Projeto História das Profissões em Extinção
Depoimento de Severino Feliciano dos Santos
Entrevistado por Luís André do Prado e Rosali Henriques
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 8 de outubro de 1996
Realização Museu da Pessoa
Entrevista n.º 03
Transcrita por Rosál...Continuar leitura
Projeto História das Profissões em Extinção
Depoimento de Severino Feliciano dos Santos
Entrevistado por Luís André do Prado e Rosali Henriques
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 8 de outubro de 1996
Realização Museu da Pessoa
Entrevista n.º 03
Transcrita por Rosália Maria Nunes Henriques
P - Senhor Severino, qual é o seu nome completo, o lugar e a data de nascimento.
R - Eu nasci em São José do Mipibu, estado do Rio Grande do Norte, dia 16 de outubro de 1913.
P - Quem eram os seus pais?
R - O meu pai chamava Joaquim dos Santos e a minha mãe Maria Emiliana dos Santos.
P - Como era o lugar onde o senhor nasceu?
R - O lugar do Norte é muito atrasado como se fala, não tinha indústria nenhuma. Eu depois de 8, 9 anos eu fui morar com o meu tio em Natal, fica, de São José a Natal é 40 minutos de ônibus, é uma cidade encostada na Capital. E lá eu fiquei morando com o meu tio até a idade de fazer o Exército. Depois eu me alistei no Serviço Militar em 1931. Aí vim para o Rio de Janeiro e depois fui transferido para São Paulo para o Sexto Regimento de Infantaria de Caçapava. De Caçapava vim transferido para a Capital, para São Paulo, na rua Conselheiro Botelho, agora o número eu não estou bem lembrado. Ali eu servi, depois começou a Revolução de 32, eu tomei parte na Revolução, depois de três meses terminou a Revolução, em 34 eu voltei para Natal, para São José, aliás. Depois fui para Natal, me alistei outra vez no Exército, no 21o Batalhão de Caçadores, servi o primeiro ano, quando foi 35 começou a Revolução, o movimento comunista. Aí eu tomei parte no movimento, terminou o movimento nós fomos presos. Eu fui preso, fiquei um ano e oito meses preso na Penitenciária de Recife e fui posto em liberdade, fui julgado, teve uma Junta Militar e todos os soldados foram dispensados porque tomamos parte no movimento, mas bem dizer involuntário porque não sabíamos que o movimento era comunista. Sei que nós tomamos parte. Antes de ir para a Penitenciária o Getúlio mandou um navio, pôs todo o pessoal a bordo e ficamos uns dois meses fora da Capital, no alto mar até desocupar a Penitenciária de Recife, puseram os presos comuns, levaram para Fernando de Noronha e na cadeia fizeram um presídio para revolucionários, como é que fala?
P - Presos políticos.
R - Justamente, fizeram o presídio para presos políticos e nós ficamos um ano e oito meses e aí depois eu fui solto. E depois vim para São Paulo em 36 e estou aqui até hoje.
P - Bom, senhor Severino, antes da entrar na história do seu trabalho fale um pouco sobre o seu pai, sua mãe. Como era o trabalho do seu pai? Como sobrevivia?
R - O meu pai trabalhava na estrada de ferro, em manutenção, era um operário da estrada de ferro, trabalhava naquela turma, fazia manutenção e a minha mãe trabalhava de cozinheira num hotel, em São José do Mipibu.
P - E eram quantos irmãos?
R - Eram três irmãos, aliás quatro, um morreu e ficou três. Dos três só tem eu e tem outra irmã só, o meu irmão faleceu, nós somos em dois irmãos, a minha irmã mora em Natal.
P - E por que o senhor teve que sair para morar com tio? O seu pai tinha dificuldade...
R - Tinha dificuldade e o meu tio que estava em situação melhor, o meu tio trabalhava, era coveiro no cemitério, trabalhava de coveiro, era encarregado lá do cemitério. E eu levava o almoço para ele, na hora do almoço e depois ficava lá ajudando. Tinha aquelas, conservação de túmulos, essas coisas, ajudava ele no cemitério, ficava lá com ele. Até ficar com a idade de trabalhar, trabalhei no "Diário de Natal", trabalhei no "A República", de dobrar jornal, aqueles serviços, limpeza, essas coisas.
P - O senhor estudou?
R - Não, estudar não estudei.
P - Nesse período de Natal?
R - Estudar eu estudei pouco para bem dizer. Depois fui para o Exército e no Exército também não tinha estudo para militar. Depois começou esse movimento de Revolução e essas coisas, teve dois movimentos, eu tomei parte em dois movimentos revolucionários.
P - A sua família é tradicional da cidade mesmo, era lá do lugar?
R - Era de São José, agora não tenho quase parentes, tenho só uma irmã que mora em Natal, irmã, sobrinhos só. Na parte de São José acho que não tenho mais ninguém lá, acho que já morreram todos.
P - Qual foi o seu primeiro trabalho?
R - O primeiro trabalho foi, bom o meu primeiro trabalho foi quando estava em Natal e trabalhei no "Diário de Natal" e trabalhei no "A República", dobrar jornal, fazer limpeza, serviço de limpeza. Depois quando eu vim para São Paulo aí eu comecei a trabalhar na indústria.
P - Antes disso o senhor foi militar?
R - Não, nesta última vez que eu vim em 36 aí eu já não era mais militar.
P - Como entrou no Exército?
R - Eu entrei no Exército voluntário, eu tinha 17 anos quando eu sentei praça, 17 para 18 anos, eu sentei praça em 1931.
P - Naquela época era voluntário?
R - Voluntário, eu sentei praça voluntário com o consentimento, precisava tirar o consentimento dos pais para sentar praça. Fiquei um tempo em Natal, depois eles me transferiram para o Rio de Janeiro, do Rio de Janeiro eu fui transferido para São Paulo, para o Sexto RI em Caçapava. Depois de Caçapava eu fui transferido para a Capital, na rua Conselheiro Botelho, lá era o batalhão. E nesse período é que teve o movimento de 32.
P - Aqui em São Paulo?
R - Aqui em São Paulo, a Revolução de 32.
P - Como participou, quais foram os fatos dos quais o senhor participou?
R - Quando começou o movimento aqui eu estava dando guarda, nós estávamos dando guarda numa fábrica de cartucho em Utinga, encostado lá em São Caetano. O Exército, o batalhão nosso, a companhia aliás, estava destacado lá nessa fábrica de cartucho, era do Matarazzo, não sei se ainda existe hoje. Quando começou o movimento, aí daqui nós fomos para Cruzeiro, juntamos com o Sexto RI, o regimento, porque tinha o Quinto em Lorena, o Sexto Regimento em Caçapava, o Quarto BC era aqui em Santana. Aqui foi todo o movimento lá para Cruzeiro, de lá nós, lá eu fiquei na Serra da Mantiqueira. Durante a Revolução eu servi naquela parte da Serra da Mantiqueira, tivemos combate ali em Cruzeiro, Cachoeira, toda aquela parte, mas o nosso batalhão ficou mais na Serra da Mantiqueira.
P - E quais eram as ordens para o seu batalhão? As ordens que o senhor tinha?
R - As ordens era atirar, tivemos combate, morreu muitos colegas nossos, companheiros nossos morreu, graças a Deus comigo não aconteceu nada mas do meu batalhão morreu muita gente.
P - E o senhor foi ferido alguma vez?
R - Não, ferido não, graças a Deus nunca aconteceu, entrei em muito combate, naquele tempo a gente chegava na cidade e já estavam as trincheiras prontas para a gente, a gente usou aquele capacete de aço, tinha um capacete de aço. E a gente ficava na cidade, depois ia para a Serra da Mantiqueira, vinha para a cidade descansar e depois subia a serra para guarnecer a parte de São Paulo.
P - Que armas o senhor usava?
R - Eu usava a metralhadora que era da companhia de metralhadora, metralhadora, fuzil Antiquis que era um fuzil menor do que a metralhadora. Mas eu usava metralhadora naquela época, o Exército não tinha muito armamento moderno como tem hoje, naquele tempo aqueles fuzis era até pesado para a gente carregar, um fuzil muito comprido, hoje tem aquele fuzil automático. Naquele tempo o fuzil dava cinco tiros, precisava manejar para...
P - O senhor era bom atirador?
R - Era mais ou menos. Sei que eu atirei muito, agora eu não sei o que aconteceu... (risos)
P - Como foi o enfrentamento das tropas revolucionárias, vocês conseguiram barrar as tropas? Como é que foi?
R - Tinha hora que a gente precisava correr, tinha hora que a gente dava para enfrentar a turma, tudo depende da Revolução, era um negócio meio complicado.
P - E o que aconteceu depois, o senhor participou desse movimento aqui em São Paulo em 32, como é que acabou?
R - Quando acabou o movimento nós viemos para São Paulo, fomos para o quartel ali na Barra Funda, era Conselheiro Botelho a rua, ali perto de Santa Cecília, por ali, agora eu não sei o que existe lá, ali era o quartel. Era o Terceiro Batalhão do Sexto RI porque o regimento tem três batalhões, Primeiro, Segundo e Terceiro, eu servi no Terceiro Batalhão, o Primeiro e o Segundo ficou em Caçapava e o Terceiro Batalhão veio destacado aqui, aqui para São Paulo. A gente dava guarda no Hospital Militar, fazia o patrulhamento naquela época aqui na cidade, o Quartel General era na Conselheiro Crispiniano, hoje onde tem o Marrocos. Ali não tem o cinema Marrocos? Ali era o Quartel General do Exército antigamente, no tempo em que eu servi. E terminou o movimento, depois a região foi extinta, Getúlio extinguiu a Segunda Região Militar, que aqui é a Segunda Região, foi extinta, quer dizer, que todos os militares foram embora. Depois os oficiais foram anistiados, mas os soldados não, nós não fomos anistiados, foram anistiados os graduados, tenente, capitão, essa gente foi toda, aí voltaram. O nosso comandante, o meu comandante da Revolução era o Caiado de Castro, não sei se você conheceu ou ouviu falar nele, depois ele foi senador da República, era Caiado de Castro, ele que assumiu o comando do batalhão na Revolução, Caiado de Castro, ele era até o estado de Goiás, da parte lá de Goiás. E depois que terminou a Revolução eles deram a passagem, quem era do Norte recebeu a passagem. Eu recebi a minha passagem para ir, naquele tempo a gente para o Norte só viajava de navio, não tinha ônibus. Então em 34 eu voltei para Natal, foi o que eu falei. Aí me alistei outra vez no Exército, tirei o primeiro ano e quando foi em 35 aí começou a Revolução Comunista, essa que eu tomei parte que eu entrei bem, fiquei quase dois anos preso e todo aquele negócio.
P - Como foi essa história, como se envolveu na Revolução Comunista?
R - Bom, a Revolução Comunista foi um movimento que começou....
P - Dentro do Exército.
R - Dentro do Quartel, a gente que estava no quartel tomou parte, a ordem era pegar arma e era sair dando tiro, agora como militar eu não sabia o movimento, não sabia o que era, sabia que era uma Revolução. A ordem era atirar, atirar naquele que era contra.
P - E aonde é que aconteceram os conflitos?
R - Os conflitos aconteceram na parte da cidade, da cidade baixa, a parte da Polícia Militar, na parte da cidade baixa.
P - E houve mortos também, como foi isso?
R - Não, morte não, eu não vi morte, na Revolução eu não vi morte, só o movimento aí durou pouco tempo, em Natal durou pouco tempo, quase que dois dias, depois foi todo mundo preso.
P - Aí Getúlio prendeu todo mundo?
R - Prendeu todo mundo, prendeu, levou preso, depois ele mandou um navio como eu falei, nós ficamos isolados até desocupar o lugar para pôr os presos políticos, aí misturou preso militar e civil, porque tinha muito civil preso também no meio, muita gente de nome.
P - Comunista?
R - Naquele tempo quem era comunista? Era o Monteiro Lobato, esse escritor da Bahia Jorge Amado, também era considerado comunista. E nós fomos todos presos como comunista mas eu não sabia o que era o comunismo.
P - Isso em 35?
R - Isso foi em 35.
P - E aí quanto tempo vocês ficaram no navio, em alto mar, foi muito tempo?
R - Ficamos uma base de dois meses mais ou menos no navio preso. Ele mandou um navio e esse navio ficou como sendo um presídio, ali com guarda, tudo guarnecendo, tomando conta dos presos até desocupar a cadeia lá em Recife, a Penitenciária. Aí mandaram os presos comuns para Fernando de Noronha, para a Ilha de Fernando de Noronha. Que era para mandar os presos políticos para Fernando mas aí resolveram mandar os presos comuns e em Recife ficou a cadeia para os presos políticos.
P - E o senhor foi como preso político?
R - Preso político. Eu era preso político. Depois juntaram uma Junta Militar e nós fomos todos julgados, fomos todos ouvidos.
P - E o que aconteceu com o senhor?
R - Aconteceu que nós não tínhamos nada, soltaram, agora aqueles que eram considerados comunistas pegaram dez anos, outro pegou oito, sei lá e aí foram condenados os cabeças que falam, mas os soldados a maioria foram todos soltos.
P - Mas o senhor voltou para o Exército?
R - Não. Depois de 35 aí eu...
P - Não pôde mais ser do Exército?
R - Aí não servi mais o Exército.
P - Mas o senhor podia voltar se quisesse, ou foi expulso?
R - Não, como preso eu não podia mais porque nós fomos fichados como comunistas, tiramos fotografia, na polícia, fomos presos entregue à polícia, presos mas não militar, já era considerado como preso comum.
P - E aí o senhor começa então... aí que o senhor vem parra o Rio?
R - Não, como eu já tinha, em 32 eu estive em São Paulo, aí eu voltei para São Paulo. Aí comecei a minha vida trabalhando, aí comecei a vida.
P - E aí como foi esse novo começo de vida?
R - Não foi fácil.
P - Como era São Paulo naquele tempo, o senhor se lembra?
R - São Paulo naquele tempo era... o Viaduto do Chá era de madeira, era aqueles trilhos, aqueles dormentes, que fala, da estrada de ferro, aquilo era tudo dormente, era de madeira aquilo. Ali no Anhangabaú, ali tinha um rio que passava ali, está canalizado.
P - Rio limpinho.
R - Uma água limpa. Tem muitas coisas mas a gente no momento não lembra.
P - Qual foi o seu primeiro trabalho aqui em São Paulo?
R - Bom eu comecei, eu trabalhei na Antárctica. Na Antárctica acho que eu entrei em 37, de 37 a 40 por aí, a Antárctica. Na Antárctica a entrega de bebida era carroça puxada a burro, naquela época não tinha caminhão, a maioria era isso.
P - Era isso que o senhor fazia? Entrega de bebidas?
R - Não, não, eu trabalhava na parte de manutenção na Antárctica, depois passei para Bremens. Em 41 aí eu entrei na Bremens, 40 e 41. Quando eu saí da Bremens, era 37. Aí na Bremens como eu falei para o senhor, a gente trabalhava em manutenção, as máquinas vinham da Alemanha e a gente fazia a montagem.
P - Que tipo de máquina era, o que é que fazia a Bremens?.
R - A fabricação ou as máquinas que vinham da Alemanha?
P - O que a empresa fazia quando o senhor entrou?
R - Quando eu entrei as máquinas vinham da Alemanha.
P - Máquina de quê?
R - Máquina de jornal, tudo tipo gráfico, máquina rotativa, off-set, que é máquina que trabalha na redação, todo esse tipo de máquina gráfica. Depois da guerra a Bremens começou, aí entrou Funtimo, aí começamos a fabricar máquinas. Aí eu trabalhava de plainador, aí comecei a trabalhar de plainador, como eu já entendia um pouco da mecânica, da manutenção passamos a fabricar máquina. A Bremens, o patrão, que é o chefe lá, ele fez uma seleção, tinha 200 e poucos funcionários e ficou mais ou menos com uma parte para começar a fabricação, o pessoal que já estava mais ou menos entrosado. Justamente eu fiquei, passei a trabalhar na Funtimo. Eu trabalhei 17 anos na Funtimo, aí rua Tito, na Água Branca, por ali Água Branca, Pompéia, aquele setor.
P - No tempo da Bremens o senhor fazia a montagem da máquina?
R - Só montava a máquina e fazia manutenção.
P - Ela vinha em peças, montava aqui?
R - Vinha a máquina em caixa, limpava, levava no freguês e fazia a montagem da máquina.
P - Era difícil, como era o trabalho? Era complicado entender as máquinas?
R - Era muito difícil porque naquela época não tinha, era tudo braçal, serviço de montar, as máquinas, levava as peças tudo nos braços, não tinha, tinha talha só onde podia enganchar senão era tudo na mão. Você tirava uma máquina do carro, do caminhão, punha no pranchão e era tudo na alavanca, era tudo braçal, na mão. Hoje o guindaste pega a máquina põe, hoje duas pessoas, o motorista e mais uma outra faz o serviço, naquele tempo era mais complicado.
P - Nesse tempo o senhor morava aonde aqui em São Paulo?
R - Eu quando era solteiro morava na Moóca, pensão. Casei em 42.
P - Logo depois que o senhor chegou e entrou na Bremens o senhor casou?
R - É.
P - Como o senhor conheceu a sua esposa?
R - Na Moóca, na paquera na Moóca.
P - Tinha footing lá?
R - É.
P - E ela é daqui de São Paulo?
R - Era, ela nasceu aqui no Bom Retiro, na rua Solón, mas foi criada na Moóca.
P - Então o namoro não foi muito longo não, conheceu, casou logo.
R - Foi pouco, naquele tempo não ficava enrolando, era pouco tempo já tinha que casar, não tinha nada de... hoje o cara namora dez anos e no fim não casa. (riso) Tinha que resolver o assunto logo.
P - E aí, com o casamento, o senhor foi morar onde?
R - No casamento eu continuei morando na Moóca, depois comprei terreno na Vila Alpina, já tinha conseguido, comprei um terreno e construí uma propriedade, a minha propriedade é na Vila Alpina.
P - Como era o tratamento que a empresa dava aos empregados?
R - Naquela época o tratamento era, a gente tinha que, se tinha família a gente levava marmita, senão tinha que comer em pensão, não tinha restaurante, a gente trabalhava na rua em montagem, a gente comia mais lanche essas coisas, hoje é uma mordomia, tem restaurante, hoje em qualquer lugar.Era difícil, naquela época era difícil para trabalhar.
P - E foi na Bremens a primeira vez que o senhor trabalhou com carteira assinada?
R - Na Antárctica, com carteira assinada foi na Antárctica.
P - E o salário era bom?
R - Mais ou menos, o salário mínimo naquela época, eu nem estou lembrado quanto era o salário. Depois que peguei na Bremens foi que tive um salário melhor. Na Antárctica não ganhava salário mínimo porque a gente tinha, quem fazia um serviço mais ou menos tinha um salário melhor, salário mínimo era difícil de ganhar naquela época.
P - Depois que a Bremens foi vendida virou capital nacional, não é isso?
R - Depois o governo tomou conta, veio, como é que fala? Veio um coronel do Exército e ficou tomando conta da indústria, não sei como que dá o nome, agora eu não estou lembrado, até resolver a situação dos funcionários.
P - Por que, a empresa faliu?
R - Não, o governo tomou conta.
P - Houve uma intervenção.
R - Intervenção do governo, veio o interventor, justamente, o interventor era um oficial do Exército, um coronel.
P - E o senhor sabe porque houve essa intervenção?
R - Foi devido à guerra.
P - Os alemães, desculpe.
R - Os alemães eles perderam as propriedades, o governo tomou conta. A Bremens era uma firma muito grande aqui em São Paulo, uma das maiores indústrias no ramo gráfico.
P - De máquinas gráficas.
R - De máquinas gráficas. Aí o governo, aí veio o interventor e mandou todos os funcionários embora, pagaram indenização para aqueles que fizeram acordo e mandaram embora. Agora o patrão depois abriu a Funtimo e a maioria do pessoal foi com ele... ele fez uma seleção e nessa seleção eu estava junto e fiquei mais 17, 18 anos aí na Água Branca trabalhando até me aposentar.
P - A empresa então foi vendida para um dono brasileiro?
R - Não, o próprio dono da Bremens, ele entrou em sociedade com brasileiro...
P - E continuou o negócio.
R - Continuou na Funtimo, fabricando o mesmo material que vinha da Alemanha e começou a fabricar no Brasil.
P - E que trabalho o senhor assumiu quando virou Funtimo?
R - Plainador, eu comecei como plainador.
P - O que fazia o plainador, senhor Severino?
R - O plainador pegava o minério, máquina, material bruto e fazia a operação do serviço, conforme o que, tinha a parte da plaina, a parte da fresa, do torno, cada um tinha a sua parte para... até completar a máquina. Eu plainava mais aquelas partes, a base, o corpo, que falava, da Minerva. A Minerva é uma máquina que ela imprime. Você conhece a Minerva?
P - Não, explica como é porque eu não conheço.
R - A Minerva é uma máquina de imprimir, tira o papel, põe e vai fazendo aquela impressora, é isso.
P - Mas é uma impressora com linotipo?
R - É.
P - Hoje não existe mais essa máquina.
R - Hoje não existe.
P - E aí o senhor fazia o corpo da máquina?
R - Fazia a operação do corpo da máquina.
P - Que metal era?
R - Era ferro fundido.
P - E aí plainava o ferro...
R - Plainava, retificava e depois ia para a montagem, aí passava em diversas operações até chegar na montagem, cada parte fazia, eu fazia o corpo, outro fazia outra parte, assim até chegar a completar a máquina, a montagem.
P - Como o senhor aprendeu a plainar?Porque antes o senhor só montava a máquina, eles deram um treinamento para ensinar?
R - Mas na Bremens eu trabalhava em manutenção, tinha todas essas máquinas, plaina, torno, fresa, tinha todas essas máquinas, a firma que fazia manutenção, a Bremens vendia as máquinas mas fazia manutenção, tinha mecânico para manutenção. Eles iam montar máquina em todo os estados do Brasil.
P - O senhor já conhecia o serviço?
R - Já conhecia o serviço, viajava muito, eu ia muito para o Interior, montar máquina no Rio de Janeiro, montar máquina no Interior, Ribeirão Preto, toda essa parte do Interior, a gente viajava muito.
P - Vendia máquina para as gráficas?
R - É, para as gráficas, tipografia.
P - Fazia jornal e tudo.
R - Não era só máquina, vendia tipo, vendia, tinha clicheria, tudo esse tipo, que era do ramo, papel, papel para impressão, tinta, todo o ramo gráfico eles tinham, era uma firma que tinha todo o material gráfico.
P - A parte de clichê, também era uma máquina que fazia o clichê?
R - É, o clichê aí era outra seção, trabalhava com clicheria, fazia tipo, fazia aqueles clichês, aí era outra seção. Eu trabalhava na seção das máquinas, depois tinha a seção de clicheria, tinha diversos tipos de fabricação.
P - E nessa fase na Bremens, aí já não era mais a Bremens, a Funtimo, quantos anos o senhor ficou?
R - Quase 18 anos.
P - Sempre fazendo esse mesmo trabalho?
R - Sempre o mesmo trabalho.
P - E a empresa, como era o atendimento do empregado, melhorou ou piorou em relação à Bremens?
R - Não, piorou, não melhorou nada, naquele tempo não melhorou nada, só que a gente era considerado oficial, tinha um salário melhor mas não tinha muito, para trabalhar era muito difícil, era tudo manual, se eu precisava de uma ferramenta para fazer o serviço eu tinha que pegar o aço, ir na forja, temperar, precisava dar viga, precisava uma pastilha, o senhor tinha que ir na solda e soldar. Todas as ferramentas eram feitas pelo oficial, hoje o pessoal trabalha numa profissão, se precisar de uma ferramenta a ferramenta está pronta, ele vai no almoxarifado: "Eu preciso disso, preciso daquilo." Naquele tempo não, a gente precisava pegar uma chapa para fazer qualquer coisa, você tinha que ir na furadeira furar, precisava ir no torno fazer uma rosca, fazer qualquer coisa, não tinha...
P - Fazia de tudo.
R - Tinha que fazer de tudo.
P - E eram quantos funcionários lá?
R - Acho que uns 150, por aí.
P - 150 na fábrica?
R - Na fábrica, porque tinha duas turmas, trabalhava dia e noite. Saía uma turma, entrava outra.
P - Quanto tempo o senhor trabalhava por dia?
R - Dez horas. Eu trabalhava dez horas por dia, entrava às 7 horas e saía às 6 horas e na sexta-feira saía às 4 horas mas sempre a gente fazia hora- extra. Trabalhava uma base de... trabalhava até na sexta-feira de 48 horas, mas depois a gente trabalhava, fazia mais hora- extra, ficava até às 6 horas, 7 horas.
P - E compensava fazer hora -extra?
R - Porque a gente naquele tempo precisava, quanto mais a gente trabalhava... precisava trabalhar, fazer hora- extra, a gente fazia muita hora - extra naquela época.
P - Tinha horário de almoço também?
R - Uma hora para almoço mas não tinha refeição. Não tinha refeitório.
P - Saía e ia comer fora.
R - Comer fora ou levava marmita e esquentava lá, se virava.
P - Tinha muito controle na fábrica para saber se estava todo mundo trabalhando? Tinha um chefe que ficava vigiando?
R - Tinha, cada seção tinha um encarregado mas ali nós trabalhávamos por contrato, nós tínhamos comissão, ali o senhor recebia, o senhor ia fazer um serviço já sabia quanto tempo ia demorar naquele serviço se demorava menos tinha aquela porcentagem. Quer dizer, que ninguém ali nem precisava encarregado.
P - Cada um cuidava.
R - Porque quanto mais fazia em menos tempo, melhor.Era bem controlado. Ninguém fazia greve naquela época ali na indústria, quase que ninguém fazia greve.
P - Nunca houve greve lá?
R - Não. Fazia porque era obrigado, quando chegava a greve e ninguém podia trabalhar, não ia trabalhar, mas devido à comissão que eles davam a turma não queria fazer greve porque tinha aquela comissão, quase que ninguém ganhava... sempre ganhava mais do que o salário.
P - Quer dizer, lá pagavam melhor do que nas outras metalúrgicas?
R - Pagava.
P - Quanto mais?
R - Não melhorou foi o sistema de trabalho, o sistema de trabalho não melhorou nada.
P - Era pesado.
R - Era pesado porque o senhor precisava fazer toda parte do serviço, não tinha aquela vantagem que tem hoje as peças, as ferramentas já estão prontas hoje, naquele tempo a gente precisava fazer.
P - Fazer cada peça.
R - Cada peça precisava fazer a ferramenta, a firma dava o aço para o senhor fazer a ferramenta para trabalhar.
P - Tinha que botar na forja, derreter.
R - Esquentar o ferro, bater, depois no esmeril, depois temperava e fazia todo esse sistema.
P - E o modelo das peças como era, já tinha tudo? Vinha...
R - Não, o modelo é pelo desenho.
P - Era fácil entender o desenho?
R - O desenho era bem simples, ali tinha o desenhista, tinha o engenheiro desenhista, qualquer novidade ele estava ali explicando. Ele fazia um rodízio que ia falar com um, com outro, ali dentro na firma tinha o desenhista que controlava todo o sistema.
P - Teve algum erro, alguma vez uma máquina não deu certo?
R - Ah, sempre tem.
P - E como era isso? Tinha controle de qualidade?
R - A peça, tinha hora que eu estava terminando quase o serviço e às vezes aparecia um defeito na peça, a peça estava, a gente falava "bichada", uma falha, uma coisa. Aquela peça era jogada fora às vezes com a máquina quase pronta, tinha muito problema.
P - O senhor teve alguma vez algum acidente de trabalho?
R - Acidente grave não, graças a Deus não, acidentezinho comum, cisco na vista, uma pancada no dedo, uma coisa, isso aí acontecia.
P - O senhor trabalhava com proteção, óculos?
R - Não, não tinha nada de proteção.
P - E mesmo batendo na forja nunca machucou?
R - Nunca machuquei, graças a Deus.
P - E o calor, era muito quente?
R - Era, o calor na forja era muito quente.
P - E o senhor nunca teve problema de saúde por causa disso?
R - Graças a Deus não.
P - Algum colega seu sofreu algum acidente? O senhor se lembra?
R - Bom, acidente sempre existia. Às vezes esmeril, o cara ia furar, furava o dedo.
P - Algum perdeu o dedo?
R - Não. Às vezes soldador lá estourava aquele garrafão lá, queimava a pessoa.
P - O que era o garrafão?
R - Aquele de solda, botijão, que fala, aquilo é garrafão, da solda. Às vezes estoura aquilo, ele dá vazamento e quem está ali por perto se queima, aí sai um gás.
P - Mas o senhor viu algum acidente grave?
R - Sempre acontecia algum, sempre queimou algum, grave da pessoa... isso aí nunca...
P - E da parte de sindicato, de que greve o senhor participou?
R - Eu participei de diversas greves, todas aquelas greves daquela época, a gente era obrigado a parar porque...
P - Vinha o sindicato e avisava que era greve?
R - A gente parava, só tinha que...
P - Fazia piquete na porta?
R - Ah, eles faziam piquete. Mas a gente já ficava em casa ou ia lá no Metalúrgico, ficava esperando resolver a situação, ia lá, a comissão e falava lá, até terminar a greve.
P - Mas o senhor era contra ou a favor das greves?
R - Tinha a greve que eu era a favor e tinha outras que eu era contra, tudo depende.
P - Quando o senhor era a favor?
R - Quando prejudicavam a gente porque tinha muitas greves que prejudicava, às vezes uma greve à toa aí e o cara prejudicava. Às vezes o patrão queria dar o aumento mas queria dar assim em partes e a turma não aceitava, às vezes a gente aceitava, o outro não aceitava então aí acontecia o movimento.
P - Quer dizer que a greve era sempre na época do dissídio salarial, do aumento?
R - Sempre acontecia isso.
P - É para negociar mais salário?
R - Salário.
P - E o senhor se lembra de alguma greve que tenha parado por muito tempo, uma mais pesada, barra pesada?
R - Olha, teve muita greve, agora no momento eu não estou lembrado, mas teve greve que a gente ficou parado 20 dias por aí.
P - Alguma teve polícia, teve gente presa?
R - Todas as greves tinha gente presa, naquela época. E às vezes até o cara não aparecia porque taxava como comunista, naquela tempo da ditadura.
P - No tempo do Getúlio?
R - No tempo do Getúlio, aqui em São Paulo era o Adhemar de Barros, todos esses movimentos.
P - E o senhor nunca mais se meteu com política, com liderança, nunca mais foi preso?
R - Não, graças a Deus
P - Depois daquela.
R - Ficar dois anos preso incomunicável não era fácil não. Porque nós éramos presos incomunicável, nem carta da família a gente recebia naquela época.
P - O senhor não teve mais relação com a sua família, seus pais, seus irmãos, depois de ter vindo para São Paulo? Ficaram mais separados?
R - Não, eu voltei, depois que eu casei eu fui lá, mas logo a minha família faleceu, meu pai e minha mãe.
P - Aí ficou só a sua irmã...
R - Eu só tenho uma irmã lá que mora em Natal.
P - E os seus filhos, o senhor teve quantos filhos?
R - Eu tenho um filho, eu tive três mas morreu dois.
P - Nasceu logo depois do casamento, como é que foi?
R - Logo depois do casamento.
P - E o senhor perdeu os filhos por quê?
R - Aconteceu, a mulher perdia.
P - Na parte de movimento sindical, o senhor disse que não participou da greve mas freqüentava o sindicato.Ia sempre?
R - Sempre freqüentei, no tempo da greve a gente ficava em casa depois ia lá no sindicato para saber sobre a greve como que estava, não ia na indústria porque a indústria estava fechada. Porque todas aquelas greves a maioria não trabalhava, ninguém trabalhava, não adianta entrar meia dúzia para fazer o quê, então parava todo mundo e o patrão falava: "Quando resolver vocês vêm trabalhar." Aí a gente ficava em casa e ia só no sindicato saber qual era o movimento, quando é que a gente poderia voltar. E aí eles falavam: "Bom, vocês escutam pelo rádio, quando o rádio falar que acabou a greve vocês vão trabalhar." Era isso.
P - Sua participação foi na época de 64, o senhor se lembra dos movimentos políticos, das greves, tem alguma lembrança desse período?
R - Não, teve muito movimento mas isso aí eu não estou...
P - O senhor trabalhou nessa empresa até 69,
R - Até 69.
P - E depois o senhor aposentou?
R - Depois aposentei. Aposentei em 69.
P - E aí não exerceu mais a profissão de metalúrgico, não teve mais nenhuma atividade?
R - Não.
P - Como foi até o final em que o senhor trabalhou, mudou alguma coisa no trabalho, as tarefas eram as mesmas, como eram?
R - Depois que eu saí?
P - Não, até na época em que o senhor trabalhou. A empresa ainda continuou do mesmo jeito, ou mudou alguma coisa?
R - Não, mudou, aí o negócio, agora melhorou muito, a empresa eu acho que nem existe mais, não sei se ainda existe, mas aí melhorou bastante.
P - O que melhorou?
R - Modo de trabalhar, o serviço melhor, mais facilidade, mais técnica, todo esse serviço melhorou bem, o nosso era tudo serviço mais braçal bem dizer, tudo feito no... Naquele tempo aí é que começou as ferramentas, arrumar as ferramentas, almoxarifado tudo com ferramentas próprias para o serviço, máquinas apropriadas. Naquele tempo se o senhor ia fazer uma chaveta o senhor ia na máquina fazer uma chaveta, hoje tem máquina especial para fazer chaveta, fazer engrenagem, tudo.
P - E o senhor não chegou a pegar isso?
R - Não.
P - Até quando saiu ainda tinha que fazer tudo?
R - É, estava melhorando, estava bem melhor, mas depois que eu saí...
P - Acha que hoje é mais fácil ser metalúrgico?
R - Hoje é muito mais fácil, hoje tem todas as ferramentas prontas, máquinas modernas, é muito diferente hoje.
P - Eu queria que o senhor fizesse uma reflexão, uma avaliação de todos esses anos de trabalho como metalúrgico e como avalia a sua vida?
R - Como?
P - Uma avaliação como o senhor vê assim... o senhor realizou tudo que o queria? Acha que ser metalúrgico foi uma coisa que gostou de fazer?
R - Ah, eu gostei de fazer justamente porque eu realizei a minha vida, construí uma casa, aliás eu tenho duas propriedades hoje, tenho uma casa para o meu filho morar, tenho a minha. E estou com a vida, graças a Deus, realizada. Tenho a minha casa e ganho mais ou menos o que dá para viver.
P - O senhor tem o seu salário de aposentado...
R - Tenho o meu salário de aposentado, só eu e a minha esposa, tenho a minha casa com conforto, como pobre, mas dá para a gente ir vivendo.
P - E o seu filho, ele se formou em quê? Ele trabalha em quê?
R - O meu filho é vendedor, ele trabalha em vendas, equipamentos. Ele também graças a Deus está bem, está com os filhos, minha neta é formada, professora, é formada em Letras, tem um bom emprego. O meu neto, tem um neto que está estudando, fazendo faculdade, Direito. A família está mais ou menos realizada.
P - Beleza. Obrigado, então e a gente encerra aqui.Recolher