Depoimento de Alberto de Castro Guedes
Entrevistado por Cláudia Brandão e Pablo Daura (?)
Belo Horizonte, 21/09/2004
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº MCE_HV019
Transcrito por Écio Gonçalves da Rocha
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 – Beto, pra começar a gente queria q...Continuar leitura
Depoimento de Alberto de Castro Guedes
Entrevistado por Cláudia Brandão e Pablo Daura (?)
Belo Horizonte, 21/09/2004
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº MCE_HV019
Transcrito por Écio Gonçalves da Rocha
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 – Beto, pra começar a gente queria que você falasse seu nome, local e data de nascimento.
R – Meu nome é Alberto de Castro Guedes. Nasci em Montes Claros, em treze de agosto de 51.
P/1 – Nome dos pais?
R – Meu pai [se] chama Godofredo Guedes. Minha mãe, Júlia de Castro Guedes.
P/1 – Beto, qual era a ligação dos seus pais e avós com a música?
R – Meu pai, parece que o pai dele, acho que tinha, não me lembro muito bem não. É um avô meu. Eu acho que ele tocava sanfona, alguma coisa assim, mas eu não tenho muita informação. Como é que ele se chamava? Cazuza, Seu Cazuza. Eu só sei que ele tocava acordeom. Não sei se ele compunha.
Meu pai… Eu nasci em Montes Claros, meu pai nasceu em Riacho de Santana, sul da Bahia, aí ele mudou para Montes Claros. Eu nasci lá. Eu comecei a me ater com música ouvindo o Godofredo. Os amigos dele, no final de semana, [se] reuniam para tocar chorinho, valsa, samba, samba-canção, e ele tocava clarinete. Eles se reuniam no final de semana e eu ficava sapeando eles, escutando. Cresci mais ou menos nesse meio de roda de choro.
P/1 – Você tem irmãos?
R – Lá em casa somos oito, são cinco mulheres e três homens. Eu sou o mais novo. Acima de mim tem o Hélio, depois tem o Zeca, e aí o resto as mulheres. Eu não [estou] me lembrando muito da idade delas, mas os nomes são Estela, Maria Lúcia, Dolores e Tereza. Acho que a Dolores talvez fosse a mais velha, se não me engano.
P/1 – E algum é músico como você?
R – Lá em casa a Dola, lá em casa todo mundo é um pouco musical. A Dola tem uma voz muito bonita, eu acho. Outro dia eu tava até falando com o Bituca, comentei isso com ele. Ela tem uma voz parecida muito… Ela mora em Montes Claros, não tem muito a manha do inglês - não fala inglês, já parou de estudar há muito tempo -, mas eu acho que ela tem uma voz muito parecida com a voz da Aretha Franklin.
A Tê também é musical. Ela cantava no coral do Minas Tênis aqui em Belo Horizonte. O Patão, que é o Hélio, tocava comigo quando eu tinha um conjunto de cover dos Beatles, e o Patão tocava guitarra.
P2 – E a casa da sua infância, como era?
R – Eu nasci na Rua Rui Barbosa, perto do Mercado Central de Montes Claros, perto da Catedral. Uma Igreja muito grande, muito bonita.
Na infância, eu tinha poucos amigos em Montes Claros. O que a gente fazia mais era sair pra passear em riacho, essas coisas de caçar passarinho, aquela história de fazer bodoque. Mas eu mesmo… Tinha um amigo meu que era fera no bodoque. Aquilo a gente pensava que é fácil, mas não é muito fácil não, acertar passarinho com bodoque. E a gente ia caçar, tipo caçar mesmo. Caçava passarinho e depois fazia fritado. Uma rolinha assim, bem fritinha, é muito boa. Mas é isso.
P2 – Você lembra de outras brincadeiras daquela época?
R – Basicamente, era isso. A cidade parava muito cedo. Não tinha luz elétrica. Tinha uns geradores que pareciam duas locomotivas, que geravam luz até dez horas. Depois disso, a cidade dormia. Normalmente, os pais mandavam os meninos pra casa dormir e não tinha muito o que fazer à noite não.
Acordava de manhã, questão de aula, grupo escolar. De tarde saía, eu com uns poucos amigos que eu tinha, da minha rua mesmo. E era somente isso, não tinha outra diversão não.
Eu, mais tarde, comecei a me tocar que eu era modelo. Meu irmão, o Zeca, hoje é aeromodelista. Então tinha a Associação lá, igual a AMA, americana, American Modelism Association; lá é a Associação Monteclarense de Aeromodelistas. Eles se reuniam no final de semana. E meu pai, pintor também - músico, compositor, mas se virava também com pinturas e ferramentas.
(DEFEITO NO CD)
Aí tinha aquela coisa, comecei a tomar gosto pela pintura. Meu irmão tinha uns amigos, eu ia lá na oficina com o meu pai pra pintar uns ____. . E eu, depois desta história de sair para pescar, eu gostava também de pescar um pouquinho e caçar passarinho. Mais tarde eu comecei a gostar de aeromodelo, mas tinha uma coisa que era um pouco difícil...
(DEFEITO NO CD)
Montes Claros era uma cidade pequena, estrada de terra até Belo Horizonte. Então as coisas demoravam demais a chegar. Quem tinha aeromodelo ralava muito porque tinha que pedir, aí Belo Horizonte não tinha, tinha que vir de São Paulo. Mas a minha infância foi basicamente isto. Um pouco de mato e um pouco de aeromodelo.
P2 – E os amigos, você manteve contato com eles ou eles ficaram lá em Montes Claros e nunca mais?
R – Dessa turma de lá só tenho contato com… Tinha uma galera que era minha vizinha, bem próxima da minha casa, mas do outro lado da rua. E ela, eu me lembro que era minha mãe de leite - minha mãe não tinha leite, ela me amamentou.
Tinha uns outros camaradas também lá: Everaldo, Tóia. Esses nunca mais eu vi, tem muitos anos. O outro, o Ricardo, esse que até o mês passado eu estive com ele. Tinha uma data que eu não o via.
P/1 – Beto, com que idade você muda para Belo Horizonte?
R – Mudei para Belo Horizonte com nove anos.
P/1 – Você foi morar onde?
R – Eu mudei para BH e vim morar na Rua Tupis com São Paulo, perto do Edifício Levy. Pertinho da casa do Lô Borges. Coincidentemente, mudei pra cá e aí fiquei conhecendo o Lô, o Maurício, o Ié naturalmente. Quer dizer, a galera mais nova, os manos mais novos do Seu Salomão e Dona Maricota. E a gente ficou conhecendo, a gente era amigo de brincar.
Aqui em Belo Horizonte eu não me lembro de, a gente jogava um pouco de bentealtas. Tinha uma história de futebol que eu já ______ em Montes Claros. Porque Belo Horizonte tem Atlético e Cruzeiro, América, então a galera, os pais já começam a incentivar, ou pra um ou pra outro. Montes Claros era uma cidade que tinha um tal de Casemiro de Abreu e Ateneu, quer dizer, time de terceira divisão. E eu nunca… Em Montes Claros meus amigos não, era só pescar e caçar. Ninguém gostava de futebol. Eu mudei pra Belo Horizonte, aí o Lô, a galera, já gostavam porque alguém, o pai ensina a ser cruzeirense, o outro atleticano.
Eles iam jogar bola; pra não ficar sozinho, eu ia. Aí ficava aquele desastre. De repente, na defesa, me botavam no gol - eu não sabia, eu já não gostava mesmo. Então, pra não ficar sozinho, eu ia jogar bola. Aí me botavam no gol. Aí a coisa piorava porque qualquer um que chegasse lá era gol na certa. Aí xingavam, tiravam, botavam na defesa. Daí a pouco já não me deixavam jogar mais. Então eu tinha essa coisa de…
Foi passando o tempo e eu lembro que a gente começou a descobrir uma coisa - a gente tinha uma coisa de entrar em cinema de graça: eu, Lô e o Maurício. A gente ficava estudando a arquitetura vizinha pra ver se tinha alguma janela que desse, alguma janela que dava no corredor, que desse na janela do banheiro do cinema. E a gente tinha aquela tática, a gente entrava quando o pessoal estava saindo. Mas essa era muito manjada, os seguranças já começavam a manjar a gente, aí não dava pra entrar mais.
A gente gostava muito de cinema, então eu me lembro que a gente começou a descobrir isto, janelas e o lugar. Eu me lembro que o Cine Tamoios em Belo Horizonte… Eu acabei descobrindo um lugar, tinha um lugar que chamava Leão das Louças. A gente subiu no prédio do Leão das Louças. Tinha uma coisa de revelação de foto. A gente entrava no banheiro dessa coisa, parece, no corredor do prédio, atravessava por cima do telhado do Leão das Louças e achou o tubo de ventilação do ar condicionado. A gente engatilhava por ele, aí dava, a gente achou o banheiro do Cine Tamoios. E, pronto, achava uma vez, era cinema de graça direto. Até que um belo dia alguém pegou. O segurança lá viu, aí foi aquela correria. Eu me lembro que tinha um, não sei se era o Flamingo (?) ou se era Boss (?), mais pesadinho; naquela correria toda parece que ele quebrou a telha do telhado e ficou pendurado em cima do teto do Leão das Louças. Acho que se tivesse caído lá seria interessante, em cima das prateleiras de louça. Então a vida era um pouco assim.
P2 – E as bandas, você já tinha uma banda em Montes Claros e aí depois formou outra em Belo Horizonte? Como é que foi?
R – O negócio da banda, depois desta coisa do cinema, do futebol, a gente… Eu já vim de Montes Claros tocando um pouco de violão. Prestava atenção no meu pai tocando, já tirava algumas músicas. Mais tarde, eu e o Lô… Eu me lembro que o Lô chegou uma vez e parece que tinha um compacto. Tinha saído aquele disco As Quatorze Mais, aquela coletânea com quatorze músicas do mundo. Tinha música italiana, música... E nessa, saiu esse LP que tinha essa “To love ________ I wanna _____(?)”. Acho que a gente viu aquilo. Mais tarde parece que saiu a “Heads Night (?)”.
Eu me lembro do Lô ter me convidado para ir ao cinema. Eu não tinha dinheiro, falei: “Ah, não vou não.” E mais tarde o Lô trouxe o disco.
No começo, eu não entendi direito a música. Tocou assim. Depois, a partir do momento que eu entendi também, eu virei um beatlemaníaco ferrenho. Comecei a escutar aquelas músicas, comecei a tirar, fui tirando.
Tivemos a ideia de juntar eu, o Lô, o Yé, irmão do Lô, e o Massacrino (?). A gente era um quarteto vocal, eu de violão. Ninguém tocava nada nessa época, o Lô nem ninguém. E a gente fazia rádio, fazia programa infantil de TV. Então, de vez em quando a Dona Maricota bloqueava. Falava: “Ah, vocês não estudaram.” E a gente tocava final de semana.
Lá em casa não tinha muito isso. O pessoal não tinha muito como me proibir das coisas, não. Eu ficava meio na eira, porque eu [estava] a fim de tocar e Dona Maricota pegava e não deixava o Lô nem o Yé, né, Dona Maricota? Nem o Lô nem o Yé tocar. Aí eu ficava p da vida. “Pô, mas que coisa.”
Mais tarde, eu estava morando aqui em Belo Horizonte, mas passava férias lá em Montes Claros. Foi aquela febre de Beatles. Eu me lembro que fui pra Montes Claros e de repente eles tinham uma banda lá. Meu irmão Patão, o Aroldo e o Ricardo ____. Com violão elétrico, uma bateria. E me lembro que tinha um contrabaixista lá, que o cara tocava tão pouco que eles botavam o amplificador dele quase que no zero, ficava só meio na figuração. Quando eu estava tirando essas músicas do conjunto nosso - The Beavers (?) que chamava. Foi o que nós achamos mais perto de Beatles, ‘os castores’.
Eu fui lá nas férias, em Montes Claros. Tirava o baixo no violão, só que eu sabia de cor e salteado tudo que é baixo do disco inteiro, aí cheguei lá. Eu tinha uns doze anos, por aí; me deram um baixo, saí tocando as músicas todas. Eles tiraram o Lelas do conjunto e me colocaram no lugar dele. A gente começou a fazer férias, férias.
Daí a pouco a gente… Teve um cronista social que, aquela coisa, tem dois. Eles detêm datas no clube mais importante da cidade, o Automóvel Clube, então eles criaram um programa, esse cronista social, aí chamou a galera. Eles têm o poder de ___ (?) a mídia local, jornalista. Fizeram um programa pra gente angariar fundos pra gente comprar uns instrumentos. Chamava Juventude em Brasa.
Eu lembro que a gente tocou. Lembro que eu tive problema pra entrar no clube. Tinha que pedir pro Juizado de Menores, porque tinha um problema com o juizado - eu era menor, não podia ficar tocando. E a gente fazia baile de nove até as três da manhã, quatro. Parece que alguém viu lá e eu sei que tive um certo problema para poder contornar esse juiz.
P/1 – Qual é o nome dela?
R – Esse colunista que eu me referi, que fez a festa pra gente comprar os instrumentos, ele que deu o nome pro conjunto. Ele chamou a gente de Os Brucutus. Eu me lembro que, na época, tinha um desenho animado, Os Brucutus. E eu acho que tinha também um negócio que parece que eles… Acho que tinha um suporte da antena do Fusca, a galera tinha a mania de desatarrachar aquilo, tirava os cabos e fazia um anel. Aquele trem feio pra danar, eu acho aquilo. Então ele, foi o Lazir Pimenta (?) que deu esse nome pra gente.
P/1 – Você nunca frequentou a escola de música? Você sempre foi autodidata?
R – É, sempre. Eu fiz até o primário em Montes Claros, comecei a fazer aquelas outras séries aqui em Belo Horizonte. E comecei a não tomar muito gosto pela escola porque eu lembro que… Hoje em dia eu gosto muito de matemática porque eu acho a matemática linda, a matéria, resolve as coisas pra caramba. Mas eu tinha um professor que era… O meu colégio era particular. Eram as famosas boates (?) que o pessoal chamava antigamente. Chamava Tancredo Neves o meu colégio, só que todo mundo chamava de Tancredinho.
Eu estudei um pouco ali. Parei um pouco porque o professor de matemática era militar, saía da Polícia Militar e ia dar aula lá. E o cara era bravo pra caramba, ele pegava no pé da gente. Eu me lembro que um dia ele entrou na sala e falou: “Olha, hoje vocês vão tratar de ficar quietos, que eu não tô bom não.” Eu, lá atrás, virei: “Olha, eu também não tô não.” Aí, rapaz, foi fogo, porque daí a pouco ele virou: “Quem falou isso aí?” A sala tá toda quieta. “Quem falou isso aí?” E a sala continua quieta. Aí ele abriu a caderneta: “Olha, eu vou dar zero pra galera toda”, aí eu tive que me apresentar.
Eu levei um zeraço daquele bem grande e mais a bronca dele. E ficou aquela história, o professor ficou no meu pé daí pra frente. Aí eu saí da escola e falei: “Olha, eu não quero mais saber desse trem mais, não.”
Encontrei o Lô, já tava tocando mesmo e comecei a estudar mais Beatles. Nunca estudei música, também não. Eu me lembro que a gente, eu, o Lô, começamos a estudar com o Toninho Horta, mas eu acho que a gente ia lá mais por causa do pãozinho de queijo da Dona… Meu Deus, como é que chama a mãe do Toninho, gente? Dona Geralda. Dali a pouco servia o café e essa hora que era a hora boa. Eu acho que a gente ia mais comer os salgadinhos da Dona Geralda do que estudar mesmo.
P2 – E esse episódio da patinete, como é que você...?
R – Teve essa história. Na verdade, quando eu conheci o Lô mesmo, foi por isso. Eu lembro que eu era meio calado, não era muito de fazer amizade. Quando o meu pai mudou pra cá ele trouxe a oficina junto - serra circular, tico-tico, esse material de marcenaria. Até aprendi um pouco a fazer marcenaria.
Meu pai trouxe a oficina pra cá, aí eu tava vendo o pessoal com patinete. Só que os meninos pegavam a tábua de qualquer jeito, pegavam um serrote lá qualquer e serravam tudo mal feito. Aí não, eu, com ______ paralelo lá na oficina, podia cortar a madeira na grossura que eu quisesse, na largura que eu quisesse, toda certinha.
Fiz minha patinete toda transada, com a junção do guidom com a mesa já de aço. Eu tinha furadeira, dobrava aço, furava, quer dizer, eu tinha como. Eu a fiz, pintei toda lindona.
Eu lembro que eu vim com minha patinete, aí o Lô viu, ficou maluco. Ele falou “Pô, cara.” Cismou com a patinete minha, queria porque queria. Eu falei: “O que você tem lá na sua casa, pra gente fazer um?” Falei que custava tanto. Ele falou: “Ah, não tenho dinheiro, mas tem umas coisas, tenho moeda estrangeira.” Aí eu cresci o olho. Eu falei: “Então é o seguinte, você tem dólar?” Porque eu tava doido atrás de um dólar de prata. Ele falou: “Eu tenho um dólar de prata. E tenho mais opção de moeda lá. Vou juntar e vou trazer pra você ver. Se você quiser, nós trocamos.”
Trouxe umas moedas, então me deu a primeira parte. (risos)
Hoje eu estive com ele, ele falou que não deu a entrada. Eu estava com o dólar de prata.
Época boa. Eu não me lembro de ter recebido, mas isso já faz… Outro dia ele ficou até bravo comigo, mas não liga não, né, Lô?
P2 – Você falou que você ouvia muito o seu pai tocando com os amigos. Você chegou a tocar com ele? Você acompanhava ele em algum momento?
R – Não. Eu me lembro que eu tava…. Depois eu comecei a olhar o panderista; achava muito bonito o pandeiro, sabe, queria tocar. Eles me emprestavam de vez em quando, mas é muito pesado. O pandeiro é um instrumento muito pesado, mesmo pra uma pessoa adulta tocar. Não é fácil, ele vai pesando. Ele é complicado. E eu queria tocar pandeiro porque queria. Um panderaço do cara assim, profissional.
Mas não tocava com meu pai, não. Eu me lembro que eu fiz um show uma vez com o Lô, aí eu me lembro dele ter dado uma canja. Entrou, pegou o clarinete e deu uma canja lá.
P2 – Voltando para a época de Belo Horizonte. No início, o que vocês ouviam? O que vocês gostavam de ouvir - além de Beatles, é claro. Tinha outra, ou era só Beatles?
R – A princípio era só Beatles, daí a pouco Rolling Stones também.
Eu comecei a andar mais, ouvindo mais coisas também. Herman's Hermits, a galera toda que veio atrás dos Beatles e Stones. The Fundation. (foundations?) The Byrds - adorava The Byrds. Mais tarde Hertz (?), Pink Floyd, Genesis, e vai seguindo por aí.
P/1 – Como você conheceu o Milton?
R – Nessa época que a gente fez o The Beavers, eu lembro, o Bituca já tava aqui em Belo Horizonte, morava na casa do Lô. E ele tinha um conjunto dele com o Marcinho, bossa nova e tal. Lembro que ele viu a gente num programa infantil que chamava Petlândia (?). Era um programa aos domingos, [às] dez horas da manhã, [na] televisão. A gente apresentava e o Bituca viu. Aí gostou mesmo, porque a gente ______ certinho as vozes dos Beatles.
Eu lembro que o Bituca queria que a gente cantasse também com ele no programa dele lá, mas cismou que a gente cantasse uma música brasileira. E na época eu tava cismadíssimo, não gostava de bossa nova de jeito nenhum. Eu era o único que sabia tocar violão, aí eu falei: “Não vou tocar essa música, não.” Não me lembro
qual era, mas eu tava muito bitolado em Beatles, então eu não queria ouvir mais nada.
Eu nem cheguei a ver o Milton falando. Ele convidou, mas não foi pessoalmente. Eu vim a conhecê-lo ele mais tarde, no Feira Moderna, que eu e o Lô escrevemos. Feira Moderna no FIC [Festival Internacional da Canção]. Ela foi classificada, aí nós fomos pro Rio, eu e o Lô. Tinha hotel lá e tudo, mas ele foi visitar o Bituca.
Nessa época, ele tava tocando com… Quem acompanhava ele era o Som Imaginário. Ele sabiamente falou: “Olha, é melhor o Zé Milton defender essa música pra vocês.” Porque, com certeza, a gente acostumado com cem, duzentas pessoas lá do Petlândia (?)... A hora que [a gente] encarasse o Maracanãzinho cheio de gente - era internacional o festival - a gente ia tremer na base. Então o Bituca, acertadamente, não deixou a gente. Sugeriu: “Olha, melhor...” Nós concordamos, o Som Imaginário defendeu.
A música foi bem. Não ganhou, mas ficou entre as oitavas de final. Foi uma coisa importante pra gente, pra mim e pro Lô.
P2 – E a partir de quando a música passou a ser uma forma de vida, uma profissão pra você?
R – Pois é, eu… A Claudinha estava me perguntando no que é que eu tinha trabalhado pela primeira vez na minha vida. Eu estava lembrando com ela uma coisa que eu me lembrei outro dia, por acaso. Tinha anos, não sei como eu fui me lembrar disso. Deveria ter algum brinquedo, alguma coisa que eu estava querendo; eu devo ter chegado pra Godofredo e pedido, aí ele falou: “Ah, não tem dinheiro.” Não sei o que era, não me lembro, mas deveria ser uma coisa que eu queria muito porque eu falei: “Ah, não tem dinheiro? Então peraí.”
Eu fui lá no jornal. E os meninos, a garotada vai no jornal, pega. Aí você chega lá, apanha um tanto de jornal, quinze ou vinte, aí sai na rua. Eu saía na rua gritando: “Jornal de Montes Claros de hoje.” Era assim que os meninos falavam.
Vendi uns dois dias; parece que o Godofredo descobriu, não gostaram muito. O filho dele vendendo jornal na rua. Mas foi a forma que eu achei. Não estava querendo me dar o… Não sei o que era, o meu presente, aí eu falei: “Agora eu vou trabalhar e vou comprar.” Então comecei a trabalhar assim.
Eu lembro que o Petlândia (?) não tinha cachê; eu lembro que a gente, eu e o Lô, a gente tocou na Rádio Inconfidência. Não me lembro o nome do programa, o Lô deve lembrar. O Yé também deve lembrar. A gente… O Gonçalo era nosso empresário. Nós ganhamos um cachê, o primeiro cachê que a gente ganhou. Não me lembro quanto, mas eu me lembro que foi o primeiro cachê.
Aí a gente fez aquele outro conjunto, Os Brucutus. A gente fazia bailes, a gente fazia shows pelo interior. Já ganhava alguma graninha com isso. Quer dizer, já comecei a trabalhar com música cedo.
P2 – Essa paixão pelos Beatles foi realmente muito marcante na vida de vocês. E qual a música que bateu mais forte dos Beatles?
R – Bom, depois da primeira, todas. Mas eu lembro que I should have known better. Eu lembro que o Lô trouxe um compacto e me deu.
Eu escutei aquilo uma vez, não entendi nada do que estava acontecendo. Botei mais uma vez. Falei: “Nossa, que trem esquisito.” Botei pela terceira vez, aí abriu minha cabeça. Nunca fiquei tão fascinado na vida com uma coisa como aquela.
P2 – Você se lembra de um trecho da música?
R - I should have known better? Todo mundo conhece, eu não. É aquela famosíssima, aquela da gaitinha.
P/1 – E essa habilidade em marcenaria, quando você construiu o primeiro instrumento?
R – Pois é, eu tinha construído a patinete que eu vendi pro Lô. Mais tarde eu cismei de fazer, esse me deu um trabalho, fazer um contrabaixo igual do Paul McCartney, um Hofner.
Fui indo, fui fazendo, fiz o corpo. Quando chegou no braço começou a complicar muito porque aí fugia ao equipamento do meu pai. E braço de instrumento musical, de guitarra, de baixo, é uma coisa muito complicada de fazer se você não tem ferramentas adequadas, mas eu me lembro que eu acabei fazendo.
Abandonei o baixo lá, só o corpo e aí fiz o instrumento. O meu pai, além de músico, ele fez um piano. Com aquele trabalhão todo, tendo que comprar a corda, até as cordas fazer. Ele teve que fazer uma máquina com roda, com pedal de bicicleta pra enrolar as cordas. Elas são, até certo ponto, cordas de aço liso. Depois elas são enroladas, as cordas, com cobre. Dá um terço do _____ para a esquerda. E fez o molde, fez tudo.
Não deve ter prestado. Eu me lembro, você (?) nem nascido era. Aí cismou de fazer outro e esse eu lembro que tocava. Eu não me lembro do som, se era muito bom, mas não sei, acabou sumindo o piano. Hoje em dia ele está lá, só a parte que a gente chama de cepo, que é uma parte de ferro fundido pesadíssima. Piano pesa mais cada quilo do que outra coisa.
Aí eu resolvi fazer um… Meu pai faz violão também. Pra quem faz um piano, violão é mole, então eu resolvi fazer um instrumento de três cordas. Eu me lembro assim: eu queria fazer uma coisa parecida com a cítara por causa do [Within you] Without You do [disco] Sgt. Pepper’s [Lonely Hearts Club Band]. “I’m talking about then (?), sei lá o que. _________ and the people”... (cantando). [É uma] música do George Harrison no Sgt. Pepper’s. Eu queria fazer um instrumento que fizesse um som parecido com a cítara. Acabei fazendo um tal instrumento com três cordas só. Depois de pronto ficou uma _________, aí eu ia jogar fora. “Agora vou jogar esse trem fora.”
O Lô me pediu de presente, eu dei pra ele. Eu até apelidei o instrumento de Co com Ca (?). Ele estava muito ruim mesmo. Eu não sei se o Lô ainda tem, se guardou.
P/1 – E como que era Belo Horizonte na sua juventude? A cidade, o que rolava?
R – BH era muito tranquilo, Belo Horizonte. A [Avenida] Afonso Pena era linda, toda arborizada. Aquele fixo (?) de um lado e de outro. Uma avenida assim tão bonita, com árvores imensas de troncos. E a gente tinha essa história, na infância, na adolescência. Eu já contei dos cinemas, do futebol.
Mais tarde, a gente começou a… Depois do conjunto, dos Brucutus, do The Beavers, o Lô começou a tocar violão, aprender - muito bem até, por sinal. E aí começou o Lô, em convivência com o Milton, a compor, bem antes do que eu.
Eu fiquei meio tímido pra compor. Mais tarde é que eu comecei a pensar em compor alguma coisa.
Chegou a época dos festivais; eu e o Lô tínhamos escrito [inscrito?] também pro Festival da Canção Regional. A gente escreveu [inscreveu], não me lembro. Eu fiz uma música com o Marcinho Borges chamada Quem Viveu no Mar. E eu lembro que tem uma foto minha e do Lô, a gente bonito, de chapéu; não sei o que a gente estava cantando. O Lô deve ter, se mencionou ele deve lembrar. Eu esqueci.
P2 – E os locais, onde vocês se encontravam?
R – A gente vivia naquela região ali do Feneramente (?) ali no centro da cidade. Tupisco (?) São Paulo, Igreja de São José. Lembro que a gente gostava muito de ficar ali no Pátio da Igreja, por causa das árvores. [No] Parque Municipal também, a gente gostava de remar naqueles barquinhos.
Mais tarde o Lô mudou pra Santa Tereza, a Dona Maricota abriu uma escolinha lá. Eu, eventualmente, ia pra Santa Tereza. Lá era mais só a casa da Dona Maricota mesmo. Quarto e violão. Não tinha mais nada de brincadeira, nem bola, nem futebol. Quer dizer, o Yé, ele _______. Eles são chegados numa bolinha, gostam de um futebolzinho. Jogam bem. O Lô joga até bem bola. E bola eu já vi que não é comigo.
Outro dia eu cheguei lá, tinha acabado de chegar pra visitar. Pego um ônibus, chego lá. Desci do ônibus, quando eu vim chegando veio a bola. Eu já vim logo nela, fui querer dar um cruzamento bonito. E a bola era do Tel, meu Deus do céu.
Eu dei um cruzamento horrível na bola. A bola bateu numa árvore, aquelas bolas de plástico. Furou. O Tel chorou. O Tel me odiou por um ano, sem falar comigo por causa da bola.
P/1 – E como vocês se vestiam, como era a moda? Como é que eram as roupas?
R – Ah, era calça jeans, calça Lee estava muito na moda. Eu me lembro de uma coisa muito linda que até hoje, eu não sei. A gente pegava camiseta Hering branca, pegava assim, puxava a ponta num lugar, dava um nó com barbante. Pegava em um lugar e outro, nas costas, aí tingia. Quando tirava o barbante ela ficava assim tipo umas coisas virtuais, muito lindo aquilo. A gente adorava fazer essas camisas.
E tinha a calça Lee. Eu lembro que eu comprei num brechó uma calça Wrangler. Ela tinha um desbotado lindo pra danar, um azul como eu jamais tinha visto. E era a única que tinha. Eu tinha um orgulho imenso daquela calça. Então a gente se vestia dessa maneira. Calça Lee, jeans.
P/1 – Você falou no Festival Internacional da Canção. Feira Moderna foi defendida pelo Som Imaginário. Que importância os festivais tiveram na sua carreira?
R – Eu acho que foi importante pra gente, pra mim e pro Lô. No começo assim, a gente colocar a canção na Rede Globo, nacional. A gente com quatorze, quinze anos. E a música ser classificada, chegar, passar, ir até as oitavas de final. Quer dizer, foi uma coisa pra gente muito legal.
P/1 – E como foi a experiência na Casa do Mar Azul?
R – Ah, pois é, foi uma experiência muito bacana. Eu me lembro que o Lô e o Milton mudaram pra lá. Eles estavam compondo, terminando as músicas do Clube da Esquina. E eu não compus nada, não compunha nessa época.
Basicamente o Lô me chamou de companhia mesmo, até porque a gente era amigo. Eu ficava lá curtindo o mar azul, a praia, aquelas manhãs maravilhosas de sol. Cada manhã de sol bonita naquele lugar. E fiquei acompanhando o trabalho deles, do Lô. Ficava conversando, brincando com eles. Volta a aparecer o Ronaldo. O Marcinho aparecia. O Jacaré de Três Pontas também chegou uma época, foi pra lá.
P2 – Eu tenho uma pergunta. Antes da gente entrar no Clube da Esquina, acho que ________ num ponto. Mas uma pergunta que ________. Quando vocês mudaram de Montes Claros para Belo Horizonte, seu pai você disse que ele trouxe todo o material de marcenaria. Ele montou uma oficina no apartamento ou vocês moravam numa casa?
R – Ele alugou uma garagem. Ele alugou uma sala na Rua da Bahia onde… Era um corredor, tinha várias salas grandes. Ele alugou uma sala e levava o material pra lá.
P/1 – E ele deixava vocês ensaiarem lá?
R – Ensaiar na oficina?
P/1 – É. Às vezes vocês se encontravam lá pra tocar?
R – Ah, não. Isso era fora de casa. Ele alugou uma sala longe. E a gente morava na Rua Tupis, perto do Edifício Levy. Aí a gente escutava em casa, tocava no quarto.
P/1 – Beto, como é o Clube da Esquina pra você?
R – O Clube da Esquina é esta história. É a história dessa amizade, dessa convivência de longos anos com o Marcinho, com o Lô, principalmente, começo. Com o Milton e todos mais, o Ronaldo Bastos. É a família, na verdade é uma família unida, que não se vê muito a toda hora, mas estamos sempre com o mesmo carinho um pelo outro, a mesma amizade.
P/1 – Como foi a gravação do segundo disco do Clube da Esquina? Como foi a sua participação?
R – Essa foi um pouco modesta, porque na verdade no primeiro eu participei. O Lô me convidou.
Eu me lembro que eu toquei bastante naquele disco. Toquei várias coisas. Toquei contrabaixo, bateria, guitarra, percussão. Toquei… Tem 22 faixas, acho que eu toquei em vinte, toquei praticamente o tempo inteiro. O Milton me convidou para fazer um vocal no Nada Será Como Antes, que foi uma coisa muito importante pra mim.
P/1 – Então no Clube Dois você acha que a participação foi...
R – No Clube Dois foi. Eu me lembro de ter… Não sei o que eu toquei.
Eu ia tocar uma bateria na música do Viva e Viver (?) e parece que… Porque eu não sou baterista. Eu tenho boas ideias, tenho bom gosto pra imaginar as coisas, o que o batera tem que fazer, mas eu não pratico. Aí eu lembro que eu falei: “Lô, então tá, vou tocar bateria nessa música aí. Pode?” “Pode.” Fui lá, comecei a fazer uma levada que tava muito legal, mas eu não estava conseguindo tocar, porque ela estava exigindo um pouco mais de técnica do que eu tinha. Aí eu acabei chamando ______. Eu falei: “O Lô, não ta dando pé, não tô dando conta não. Mas a _____ é essa aqui”. Chamamos Mário Castelo, que é um baterista que estuda, toca todo dia, aí ele faz com facilidade.
O resto… Eu não me lembro de ter participado de outra coisa. Não participei muito, não fui na gravação de nenhuma outra música. Passou muito um pouco batido pra mim o Clube Dois.
P/1 – Agora qual a diferença entre o primeiro e o segundo discos do Clube pra você, a começar pelos estudos e tecnologias diferentes?
R – Ah, eu acho que o Clube Dois… O Clube Um, como um todo, como música, eu acho que ele é mais bonito pra mim. E acho que, tecnicamente, [em] alguma coisa do Clube Dois, a gente contou com alguma facilidade - a gente, não, eles. A galera lá que dava a maior parte. De poder botar mais instrumentos, poder botar uma orquestra maior.
O Clube Um foi gravado em oito canais, quer dizer, é pouca coisa para danar. Oito canais tem aqui, onde a gente tá aqui. Quer dizer,
________________.
Eu acho muito bonito o Clube Dois. A qualidade. E acho que as pessoas também, estava todo [mundo] muito dado, todo mundo vestiu muito a camisa. Parecia que o disco era meu, era do Wagner [Tiso], de nós todos. Não parecia que era um disco do Lô e do Milton, a gente tomava aquilo como nosso. Acho que isto faz uma diferença, se você olhar do Um pro Dois.
O Dois ficou um pouco espalhado. Aquela capa maluca lá, eu não entendo, com todo o respeito. É boa. Dizem que teve um problema com essa capa. Uma foto inglesa dos meninos olhando lá embaixo, não sei o quê. Mas, enfim, não deixa de ser um belo disco. Vamos e venhamos.
P/1 – Qual música que você gosta mais?
R – Do Dois?
P/1 – Do Dois e do Um.
R – “Viver, viver”. Chama assim?
P/1 – É. “Viver, viver”.
R – O que foi feito ______ é do Dois? Se não é, me perdoe. Mas...
P/1 – Mas é a que você gosta mais.
R – Eu não tô me lembrando agora de mais música do Dois. Eu lembro pouca coisa dele. Ah, o “[Clube] da Esquina Dois”, gente, pelo amor de Deus. É maravilhosa.
P2 – Voltando pro Godofredo. Seus discos, você termina com um show do seu pai. Isso aí é um tipo de homenagem? Você quer falar sobre isto? Qual é o motivo que te leva a isso?
R – Eu me lembro de meu pai ter tentado seguir a carreira de músico. Eu lembro que ele sumiu uns tempos, foi pro Rio de Janeiro, por estrada de terra até Belo Horizonte. Um trecho de estrada de ferro até Barbacena, só depois de Juiz de Fora é que é asfaltado. Quer dizer, é longe demais. E ele com família em Montes Claros. Mas eu lembro que ele sumiu e foi no Rio gravar. Aí ele trouxe aqueles _____ de 78, aquelas. Tinha gravado duas músicas, não me lembro quais agora. Mas ele tentou, não sei se era Lamartine Babo ou se era… Não sei quem desses famosos.
P2 – Lupicínio Rodrigues...
R – Lupicínio. Ou então um outro ____. Tem essa galera.
Então era muito difícil, ele depois comentando que era difícil penetrar. Ninguém dava oportunidade, mesmo com as canções da qualidade do meu pai, que é pra nenhum Pixinguinha botar defeito.
Ele tentou e não conseguiu, e não podia ficar lá batalhando porque tinha família em Montes Claros. E eu sempre escutei, cresci escutando meu pai tocar, compondo ao longo do tempo. Quando eu fui gravar o primeiro disco, aí eu tive a idéia. Falei: “Olha, meu pai não conseguiu, mas eu vou colocar uma música dele. Em todo disco que eu fizer, vou colocar uma música dele.” E assim fui, fazendo, fazendo. Exceto [no disco] Andaluz: ao invés de gravar uma música dele eu fiz pra ele um choro; me inspirei no Wagner Tiso, que tinha feito Choro de Mãe, aí eu resolvi fazer o Choro de Pai e fiz pra ele. [No] meu último CD, lancei agora há pouco, ____ lugar. Tem uma música dele também chamada Lamento Árabe, muito bonita.
P/1 – E o Godofredo pintor de quadros e afrescos?
R – Ele também tinha essa coisa de tocar em cabaré; me lembro que tinha um cassino - oh, desculpe, era cassino. Cabaré é a mesma coisa.
Ele sempre tinha que se virar um pouco para poder segurar o orçamento da casa. E eu me lembro que às vezes a oficina dava uma parada e à noite, aos domingos, ele tocava no cassino de Montes Claros. Nessa coisa de compor… Também ele era um pintor clássico, pinta paisagens, mas também para se virar, aí é aquela coisa, tudo que... Às vezes, o cara quer pintar pára-choque de caminhão com aquelas frases, ele pinta. Por exemplo, “Açougue Santa Helena” - ele pinta lá uma vaquinha e pinta Açougue Santa Helena. Bota o endereço, faz essa coisa.
Ele era uma pessoa sozinha na cidade. Até fico assim, não entendo como deixaram passar tamanha oportunidade. Não acompanharam a sequência, a evolução. _____ Daí a pouco sai do pincel, não é mais no pincel com a paleta. Daí a pouco já começou a ser o acrílico, daí a pouco já começou a ser o néon, daí a pouco já começou a passar pro vinil. E ele, sendo uma pessoa que todo mundo conhece, além de músico e como pintor, deveria ter acompanhado a evolução. Silk screen ele chegou a fazer um pouco e podia ter se dado bem, mas eles lá não fizeram isso.
Eu segui com música. Eles deveriam, tanto o meu irmão quanto o outro mais velho, que seguiram a profissão também do meu pai. Pintam, se viram lá com esse tipo de coisa. Meu irmão agora tá mexendo com computador. Já deu uma melhoradinha. Ta mexendo com AutoCad, 3D Max.
P2 – E como era ele? Como você descreveria o seu pai? _________?
R – O Godofredo era calmo. Era uma pessoa tranquila, calmo. Gostava muito de assoviar, era o rei de assoviar. Volta e meia você pega o Godofredo, ele ta assoviando. (assovio) Pintando, assoviando.
P/1 – Beto, você gravou músicas com o Luiz Guedes. Vamos falar um pouco dele.
R – Pois é. O Lulu é meu primo, filho do irmão do meu pai, Coriolano, que era fotógrafo.
A gente cresceu em Montes Claros mais ou menos na mesma época, mas em Montes Claros eu não tinha muito contato com ele. Foi quando eu mudei pra Belo Horizonte [e] ele mudou pra cá também que a gente começou a… Depois de eu ter conhecido o Lô, aí eu comecei a encontrar com ele, [eu] o via compondo também. É um primo muito querido meu, uma pessoa muito… Um irmão que eu tive. Um cara que sempre gostou de mim, sempre teve o maior carinho comigo. Sou um eterno fã do Lulu.
P/1 – Antes de gravar seu disco solo, você dividiu um disco com outros três músicos: Toninho Horta, Danilo Caymmi e Novelli. Como foi essa experiência?
R – Foi uma coisa legal. Acho que foi um disco que abriu um pouco as portas para fazer mais tarde meu primeiro disco. Foi uma experiência legal: dividimos eu, Toninho, Danilo e Novelli, duas músicas pra cada um.
Eles estavam no Rio, eu morava em BH. A minha parte eu fiz com o pessoal do 14 [Bis], todo ele. E o disco não teve muito resultado, repercussão. Ele era um disco difícil de produzir, porque eu aqui e os outros lá. Enfim, não teve muita repercussão, foi esquecido, mas foi um disco importante pra mim, pro Toninho, pro Novelli, pra todo mundo. Abriu pra mim uma porta.
Logo depois, o Milton me chamou para cantar o Minas, que já era uma música bem… O LP chamava assim, já tinha um peso maior. Aí o…
P2 – Beto, A Página do Relâmpago Elétrico pode ser classificado como rock progressivo?
R – É, esse disco foi o primeiro que eu fiz. Muita gente toca junto comigo. O Flavinho, o Vermelho, Elí, o Robetinho, o Wagner Tiso, Toninho Horta, Danilo Caymmi.
Eu acho que é um disco assim… Eu acho que sim, acho que a gente, me parece que…. A formação da gente, minha e do Lô, do Flavinho, do 14 [Bis]... O Toninho até que foi mais pro lado _____, o Wagner. Mas não sei, a gente escutava muito Beatles, muito Yes, Genesis. A gente tem um pouco de rock no sangue sim, com certeza.
Eu comecei a escutar os choros lá no Godofredo, mas ao longo da vida fui escutando outras coisas também, música progressiva. ___ John McLaughin, James Taylor. A gente acaba tendo um universo de referências.
Eu acho que, com certeza, foi um disco que saiu... Na época, eu me lembro que a gente… Foi uma coisa muito bacana que aconteceu. Eu me lembro que na época tinha um jornal que fazia uma pesquisa a cada lançamento de disco. Era uma pesquisa popular e a outra uma pesquisa dos críticos, especializados em música. Só sei que esse disco que eu fiz foi o primeiro.
Eu me lembro que ele vendeu bem. Acho que vendeu uns sete mil, oito mil discos - ou mais que isso, dezessete, eu não sei. Não me lembro. Só sei que vendeu assim, eu não esperava, a companhia não esperava isso. E eu lembro que a crítica deu nota cinco no disco, a crítica profissional, e o público deu nota dez. Botou meu disco ____ no primeiro lugar.
Foi muito legal isso, foi muito legal ter vendido uma boa quantidade. E foi um disco importante pra mim, no começo pra minha carreira, o que me deu gancho pra continuar fazendo os demais.
P2 – E os demais?
P/1 – Vamos falar de disco por disco, Beto? Então vamos começar, não sei se está na ordem, mas depois o próximo foi Amor de Índio, né?
R – Foi.
P/1 – Então vamos falar um pouco do Amor de Índio.
R – Falar dos discos assim… Foi o segundo disco onde eu comecei a produzir junto com o Ronaldo - todos esses, A Página, o Amor de Índio, os que se seguem. Sol de Primavera, Contos da Lua Vaga, Alma de Borracha, Viagem das Mãos, todos esses foram produzidos por mim e pelo Ronaldo.
O Amor de Índio tem uma coisa interessante, que é aquela capa. Toda pessoa que que a gente mostrava a capa, eles sempre elogiavam a capa e elogiavam o momento da foto. Todo mundo fala: “Pô, você tava bem na foto”. Eu me lembro que o Caetano mostrou pra Betânia e depois veio contar que a Betânia tinha gostado muito da foto da capa.
Essa foto foi tirada lá em Mar Azul, na época que eu estava lá de apoio logístico, ajudando o Lô e o Bituca a terminar o Clube da Esquina Um. Eu me lembro que uma bela manhã eu tinha acabado de acordar, estava meio frio. Tomei café e fui lá pra janela, comer coco enrolado no cobrilê (?). O Cafí (?) tinha chegado para visitar a gente, aí ele fez aquela foto.
Depois veio o Sol de Primavera, que tem uma coisa curiosa porque eu também fui muito amigo… Foi meu amigo que fez, o Gilbertinho de Abreu. Eu me lembro que eu estava indo para a casa de um amigo e na metade do caminho, entre a minha casa e a casa do amigo, eu estava vindo numa direção e o Gilbertinho em outra. Quando nós paramos para cumprimentar um ao outro, aí ele falou: “ Opa, tudo bem?” “Tudo bem.” Começamos a prosear um pouquinho, prosear, e paramos embaixo de um poste. Tinham acabado de consertar a linha telefônica, então estava cheio de fios de telefone no chão. E eu me lembro que toda hora que a gente conversava o Gilbertinho abaixava, pegava um fio, dava um nozinho e começava a enrolar.
Estamos conversando, conversando, dali a pouco ele foi. Quando a gente acabou: “Tô indo embora então, depois a gente se vê.” Dali a pouco ele me mostrou, quando acabou tinha um bonequinho. Ele levou esse bonequinho pra casa, botou numa cartolina; desenhou um bonequinho, uma montanha, e inspirou a capa do Sol de Primavera.
P/1 – E o Contos da Lua Vaga?
R – Contos da Lua Vaga é o disco que tem O Sal da Terra, uma música que ficou muito bem nas paradas. É uma música minha e do Ronaldo que eu acho assim... Eu estava numa rádio um dia, alguém ligou e falou: “Pôxa, essa música é um hino.” Eu olhei e acabei concordando com o ouvinte. Eu acho que naquela música o Ronaldo acertou. Eu e o Ronaldo, fora a modéstia, acho que a gente acertou bem na mosca com aquela canção.
Contos da Lua Vaga tem o título que é a música que eu gosto muito, que é minha e do Marcinho. Ela dá o nome ao disco e é um disco que eu gosto muito. Acho que dos que eu fiz, ele, como um todo, está muito bem equilibrado, muito bem arranjado, muito bem executado musicalmente. Baixista, batera, guitarrista, tá todo mundo tocando bem, fazendo direito.
P2 – Alma de Borracha?
R – O Alma de Borracha tem a foto na capa. Eu lembro, ______ os primeiros passos do Gabriel. Eu lembro que ele tava começando, tinha recém-começado a andar. A gente ficava instigando pra ele melhorar a performance, andar melhor, porque volta e meia ele ia, caía um pouquinho.
Eu estava num canto, chamando-o pra vim. Ele vinha meio que… E aí abraçava.
É um disco que eu gosto também. A música título é do meu amigo Telinho, do Telo Borges; a letra é do Marcinho. Tem aquela história: me parece que o Marcinho se lembrou do [disco] Rubber Soul, o “Alma de Borracha” dos Beatles e resolveu fazer o nosso Alma de Borracha.
P/1 – Viagem das Mãos?
R – Eu costumo, volta e meia, fazer os discos e colocar canções de outras pessoas também. Sempre tem, tem Tavinho Moura…. Nesse caso, o Viagem das Mãos, o título, mais uma vez [a música] não é minha, é do Tavinho Moura e do Marcinho.
Depois do Alma de Borracha veio o Andaluz. Esse foi um disco que era o último disco de contato meu com a Odeon. A gente… Nesse disco eu gravei as bases todas com o Roupa Nova, a galera todinha do Roupa. Gostei muito, ficou muito legal.
A gente fez rapidinho. Fizemos, em quinze dias tava tudo pronto, as bases. _____ um pouco com as letras porque o Marcinho é que ia escrever o Andaluz, aí ele foi pra Mauá, me parece. A gente estava com dificuldade de comunicação e o pessoal estava me apertando, querendo a letra porque a capa tinha que sair, o disco tinha que sair. Acabou que eu tinha _____, não consegui mais achar o Marcinho. As coisas foram apertando; chamei o Ronaldo e falei: “Ronaldo, então marca o dia aqui porque o time… Já foi o time.” O Ronaldo escreveu o Andaluz.
Depois desse aí veio o plano Collor. A companhia tava toda acertada de a gente entregar o disco, renovar o contrato, fazer mais discos, mas dois meses depois do disco na rua veio o plano Collor. Aí ______ não me falou nada mais.
Eu segui fazendo shows, sobrevivendo de música, mais shows, até o pessoal da Sony me chamar, onde eu gravei o Dias de Paz. Aquele disco que tem um sorvete na capa, que a música título é minha e do Chiquinho Amaral.
É um disco que a gente fez as gravações. Tem a bela participação da Paula Toller no Tristesse, do Telo. Tristesse foi uma música interessante. Eu vi o Telo num show dele há uns anos, aí ele tocou uma canção. Eu o vi tocando, era instrumental e ela ia... Tinha uma coisa curiosa que a música subia, andava um, dois, três compassos, ou de dois em dois, aí ela dava uma parada. A gente contava dois, ou um, não me lembro. Um, dois. Aí um, dois, três. Um, dois, três. Esse é de pausa. É sempre assim. Pausado, pausado. Teve o coquetel e eu falei:
“Telo, você vai me dar um trabalho incrível. Você vai me dar uma dor de cabeça que você não imagina.” Cismei que aquela música tinha que ter letra e tinha que ter uma melodia, só que ela não é fácil, tanto que mais tarde o Telo, sabiamente, foi procurar um especialista: foi chamar o Bituca e o Bituca fez aquela maravilha de canção, fez a letra.
E tem uma coisa curiosa. Um dia eu encontrei com o Telo, ele todo feliz porque ganhou o Grammy. Achei ótimo. Tinha uma coisa curiosa que eu contei pro Telo. Ele veio falar comigo: “Pô, é porque...” O Bituca me mandou a melodia e a letra, aí mais uma vez aquela coisa. “Tá na hora de ____ o disco”. A companhia pressionando. “Tá na hora, tá na hora”. O Bituca mandou a música, mas não mandou como é que chamava a música, não tinha nome. Liguei pro Bituca e falei: “Ô, Bituca, tô precisando do título da música”. Cantei a letra inteira, do começo ao fim, mas não tinha nome. Ele falou: “Ah, eu tô pensando ainda. Amanhã ou depois eu te falo.”
Eu, no telefone, olhei assim… Peguei o telefone e falei meio que de costas, com medo da reação, de levar bronca. Falei: “Bituca, e se chamasse de Tristesse?” No mesmo segundo ele, do lado de lá, falou: “Cara, pô, legal. Gostei.” Então tem isso aí. Eu contei pro Telo outro dia essa curiosidade.
Depois do Dias de Paz tem também a participação do Bituca comigo, eu cantando Raças, que é uma rés (?), uma nova versão que eu pedi pro Marcinho fazer do Belo Horror. Tem o Djavan cantando Amor de Índio. Tem o Lô cantando Sal da Terra comigo. Tem a Paula Toller no Tristesse. Tem o...
P/1 – E o disco novo?
R – Depois deste disco, Dias de Paz, a gente fez o mais recente, que saiu agora em agosto, Em Algum Lugar. É um disco que tem músicas novas, tem versões, tem uma música minha com o Milton chamada Amor de Filho. Acho que ele fez meio que pro meu filho Ian.
Tem Em Algum Lugar. É uma canção que eu vi na TV, num documentário que falava do avô ensinando o menino a pescar. Uma pipa que tinha uma teia de aranha e um processo todo diferente de pescar. No final tocou uma música tão bonita que eu falei: “Nossa!” Cismei com essa canção e resolvi mostrá-la pro brasileiro.
Isso se passava na Indonésia. Tinha umas crianças cantando, um dialeto diferentão, bonito, muito bonito. Aí eu pedi pro Fernando Brant escrever. Aí chamou assim, Em Algum Lugar.
E mais uma vez abre o disco uma música que nós estamos trabalhando, também não é minha. Desta vez a companhia resolveu pedir a duas rádios grandes do Rio. Mandaram o CD pra lá e perguntaram: “O que vocês acham que deve tocar?” As duas disseram que tinha que tocar Sonho do Futuro, que é do Lô e do Cláudio Venturini. Normalmente, é a gente que decide isto, mas dessa vez eu resolvi atender à galera. Eu falei: “Então tá. Se vocês estão achando assim, vox populi vox dei. Então manda Sonho do Futuro que está de bom tamanho, que é bonita.”
P/1 – E os músicos que tocam com você neste último trabalho?
R – Nesse estão tocando… Uma base assim: a gente chamou o Arthur Maia, o Cezinha. Tem eu tocando contrabaixo, tem o Cláudio ____
nos teclados. Tem a participação vocal da Betina, do Chico Coco, da Nair e do Paulinho Soledade. Tem o Milton Guedes tocando gaita em Vem Ver o Sol. O que mais? Tem o Marcelo (?) Martins tocando saxofone em Via Láctea, que eu resolvi regravar. E depois eu tinha contado… Eu ia deixar, no estúdio eu ia deixá-los sem saber, mas quando chegou a Via Láctea, tá a música do Lô pronta. Chegou num dado momento eu falei assim: “Peraí, vem cá. Escreve aqui pra mim. Lá. Um, dois, três.” Comecei a contar o compasso e pedi pra escreverem. Eles estavam anotando. Lá, dó, ré, fá, sem saber o que era - e eu aqui, sabendo o que era. Eu falei assim: “Eu não vou contar pra vocês não. Só depois que tiver pronta.”
Eu lembrei que eu tinha um saxofone, até fiz uma música pra minha mãe chamada Dona Júlia, que era minha e do Luiz Guedes; toquei saxofone e tenor, eu e o Mascarenhas, e o tenor tava muito bom, macio. Eu consegui me dar bem. Outro dia eu tava tocando aqui o tenor e lembrei disso. Só que o Via Láctea, aí eu lembrei de Poeira de Estrelas. Star Dance [Stardust?]. Aquela canção Star Dance, americana. Só que, a parte da harmonia está a música do Lô em três e ela é em quatro por quatro. Aí eu não quis fazer em quatro por quatro. Continuei em três mesmo. Então só que a harmonia, se eu cantar a música vai dar certo lá, mesmo com algumas modificações na melodia. Mas aí eu ia falar assim, tipo: “Onde está o Wally?” Falei que saí procurando onde tem Star Dance no disco, mas agora já contei. Agora...
P/1 – Agora a gente quer falar um pouco das parcerias.
P/2 – O 14 Bis, desde 77 a 84. Como é essa trajetória, essa parceria com o 14 Bis?
R – Eu fiz com eles o Belo Horror. Foi naquele disco do Toninho, do Danilo e Novelli. Gravamos juntos aquela música, que é minha e do Marcinho e de todos eles - do Flavinho, do Vermelho. A parceria que a gente teve foi essa. Depois continuamos amigos, a gente sempre tocou no disco um do outro. Isso assim, vice-versa. Eu no disco do Lô, eu e o Flavinho tocando pro Lô. o Lô e o Flavinho tocando no meu disco. A gente tá sempre se ajudando.
P/1 – Mas nunca chegou a ser uma banda.
R – Não.
P/1 – O pessoal que te acompanhasse, ou alguns integrantes.
R – É.
P/1 – Legal.
Beto, a maioria dos seus sucessos foi composta em parceria com o Ronaldo Bastos. Fale dessa parceria pra gente.
R – Eu tenho feito músicas com várias pessoas. O Marcinho tem escrito belas canções comigo, belas letras. O Murilo Antunes, o próprio Fernando Brant são meus parceiros também constantes, mas não mais freqüentes.
O Ronaldo é meu padrinho - meu padrinho não, meu compadre. Padrinho do Ian, meu filho mais novo. E é um cara que eu admiro, gosto muito. A maioria das canções que eu fiz realmente foi com ele e acho que foi um casamento bacana, que sempre deu certo. Ele sempre me atende nas modificações eventuais que ____ acontecem. É um grande camarada, o Duba (?)
P/1 – Vamos falar dos outros também então. Vamos pôr ordem aqui. É o Marcinho.
R – O Marcinho também é uma pessoa... Praticamente meu irmão. De vez em quando ele me chama de meu irmão. A gente é muito amigo, desde a amizade minha de infância com o Lô. A gente já se conhece há anos, nós escrevemos várias canções conhecidas. É uma pessoa que eu gosto muito.
Assim como o Murilo Antunes, meu parceiro também, meu conterrâneo de norte mineiro. E o Fernando Brant, que é também nosso amigo, de muitos anos, está sempre fazendo música com a gente. Agora mesmo, está no último disco. A música título é minha e dele - minha e dele não; é de um dialeto, é da Indonésia a canção e a versão é do Fernando Brant.
Muito legal, essa galera. Tenho muito carinho por todos eles e são meus eternos amigos.
P/1 – E agora vamos falar dos filhos, né? Do Gabriel e do Ian. O talento deles é hereditário ou eles aprenderam através do pai e da influência familiar?
R – É, eu acho que é a convivência. No primeiro instante… Os primeiros acordes, por exemplo, não fui eu que ensinei pro Gabriel. Foi o meu holding [roadie?], que é o Pato Hendrix (?), ele é que chegou e começou a ensinar os primeiros acordes pro Gabriel.
A partir do momento em que eles começaram a mexer, eu não fui aquele cara assim: “Pô, vai ser músico”, [de] ficar estimulando, porque eu sei como a barra é pesada. Já que eles quiseram, então… Toda a ajuda que eu posso dar eu dou.
Eu já tive a minha guitarra, tirei do pescoço e dei pra um. Aí comprei uma Les Paul, que é uma guitarra ______ muito cara. Tirei do pescoço e dei pro outro. E tô sempre, no que precisam eu tô sempre ajudando. Dou palpite, às vezes, no que eles estão fazendo.
O Gabriel está nesse disco novo, participando com uma canção que ele fez pra minha neta, chamada Júlia; uma valsa muito bonita. Acho que, pra quem está começando, começou bem. O Ian é o mais novo, também seguiu o caminho do irmão; os dois agora trocando figurinha. O Ian também participa do disco tocando guitarra, o _______ guitarra na música chamada Vem Ver o Sol, que é do Claudinho Farias. Estamos aí, batalhando. Minha nora também canta no disco, canta uma valsa chamado Tua Canção, então está tudo em casa.
Acho que é isso aí, acho que o que eu tinha pra falar tá dito.
P/1 – Você gosta deles serem músicos, né?
R – Eu gosto deles e acho que gosto. Agora eu tenho que mais gostar, né?
P2 – Essa influência da música, ela se repete no aeromodelismo, na marcenaria? O caminho é o mesmo ou é uma coisa que nasceu neles?
R – Eu acho que é essa coisa da gente… Às vezes você tem o instrumento à mão, a ferramenta à mão. Eu aprendi muito com marcenaria, por minha conta mesmo. Acho que o meu pai era um grande poeta, um excelente compositor, um grande pintor, mas na marcenaria ele deixava a desejar. O negócio dele não me agradava, não. Corta tudo meio pros cocos, meio torto. E eu já gosto assim…
O Gabriel parece que puxou mais ao avô, não me puxou não. Eu gosto de tudo assim bem no esquadro, sabe como é? Sou muito preciso, não gosto de fazer a coisa mal feita, então eu esmero muito no acabamento das coisas que faço. Agora mesmo o segurança (?) cismou de fazer uma guitarra, daí a pouco já me bota pra fazer. E aí estou eu, correndo atrás de madeira. Vocês chegaram aqui agora, não filmaram, mas eu estava ali com a tupia, fresando guitarra.
Então eles têm essa... Porque aeromodelo, avião, é uma coisa que todo mundo gosta. Toda criança gosta, homem, todo menino gosta de aviãozinho. Eles me viram mexendo com isso. Todos os dois são pilotos de aeromodelo - o Gabriel é piloto de ultraleve; eu sou piloto de avião, sou piloto de ultraleve. O Ian já está querendo aprender ultraleve - com certeza, pelo que eu já vejo ele voar de aeromodelo, e às vezes no computador ali, voando Flight Simulator. A gente sente que o que ele está fazendo com a mão é muito parecido com o real. Acho que ele não vai ter dificuldade em voar, não.
P/1 – Vai pelo mesmo caminho. O Gabriel e o Ian estão trabalhando com as músicas do seu pai. Como você vê o interesse deles pela música do avô?
R – Isso foi uma coisa inusitada, não esperava por isso. Eu acho que eu já tentei fazer isso uma vez. Eu queria chamar, isso pra tentar ajudar o pessoal lá em Montes Claros, meus irmãos que estão lá. Eu queria fazer essa coisa de gravar músicas do meu pai. Queria chamar a Gal, o Caetano, o Djavan, uma galera mais de peso pra tentar ver se eu conseguia com a vendagem dar um sustento aos meus irmãos que estão em Montes Claros. E eu tinha esse projeto pra fazer, mas aí o Gabriel foi lá, ganhou um patrocínio na Lei do Incentivo e cismou ele mesmo.
Eu achei interessante, estou dando a maior força. Achei até diferente. Ele podia ter pensado em fazer um disco dele, alguma coisa assim, e resolveu... E me convidou. Já cantei lá, vou chamar o Bituca. Acho bacana. O neto querer dar uma força pro pessoal, cantar as músicas do avô. Acho bacana.
P2 – Beto, já indo pra reta final.
R – Eu tô cansado, eu tô...
P2 – Você quer parar?
R – Eu quero terminar logo.
P/1 – Tá, mais umas duas ou três perguntas.
R – Tá legal.
P2 – Você se tornou um ídolo para várias gerações. Como foi lidar com a fama durante tanto tempo?
R – Não sei. Acho que foi um pouco tranquilo porque eu te confesso, no começo... Eu vim do interior. Eu tinha um certo… Quer dizer, eu era um garoto do interior. Meus pais são baianos, lá em casa muita gente é baiano, só eu e o Patão que somos mineiros. Minha mãe é baiana, meu pai é baiano do sul da Bahia.
Eu era um pouco quieto, meio calado, meio tímido. Mas eu não sei, a partir do momento que eu comecei a ter aquele conjunto, The Beavers, já com o Lô, [ainda] criança, comecei a tomar gosto.
Essa coisa foi dando certo. Sei lá. Não foi aquela coisa de acontecer da noite pro dia, como acontece com alguns. Eu já venho assim, esse The Beavers a gente ficou uns dois anos fazendo. O outro conjunto eu fiquei uns três, quatro anos fazendo baile, ganhando o meu troquinho ali. Depois os festivais, _____, então a coisa foi andando assim e eu… Não foi como nascer uma pessoa, da noite pro dia chega um famoso, todo estourado, então pra mim é tranquilo. A coisa foi sucessiva, progressiva e suavemente acontecendo.
P2 – E essa experiência com o Clube da Esquina, quais as lições de vida que você poderia relatar?
P/1 – Vamos até falar de um outro jeito: continua sendo importante na sua vida o Clube da Esquina?
R – Eu acho que sim. Acho que as amizades que a gente faz, que têm uma raiz forte, uma duração, é uma coisa muito importante pra vida das pessoas. Você ter amigos que, sabe, há trinta e tantos anos que se conhecem, que o carinho continua o mesmo, que o tratamento é o mesmo... Isso é muito importante, muito bacana.
P/1- E agora a última, pra terminar. O que você está achando da ideia do Museu e do Clube da Esquina?
R – Ah, eu acho… Eu sou suspeito para falar. Eu sou um sócio desse clube, eu acho que foi uma idéia bacana do Marcinho. Tô torcendo pra que continue, pra que consiga o apoio de quem precise. E continuar contando com a gente pro que precisar. É isso, eu acho um barato, dou a maior força e espero que vocês continuem na maior, na boa.
P/1 – Muito obrigada, Beto, pela entrevista.
R – Obrigado a vocês.Recolher