco, tinha tudo, porque… isso é uma coisa que até eu busco até hoje, até nas datas de hoje nas oportunidades que eu tenho de estar falando não só para as minhas filhas, mas também para outras pessoas da comunidade, onde eu acabo atuando, é que naquele tempo, as coisas eram tudo mais baratas, tudo mais acessível, por quê? Em todos os quintais que você ia, você tinha uma horta, a pessoa tinha uma horta, a pessoa tinha uma criação, alguma coisa ela tinha. Hoje, pela praticidade, pela facilidade, a primeira coisa que a pessoa faz quando ela compra um terreno que ela constrói, é cimentar todo o quintal, então ela não quer ter dor de cabeça, ela não quer ter que estar ali, plantar ou colher, que eu vejo que se a gente tivesse isso ainda hoje, nos dias de hoje, o nosso… o custo de vida do brasileiro seria bem mais baixo do que é hoje, né? Então, assim, naquela época, na minha época, eu lembro que a gente colhia o nosso arroz, a gente fazia a nossa venda e o meu pai sempre deixava lá, dois, três sacos de arroz ali, que aquilo… a gente até trocava com os vizinhos, né: “Acabou o meu aqui”, a gente levava pra lá, então assim, era uma coisa bem aberta e bem livre com os moradores. Você perguntou da minha casa, eu lembro da minha casa e visito ela toda vez que eu vou para Araçatuba, porque hoje, eu moro em Araras, sou residente de araras, mas sempre que vou para Araçatuba, eu vou lá ver a casa onde eu morava. Dessa vez, agora, eu fiquei um pouco bravo, porque mudaram toda ela. A minha casa, ela era de madeira, telhado dela era de… não era telha, era… parecia… tipo uma lata, era uns negócios que eles abriram e por dentro dela colocava palha pra poder não esquentar, então tinha uma palha por cima e o chão que era muito, muito engraçado, o chão da minha casa era dez quando a gente tinha que limpar, porque era chão mesmo, a única coisa que o pai fazia era alisar, deixar ele todo lisinho e ai, toda vez que a gente ia varrer, então, jogava um pouquinho de água pra não levantar poeira e tirava a sujeira, então ficava aquela coisa bonita, a gente falava: “Que chão bonito que tá”, a mãe chegava: “Você deixou a casa limpa, bonitinha”, e ai, com o decorrer do tempo, as coisas foram evoluindo, nós passamos a ter na nossa casa, o vermelhão, que já era um cimento com material lá, que eu não me lembro, acho que era o xadrez, que ainda tem até hoje. Então, você queimava aquilo no chão, ai ficava lindo, você passava cera, aquilo ficava muito bonito. Ai, a minha mãe falou assim: “Bom, como você é o mais velho, eu tenho que trabalhar, você tá cuidando da casa, você tem que deixar esse chão sempre limpinho, a casa toda arrumadinha”, então eu fiquei especialista em passar pano, limpar fogão, minha esposa adora isso (risos).
P/1 – Você tem uma memória boa, hein!
R – É que é momentos… gostoso, momento da vida que a gente passou e que isso se perdeu no decorrer desses anos, coisa que você não vê mais acontecer nos dias de hoje. Pra gente que está envolvido com a comunidade, você vê que as pessoas não têm mais esse convívio. Quando você falou de fartura, no domingo em casa era todo mundo sentado, nós tínhamos que almoçar todo mundo junto, independente do que acontecesse, o pai tá na roça, tal, pai chegou: “Papai chegou, vamos todo mundo, vamos almoçar”, então, você sentava, você almoçava, você conversava, o pai contava como é que foi o dia dele, como é que aconteceram as coisas: “Ah, hoje, eu matei três cobras”, “Hoje eu vi uma rã…”, então, ele contava aquilo pra nós, hoje, nos dias de hoje, você vê com a tecnologia, com a evolução, cada um almoçando no quarto, tem televisão em todos os quartos da casa, enquanto um tá no computador almoçando, o outro tá lá na… sabe, então assim, aquele momento família, hoje, a gente vê que se perdeu, então assim, não tem mais essa cultura de você estar junto, de você estar próximo, você estar ali junto mesmo em família.
P/1 – E você falou da tua escola, você lembra como foi a sua ida… como é que você ia, você tinha que levar os irmãos também?
R – Eu ia a pé. Nós íamos a pé, também fui visitar a minha escola nesse final de ano agora, também fiquei bravo que mudou algumas coisas da escola lá, porque assim, todo ano que eu ia lá, ela tava daquele jeitinho, então você lembrava, né? Escola Professor Vaniole chama a escola. Então, a gente chegava lá, era aquele mesmo formato, nossa, eu estudei aqui até a oitava série, então, você via aquela escola daquele jeitinho, aquela quadra, aquela coisa. Agora, cheguei lá, eles cobriram a quadra, aumentou, compraram, as casas dos lados, a prefeitura, então, aumentou tudo, então, puxa, agora já não é mais a minha escola, agora deve ser das outras pessoas que vêm aqui. Mas eu ia a pé, eu tinha que ir a pé e eram assim… uma distância considerável, de uns dez a nove quilômetros que nós tínhamos que andar, mas pra nós, era festa, pra gente era festa, porque você saía ali de casa cedinho e tudo arrumadinho, lanchinho, aquelas coisinhas pra poder ir pra escola e ai, você já encontrava um que já estava saindo do outro sítio e tal, e subia aquele monte de gente a pé pra poder ir pra escola. Assim, esse também é um momento muito gostoso que eu passei da minha vida, onde eu tive a oportunidade de aprender, de me alfabetizar e também, passar algumas coisas já naquele período, onde a gente aprendia na roca. As brincadeiras que nós fazíamos lá no sítio onde a gente morava, a gente brincava com as pessoas lá mais próximas da escola. E a gente, às vezes, levava brincadeira que eles nem conheciam, né? Nem sabiam. Então, era bem legal, porque quer queira, ou não, nós que estávamos um pouco mais afastados, a gente não tinha aquela pequena tecnologia que eles já tinham, que nem bolsa de escola. Eu me lembro da minha primeira bolsa que durou acho que uns dois meses, que a gente levava o material de escola, eu levava o meu material de escola numa sacolinha, era uma sacolinha que a minha mãe fez pra mim de saquinho de leite. Não sei se vocês lembram, que o leite não era de caixinha, que nem hoje, era de saquinho. Então, ela juntou quatro saquinhos e fez uma bolsinha pra mim, onde eu levava o meu material. E quando ela comprou uma bolsa pra mim de papelão, ela era de papelão, de aba e na frente, vinha o pato Donald tinha desenhado na frente. Então, eu ganhei uma bolsa, pra mim aquilo era… era a minha… e eu cheguei na escola, tinha um menino que queria brigar comigo de todo jeito, eu não sei porque, ele queria brigar comigo: “Eu vou brigar com você hoje”, e eu: “Mas eu não quero brigar com você” “Não, mas eu vou brigar, eu vou brigar, eu vou brigar”, ‘então, vamos ver o que vai acontecer, “hora que acabar a escola, eu vou embora e quero ver ele brigar comigo”. A hora que eu sai da escola, ele tava lá fora já me esperando, eu: “puxa, vou ter que brigar com esse cara, eu nunca briguei, não sei nem brigar”. Ai, ele vinha querer brigar comigo e eu saía, ai ele pegou e deu um chute em mim, em vez dele me acertar, ele acertou na bolsa, eu só fiquei com a alcinha da bolsa na mão. Eu: “puxa, eu não acredito, ele quebrou a minha bolsa” ai, eu fui embora chorando, cheguei em casa: “Mãe, quebrou a minha bolsa, o moleque queria bater em mim”. Então assim, são coisas que lembra, que faz com que a gente remeta lá naquele passado e vê que poderia até ter brigado e… mas não, não vai adiantar nada, eu vou levar a minha bolsa pra casa e…
P/1 – Ele queria a sua bolsa do pato Donald.
R – Talvez seria pra… seria mais fácil ele pedir, mas eu não ia dar (risos).
P/1 – Ai, você ficou lá até a oitava série?
R – Fiquei até a oitava série lá e ai, eu fiz a oitava série e nesse período, depois da oitava série, eu precisei parar, eu parei de estudar porque as coisas começaram um pouco a complicar, porque meu pai e minha mãe, nós íamos pra cidade mesmo, íamos morar na cidade, e ai, as coisas já começaram a complicar mais, porque meu pai precisava trabalhar, minha mãe também foi trabalhar de doméstica e tal, e também já tinha mais os outros irmãos, então, eu precisei trabalhar. Eu fui trabalhar numa… achei até interessante a forma que eu fui empregado nesse primeiro emprego meu. Meu pai chegou lá no local, é uma empresa de publicidade, onde fazia placa, cartaz, essas coisas e falou assim: “Olha, meu filho tá precisando de um emprego, preciso colocar ele pra trabalhar. Não importa quanto você vai pagar pra ele, o importante é que ele tem que trabalhar, porque ele tem que aprender algumas coisas aqui na cidade, que nós estamos vindo da fazenda agora, e eu gostaria que vocês dessem um emprego para ele, pode pagar o que você quiser pra ele.”, bom quando você fala isso, pra pagar o que quiser, o cara fala: “Tudo bem. Pode deixar ele ai, nós vamos ensinar ele a trabalhar”, os dois primeiros meses eu não recebi nada, eu só trabalhei. Ai eu chegava no final do mês, eu via todo mundo recebendo e eu falava: “será que ele não vai me dar nada?”, ai não pagou. Ai eu falei: “puxa vida, o mês que vem, eu vou pedir dinheiro para o rapaz, se ele não me der dinheiro…”, ai chegou no segundo mês, não me pagou de novo, ai eu fui lá falar com ele: “Seu Reis, eu tô trabalhando, o senhor não vai me pagar nada?”, ele falou: “Não, você ainda tá em experiência, depois do terceiro mês, ai a gente paga”, falei: “puxa, três meses, vou ter que trabalhar três meses de graça? Bom, vamos lá, meu pai falou que era pra ele pagar quanto ele quisesse, então, vamos trabalhar”. E ai, fui trabalhando, fui aprendendo e tal, quando completou os três meses de trabalho, ai ele me chamou lá e falou assim: “Olha, você vai permanecer aqui com a gente, você é um rapaz responsável, a gente tem gostado e tal e quando você não recebeu os dois meses, a gente só tava te testando, mas você vai receber o dinheiro”.
P/1 – Ai, que desespero!
R – Ai, ele me pagou, pagou tudo certinho, tal, foi muito gostoso, por quê? Porque ai, eu passei a viver aquilo, né: ‘nossa, eu vim lá da roça, arrumei um emprego, que legal!’. Ai, eu trabalhei seis meses com ele sem registro, ai depois, ele me registrou, falou: “Agora, realmente, você é digno de ficar aqui com a gente, então você vai estar recebendo o registro na carteira”. Esse foi o meu primeiro emprego. Trabalhei com eles três anos, durante três anos e ai, depois, eu sai, porque a empresa tava tendo problema, tal, ele falou: “Olha, a gente não vai ter condição de pagar todo mundo, então, nós vamos pôr comissão, você ainda não sabe…”, eu não sabia fazer cartaz, placa, essas coisas como os outros faziam. Então, eles recebiam por comissão, ai eu acabei saindo de lá para arrumar outro emprego.
P/1 – Demorou muito pra procurar outro?
R – Não, não demorei não, logo, eu fiquei acho que uns dois, três meses sem trabalhar e ai, depois eu fui trabalhar numa drogaria, numa farmácia de entregador. Fazia entrega de remédio. Ai, nessa drogaria, eu fiquei um período bastante.
P/1 – E a Nestlé já tinha aparecido na sua vida, em algum momento?
R – Não. Bom, a Nestlé, ela me acompanhou desde pequeno. Essa é a parte que eu acabei não falando. Por quê? A minha mãe falava assim… até hoje ela fala: “Bom, era pra você
trabalhar na Nestlé mesmo”, porque todos os meus irmãos, eles foram criados com leite de vaca mesmo, leite… e eu não podia tomar leite de vaca, eu tinha que tomar o leite da Nestlé, então, eu fui o único criado, desde pequenininho mamando… alimentado pelo leite da Nestlé. Então, a minha mãe falou assim: “Quando eu deixei…”, parou de te amamentar, eu já tive que tomar o NAN. Então, ela falou assim: “Era pra você já… naquela época, você já vinha ai direcionado da Nestlé. Mas a Nestlé entrou na minha vida em 1996, quando eu estava trabalhando no Banco do Brasil, era estagiário do Banco do Brasil e o CESEC [Centro de Processamento de Dados]… eu trabalhava no CESEC do Banco do Brasil, tava pra fechar, ia fechar o CESEC, um dos meus gerentes do CESEC falou assim: ‘Olha, você vai precisar ir para Ribeirão Preto, tem uma atividade lá em Ribeirão, você precisa ir fazer essa atividade pra gente lá. Ai, eu fui e nesse meio tempo, eu conheci algumas pessoas lá, nesse convívio, conheci algumas pessoas e ai, eu comentando com um rapaz, que é o Marcelo Oliveira, ele falou pra mim, falou: “Olha, a Nestlé vai precisar de gente pra trabalhar. Se você quiser, eu posso levar um currículo seu lá”, falei: “Cara, isso é um sonho pra mim, entrar na Nestlé”, puxa, uma empresa que parecia uma maravilha. Ai, ele levou meu currículo lá, ai eu falei pro meu gerente, falei assim: “Olha, eu já levei o meu currículo lá na Nestlé de Ribeirão, e provavelmente, eles devem me chamar para fazer entrevista.”, ai ele falou: “Puxa, que maravilha cara, porque já que vai fechar o banco, vai fechar o CESEC aqui na cidade, então, pelo menos, você já vai estar empregado”. E foi muito engraçado, porque a pessoa que me contratou, hoje ele é o meu gerente, Luis Carlos Gibello e ele começou a falar pra mim: “Mas você trabalha no Banco do Brasil. Você não pega peso lá no banco, lá é só relatório, computador, ar condicionado. Aqui, você vai vim trabalhar no depósito. E ai, como é que vai ser?”, eu falei pra ele na época: “Bom, pelo o que eu conheço e pelo o que eu sei da Nestlé, a Nestlé é uma empresa que te oferece condições, basta você buscar. Então, eu estou… se eu conseguir esse emprego, eu estou entrando aqui hoje pra trabalhar no depósito, para catar caixa, separar produto, mas se você me der a chance, eu vou buscar a oportunidade de crescimento aqui dentro da empresa, já que ela oferece isso, eu vou me esforçar pra ter essa oportunidade”. E ai, então, entrei dia primeiro de abril de 1996 eu entrei pra Nestlé.
P/2 – A essa altura, você já tinha terminado seus estudos, você falou que você parou, já tinha voltado a estudar?
R – Já. Já tinha… não, não tinha terminado, eu tinha iniciado, mas ai eu parei pra… tinha parado, ai pra entrar no CESEC do Banco do Brasil, eu tive que voltar, então, foi onde eu fiz a contabilidade e ai, eu tava finalizando já os meus estudos. Estava finalizando. E ai, eu entrei na Nestlé e de lá, de 96 pra cá, foi só sucesso, só alegria, porque como eu disse, a Nestlé, realmente, ela te dá condições, ela te oferece oportunidade, basta você buscar. Então, eu comecei a estudar, terminei a contabilidade, fui fazer logística, me formei em logística, ai eu fiz pós-graduação em gestão de pessoas, acabando gestão de pessoas, fiz MBA em gestões estratégicas de negócios, também tudo voltado na área que eu já estava atuando, por quê? Porque como eu disse, eu comecei no depósito com seis meses de Nestlé, eu já tive a minha primeira promoção, com um ano, eu tive a segunda promoção, então, as coisas foram acontecendo muito rápido e eu tinha que buscar esse conhecimento, eu tinha que buscar essa forma de estar melhorando esse meu conhecimento dentro da empresa, né?
P/1 – Como é que foi, você saiu de Araçatuba e foi pra Ribeirão, então, que era Ribeirão, você falou?
R – É. Era em Ribeirão, mas não, nesse meio tempo teve ainda uma… teve uma mudança, eu mudei pra Araraquara nesse meio tempo. Eu, de Araraquara, porque eu fui para o Banco do Brasil em Araraquara, ai de Araraquara que eu fui pra Ribeirão.
P/1 – Como é que foram essas mudanças?
R – Olha, de Araçatuba para Araraquara foi um pouco assim, eu quase desisti, porque eu era muito novo. Eu quase desisti. E ai, as coisas assim, não aconteciam, não estavam acontecendo as coisas pra mim em Araraquara e ai assim: “quer saber, eu vou voltar para Araçatuba porque…”, quer queira ou não, eu fui sozinho, foi eu e mais ninguém, eu tinha uma tia só que morava lá, e ai, eu pedi pra ela deixar eu morar lá, porque eu fui tentar… eu jogava bola em Araçatuba, ai eu tive uma transferência de Araçatuba para Araraquara, ai eu joguei só quatro vezes lá na ferroviária de Araraquara e ai, eu parei, falei: “Não quero mais saber de futebol”. Ai, eu fui atrás de emprego, de trabalhar, ai onde eu entrei no banco, mas só que eu fiquei pouco tempo, porque já ia fechar, era uma parte que fazia um trabalho para o banco e eles já estavam encerrando as atividades lá. Então, foi onde surgiu essa oportunidade lá na Nestlé. Ai, eu vim de Araraquara pra Ribeirão. Mas, legal que eu trabalhei em Ribeirão somente quatros anos e meio na Nestlé, e ai, depois, nós viemos para Cordeirópolis, então teve mais uma mudança, mas que essa dai já foi menos… como eu posso dizer? Menos traumática, por quê? Porque ai, a família já estava acostumada: “a gente já mudou de Araraquara pra Ribeirão, agora de Ribeirão pra Araras, então vai ser mais tranquilo”, e os filhos ainda eram novos, então, não teve tanto problema…
P/1 – Você tá falando da sua família já, sua esposa e seus filhos?
R – Isso. Porque foi… que eu comecei a construir em Araraquara.
P/1 – Você lembra como você conheceu ela?
R – A minha esposa? Foi bem legal, também. Porque assim, como eu disse, eu jogava futebol, e pra mim, não queria nada muito sério, nada dessas coisas, era a vida da noite, jogar bola, não ter compromisso, essas coisas assim mais… e a minha esposa, ela ia na igreja, Igreja Evangélica. E ela passava lá onde eu morava e ela falava pra mim assim: “Vamos na igreja comigo”, eu: “Pode deixar, um dia eu vou, pode ficar tranquila que um dia eu vou”, e ai, nunca que eu ia, isso foi um ano passando por isso. E ai, um belo de um dia, eu tava lá assim, falei: “Quer saber? Eu vou na igreja com essa moça ai”, peguei, fui na igreja com ela, ai a gente passou a se conhecer tal, conversa vai, começamos a sair, nós tínhamos algumas amizades em comum, algumas amizades em comum e nas noites que a gente tava junto,… a gente começou a sair, tal, e ai um dia, ela começou a contar do namoro dela, da vida dela, começou a falar pra mim e eu comecei a aconselhar ela: “Faz isso, faz aquilo, faz desse jeito, faz tal…” e acabou surgindo que um dia, nós… uma amiga nossa que ia casar, convidou a gente pra ser padrinho de casamento deles, ai iniciou tudo ali, dia 14 de dezembro. Ai, nós fomos padrinhos de casamento, saímos da festa que eu ia levar ela embora, ai cheguei perto da casa dela, falei… chamava ela de companheira, falei: ‘Olha, companheira, vai lá então, amanhã a gente se vê, bate um papo, tal”, ela falou assim: “Mas, você já vai embora mesmo?”, falei assim: “Eu vou…”, já são onze e meia, meia-noite, aquela coisa de…”…e a sua mãe já vai sair no portão”, ela falou assim: “Não, vamos bater papo”, ai ficamos conversando, conversando, e vai, conversa vem, e ai: “Ah, eu percebo que eu acho que você gosta de mim”, ela falou, ai eu falei assim: “Será?” “Eu acho que sim”, e ai, naquele dia sai de lá e fiquei pensando: “será que eu tô gostando da Sandra”, hoje minha esposa, e realmente tava. Ai um dia, nós saímos pra andar, ela queria comprar uma… hoje, Honda Bizz, mas na época; como é que chama aquela moto? Vespa. Ela queria ter uma Vespa, ai eu fui lá, comprei e dei uma Vespa pra ela e ela falou assim: ‘Olha, mandei fazer a revisão na Vespa, a Vespa tá uma beleza, vamos dar uma volta comigo”, ela quase me matou (risos), eu não gostava, eu gostava de moto, mas não de andar naquilo, e ai ela: “Não, vamos andar, vamos comigo que você vai gostar”, falei: “Então tá”, andamos um quarteirão, eu só lembro que eu falei assim: “Meu Deus, vai bater”, acordei no hospital. Fiquei na UTI [Unidade de Tratamento Intensivo], acho que quatro dias, porque eu bati a cabeça, foi um negócio… e ai, o pessoal começou a brincar, falavam: “Quem bateu a cabeça foi a Sandra”, porque ai ela acordou, ela falou assim: “Quem sou eu?”, falei: “Você é minha namorada”, eu enganei ela (risos), mas não foi, ai eu fiquei esses dias internado, ai quando eu sai do hospital, falei pra ela: “Poxa, você quase… queria me matar?”, ela falou assim: “Não, é que eu queria ter certeza, agora eu tenho certeza. Você realmente gosta de mim”. E dai pra frente, começamos a namorar…
P/1 – Ai que bonito!
R – Mas é uma história assim… muito interessante.
P/1 – Ah legal! E os filhos vieram logo em seguida do casamento?
R – Veio. Nós casamos em 96, a Ana Gabriele nasceu já em 97, logo em seguida já veio já a primeira filha. Eu até falo, né: “A segunda foi planejada, mas a primeira não foi não”, e ela ficou muito brava comigo, porque ela disse: ‘Poxa, já casamos e já tivemos filho”, falei assim: “Mas, quem que esperava, né?”, agora a segunda chama Isabela, tem seis anos de diferença da Ana Gabriele e é uma benção, uma alegria dentro de casa.
P/1 – Dai, você falou que foi pra Cordeirópolis e ai, que o Programa Nutrir aparece na tua vida também?
R – Exatamente. Quando… eu cheguei em Cordeirópolis em 2000, nós nos instalamos lá na cidade e logo em seguida, eu tive o convite do nosso chefe de RH, que hoje não está mais entre a gente, que foi o Rui Burilo e ele me fez esse convite, falou assim: “Olha, eu vejo que você… eu sinto em você que você é o cara que gosta dessa área de responsabilidade social, de estar envolvido na comunidade, tal, a Nestlé está lançando um programa, que é o Programa Nutrir e eu gostaria muito que fosse um dos coordenadores do Programa”, ai eu passei a conhecer o programa, tal e falei pra ele: “Olha, Rui, eu aceito esse desafio, eu quero… vou entrar no Programa Nutrir”, e tô até hoje, há 14, 15 anos. E o Nutrir, pra mim, ele foi uma escola, que é o que eu falo para os voluntários hoje da unidade: “Todos nós temos dentro de nós a necessidade, a espontaneidade de estar ajudando. O brasileiro, ele já tem isso no coração, basta você ter uma oportunidade”, e a Nestlé, ela oferece isso pra gente através do Programa Nutrir, ela oferece a oportunidade de você passar a compartilhar, você compartilhar o seu conhecimento, você também compartilhar o conhecimento de outras pessoas, porque quando se fala do Programa Nutrir, você não vai lá somente para ensinar, você acaba também aprendendo e aprendendo muito com eles, com as pessoas, com a comunidade. Tem muita coisa que a gente vai para passar pra eles e você acaba voltando com alguma coisa a mais daquilo que você já sabe, né? Então assim, pra mim, o Nutrir, ele… quando eu conheci, foi um desafio, era um desafio, por quê? Porque eu tinha que coordenar, eu tinha que liderar e não tava muito ligado às minhas atividades, então a gente… pra você convencer, pra você fazer com que as pessoas abracem, que elas comprem aquela ideia de que você… de que aquilo vai ser bom, leva um tempo. Mas como a Nestlé estava envolvida e ela estava dando aquela oportunidade, se tornou bem mais fácil e ai, assim, nós iniciamos o nosso trabalho no bairro Eldorado lá em Cordeirópolis, onde nós não tivemos uma sequência, porque o pessoal não entendeu assim, o intuito, o objetivo do projeto, eles não tinham entendido porque eles achavam que nós entrando lá no bairro, que nós teríamos que dar: “Quantos leites vocês vão dar pra gente? Quantos biscoitos vocês vão dar?”, então assim: “Não, esse não é o intuito, esse não é o objetivo do Programa. O objetivo do programa e vir aqui, é falar de uma alimentação saudável, é trazer conhecimento para vocês de forma de aproveitar o alimento 100%, é estar preocupado com a obesidade infantil, da desnutrição”, e nós não tivemos esse trabalho terminado dentro de Eldorado. Mas logo em seguida, nós fomos para um bairro que abraçou o projeto que é o bairro do Cascalho. Ai, nós chegamos lá e como eles já tinham ouvido falar do programa, nós chegamos, apresentamos para escola, apresentamos para o pessoal, ai sim, eles abraçaram o projeto durante quatro anos e ali, foi onde nós marcamos, fizemos a nossa marca na cidade de Cordeirópolis. Cascalhos, nós fizemos esse trabalho junto com o padre Botteon, que era um dos líderes da comunidade e ai, ele nos levou pra escola, falou assim: “Então, o projeto vai ser aqui na escola e tudo o que vocês precisarem, vocês podem procurar, que nós vamos dar esse suporte pra vocês”, e realmente, foi assim, foi um trabalho… que até hoje é referência pra nós, pra nós, além da gente desenvolver todo o nosso conhecimento, nós também fizemos com eles uma horta, uma horta orgânica e foi muito interessante essa horta porque a princípio, era de fazer a horta pra comunidade. E logo depois… não foi pra comunidade, essa horta, ela foi pra escola, porque tudo o que era produzido lá, ia pra merenda escolar. Ai, o prefeito, o pessoal acabou vendo e gostando da ideia, fez em outros locais, então eles começaram a ter várias hortas orgânicas, hortas comunitárias, onde eles faziam entre eles, a troca dos itens que ali eram produzidos. Isso iniciou com a gente e nós fizemos também, algumas mudanças na escola para alimentação, do ambiente onde eles estavam e esse trabalho da horta, tem uma coisa que me marcou muito, que um dia, eu tava fazendo uma palestra pra eles, sobre a horta e aquele dia estava falando somente com os pais e logo em seguida, nós pedimos para chamar as crianças, que esse trabalho, ele é feito separado, então a gente primeiro, de forma lúdica, nós trabalhamos com as crianças e de forma mais informativa e mais direta, a gente trabalha com os pais. E ao chegar todas as crianças, nós começamos a falar da horta, eles estavam todos empolgados, porque eles também iam lá na horta, então quem plantava eram eles, quem cuidava das coisas eram eles e essa coisa que me marcou foi que eu cheguei para um dos meninos e perguntei pra ele o quê que ele queria ser quando ele crescesse, eu falei pra ele assim: “O que você vai ser quando você crescer?”, ele virou pra mim e falou assim: “Eu vou ser horteiro”, ai todo mundo deu risada e eu falei: ‘Que legal que você vai ser horteiro e não arteiro. Mas por quê que você quer ser horteiro?”, ele falou assim: “Meu pai trabalha na roça, meu tio aqui aprendendo a mexer com horta, dá tanta verdura, dá tanta verdura que eu também quero fazer, quando eu crescer, eu vou ser horteiro”, então assim, em vez dele falar que ia trabalhar com horta, falou: “Vou ser horteiro”. Então, isso pra nós… eu usei como exemplo, falei gente: “Tá aqui. O que nós fazemos pra eles é o que fica marcado”. Então, pra ele, ele não pensou em trabalhar na escola, ele não pensou em ser um jogador ou… ele pensou naquilo ali: “Quero mexer com horta, quero trabalhar com horta também, assim como meu pai trabalha e meu tio aqui aprendendo, eu também vou trabalhar com horta”. Então, isso ficou muito marcado pra mim nesse trabalho que foi feito ali no bairro do Cascalho.
P/1 – Você lembra como que foi o contato com o padre, a primeira vez, como é que vocês conseguiram chegar… é padre… como é que é o nome dele?
R – Padre Botteon. Primeiro, nós fomos na escola… na escola, não, nós fomos na comunidade, porque o programa, ele era desenvolvido na comunidade, no centro comunitário, algum local que tinha ali da sociedade e nós, em Cordeirópolis, nós fomos na escola, nós que iniciamos o trabalho na escola, porque nós pensamos assim: ‘onde que tá a criança? Tá na escola. Então, a gente tem que buscar fazer isso de forma que a gente não vai tornar o trabalho maçante pra eles, que ele já passa o dia todo na escola, sentado, tal, nós vamos buscar alguma coisa diferente’. Ai, nós fomos nessa comunidade, ai nós chegamos lá nessa comunidade e fomos atendidos pelo padre Botteon e ai nós falamos pra ele que a gente tinha e que queríamos trabalhar com ele… ai, ele falou: “Então, se vocês têm intenção de trabalhar com as crianças e eu tenho uma escola aqui próxima”, que era bem do lado. Ai, ele levou a gente pra conhecer a escola. Ai, nós falamos: “Ah, é aqui mesmo, a estrutura é boa…” “Então, fiquem à vontade, que vocês vão trabalhar, mas o salão da comunidade também está aberto”. Então, a gente utilizava a escola e também utilizava a comunidade, a gente tinha essa liberdade junto dele. E o interessante da parceria com ele é que ele realmente, ele fazia as coisas acontecerem, por que qual que era o nosso objetivo? Além de você levar a informação, era de fazer com que o prato saudável, o alimento saudável, ele fizesse parte do cotidiano das pessoas, então, ele inseriu isso dentro da escola, então uma vez na semana, um dos cardápios era referente ao Nutrir. Então, isso pra nós, foi excelente, porque nós falamos: “Aqui, realmente, o nosso trabalho vai ter visibilidade e nós vamos alcançar o nosso objetivo”.
P/2 – E o processo da escolha do bairro e da cidade, você enquanto coordenador, você que decidiu, você debateu com os outros voluntários?
R – Foi. Inclusive nós estamos fazendo agora esse processo, nós estamos fazendo agora esse processo, e interessante que nós estamos voltando aonde não deu certo, nós estamos voltando lá no Eldorado para fazer que deu certo, nós não desistimos de Eldorado. Então, como que é feita essa escolha? Quando nós chegamos, além de visitar Cascalho, nós visitamos mais três escolas. O quê que faz com que você tome a decisão? Porque Cordeirópolis é uma cidade pequena e ela é muito bem assistida pela prefeitura, porque eles têm uma arrecadação recorde de imposto, tem uma arrecadação muito boa, então quando você fala de educação em Cordeirópolis, você tem escolas que já têm laboratórios de informática, biblioteca e quando nós visitamos Cascalho que ainda estava sem essa estrutura, Cascalho não tinha essa estrutura, por ser uma escola ou um bairro afastado do centro ali de Cordeirópolis, ele não tinha toda essa estrutura. Então, nós falamos: “Olha, ali vai ser a oportunidade de nós mostrarmos pra ele o quê que uma comunidade pode fazer”, então por isso que nós escolhemos. Porque as outras escolas que nós fomos tinha já, então tinha uma boa estrutura, era um pessoal assim, uma comunidade carente mas não tão carente quanto ao pessoal de Cascalho. Então, isso fez com que nós decidíssemos trabalhar com Cascalho. E foi bem interessante, nós fizemos muitas mudanças lá, muitas mudanças, positivas junto com o padre e também, com a Secretaria da Educação. Então, pra nós, essa escolha de Cascalho… como eu disse, pra nós, hoje, quando se fala de Nutrir, é em Cordeirópolis, Cascalho. Não que depois… nós trabalhamos quatro anos lá e fomos pra outra escola, então na hora que nós chegávamos, era assim, todo mundo queria: “Ah, eu quero Nutrir aqui na minha escola”. Pra essa agora mesmo antes de decidir, pessoal ligando pra gente: “Vocês terminaram lá na malha, não dá pra vocês começarem aqui com a gente?” Ai nós explicamos: “Não, nós vamos fazer a visita, a gente vai estar…”, então, ai nós decidimos, nós decidimos voltar lá pra essa escola, por quê? Porque é um bairro que realmente precisa que a gente faça o trabalho diferenciado ali.
P/1 – E por que a horta?
R – A horta, a princípio, por ser um bairro rural, era um bairro rural, tem bastante chácara ali por perto, mas nós havíamos pensado na horta como sustentabilidade para a comunidade, deles estarem vendendo todo aquele produto, o que era produzido lá, eles venderem, eles terem uma fonte de renda extra para eles. A ideia era até de montar uma cooperativa, mas ai, acabou… como nós mudamos no decorrer do tempo, mudou o foco, que ai passou a produzir para a própria escola, então, o que sobrava repartia ali para a comunidade. A ideia da horta era pra isso, era para que eles tivessem uma fonte de renda ali pra escola, para a comunidade, para o pessoal mais carente. Por quê? Porque o padre, junto com a comunidade dele, eles já faziam esse trabalho social de estar ajudando, entregando cesta básica, fazer esse trabalho social, então a ideia nossa era: a gente não tem cesta básica, mas nós vamos oferecer pra você a condição de vender, esse dinheiro vem para vocês aqui e vocês podem comprar cesta básica, podem comprar remédio, o que for viável para atender a comunidade.
P/1 – Além da horta, o quê que vocês fizeram? Que ação que vocês fizeram?
R – No Cascalho, nós fizemos a horta e algumas atividades extras, nós começamos a fazer passeios ciclísticos, então assim, acabou… nós fizemos dois passeios ciclísticos com a cidade e que depois, eles tomaram isso como rotina, então, vira e mexe, eles fazem lá, a escola faz esse passeio ciclístico. E nós também fizemos uma parceria com o NEPA, que é a Nestlé, ela já tem esse parceiro, que é de montar uma organização, um centro de catadores e nós levamos isso também para Cordeirópolis, porque lá eles tinham os catadores, mas era cada um por si, então, pegava, vendia pra um… e a Nestlé, em conjunto com o NEPA, ela formou a cooperativa, então nós… eu fui atrás do responsável lá da área social da prefeitura, buscamos saber onde que funcionava esse galpão, eles nos informaram: “A gente tem um galpão, mas o pessoal… é difícil de se organizar e tal”, e ai, nós conseguimos fazer com que eles se tornassem uma cooperativa. Qual que é a maior dificuldade disso? Porque é assim, as pessoas pensavam assim: “se eu cato e vendo, eu ganho tanto. Se eu catar e levar pra lá, eles vão vender e ai, quanto que é que eles vão me pagar?”, então tinha essa desconfiança. Então, junto com o NEPA foi feito um trabalho de conscientização, foi mostrando pra eles, nós tivemos apoio do NEPA até nas documentações, então tudo que documento, eles foram lá: “Olha, tá aqui”, e eles queriam fazer somente com cinco, seis famílias, só, eles não queriam abrir com muito mais gente, eles queriam ficar só eles, senão não iam ganhar. E ai, nós conseguimos fazer com que atendesse mais famílias, eu não tenho agora, o número correto, mas acho que nós chegamos a quase 20 famílias atendidas pela cooperativa e nós conseguimos mostrar pra eles que eles tinham um ganho maior e realmente, isso aconteceu, eles passaram a ter um ganho maior, a prefeitura passou a dar o trabalho de recolhimento pra eles, então eles passaram a ter mais visibilidade dentro da cidade, por quê? Começaram a fazer a coleta todo uniformizado, com carrinho padronizado, então, pessoal: “Opa, o negócio tá mais…”, até deixavam separado, certinho, eles só recolhiam, levavam pra lá, faziam a separação e uma coisa que nós cortamos era o atravessador, porque o que acontece? Ele coletava e ele vendia pra uma pessoa e essa pessoa ia vender pro outro, então, se custava cinco reais o quilo do resíduo, essa pessoa pagava três, dois e meio. Então, nós cortamos essa pessoa, então, ele vendia direto, então ele não vendia por dois ou três, ele vendia direto por cinco, então isso fez com que a fonte deles aumentasse. Esse também foi um trabalho que nós fizemos na cidade e também até hoje, ficou marcado em Cordeirópolis.
P/1 – E o esquema então, seria esse, vocês se reúnem e vão fazer uma pesquisa no local pra ver como que seria essa escolha, pra qual lugar vocês vão?
R – Pra qual lugar que nós vamos. Ai, a gente… nós fazemos essa visita, que sou eu, um dos coordenadores e também tem a Adriana que é a outra coordenadora, então de coordenadores somos dois e mais a Aline, que é chefe de RH [Recursos Humanos], que dá o suporte, dá o apoio pra nós, então assim, as decisões, as coisas que a gente vai fazer, a gente comunica ela, a gente deixa ela ciente e nós que saímos para fazermos essa visita, mas geralmente, a gente leva um ou mais voluntários juntos pra poder também opinar. A gente faz essa visita, a gente tem um formulário onde vai anotando a estrutura, como é que é a escola, precisa melhorar isso, se a gente for trabalhar lá, a gente tem que pensar nisso, pensar naquilo, tal e leva na nossa reunião e passa para o grupo: “Olha, nós visitamos tal escola, essa escola, ela tem toda a estrutura que a gente precisa, mas as pessoas, as crianças de lá não são tão carentes quanto a dessa”, então a gente coloca: “O quê que vocês acham?” “Não, vamos ficar com essa, que essa é a que precisa mais, porque estrutura, a gente precisa ter o mínimo, que depois a gente vai buscar, que o objetivo do projeto é fazer com que você desenvolva parceiros, então, você vai buscar ali junto a comunidade parcerias, melhoria na escola, uma coisa, outra, uma pintura, aquilo outro, uma mudança na secretaria, então esse é o nosso papel. Então, não adianta você ir para uma escola onde já tem tudo pronto, o quê que vai acontecer? Você vai lá só dar palestra, brincar e tal. O objetivo do projeto é fazer com que você desenvolva a comunidade onde você está, então por isso que a gente pega realmente entidade que precisa mesmo ser desenvolvida.
P/1 – E qual que é a relação do programa dentro de Cordeirópolis com a sede, fora da sede, com São Paulo, como que é isso, você tem que passar alguma informação, relatório, tem um limite de gastos ou não?
R – Sim, sim. Tem. A sede é o nosso ponto, o nosso apoio, eles dão apoio pra gente total, tudo o que nós vamos fazer, a gente tem que estar relatando pra eles, a gente tem que estar passando aqui pra nossa sede até para eles estarem aprovando e pra gente estar falando a mesma língua porque senão, um local trabalha de um jeito, outro local trabalha de outro, tal, então pra gente trabalhar tudo numa linha só. E as informações saem daqui da sede pra gente, o custo é passado daqui também, eles que passam pra gente: “O valor que vocês têm de folia é tanto”, a Folia Culinária, hoje tá tendo um valor de 780 reais. Então, assim, a gente tem esse valor pra estar fazendo as nossas atividades, mas às vezes, o que a gente tem que fazer? Até… quando eu falo… parceria, então a gente vai lá comprar o leite para fazer a Folia, vamos lá no mercado onde a gente sempre comprou e fala: “Vou comprar dessa vez tanto, o quê que dá pra você fazer mais barato pra gente?”, então, eles vão lá, dão uma melhoradinha no preço e isso já passando pra escola pra eles fazerem também, porque o objetivo do projeto é você trabalha três anos na escola, você leva o conhecimento durante três anos e depois, eles darem sequência naquilo que foi passado pra eles, né? Então, se você deixa ali uma base, deixa uma estrutura de apoiadores, de pessoas ajudando, então eles não vão ter muito que estarem indo buscar, porque os parceiros acabam ficando: “Programa Nutrir? Legal, a gente vai doar isso, a gente doa aquilo…”, então a gente busca muito isso, de estar ajudando eles a essas doações.
P/1 – E lá, em Cordeirópolis, na prática, isso aconteceu mesmo? Cascalho se desenvolveu sozinho, por exemplo?
R – Se desenvolveu e Cascalho até o final do ano passado, quando eu tive contato com a diretora, eles estavam… a cada dois meses, eles se reuniam junto aos pais lá, que eles têm o dia que eles têm que fazer a reunião, então, eles aproveitam esse dia, reúnem a comunidade, eles fazem a atividade deles…
P/1 – Mas você falou com a diretora por acaso ou existe um acompanhamento?
R – Não, tem um acompanhamento, a gente acaba conversando pra gente ver: “Aqui estão dando sequência, aqui parou, vamos tentar fazer alguma coisa”. Nessa escola que nós estamos terminando agora, eu marquei de voltar com eles agora em fevereiro para conversar com eles. Por quê? Quando nós finalizamos em dezembro, os pais, os professores pediram pra gente: “Mas e agora? Vocês não voltam mais?” “Não, a gente volta. A gente não volta com tanta frequência”. Então, eles querem desenvolver junto com a gente, um calendário para que eles deem sequência: “Vocês apoiam a gente que nós vamos continuar fazendo, nós queremos estar fazendo o programa aqui entre a gente”, então, a gente vai reunir com eles agora, fevereiro ou março para estar desenvolvendo junto deles ai uma forma deles estarem dando sequência no projeto.
P/1 – Então, conta um pouquinho mais de outras ações que você teve, você contou pra gente que se o Carlos Lemos não está, não tem agito, né? Conta algumas coisas importantes que você viveu, que você passou, que teve como marco.
R – Então, quando eu falo assim, é porque são as dinâmicas, que é bem legal que quando você está com os pais ali, tem aquele momento sério, claro, você tem que passar as informações, mas eu deixo bem claro pra eles o seguinte: “Olha, esse um dia que a gente vem aqui com vocês, essas quatro horas que nós passamos juntos é para que a gente esqueça as responsabilidades em casa e nós vamos aqui descontrair”, tá, então, quinze, vinte minutos lá, a gente passa receita, a gente leva profissional da saúde ou alguma pessoa pra poder falar com eles e acabando isso, a gente começa as dinâmicas, então eles ficam muito alvoroçados, falam assim: “O Lemos, ele sabe várias musiquinhas, ele sabe várias dinâmicas, então acabo aplicando com ele”, e sempre tem chegando um pai ou uma mãe nova, então no Programa, a criança tem que ir com um responsável, então, às vezes, vai a mãe, ai na outra folia, não vai a mãe, vai o pai, então é a primeira vez que ele tá indo, ai eles falam: “Lemos, é o pai, é a primeira vez que ele tá vindo. E ai, não vai batizar ele?”, então é onde a gente coloca ele lá pra fazer a dancinha, dança da pipoca, dança do trenzinho, e ai, eles ficam todos animados, tanto os pais, quanto as crianças, porque os pais, eles não veem a hora… se a gente levar pra eles somente informação, somente aquela coisa, aquele momento sério, eles ficam pedindo: “mas e ai? E hoje? Não vai ter uma dinâmica, nós não vamos fazer nada e tal? Então, é por isso que eu falo, que… o pessoal até fala: “Pra brincadeira, pra dinâmica, tem que ser o Lemos”, mas também tem outros voluntários, que eles acabam pesquisando e levando uns negócios bem interessantes e legais pra estar fazendo com eles.
P/1 – A dinâmica faz parte do divertir do programa?
R – Exatamente, que nós falamos do aprendizado de forma lúdica. Então assim, para os pais, quando você chega e fala pra eles: “Hoje, nós vamos falar sobre frutas”, ai ele fica pensando: “tá, vamos falar sobre frutas, quero ver o quê que ele vai trazer de brincadeira pra gente”. Ai, você vai, você leva a informação, você passa a receita, você faz isso, porque não sei se eu cheguei a comentar, o Programa… aquilo que é aprendido no dia, você faz o alimento. Então, temos que fazer um prato salgado, um prato doce e um suco nutritivo pra eles. Então, enquanto as crianças estão lá na quadra brincando, nós estamos passando para os pais e alguns já estão na cozinha preparando aquela alimentação. E ai, eles ficam imaginando, né: “bom, hoje de fruta, o quê que é que ele vai fazer pra nós, pra gente brincar?”, e ai, a gente: “Acabou? Tá tudo pronto?” “Tá tudo pronto” “Então tá, então agora a gente vai fazer a nossa dinâmica e eu preciso de três voluntários, três pais voluntários ou mãe pra vir aqui pra brincar”, ai eles falam: “Pô, mas só três?” (risos) “Não, gente, é brincadeira. Vai todo mundo. Então, vamos lá, vamos dançar de abóbora faz melão”, ai começa, ai vira aquela baderna. Então, você faz lá 15, 20 minutos de brincadeiras, tal, ai você percebe que eles saem dali com aquele sorriso, tipo: “puxa, que legal’, quase que tirando um peso das costas, pude brincar. Porque o que você percebe quando você está no dia a dia com eles é que às vezes, falta ter aquele toque do pai com o filho, da mãe com o filho, por quê? Porque tá cheio de coisa pra fazer no dia a dia, é a roupa pra lavar, é a casa pra limpar, é aquilo e aquilo outro e você acaba deixando de brincar, de fazer alguma coisa. E quando você faz isso com o pai e com o filho, isso vai pra casa também, porque ai o filho acaba fazendo dentro de casa, brincando e cobrando até, no caso da mãe: “Mãe, vamos brincar disso, vamos brincar daquilo outro”. E isso foi provado, nós perguntamos pra eles e foi provado que muitas coisas que eles aprendiam ali, que eles brincavam até mesmo de alimentação que é feita ali, eles acabavam fazendo em casa também, o que é o nosso objetivo.
P/1 – Teve alguma crise nesses anos todos que você passou ai, são 14 anos, né?
R – Quatorze anos.
P/1 – Teve alguma crise, algum momento que teve que parar, que não deu certo, em que momentos isso aconteceu?
R – Nós tivemos crise sim, como eu disse, no início, nós tivemos crise nessa primeira entidade, nós tivemos um período que não tava dando certo, eu tive incompatibilidade de ideias com a entidade, porque eles não estavam entendendo o nosso objetivo. Ai, nós ficamos ai acho que dois meses atrás de uma nova entidade até acertar pra ir pra Cascalho. Ai, depois, no meio… saindo de Cascalho e indo para nova escola, nós também tivemos um período meio conturbado em relação a voluntários, a gente tava tendo dificuldade em ter o grupo forte pra atender, porque lá nessa nova escola que nós fomos, a gente tinha um número maior de crianças e ai, com as mudanças de horário, de turno, essas coisas, a gente acabou perdendo alguns voluntários e ai, nós tivemos que dar uma… nós não paramos o trabalho, nós não paramos o trabalho, mas: “nós precisamos pensar em algo para atrair mais pessoas para estar nos ajudando, por quê? Porque o objetivo é você ter voluntários da escola e voluntários da Nestlé e ai, nesse tempo também, nós tivemos uma queda de voluntario Nestlé e uma queda de voluntario da escola. Então, começou a… e nessa escola, a diretora, ela era assim, bem participativa, mas ela… ela tipo: se a pessoa for, foi, se não foi, beleza, então, a gente cobrava isso dela: “Olha, você precisa fazer com que a pessoa participe mais, mostrar pra ela que é interessante, marcar reunião, a gente vem aqui, a gente fala com eles, tal”, mas ai, um pouco depois, conseguimos reverter ai essa dificuldade e agora, no fechamento que nós tivemos essa queda ai… esse término do trabalho, nessa escola, então, a gente também, teve ai uma evasão de voluntários. Mas eu acredito que assim, já voltando às atividades, porque tem muitos que já estão cobrando: “E ai? E a escola? Já tem o nome da escola? Como é que é?”, então, a gente já vai estar se reunindo na próxima semana pra estar passando e com certeza, o grupo volta fortalecido.
P/1 – Então, a tendência, finalmente é uma…
R – Você acaba tendo ai uma…
P/1 – Evasão de voluntários. Parece que não tá mais dando resultado…
R – Exatamente, porque assim: vai acabar em dezembro, já, né? Então, pessoal acaba: ‘já tá finalizando, daqui a pouco já vem outra escola e tal…’, então, dá uma… e a gente não pode deixar que isso caia.
P/1 – Qual que é a sua receita então, pra não deixar esse povo sair perto de você?
R – A receita… até tava comentando com a outra coordenadora, nós precisamos assim, o quê que a gente tem que fazer? Finalizou o projeto, nós não deixarmos finalizar, já ir com dois, três meses antes e procurar uma nova entidade. Então assim, nós falhamos nesse sentido porque na correria do dia a dia, lá, trabalho essa coisa e tal, e ai, nós acabamos: “Janeiro é ferias em escola”, então a gente pega janeiro, já corre atrás, já resolve isso, tal, mas por ser um ano de Copa do mundo, eles voltaram agora só dia 13 de janeiro e voltou só uma parte, eles não tinham ainda calendário, não tinha nada. Então assim, dificultou um pouco pra gente. Então, que sirva como alerta para o próximo, outubro, novembro, vai fechar? Vai, então outubro, novembro, a gente já começa a ir atrás de uma outra escola, para dezembro, quando você encerrar aqui, você já ter mais ou menos onde que você vai estar atuando ai nos próximos anos.
P/1 – Entrando numa parte mais reflexiva, sobre esse trabalho todo que você fez, você consegue fazer alguma relação desse plantar que você teve na sua infância, que você fazia os seus brinquedos, você falou muito da família e do contato, você consegue relacionar isso com o que você faz hoje no Nutrir, tem referências disso, isso fez parte da sua vida?
R – Sim, sim! Eu aplico muito isso, porque no Nutrir, a gente leva pras crianças o fazer, o fazer o próprio brinquedo, então, a gente tem algumas folias que são voltadas pra isso, pra ele desenvolver: “Vamos fazer um carrinho”, então, a gente leva alguns materiais recicláveis pra eles utilizarem da imaginação deles: “Faça o seu próprio carrinho, ou faça uma boneca”, então a gente leva isso pra eles, mas já pensando naquilo que eu passei, na minha infância. E em relação às pessoas estarem mais próximas, a gente observa isso, que eles não têm muito essa… quando você fala assim: “Criança carente”, quando você fala “carente”, não é carente somente de comida, de roupa, de dinheiro, é carência de um abraço, é carência de uma palavra confortável, sabe, carência de atenção, de você sentar no chão com uma criança e ouvir o que ela tem pra te dizer, isso é uma carência que às vezes, no dia a dia, na correria do trabalho do pai, da mãe, dos afazeres, como pai e mãe, você acaba não tendo esse tempo, esses cinco, dez minutos de ouvir, e isso, o Nutrir, ele tem feito com que a gente desenvolva isso na família, essa proximidade, então, nós fazemos atividades onde o pai ou a mãe têm que estar presentes, às vezes, a gente acaba não exigindo que o pai e a mãe estejam, porque às vezes, você tem famílias desestruturadas, onde o pai não está, o pai é separado e tal, mas a gente busca, se o pai não está, então tem mãe, tem vó, tem vô, vamos lá, vamos fazer esse momento entre a gente, estar reunido, estar junto, busca pessoas para falar diretamente a isso, profissional da área. Pra mim, tá bem claro de que tudo aquilo que eu passei na minha infância, o Programa Nutrir tem dado oportunidade de eu desenvolver isso nos dias de hoje.
P/1 – Se você pudesse resumir assim, em algumas palavras, como que é uma realidade numa escola antes do Programa Nutrir e depois do Programa, como que você chega, como que você é recebido e como que você vê essa situação, “abandonar”, ou melhor, deixar, um pouco mais de lado e como está nos finalmentes, depois desses três anos?
R – Quando você chega na escola, a crianças, eles ficam um pouco ressabiados, né: “o que esse pessoal vai vir fazer aqui?”, ai você dá a proposta pra eles, tal, eles tipo que: “ah, quero ver se vai ser isso mesmo”, então eles ficam meio que resguardado. Ai você nota que as crianças, por mais que eles… qual que é a brincadeira deles? É jogar bola, é correr, então é aquela correria desorganizada, aquele negócio, tal, correr no intervalo, aquela coisa toda. E quando você vê o Nutrir entrando, fazendo parte do dia a dia deles, já começa a mudar, por quê? Porque no Nutrir, nós levamos brincadeiras de roda, nós levamos brincadeiras onde sentam ali cinco, quatro pessoas e você faz a sua brincadeira, você brinca ali entre eles. Então assim, não tem aquela coisa muito que individual, muito corre pra cá, corre pra lá, aquela coisa totalmente desorganizada, o Programa Nutrir faz com que você brinque ali em conjunto, você leva um conhecimento de brincadeiras que eles não têm que começar a fazer parte do dia a dia deles, então isso pra nós é bem nítido, é bem clara essa diferença, quando a gente chega no dia nosso de fazer esse trabalho com eles, de quando você vai somente fazer a visita na escola e você vê lá o estilo, a forma como eles estão brincando, as coisas que eles estão fazendo. Isso é bem nítido claro assim, você percebe essa diferença.
P/1 – Na alimentação da escola também, que entra?
R – Na alimentação… ah então, hoje a alimentação da escola, ela já está mais direcionada para uma alimentação bem nutritiva, por quê? Porque o Programa Nutrir, ele levou o conhecimento para a comunidade, para os educadores também, teve um treinamento para todos os educadores e parte de merenda também, as merendeiras. Então, foi feito um treinamento na cidade inteira, isso foi em Cordeirópolis, em toda área onde tem Nestlé, esse conhecimento foi levado. Então, partindo dai, eles também fizeram algumas adequações no cardápio das crianças.
P/1 – E qual que você acha que é o significado desses 15 anos do programa para o Brasil, para nossa realidade tão carente em todos os sentidos, né?
R – Olha, a realidade, ela é… para essas pessoas, falando ali do nosso meio, é muito assim, aguçante de você ver que quando você chega com esse trabalho para eles, eles já estão esperando que algo diferente vai acontecer. Então, se eles estão esperando é porque algo já foi comentado sobre aquele trabalho e pra nós, como voluntário, isso não tem preço de saber que as pessoas estão ali te esperando para que você leve algo de diferente. Durante esses 15 anos que eu tenho ouvido e falado do Nutrir, quando se diz… eu só tenho ouvido coisas boas, só tenho ouvido coisas boas, o atingimento dos lares onde tem chegado, isso nós estamos em Cordeirópolis, mas nós temos trabalho em todo Brasil. Então, quando você ouve o pessoal de Caçapava, de São José do Rio Pardo, aqui, a própria Sede falando do trabalho, da forma como eles vêm atuando, a forma como eles vêm mudando conceitos e formas de atuação na comunidade, isso pra nós, assim, fortalece e faz com que a gente nunca deixe que essa luz se apague, porque a gente vê que o nosso trabalho, ele recompensa.
P/1 – Você tem algum sonho, você como Carlos Lemos com a sua família, tem algum sonho ai na tua caminhada?
R – Eu tenho. Tenho! Meu sonho… até vivo falando para o meu pessoal, para a minha família, eu queria ter condições de montar uma ONG [Organização Não Governamental], de montar um… tipo, quando era jovem, que eu era criança que o meu pai tinha o sítio, eu queria eu ter aquele sítio agora e ter um monte de criança que realmente precisa ter uma educação diferenciada, de ter um afeto, um carinho, coisas diferentes, eu gostaria de ter isso e poder proporcionar isso para essas crianças. Por isso que eu pego Programa Nutrir como base e vou até o final, porque essa é a oportunidade, já que eu não tenho essa condição de levá-los pra lá, então eu aproveito a oportunidade que o Programa Nutrir me dá e levo ai esse meu conhecimento, compartilho esse meu conhecimento com a comunidade.
P/1 – Quem sabe você consegue um dia, juntar o útil, compra aquela terra toda, põe o Programa Nutrir lá…
R – Seria ótimo, seria muito bom.
P/1 – Carlos, muito obrigada, pena que foi pouco tempo que a gente pode ficar aqui, parabéns pela sua história, muito bonita, parabéns pelo o que você faz.
R – Obrigado.
P/1 – Em nome do Museu da Pessoa e do Programa Nutrir.
R – Muito obrigado. Obrigado mesmo pela oportunidade de estar aqui trazendo, tornando público esse trabalho, mas eu digo que todo sucesso desse trabalho, ele não é dependente de Carlos Lemos e sim, de um grupo de voluntários que nós temos lá na unidade, lá no CD, onde eles abraçam a minha ideia, abraçam a ideia da Adriana, abraçam a ideia aqui do pessoal da sede e faz com que isso aconteça, porque eu deixo bem claro, não adianta ter o Lemos motivado, não adianta ter a Adriana motivada, se nós não tivermos um grupo motivado, se a gente não tiver um grupo disposto a fazer com que a coisa aconteça ali na comunidade. E também, vou mais longe, não adianta a gente ter um Carlos Lemos motivado, uma Adriana motivada, um grupo motivado e uma sociedade aonde ela não quer ser transformada. Então, nós temos que juntar tudo isso para que o resultado aconteça.
P/1 – Como que é o sobrenome da Adriana?
R – Adriana Frank
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